Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Encaminha ao Ministro das Cidades e à Secretária Nacional de Habitação, Inês da Silva Magalhães, o artigo da escritora Ana Miranda, intitulado "Um amor, uma cabana", e trabalhos dos arquitetos Sylvio de Barros Sawaya e Cydno da Silveira, sobre as qualidades das casas de Taipa.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • Encaminha ao Ministro das Cidades e à Secretária Nacional de Habitação, Inês da Silva Magalhães, o artigo da escritora Ana Miranda, intitulado "Um amor, uma cabana", e trabalhos dos arquitetos Sylvio de Barros Sawaya e Cydno da Silveira, sobre as qualidades das casas de Taipa.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2007 - Página 33616
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ESCRITOR, ENCAMINHAMENTO, MINISTERIO DAS CIDADES, SECRETARIA, HABITAÇÃO, ANEXAÇÃO, ESTUDO, ARQUITETO, VANTAGENS, METODO, CONSTRUÇÃO, UTILIZAÇÃO, BARRO, TRADIÇÃO, HISTORIA, BRASIL, SUGESTÃO, ORADOR, INCLUSÃO, METODOLOGIA, PLANEJAMENTO, POLITICA HABITACIONAL.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela ordem. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, estou encaminhamento ao Ministro das Cidades, Márcio Fortes de Almeida, e à Secretaria Nacional de Habitação, Inês da Silva Magalhães, artigo da escritora Ana Miranda intitulado "Um amor, uma cabana", e trabalhos dos arquitetos Sylvio de Barros Sawaya e Cydno da Silveira, sobre as qualidades das casas de taipa.

            Pelas considerações expostas nesses artigos, é muito importante que os planos habitacionais de nossos Governos estimulem as construções de taipa por sua economicidade e facilidade de acesso aos materiais necessários, racionalidade e tradição advinda desde os índios, dos primeiros colonizadores, da simplicidade e da beleza.

            Alguns de nossos maiores arquitetos, como Lúcio Costa, desde 1930, têm ressaltado a técnica barata, a simplificação respeitável e digna das casas de taipa. Nesse seu artigo "Um amor, uma cabana" escreve Ana Miranda:

Nossos pais diziam que para nos tornarmos seres completos era preciso escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Meu pai, que era engenheiro, acrescentava: construir uma casa. Escrevi livros, até demais, tenho um filho e plantei uma árvore, no jardim da casa onde cresci, uma muda de pau-rosa, ou flor-do-paraíso, que havia sido esquecida ao lado de uma cova estreita e funda, uma muda frágil, com poucas folhas, mais alta do que menininha que a salvou. A muda cresceu, transformou-se em um majestoso flamboyant, coberto de flores vermelhas.

Mas nunca construí uma casa. Sonho com isso. Gostaria de construir uma casa de taipa, com as próprias mãos, amassar o barro, atirar os barros nos enxaiméis e fasquias de madeira. Não se trata de uma idiossincrasia, nem de um gesto poético, muito menos uma visão religiosa. A taipa é um material apaixonante. Tem uma nobreza histórica. As reforçadas casas e igrejas coloniais brasileiras foram feitas de taipa de pilão, há ainda hoje na Alemanha casas em taipa, construídas no século 13, a própria muralha da China, símbolo da solidez, é taipa. A taipa tem mais de 9.000 anos, serviu a construções no Egito, na Mesopotâmia.

Um amigo meu, arquiteto, projetou e construiu belíssimas casas de taipa. Ele sé chama Cydno da Silveira e o conheci em Brasília, poucos anos antes de plantar o meu flamboyant. Cydno estudava na UnB quando, observando residências rurais, surpreendeu-se com a quantidade de casas de taipa, feitas de maneira intuitiva, quase como as abelhas fazem as suas colméias. Nunca tinha ouvido falar naquilo em seu curso, e percebeu o quanto era elitista o ensino da arquitetura. Fotografou as casas de taipa todas que encontrava. Ele se formou, passou a trabalhar com as técnicas industriais, como concreto armado, mas nunca esqueceu a taipa. Deu-se conta de que não sabia construir da maneira mais rudimentar e resolveu aprender. Estudou durante anos a técnica. Descobriu taipas diversas, vista no Maranhão, a taipa de carnaúba, a taipa mista de moldura de tijolos, a taipa feita com sobras de madeira e sucata. Descobriu a maleabilidade incrível do barro, novas estruturas, novos dimensionamentos do espaço e imensas possibilidades de melhoria na técnica tradicional. Estudou a combinação com elementos da cultura industrial, mas sem descaracterizar a antiga construção de estuque.

A casa de taipa nasce do chão, vem da natureza, é construída com o material que está ali, a terra e as árvores, e tem uma grande contribuição a dar a um país que não oferece moradia para todos, como o Brasil. O projeto de casas populares, que Cydno da Silveira afinal desenvolveu, ensina o homem a construir a sua própria casa e a cuidar dela. Tem o sentido de manter viva a sabedoria popular da taipa. Está sendo feita uma experiência na cidade de Bayeux, Paraíba, para treinamento de pessoas no projeto, construção, melhoria e restauração de edificações em taipa de pau-a-pique. Não recebendo a casa pronta, mas construindo-a, o dono toma por ela mais amor. Se for privado de sua terra, ele saberá construir uma nova habitação. O saber lhe pode servir como meio de vida, e a profissão tem um nome: taipeiro.

A casa de taipa é uma grande alternativa para habitação no meio rural e nas periferias urbanas. Típica das populações mais pobres, é uma forma de independência, uma estratégia milenar de abrigo, preservada nos sertões brasileiros, especialmente pelas mulheres. O sistema de autoconstrução elimina a aquisição de material, o transporte, o crédito, elimina o BNH e o processo industrial de construção, permite mutirão e, principalmente, educa.

É rápida a construção, usa-se mão-de-obra não qualificada, e é um instrumento para a posse imediata da terra. Permite uma construção tanto de caráter provisório quanto perene e a técnica pode ser levada a lugares onde não chega o material industrializado. Uma simples caiação evita a umidade e basta fechar as frestas onde o barbeiro gosta de fazer seu ninho. Integra a família, as mulheres e as crianças trabalham na construção, e integra o grupo na sociedade quando em regime de mutirão. Apesar de tudo isso, é completamente ignorada pelos meios administrativos, considerada subabitação, não há nem mesmo linha de crédito nos órgãos do Governo para a casa de taipa. Marcos Freire, antes de morrer, estava tratando de corrigir esse lapso. Nas esferas “civilizadas”, há dificuldade em compreender a taipa. Não há legislação nem a favor nem contra. Quando da construção de Carajás, Cydno realizou um projeto de moradias em taipa de pau-a-pique para os empregados, utilizando o fartíssimo material do lugar. Seu projeto não foi aceito, e os tijolos, o cimento e o ferro viajaram de avião até Carajás.

Na taipa não há desperdício de material e nem agressão ecológica, a madeira usada nas estruturas é em quantidade cinco vezes menor do que a necessária na queima de tijolos para uma parede das mesmas dimensões. “A tomada de consciência ecológica, surgida como uma ponte de luz no extremo mais estreito do túnel da crise de energia, vai servindo para provar-nos que nem sempre o habitat humano está condenado a ser feito de concreto, aço e vidro. Assim, quando tudo em arquitetura parecia dirigir-se para uma negação sempre maior da natureza, que volta a oferecer uma saída diante das agruras da crise. E o faz com aquilo que lhe é primeiro e essencial, a terra, o elemento mais fecundo de tudo o que nos cerca”, escreveu o arquiteto Roberto Pontual.

Quando, nos anos 1930, Lúcio Costa projetou uma vila operária, em Monlevade, toda em taipa de pau-a-pique, escreveu: “...faz mesmo parte da terra, como formigueiro, figueira-brava e pé-de-milho - é o chão que continua... Mas justamente por isso, por ser coisa legítima da terra, tem para nós, arquitetos, uma significação respeitável e digna, enquanto que o pseudomissões, ‘normando ou colonial’, ao lado, não passa de um arremedo sem compostura”. E aconselha: devia ser adotada para casas de verão e construções econômicas de modo geral. É uma técnica muito mais barata, atende àqueles casais remediados que desejam uma casinha de campo. O projeto de Lúcio Costa, claro, não foi aceito pela Belgo Mineira.

O Cydno vai projetar a minha casa de taipa. Vou querer uma casa, uma lareira, um fogão a lenha e uma vassoura daquelas de gravetos. Uma árvore frondosa por perto, pode ser flamboyant, um gramado na sombra para piquenique, contemplação ou leitura. Também dizia meu pai, nas coisas mais simples está o sentido da vida.

            Assim, Sr. Presidente, encaminho este artigo, bem como os trabalhos de Sylvio Sawaya e Cydno da Silveira ao Ministro Márcio Fortes, para que possa considerar as qualidades da casa de taipa nos planos habitacionais, bem como à Secretária Nacional de Habitação, Inês da Silva Magalhães.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

ABCTerra; Os Projetos da “nova casa de taipa” são de autoria da CSA Arquitetura.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2007 - Página 33616