Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória do Deputado Ulysses Guimarães pelo transcurso dos 15 anos do seu falecimento.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do Deputado Ulysses Guimarães pelo transcurso dos 15 anos do seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2007 - Página 34165
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, QUALIDADE, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, BRASIL, DEFESA, UTILIZAÇÃO, POLITICA, REALIZAÇÃO, JUSTIÇA, COMBATE, AUTORITARISMO.
  • DETALHAMENTO, ATUAÇÃO, NATUREZA POLITICA, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, HISTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, OBJETIVO, OPOSIÇÃO, INCENTIVO, CAMPANHA, ELEIÇÃO DIRETA, CONTRIBUIÇÃO, REDEMOCRATIZAÇÃO, PAIS, ELABORAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, JUSTIÇA SOCIAL, LIBERDADE, DEMOCRACIA.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com muita alegria que, neste momento, saúdo figuras históricas e pré-históricas do nosso velho MDB de guerra, encarnado principalmente na pessoa do grande Deputado Paes de Andrade, que tanto orgulho trouxe ao nosso Partido como parlamentar, como militante, como Presidente Nacional do nosso Partido.

            Saúdo também nosso grande jurista que, hoje, com muito brilho, ocupa a Presidência do Diretório Nacional do PMDB, Deputado Michel Temer, e o Líder na outra Casa do Congresso, o eminente Deputado Henrique Alves, também da velha guarda do nosso Partido, que, muitas vezes, vi pelos corredores do Congresso, acompanhando nosso homenageado.

            Cumprimento também essa figura impoluta, o Oswaldo, o homem que conseguia colocar o velho combatente nos lugares entupidos de gente e que dali conseguia tirá-lo também. Esse é o Oswaldo, o amigo e o fiel escudeiro do velho combatente!

            Cumprimento minha amiga Marilda, do Diretório Nacional, que veio a esta Casa, hoje, para prestigiar este evento.

            Sr. Presidente Renan Calheiros, graças ao requerimento apresentado pelo ilustre Senador Jarbas Vasconcelos, que saúdo nesta oportunidade, que também é um dos ícones do nosso Partido e que tem uma longa trajetória de lutas no processo de redemocratização do Brasil, estamos reunidos para homenagear e reverenciar a memória do inesquecível e do saudoso Ulysses Guimarães.

            O Senado da República, sempre presente nos momentos decisivos da vida nacional, não poderia deixar passar em claro os 15 anos que nos separam de figura tão rica de exemplos de perseverança e de fé.

            Particularmente, carrego uma grande emoção, da qual os ilustres participantes da Mesa são testemunhas. Fui um dos fundadores do antigo MDB e também do seu sucedâneo, o nosso PMDB. Fui também colega e liderado do inesquecível Dr. Ulysses Guimarães na Câmara dos Deputados e na Assembléia Nacional Constituinte, onde testemunhei o grande afeto e a grande amizade que o unia ao nosso Colega Heráclito Fortes.

            Senador Heráclito Fortes, lembro-me - não sei se V. Exª sabe ou não - de que muitas piadas surgiram na época da Constituinte sobre aquele seu relacionamento tão estreito com o Dr. Ulysses e de que surgiram piadas também sobre o próprio Ulysses, que se internava numa mesa como essa presidida pelo Presidente Renan Calheiros e que de lá não saía. Ficava fincado o tempo todo lá, despertando a curiosidade de muitos, que indagavam: “O Dr. Ulysses, por acaso, tem alguma mangueira por baixo, alguma coisa que o permite atender suas necessidades fisiológicas?”. Isso era dito, tal a dedicação que ele tinha pelos trabalhos que presidia.

            No dia 12 de outubro de 1992, o destino confiscava a vida de um dos maiores políticos brasileiros de todos os tempos: no fundo do oceano, o corpo de Ulysses Guimarães era tragado pela tempestade que ceifou também as vidas de sua mulher, Dona Mora, do ex-Senador Severo Gomes e de sua esposa e do piloto do helicóptero em que viajavam.

            Numa de suas famosas frases, ele dissera que, se alguém visse seu corpo ser trasladado por um cortejo fúnebre, poderia estar certo de que, dentro do ataúde, estaria um homem muito contrariado. Por ironia do destino, não houve cortejo. Os restos mortais do “Velho Timoneiro” nunca foram encontrados, mas suas lições e seus exemplos jamais foram perdidos, exatamente como os grandes heróis e os grandes mitos.

            Quis Deus que relembrássemos esse triste episódio da vida nacional decorridos apenas alguns dias em que aqui estivemos reunidos para celebrar o Dia Internacional do Idoso. E ele era um idoso, certamente. Era um idoso rebelde que não deixava por menos aqueles que criticavam sua senectude: “Sou velho, mas não sou velhaco”. Quem não se lembra dessa frase dele? Quantos de nós a usamos em nossos comícios e em nossas concentrações?

            Quando foi batizado em Rio Claro, São Paulo, onde nasceu, já recebera o nome de um dos mais ardilosos guerreiros de toda a epopéia grega. Ali, o destino já lhe reservava a grande vocação de guerreiro. Diferentemente do Ulisses grego, o nosso revelaria mais tarde o guerreiro da palavra que liberta e edifica, o guerreiro da paixão pelas idéias, pela liberdade e pela política, o guerreiro pela vida!

           Por isso, qualquer coisa que se diga sobre a figura de Ulysses Guimarães ficará muito aquém daquilo que realmente ele significa para a política e para a História deste País. Poucos são aqueles que, como ele, viveram a política com tanta intensidade e com tanto idealismo.

            Certa vez, ele próprio chegou a dizer:

Política não se faz com ódio, pois não é função hepática. É filha da consciência, irmã do caráter, hóspede do coração. Eventualmente, pode até ser açoitada pela mesma cólera com que Jesus Cristo, o Político da Paz e da Justiça, expulsou os vendilhões do Templo. Nunca com a raiva dos invejosos, maledicentes, frustrados ou ressentidos. Sejamos fiéis ao evangelho de Santo Agostinho: ódio ao pecado, amor ao pecador. Quem não se interessa pela política não se interessa pela vida...

            Eis a grande lição do nosso velho Ulysses!

            Entrou na política, o Dr. Ulysses, pelo extinto Partido Social Democrático (PSD), legenda que legou ao País algumas das mais importantes figuras da resistência ao arbítrio e grandes líderes do Congresso Nacional, como Nelson Carneiro e Humberto Lucena, que foi Presidente desta Casa. Mas a trajetória política de Ulysses Guimarães se confunde mesmo é com a história do nosso Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mais tarde denominado PMDB, Partido que ajudou a fundar e do qual foi Presidente.

            A história de Ulysses Guimarães e a do PMDB é uma história de lutas: luta pela liberdade, luta pela democracia, luta pela justiça social! E um dos pontos altos dessa luta foi a campanha presidencial de 1973.

            Vivíamos, naquele momento, a sucessão de mais um general da ditadura. O nome do futuro Presidente da República já estava sacramentado pelo Alto Comando militar: seria o do General Ernesto Geisel.

            Não havia, de fato, uma eleição, mas apenas uma praxe protocolar. O nome escolhido deveria ser referendado pela Arena, partido que dava sustentação ao Governo e, posteriormente, aclamado no Colégio Eleitoral, onde a Oposição possuía apenas 108 dos 503 Parlamentares.

            Nesse contexto, apesar de saber que não tinha qualquer chance de vitória, o Dr. Ulysses tornou-se o “anticandidato” à Presidência da República, encabeçando uma chapa que possuía o insigne jornalista Barbosa Lima Sobrinho como Vice. Naquela ocasião, proferiu, perante os convencionais, talvez o seu mais morável discurso, em que dizia: “Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição”. Nesse célebre discurso, legou lições ainda hoje muito oportunas: “A grandeza do homem [dizia] é mais importante do que a grandeza do Estado, porque a felicidade do homem é a obra-prima do Estado” e “A estátua dos estadistas não é forjada no varejo da rotina ou pela fisiologia do cotidiano”.

            Vejam e sintam, Srªs e Srs. Parlamentares, a profundidade e a grandeza dessas palavras, pronunciadas há 34 anos. Ainda hoje ecoam em nossas almas como exemplos a serem seguidos por todos nós que militamos na vida pública.

            Naquele momento, como em todos os outros de sua vida, Ulysses não se deixou intimidar pelas pressões do establishment, que, como ele mesmo disse, conjuravam que era “hora de fiar e não de se aventurar”. Sem se deixar tragar pelas vozes pessimistas das “Cassandras” de sempre, que afirmavam a inutilidade da resistência e do combate, nosso “velho timoneiro” levantou as velas de sua nau e, recordando o brado de Fernando Pessoa, legou-nos mais uma inesquecível lição, que muitos de nós repetimos por muitas campanhas: “Navegar é preciso, viver não é preciso”.

            Uma década depois, o anticandidato de 1973 transformava-se no “Sr. Diretas”, ao liderar, talvez, a maior mobilização popular de todos os tempos: a campanha das “Diretas Já” - e alguns de seus símbolos estão aqui neste plenário, como aquele velho guerreiro que está sentado lá atrás, o Senador Pedro Simon, também grande amigo do saudoso Ulysses Guimarães, e o autor desta memorável reunião, Senador Jarbas Vasconcelos.

            Sentindo o clamor popular, o Deputado Dante de Oliveira apresenta uma emenda à Constituição, estabelecendo que “o Presidente e o Vice-Presidente da República serão eleitos, simultaneamente, [...] por sufrágio universal e voto direto e secreto, por um período de cinco anos”.

            Em 12 de janeiro de 1984, em Curitiba, acontece o primeiro grande comício da campanha, organizado pelo PMDB e com o apoio do governo do Estado. Ulysses pronunciou o que foi dito em muitos outros comícios: “Temos que acabar com essa Bastilha nojenta e repugnante que é o Colégio Eleitoral, para libertar do calabouço o voto direto” .

(Interrupção do som.)

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Logo em seguida, o comício da Praça da Sé, que reuniu 200 mil a 300 mil pessoas, quando o Dr. Ulysses decretou de vez: “a queda da Bastilha”.

            Apesar de todos os esforços, a Emenda Dante de Oliveira foi derrotada, numa votação melancólica para todo o povo brasileiro. Parecia que tudo estava acabado. Teríamos de amargar, mais uma vez, o Colégio Eleitoral. Todavia, a habilidade de Ulysses Guimarães, aliada à sensibilidade política de alguns nomes de peso que sustentavam o regime e que percebiam não ser mais possível sufocar o clamor popular por mudanças - nomes como os dos Senadores José Sarney e Marco Maciel - permitiram que fosse costurada a Aliança Democrática, que viabilizou a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República.

            Ao assumir o posto de mais alto mandatário da Nação, em virtude da doença e morte de Tancredo Neves, o Presidente José Sarney adotou uma postura conciliadora, que permitiu realizar sem atropelos a transição da ditadura para a democracia.

            Honrando os compromissos assumidos por Tancredo, convocou a Assembléia Nacional Constituinte para remover o chamado “entulho autoritário”.

            O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador, sem pretender interromper o brilhante discurso de V. Exª, eu queria aproveitar a oportunidade para agradecer a visita ao Senado Federal dos participantes do Encontro Nacional da Indústria da Construção, vindos de todo o Brasil, no momento em que reverenciamos o Dr. Ulysses Guimarães pelos 15 anos de sua morte.

            Muito obrigado a todos e a todas pela presença.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - E, aproveitando a deixa de V. Exª, Sr. Presidente, eu gostaria de registrar e agradecer a presença de vários Deputados Federais, que estão abrilhantando esta sessão.

            A missão, então, era remover o chamado “entulho autoritário” e “passar o Brasil a limpo”. Ninguém, a não ser o Deputado Ulysses Guimarães, possuía maior capital político, maior envergadura moral e maior honradez para presidi-la.

            A Assembléia Nacional Constituinte marcou o coroamento de sua vida pública: ao mesmo tempo em que a presidia, Ulysses presidia também o PMDB, a Câmara dos Deputados e ainda assumia interinamente a Presidência da República nas eventuais ausências do titular, o Presidente José Sarney.

(Interrupção do som.)

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Tal acúmulo de poder, Sr. Presidente, não modificou sua personalidade. Continuou na trincheira, combatendo, ensinando e, sobretudo, amando aquilo que fazia com maestria: a política. Jamais se deixou contaminar pelo cupim da corrupção e pelo fascínio do arbítrio, do ódio e da vingança pessoal.

            A Constituição Cidadã, como ele mesmo a denominou, foi uma obra de muitos: durante os 18 meses de trabalho da Assembléia Nacional Constituinte, 39 mil emendas foram apresentadas e estudadas, 5,4 milhões pessoas transitaram pelos corredores do Congresso Nacional, trazendo suas contribuições, expondo suas idéias e acompanhando a elaboração da futura Carta Magna do País.

            Mas a Constituição de 1988 foi, sobretudo, uma obra do Dr. Ulysses.

            Além de, incansavelmente, presidir os trabalhos daquela Assembléia, muitas vezes insistiu em vão para que as atividades se realizassem continuamente, inclusive aos sábados, domingos e feriados. E aqui estamos alguns Constituintes que experimentamos aquele momento.

            Graças ao seu temperamento conciliador e a sua tenacidade, Ulysses conseguiu conduzir a Constituinte à elaboração de um texto assimilável pelas diversas correntes de opinião, além de preservar a unidade do Partido que tanto amou, o PMDB.

            O destemor no combate à ditadura, a paixão pela liberdade e pela democracia, o gosto pela vida e pela política, essas, Srªs e Srs. Senadores, são as marcas indeléveis de Ulysses Guimarães, deixadas nos corações e nas mentes de todos que, como ele, amam a liberdade, amam a democracia, amam a justiça.

            Na aridez dos tempos em que vivemos, tão carentes de coragem, de desapego e de ética, relembro aqui as mesmas palavras que o Dr. Ulysses pronunciou naquele 27 de julho de 1988 como conselho para a posteridade: “O povo nos mandou para fazer a Constituição; não para ter medo”.

            O povo nos mandou promover o desenvolvimento, a justiça social, a liberdade e a democracia. É nosso dever fazê-lo sem ódio, sem rancores, mas com paixão, a mesma paixão que moveu incansavelmente nosso velho timoneiro até aquele fatídico dia 12 de outubro de 1992.

            A Ulysses Guimarães, nossos maiores tributos e nossa eterna gratidão.

            Era essa a mensagem, Sr. Presidente, que gostaríamos de fazer, em meu nome próprio e em nome da Bancada do PMDB com assento nesta Casa.

            Obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2007 - Página 34165