Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a insegurança e a impunidade geradas pela permanente interpretação das leis penais em favor do criminoso.

Autor
Romeu Tuma (DEM - Democratas/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Considerações sobre a insegurança e a impunidade geradas pela permanente interpretação das leis penais em favor do criminoso.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2007 - Página 33902
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • CRITICA, LEGISLAÇÃO PENAL, POSSIBILIDADE, INTERPRETAÇÃO, BENEFICIO, CRIMINOSO, ESPECIFICAÇÃO, HOMICIDIO, ABUSO, SEXO, CRIANÇA, OCORRENCIA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PERIODO, LIBERDADE PROVISORIA, ACUSAÇÃO, ESTADO, NEGLIGENCIA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, TELEJORNAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, CRIME, CIRCUNSTANCIAS, CRITICA, AUTORIZAÇÃO, LIBERDADE PROVISORIA, CRIMINOSO, DEFICIENTE MENTAL, PERIGO, SOCIEDADE, COMPARAÇÃO, LIBERAÇÃO, PRESO, ACUSAÇÃO, CRIME HEDIONDO.
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO PENAL, IMPUNIDADE, CRIMINOSO, PREJUIZO, SOCIEDADE, DEFESA, NEGAÇÃO, BENEFICIO, PRESO, OCORRENCIA, DUVIDA, PERICULOSIDADE, PREVENÇÃO, CRIME.

O SR. ROMEU TUMA (DEM - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou dizer-lhes algo de arrepiar os cabelos. Faz parte do panorama de descaso com a vida e a segurança pública, decorrente de uma legislação dúbia e permissiva gerada há alguns anos.

Muito se tem falado nesta tribuna contra tal situação alarmante. Comissões e subcomissões já foram por nós constituídas com o objetivo de infernizar a vida dos bandidos e melhorar a segurança dos cidadãos. Mas, desfeito o impacto emocional causado pelos crimes, geralmente produzem o efeito contrário.

Eu mesmo propus ou relatei dezenas de projetos de lei e até propostas de emenda constitucional naquele sentido. Mas, tudo se mostra inútil, a exemplo do que sucede com a PEC para o emprego das guardas municipais no reforço do policiamento, que o Senado aprovou por unanimidade há 5 anos, porém, continua pendente de votação no Plenário da Câmara dos Deputados.

Depois, na aplicação da lei, por melhores que tenham sido as intenções dos parlamentares seus autores, sempre surge uma “abalizada” interpretação destinada a beneficiar os delinqüentes. Ao contrário do que se propala, nenhuma lei penal brasileira impõe uma camisa-de-força ao julgador, retirando-lhe a capacidade de dosar a pena de acordo com a convicção oriunda da prova dos autos. Da mesma forma, nada o impede de decidir a favor da sociedade e das vítimas, se existem dúvidas quanto ao perigo de libertar o réu ou condenado, caso o seu passado desaconselhe a medida facultativa.

Entretanto, embora as leis não engessem as sentenças, estas quase sempre são prolatadas nalgum sentido que beneficie o algoz e não para proteger quem acabará injustiçado para amargar o pavor da impunidade alheia.

Por mais que oremos pela não repetição dos crimes hediondos banalizados nos noticiários, vemos ocorrer a cada dia algo pior e tenebroso. Agora, mais um caso comove a Nação. Envolve o assassinato de dois irmãos adolescentes, em São Paulo, confessado sem qualquer remorso por um maníaco sexual autor de número ainda incalculável de atentados dessa natureza.

A exemplo de muitos outros bandidos condenados e soltos, esse também adquirira o direito de prosseguir em sua senda nefanda, graças à negligência, imprudência, irresponsabilidade, falta de bom senso e do que mais se possa pensar de quem recebe poder e salário para afastar os criminosos da sociedade e não o faz. Será que sequer na consciência desses maus servidores do povo dói o remorso impraticável por aquele crápula?

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, vou ler na íntegra o que disseram William Bonner, Fátima Bernardes e seus repórteres no Jornal Nacional da TV Globo, sexta-feira última, dia 28. Da mesma forma, reproduzirei a matéria levada ao ar pelo Jornal da Band na mesma data, com assinatura e voz do repórter Rodrigo Hidalgo. Dizem tudo o que precisa ser dito neste Plenário para nos fazer lembrar a obrigação republicana de, pelo menos, ajudar a garantir a vida de quem nos colocou aqui. 

Mesmo desacompanhados das terríveis imagens então exibidas, os textos do Jornal Nacional e do Jornal da Band identificam personagens do absurdo judicial que teve seu ápice na tortura e morte daqueles garotos.

Eis o que revelou a TV Globo:

“O presidiário que confessou ter matado dois jovens na Serra da Cantareira, em São Paulo, foi reconhecido hoje por mais oito adolescentes. Com eles, subiu para 21 o número de vítimas do maníaco.

“Quem abriu a porta para a saída do preso Ademir Oliveira do Rosário? Condenado a 18 anos por assassinato, roubo e atentado violento ao pudor, Ademir passou pela primeira avaliação psiquiátrica logo depois de ser preso, em 99. Ele foi considerado semi-imputável, tinha consciência, mas não controlava os próprios atos.

“Cinco anos depois, no Hospital Psiquiátrico de Taubaté, Ademir foi avaliado duas vezes. O último, exame, em novembro de 2005, dizia: o preso ‘sofre de transtorno não especificado de personalidade, além de retardo mental leve. Periculosidade presente’.

“Segundo o juiz corregedor dos presídios de São Paulo, Cláudio do Prado Amaral, o laudo não afasta a possibilidade de que Ademir participasse algum dia do Programa de Desinternação Progressiva, que prevê saídas aos fins de semana. Mas, os psiquiatras recomendaram a transferência do preso para o hospital de Franco da Rocha em regime fechado de internação.

“A juíza Regiane dos Santos, da Vara de Execuções Penais, desconsiderou o laudo. Ela autorizou a entrada de Ademir no programa de desinternação e, desde agosto do ano passado, ele saía sexta e voltava segunda-feira.

“Nas saídas, praticava os crimes. Hoje, mais cinco garotos reconheceram Ademir como o autor de abusos sexuais.

“É preciso que haja um monitoramento muito próximo desse réu, pelo menos nos passos iniciais, para saber se esse réu tem de fato condições de entrar nesse programa’, disse Henrique Calandra, da Associação Paulista de Magistrados.

“Não adianta acompanhamento fora do hospital’, diz o psiquiatra forense Guido Palomba, com mais de 30 anos de trabalho. Para ele, a questão é impedir a saída em casos como esse.  

“Ele apresenta periculosidade social. Ele não poderia ter entrado na desinternação progressiva, porque são deformações que não são apenas psíquicas, são deformações também de origem orgânica que determinam esse tipo de comportamento’.

“A juíza que autorizou as saídas do preso não quis se manifestar. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, o juiz tem autonomia pra tomar qualquer decisão.

“A decisão de um outro juiz, desta vez da cidade de Vespasiano, Minas Gerais, também está provocando muita controvérsia. Ele mandou soltar seis presos considerados perigosos.

“Três presos acusados de tentativa de homicídio e de homicídio qualificado foram libertados. Os moradores de Vespasiano estão preocupados. ‘Vai ficar solto pondo em risco a população?’, questiona uma moradora.

“Os presos aguardavam julgamento no fórum da cidade, onde o juiz criminal expediu os mandados de soltura. Ele considerou que as audiências estavam sendo adiadas por falta de promotores, o que caracterizaria um constrangimento ilegal dos presos.

“E, segundo a Associação de Magistrados, em Minas um acusado não pode ficar mais de quatro meses preso sem julgamento. ‘Existem mais de 100 atas consignando a ausência do Ministério Público nas audiências criminais. Ele não teria como agir de forma diferente’, esclarece Nelson Missias, presidente da Amagis.

“O Ministério Público confirma que há falta de promotores em Minas Gerais, mas entrou com recurso contra a decisão do juiz alegando que, no caso da cidade de Vespasiano, existia a possibilidade legal de adiar os julgamentos, mantendo os acusados presos.

“Segundo os promotores, não houve excesso de prazo nem constrangimento ilegal, porque os acusados já haviam sido encaminhados para julgamento pelo juiz. ‘Ele precipitou e tomou uma decisão absurda. São homicidas conhecidos, alguns com mais de três homicídios’, criticou o promotor de Justiça Francisco Santiago.

“Uma liminar do Tribunal de Justiça suspendeu os alvarás de soltura e evitou que outros três acusados de homicídio voltassem às ruas. A PM começou as buscas pelos que foram libertados.

“As viaturas do batalhão, que fazem o policiamento da área, já estão com as atenções voltadas para os três que foram colocados em liberdade, estão à procura deles e caso sejam encontrados, serão levados aos respectivos locais de onde saíram’, afirmou o comandante da PM, Flávio Batista.”

Por sua vez, o Jornal da Band noticiou:

“O psiquiatra que autorizou a saída, em regime semi-aberto, do acusado de matar dois irmãos, em São Paulo, concedeu o mesmo benefício a outros criminosos perigosos.

“Ademir Oliveira do Rosário já tinha sido condenado por assassinato e roubo, mas foi só depois de violentar dois garotos de 12 anos, em 98, que passou por psiquiatras.

“Algumas avaliações o consideraram uma pessoa normal. Outras apontaram um transtorno de personalidade. Mas, foi o laudo assinado pelo psiquiatra Charles Kiraly que deixou Ademir livre para passar os fins de semana em casa. Nessas saídas, Ademir confessou o assassinato dos dois irmãos numa reserva ambiental em São Paulo e ter violentado outros 11 garotos.

“O psiquiatra já esteve envolvido em outros laudos polêmicos. Ele assinou o atestado de saúde mental de João Acácio Pereira da Costa, o ‘Bandido da Luz Vermelha’, que passou trinta anos preso. Quatro meses após a liberdade, João Acácio foi morto numa briga com um pescador.

“No ano passado, Charles Kiraly atestou que ‘Champinha’, acusado da morte dos namorados Liana Friedenbach e Felipe Café, poderia deixar a unidade de detenção para menores. Um novo exame atestou que o jovem ainda oferece perigo à sociedade.

“Hoje, Kiraly não foi encontrado na clínica de São José dos Campos, Interior paulista. Mas, quando questionado sobre o laudo de ‘Champinha’, se defendeu dizendo que não são os médicos que liberam o preso e sim a Justiça.

“O juiz corregedor dos presídios de São Paulo, Cláudio Duprat do Amaral, não gravou entrevista, mas disse hoje que a juíza, que autorizou as saídas de Ademir nos finais de semana, não errou. Afirmou que a falha está em todo o processo. Por isso, ele anunciou que vai reavaliar o programa de desinternação progressiva. O resultado pode levar à punição de peritos ou até o fechamento de manicômios judiciários.”

Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que trágica mixórdia! A que ponto chegamos. Para completar o quadro dantesco, resta uma possibilidade aventada pelo preclaro Procurador de Justiça e meu amigo, Dr. Rubens Rodrigues, isto é, a de que o maníaco homicida possa se valer da condição de semi-imputável para conseguir outra medida de segurança que lhe permita, em apenas alguns poucos anos, voltar à prática daqueles crimes hediondos.

O que estou a lhes dizer representa uma inversão de valores, pois faço do Senado da República uma caixa de ressonância para o noticiário da imprensa. Esta continuará a desempenhar sua missão com galhardia, inclusive para apontar outras mazelas de um sistema penal arcaico, inoperante, odioso e ameaçador.

E nós, o que faremos? Somos simples caronas no bonde da História ou temos a obrigação de ajudar a escrevê-la? Sumiram os princípios basilares do processo penal e da fase de execução penal, sobejamente conhecidos até por qualquer acadêmico de direito, mas reiteradamente omitidos nos julgados, como se fossem algo arcaico e superado?

O in dubio pro reo, que teria vigência somente até a condenação, continua a nortear decisões posteriores, nas quais o in dubio pro societate deveria ser plenamente respeitado e aplicado, mormente na fase de execução penal.

No afã de se colocar em liberdade criminosos perigosos, ao invés de se reclamar tanto das leis existentes, deixando a sociedade à mercê de toda classe de delinqüentes, não seria pelo menos prudente considerar que, na dúvida, eles devam ficar presos ou recolhidos? Não seria o caso de negar um benefício, se houver dúvida sobre a periculosidade presente na pretensão de um condenado? Seja qual for o benefício, na dúvida, jamais deveria ser concedido? Claro que sim, pois a não concessão não acarretará prejuízo a esse réu. No máximo, terá ele que cumprir a pena ou a medida de segurança. Nada além de cumprir sua obrigação legal, posto que decorre de uma sentença emanada do poder competente, isto é, o Poder Judiciário.

Além do mais, quem, na dúvida, concede o benefício, torna-se co-responsável no mínimo moralmente pelo que daí possa suceder.

Será que já não estamos ultrapassando a derradeira oportunidade de levar mais a sério a parte criminal deste Pais? Ou será que vamos permitir passivamente o crescimento estatístico do número de vítimas - mortos, aleijados, órfãos e famílias arrasadas - até alcançarmos mais recordes, numa demonstração inequívoca de que tudo vemos e sabemos, porém, nada fazemos?

Era o que, infelizmente, precisava lhes comunicar e questionar.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2007 - Página 33902