Discurso durante a 190ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a fidelidade partidária. Intenção de apresentar proposta que cria a fidelidade do partido político. Apresentação de requerimento de voto de pesar pela morte do poeta e escritor Cassiano Nunes.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SENADO. POLITICA PARTIDARIA. TRIBUTOS. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a fidelidade partidária. Intenção de apresentar proposta que cria a fidelidade do partido político. Apresentação de requerimento de voto de pesar pela morte do poeta e escritor Cassiano Nunes.
Aparteantes
Edison Lobão, Heráclito Fortes, Paulo Duque, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2007 - Página 36716
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SENADO. POLITICA PARTIDARIA. TRIBUTOS. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ESTADO DO PIAUI (PI).
  • APRESENTAÇÃO, VOTO DE PESAR, MORTE, POETA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB).
  • ANALISE, CONTRADIÇÃO, POLITICA, BRASIL, PERIODO, HISTORIA, PROCLAMAÇÃO, REPUBLICA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, LEI FEDERAL, ESTABELECIMENTO, FIDELIDADE PARTIDARIA, ANALISE, NECESSIDADE, AJUSTE, BENEFICIO, MELHORIA, SITUAÇÃO POLITICA, GARANTIA, FIDELIDADE, POLITICO, CUMPRIMENTO, PROMESSA, ELEITOR.
  • MANIFESTAÇÃO, APOIO, APROVAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, DESTINAÇÃO, VERBA, SAUDE.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, AUTORIZAÇÃO, ELEITOR, POSSIBILIDADE, ENCAMINHAMENTO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), PEDIDO, CASSAÇÃO, SIGLA, INFLUENCIA, AUMENTO, FIDELIDADE, PARTIDO POLITICO, IDEOLOGIA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, AUSENCIA, INTERVENÇÃO, PRETENSÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, INVASÃO, BOLIVIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Mão Santa.

Começo, dando os parabéns ao senhor e ao Senador Heráclito pelo Dia do Piauí, dizendo do meu carinho por todos os piauienses, mas, especialmente, Senador Mão Santa, por aqueles que vivem no Distrito Federal, que vieram de lá ajudar a construir uma nova capital para o Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao mesmo tempo, peço seja registrado requerimento meu de voto de pesar pelo falecimento, nesta semana, do nosso grande poeta do Distrito Federal, Cassiano Nunes, que faleceu em idade avançada, deixando uma obra respeitável como poeta e como professor da Universidade de Brasília.

Sr. Presidente, vim aqui com a intenção de falar sobre outros assuntos, mas, tendo ouvido o discurso do Senador Paim, termino reorientando meu discurso. O Senador Paim falou sobre as declarações deste grande cientista Watson - um dos marcos da ciência no século XX no mundo inteiro e, diria, em toda a história -, que cometeu a estupidez de falar que a inteligência depende da raça e não da educação, independentemente da raça, e também a estupidez de imaginar que existe uma inteligência e não muitas inteligências diferentes.

Criar uma bomba atômica é ou não uma inteligência? É uma inteligência do ponto de vista da Física e da Lógica, mas é uma estupidez do ponto de vista da Ética. E tem gente que faz bomba atômica.

Quero trazer para cá uma pergunta, Senador Paim e Senador Pedro Simon: será que nós, os políticos brasileiros, somos inteligentes? Será que existe inteligência no Congresso brasileiro? Será que existe inteligência quando não conseguimos, em quatro meses, resolver o problema que havia nas relações do Congresso com o nosso Presidente? Será que há inteligência quando a gente não consegue resolver esse assunto da CPMF de uma maneira que o povo fique satisfeito e que o Tesouro não quebre?

Tenho a impressão de que a gente tem dado diversos sinais de falta de vida inteligente aqui dentro - e não é deste Senado, é em toda a história do Brasil -, mas o mais grave para mim, o que torna mais clara a falta de inteligência na vida política brasileira é o fato de tudo o que a gente faz ser feito de forma incompleta.

A gente fez - não era ainda o Senado - uma independência claramente incompleta. A nossa independência é dependente. Nós temos uma independência, desde 1822, que não resiste aos espirros fora do Brasil, que age conforme determinações de outros países, que se submete a banqueiros. Que independência é essa?

E a República? Que República é esta, que mantém o País dividido em duas castas completamente diferentes? Que República é esta, em que os pais da República fazem uma bandeira e escrevem um texto nela sabendo que 70% dos brasileiros eram analfabetos? Setenta por cento eram analfabetos, e a bandeira tem um texto escrito! Se não fossem daltônicos, reconheceriam qualquer bandeira pelas cores, mas a frase escrita, no Brasil, não entendiam. Hoje, dezesseis milhões não são capazes de identificar a bandeira: se a gente misturar as letras do “Ordem e Progresso”, eles acham que continua sendo a bandeira do Brasil. Por isso, eu tenho carregado por aí uma bandeira em que se escreve “Educação é Progresso”. Não proponho mudar a bandeira. Darcy Ribeiro propunha isso, propunha que se voltasse à origem, que era: “Amor, Ordem e Progresso” - era assim a inspiração que vinha de Auguste Comte, mas também não é uma boa coisa trazer uma inspiração de fora para fazer uma bandeira aqui dentro. Não. Eu estou querendo provocar apenas o espírito da bandeira, não o desenho dela.

E a Abolição da Escravidão, Senador Paim? Tem coisa mais incompleta neste País de que a Abolição da Escravidão? Essa Abolição significou dizer ao negro: “Escravo, a partir de amanhã, você não precisa trabalhar forçadamente: pode ficar desempregado. A partir de amanhã, você não vai comer mais os restos da casa-grande: pode morrer de fome. A partir de amanhã, 14 de maio, você não precisa viver mais na senzala: pode ir para debaixo de uma ponte nas cidades”. Isso é uma abolição completa? Não, é uma abolição incompleta.

E o desenvolvimento econômico? Quer coisa mais incompleta do que o desenvolvimento a taxas de 10%, como chegamos a ter, que não distribuiu o produto? Um desenvolvimento baseado apenas na produção e não na ética, não na cultura, não na educação, não na saúde, não na moradia? Quer coisa mais incompleta neste País do que o desenvolvimento que nós fizemos? Foram os que nos antecederam é claro, mas foi a nossa classe que o fez. É difícil saber se tem ou não inteligência na política brasileira.

Mas eu quero pegar um gesto de anteontem. Aprovamos aqui uma lei que todos querem - eu votei a seu favor, e a sua aprovação foi unânime -, a lei que estabelece a fidelidade aos partidos. Mas até que ponto essa é uma lei completa? É claro que não é completa. A lei de fidelidade partidária é uma lei incompleta, porque estabelece a fidelidade do filiado ao partido, mas não a fidelidade do partido ao povo.

Eu mudei de partido, mas eu duvido verem uma mudança no meu discurso de hoje em relação ao de antes. Faço o desafio de compararem meus discursos, minhas falas, meus votos e minhas propostas com os de muitos que ficaram no Partido dos Trabalhadores. Quem é mais infiel? Quem mantém a coerência, mudando de sigla, ou quem, incoerentemente, continua na mesma sigla? Não tenho dúvida de que o fiel é o que se mantém ligado ao que prometeu aos seus eleitores.

O Senador Heráclito Fortes falou há pouco: o PT era radicalmente contra a CPMF; hoje, é radicalmente a favor. Fui a favor antes, quando era do PT, e continuo achando que é um imposto cujo defeito é a orientação dos resultados. O problema da CPMF, minha gente, não é a sua cobrança; o problema é que não cumprem o que estava no espírito da CPMF quando de sua criação. O problema não está no imposto, está no destino do dinheiro, e esse destino era previsível. Por isso, se quiserem manter a CPMF levando esse dinheiro para o povo pobre inteiramente, para a educação, para a saúde, eu estou pronto para votar nela contente, feliz, como defendi na hora em que ela foi recriada, na verdade, no Governo Fernando Henrique Cardoso - no Governo Itamar tinha havido uma experiência, mas foi encerrada e voltou com Fernando Henrique Cardoso, em 1997.

E o PSDB é coerente? Fez um imposto e agora é contra. Claro que diz que era provisório, mas esse que está aí é provisório, só que com um adiamento. Ninguém está propondo que seja permanente - aliás, seria a mesma sigla, com o “p” de permanente, não precisava nem mudar.

Creio que a gente precisa completar a lei da fidelidade. Não quero ficar contra ela de maneira alguma; acho-a positiva, correta. Gostaria até que o Partido dos Trabalhadores entrasse no Supremo pedindo o meu mandato, ficaria até mais tranqüilo de ver a decisão dos senhores juízes em relação a isso. Gostaria que fizessem isso, embora tenha sido numa data muito antiga, mas seria bom para o processo, para que ficasse claro tudo isso.

O que quero aqui não é me colocar contra a lei que eu apoiei; eu quero é tentar completar essa lei. É preciso uma nova lei: a lei da fidelidade do partido. Não podemos ficar apenas na fidelidade ao partido, como votamos esta semana; é preciso uma lei de fidelidade do partido.

Eu quero propor essa lei, mas, antes, passo a palavra para um aparte ao Senador Pedro Simon, o que muito me orgulha.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador, quero dizer a V. Exª, com muita sinceridade: tenho muito orgulho de ser colega de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Tivemos grandes nomes no Congresso. Tivemos aqui o Senador Calmon, um herói da luta pela educação. Não sei se V. Exª sabe da injustiça que o Estado do Calmon fez para ele: negou-lhe a legenda para Senador. Nesta hora em que estão falando sobre fidelidade no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral, essa é uma questão que deveria ser analisada. Acho correto exigir a fidelidade partidária, mas e quando a ditadura partidária resolve perseguir alguém? Fizeram isso com o Calmon. O PMDB do Espírito Santo não lhe deu legenda para Senador, nem lhe deu legenda para Deputado Federal. Colocaram-no para concorrer a Deputado Estadual, mas, ao mesmo tempo, incluíram outro João Calmon, primo em terceiro grau, que nunca tinha usado esse nome - o nome dele era Manoel da Silva João Batista Calmon não-sei-do-quê, sei lá o nome. Ele pinçou “João Calmon” e o registrou na Justiça Eleitoral primeiro que o João Calmon. João Calmon não se elegeu Deputado Estadual! É interessante isso. O Tribunal e nós deveríamos falar de fidelidade partidária também. Mas estou no meu Partido, ele tem que cuidar de mim. Quer dizer, se sou ladrão, coloque-me para fora! Eu tenho um projeto de lei que diz o seguinte: a primeira fiscalização que deve ser feita em torno de candidatos é do partido. Eu fiz isso no Rio Grande do Sul. Nos anos em que fiquei na direção do Partido no Rio Grande do Sul eu fiz isso. Uma pessoa que estava praticamente eleita, não coloquei como candidato do PMDB porque tinha uma biografia suja. Um era do jogo do bicho. Foi lá, candidatou-se e se elegeu deputado por outro partido, mas no meu, não. Ele era até uma pessoa muito humanitária, não sei o quê etc e tal; mas era o chefão do jogo do bicho na região. Não dei legenda para ele. Por outro lado, quando o cara é correto, mas sofre perseguição partidária, também termina não ganhando a legenda. Mas eu me referi a tudo isso para dizer a V. Exª: V. Exª me orgulha. V. Exª é a pessoa - mais do que João Calmon - mais apaixonada por educação que já vi na minha vida, no Congresso brasileiro. V. Exª não luta apenas por projetos que destinam, por exemplo, 20% para a educação, mas é a sua vida, seu debate. V. Exª está trazendo a educação ao ponto máximo que ela já atingiu neste Congresso Nacional. E as suas palestras são uma aula. E temos que lê-las para aprender, como tenho feito. Qualquer dia, vou ao seu gabinete e levarei as suas palestras sobre educação que tenho - assim, desta altura -, e todas estão sublinhadas, para eu aprender, porque realmente acontece isso. Em tese, não precisa colocar “Educação” na Bandeira do Brasil. Se eu fosse brasileiro quando escolheram a Bandeira do Brasil, o lema não seria “Ordem e Progresso”. Até prefiro o da bandeira da República de Piratini, que é o lema da Revolução Francesa, que é até melhor. Mas o lema... Quanto ao progresso, pode-se dizer o seguinte: o progresso começa pela educação, porque não está dizendo qual é o progresso, interpreta-se como se acha que se deve interpretar. E hoje - como diz V. Exª - a primeira linha de progresso, sob qualquer ângulo, progresso da identidade, progresso da ideologia, progresso da moral, progresso da ética, progresso do desenvolvimento, começa na educação. Mas, às vezes, V. Exª parece um visionário, porque se dedicar como V. Exª se dedica à educação... V. Exª foi candidato à Presidência da República e não tinha tempo, porque se tivesse tido seria diferente. V. Exª se despreocupou dos votos que ia ter, mas V. Exª fez uma fantástica caminhada pela educação. Foi fantástico! Está certo que falar na educação em um debate político-eleitoral, em que o que valem são as teses, não é um troço que... Nós não estamos compenetrados dessa importância. Mas V. Exª levantou essa tese. E acho que, hoje, V. Exª tem absoluta razão quando diz que tudo começa na educação. Eu não tenho nenhuma dúvida nesse sentido. Quando V. Exª estava falando que São Paulo não é o mesmo, que agora é diferente, pois o cidadão vem do Nordeste e não encontra trabalho, e não sei mais o quê, lembrei-me quando o Lula veio do Nordeste num pau-de-arara, com a mãe - que o marido abandonou - e mais sete irmãos pequenos, e conseguiu ir a uma escola do Senai, onde teve educação, aprendeu a profissão de torneiro, que lhe deu a chance de começar. Ele não foi adiante na educação, poderia ter ido, mas não foi. No entanto, teve o suficiente para ser encaminhado, para ser um líder sindical, criar um partido, ser Deputado e vir a ser Presidente da República. Tudo começa na educação. E V. Exª nos tem dado aula aqui. Pena que V. Exª... Eu vejo o início e o depois. Vou para a tribuna, daqui a pouco, porque me emocionou um artigo de Frei Betto hoje, no Correio Braziliense. Não sei se V. Exª o leu.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Não.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - “Como endireitar um esquerdista”, mostrando a diferença entre de esquerda e esquerdista. V. Exª, se tivesse ficado no Ministério, porque fico pensando... V. Exª foi o primeiro Ministro da Educação do Lula, não foi?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Fui.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Isso mostra a intenção do Lula quando chegou lá. Se ele escolheu V. Exª para Ministro da Educação, ele tinha a melhor das intenções. Agora, duas perguntas podem ser feitas: uma questão é entender... Mas V. Exª esteve lá e ninguém disse uma palavra contra a sua pessoa. De sua dignidade, correção, capacidade e competência ninguém fala; eles falam que V. Exª é um grande teórico, mas que não tem o jogo de cintura para arrumar verbas, essa coisa toda, num Ministério em que se precisa ter. Mas, na verdade, não é isso. V. Exª era um grande nome, cujas propostas tinham que ser aceitas pelo Governo se quisesse priorizar a educação, o que não aconteceu. Veja a diferença entre como começou e como está hoje. Assim como Frei Betto estava lá quando começou e saiu fora. Lamentavelmente, as pessoas ou têm uma profundidade para entender seu conteúdo, ou V. Exª atrapalha. V. Exª é a voz da consciência que irrita as pessoas que estão ali. O que V. Exª diz é a verdade, é irretorquível; mas, ao mesmo tempo, eles não querem fazer aquilo. Então, V. Exª tem que se afastar, tem que sair. Porque é o teórico, o intelectual, é um homem profundo. Olha, só escuto isso. Inclusive as pessoas do PT não têm uma vírgula contra você. Todos o elogiam. É sensacional. Mas V. Exª é para um Brasil perfeito, quando tudo estiver resolvido. Agora, nesses caminhos que estão aí, V. Exª não é o homem, porque V. Exª é inflexível. Mas eu lhe digo uma coisa: V. Exª é fã e admirador do Dr. Brizola. Não há dúvida de que o Dr. Brizola, no Rio Grande do Sul, fez uma coisa emocionante. Foram milhares de escolinhas que ele fez. Escolinhas pequeninas de madeira, singelas, lá no interior, não apenas na cidade, mas lá no distrito. Naquela cidadezinha, naquela vilazinha, onde as pessoas não tinham condições de ir à escola, ele implantava uma escolinha. Foi um grande trabalho. No Rio de Janeiro, já foi completamente diferente. No Rio de Janeiro, estávamos vivendo uma outra época, trinta anos depois. No Rio de Janeiro, ele fez o colégio completo. Pegava a criança com sete ou oito anos, colocava no primário, e a criança ficava na escola em turno integral. Concorda comigo? Como seria o Brasil se houvesse turno integral para valer? A criança sai de casa, vai para a escola, toma banho quando chega, tem roupa limpa, toma café da manhã, estuda, dorme depois do almoço, levanta, tem um turno de brincadeiras, de não sei o quê e volta para casa às 7 horas, depois de ter jantado e tomado banho. Teria criança de rua? Teria criança drogada? Teria criança nas favelas, vivendo em função das tristezas de ter, de um lado, os bandidos e, de outro, a polícia, também bandida? O Brizola foi um grande homem. Mas eu acho V. Exª superior ao Brizola. O Brizola era um grande prático, um grande executivo - fazia, não há dúvida. Mas V. Exª é um grande intelectual. V. Exª apresenta as teses, apresenta as propostas, apresenta uma teoria que, se transformada em prática, pode levar este País ao seu grande destino. Olhe, Senador Cristovam Buarque, vou-lhe dizer uma coisa com muita sinceridade: se hoje, por um milagre de Deus, tivéssemos que fazer uma reflexão no sentido de que “o Brasil está no fim, na ética, na moral, na seriedade; o Congresso está uma lástima; vamos nos reunir e fazer um governo de salvação nacional”, V. Exª era um nome que estaria nesse governo, no Ministério da Educação, posso lhe garantir. Um abraço.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado a V. Exª, Senador Pedro Simon. E não é nenhuma troca de gentilezas, mas, no caso desse milagre de Deus, da grande união nacional, o Presidente seria o senhor. Não vou dizer que seja o único. Há outros poucos aí...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador, eu fiz um elogio de coração a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - O meu também é de coração.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª está me rogando uma praga.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Pedro Simon.

Mas, de fato, eu nem ia tocar nesse assunto, mas um país educado não vai precisar de lei de fidelidade partidária. Mas a educação é um outro assunto e não quero tocar nele. Eu quero ficar mesmo é na política. Precisamos completar a lei que aprovamos na quarta-feira, estabelecendo uma lei de fidelidade do partido e não apenas a lei de fidelidade ao partido. O que o Senador Pedro Simon contou sobre João Calmon - que eu não conhecia - é prova do risco de ficarmos apenas na metade da lei, exigindo fidelidade ao partido.

Os juízes disseram que o mandato pertence ao partido. O partido pode cassar não só o direito de disputar, pode cassar o mandato. Se o mandato pertence ao partido, em qualquer momento ele pode pedir ao Supremo Tribunal Federal que casse o mandato de um Deputado do seu partido. E vai ser possível isso? É correto isso?

Essa lei precisa ser completada, e não vou querer completar ajeitando-a para resolver os diversos problemas que tem, como esse poder do partido de cassar, como o problema de um prefeito que muda para o partido do vice, que faz parte da mesma coligação. Ele vai perder o mandato?

Toda essa confusão vai ser criada porque, enquanto a lei não for completada, ela é nada mais nada menos que uma camisa-de-força num organismo louco, que é a maneira como se faz política no Brasil. E camisa-de-força não cura louco. Ela é necessária, votei nessa lei, pois ela permite dar um salto, mas é uma camisa-de-força.

A falta de inteligência começa na origem dessa lei. Lei não pode se originar no Poder Judiciário, e votamos aqui porque o Poder Judiciário fez a lei antes de votarmos nela. Não se pode aceitar poder de legislar vindo de fora do Congresso. Medida provisória é um acinte, na maneira como ela é usada. As medidas liminares judiciais são um acinte à democracia. Só que nós, ao agirmos sem inteligência, como estamos agindo, estamos criando na cabeça do povo um desejo de que surjam poderes fora do Congresso, seja fardado, seja togado, e o povo aplaudindo medidas que vêm de fora. E, quando medidas são tomadas de fora, por fardados ou por togados, a gente vai abrindo mão do nosso poder, de respeitabilidade, de legitimidade, e aí a gente sabe o resultado: um Congresso fechado, mesmo com aparência de aberto. Para fechar Congresso não é preciso fechá-lo fisicamente, basta fazê-lo irrelevante, e é isso que a gente está fazendo: um Congresso irrelevante.

Então, na origem, essa lei já nasce incompleta, do ponto de vista do respeito à democracia. Mas não é só isso. Ela é incompleta porque não trabalha para fortalecer os partidos. Diz que vai fortalecê-los, porque os parlamentares não podem sair deles. Que partido vai ser forte com um parlamentar que já disse que vai sair e que volta descontente? Como vai ser forte um partido que, em vez de se unir em busca de programas, de ideologias, de propostas, se divide ainda mais com gente que é contra o partido, mas que fica dentro dele para não perder o mandato? E se o partido disser que quer o mandato, como dono que é, porque ele quis sair e decidiu voltar, mas não o aceita mais?

Isso é também, Senador Edison Lobão, uma forma de camisa-de-força que, em vez de fazer o louco ficar bom, vai fazê-lo ficar mais furioso, só que dando a impressão de que está bom porque ele não pode se mexer. É uma lei incompleta, e temos de completá-la, porque votamos a favor dela, apesar de tudo.

Concedo um aparte ao Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PMDB - MA) - Meu caro amigo e líder, toda vez que se faz uma lei de afogadilho, no epicentro de uma crise, ela não pode ser a melhor. As leis têm de ser meditadas. Temos de ter um número menor de leis, porém leis melhores, de boa qualidade. As nossas leis são de péssima qualidade. Temos no Brasil, hoje, funcionando cerca de 180 mil leis, nem os computadores conseguem controlar a legislação brasileira. O que se fez agora foi exatamente isto a que V. Exª se refere: uma camisa-de-força. Nem pode haver a orgia de mudança de partido a cada minuto e por qualquer razão, nem se pode impedir definitivamente alguém que está eventualmente incompatibilizado na sua agremiação partidária de deixar o partido, procurar uma alternativa, porque, em tal circunstância, não é bom para o detentor do mandato nem para o partido. Se há uma incompatibilidade eventual, é bom que se encontre uma solução. O que fizemos foi querer atender a uma emergência, e elaboramos a toque de caixa uma lei, que é uma emenda, votada aqui em cinco minutos, até por unanimidade. A Câmara disse que vai alterar profundamente a lei, e deve fazê-lo, na tentativa de melhorá-la. Isso tudo porque não foi votada na Câmara - aqui, votamos - a reforma política. Durante anos e anos estudamos no Senado, com seriedade, com afinco até, uma reforma da legislação política. Criou-se uma Comissão Especial no Senado, eu era o mais modesto de todos os membros dessa Comissão, elaboramos um elenco de leis e mandamos para a Câmara há 12 anos: a reforma política. Até hoje, a Câmara não se deteve no exame dessa importante matéria. E o resultado é que, no bojo de uma crise política, resolve o Senado votar, de um dia para o outro, uma lei dessa magnitude. Cumprimento V. Exª por estar abordando com coragem esse tema. É preciso que o Senado tenha coragem de dizer as coisas, de fazer as coisas certas e dizer aquilo que precisa ser dito, no sentido de criticar aquilo que nós próprios fazemos equivocadamente, e é o que V. Exª faz neste momento. Cumprimentos a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado.

Vou citar mais um caso da confusão dessa lei. Imagine que um Deputado ou Senador sai de um partido para outro, e o parlamentar desse sai para o outro. Os partidos podem chegar a um acordo e dizerem: “A gente não vai entrar na Justiça pedindo a cassação”. Então, vai surgir aqui uma bolsa de parlamentares, Senador Heráclito, mudando de partido combinado com outros: “Eu vou para o seu partido e você vem para o meu, e os nossos partidos ficam quietos”.

Volto a insistir, disse aqui: o meu Partido pode pedir o meu mandato, acho que tem direito disso pela lei. Embora digam que é a partir de 27 de março, e faz muito tempo, eu gostaria que nem fosse analisado pelo lado da data, fosse analisado pelo mérito: quais as razões que levam uma pessoa a mudar de sigla.

Sr. Presidente, vou terminar. Tudo isso é para dizer que vou apresentar um projeto de lei - estou trabalhando ainda em alguns detalhes, pois é complicado -, permitindo ao eleitor cassar a sigla. Esta é a concepção original, que falta trabalhar: a partir de um certo número de assinaturas em abaixo-assinados, que eleitores brasileiros possam enviar ao Supremo Tribunal ou ao Tribunal Superior Eleitoral o pedido de cassação da sigla inteira, Senador Heráclito Fortes. Não é a assinatura do eleitor que cassará a sigla. Não, isso seria uma temeridade. Mas poderia abrir um processo de cassação da sigla. E os parlamentares dessa sigla, se um dia alguma for cassada, ficam e se espalham para os partidos que quiserem. Isso que é exigir a fidelidade do partido e não apenas a fidelidade ao partido.

Para que isso seja feito, há uma preliminar. É preciso que os partidos registrem no TSE, com rigor, os seus compromissos, Senador Paulo Duque; que o partido diga: eu, no poder, vou cumprir os seguintes compromissos; que ele diga: nossos candidatos, tendo mandato, vão cumprir os seguintes compromissos. Aí, com base nessa carta do partido no TSE, qualquer eleitor, com um conjunto mínimo de assinaturas, poderá pedir ao Supremo ou ao TSE que casse a legenda inteira.

Temos de criar uma lei de fidelidade do partido, pois a lei de fidelidade ao partido é incompleta, como quase tudo que temos feito no Brasil, como prova da não-inteligência como estamos funcionando nesta Casa, ao longo da história. Não é um problema só nosso, mas ao longo da história.

Concedo um aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Senador Cristovam Buarque, esta sexta-feira deveria ser melhor analisada não apenas pela imprensa, mas também pela Nação. É um dia em que, com mais tempo e até de maneira mais informal, descontraída, conseguimos desenvolver teses e mostrar ao País uma realidade que nem sempre se consegue no burburinho do dia-a-dia. Quero louvar V. Exª pelo seu pronunciamento e chamar atenção para o fato de como mudou o ex-Partido de V. Exª, que, ao longo da sua história, Senador Paim, defendeu direitos humanos e democracia. Senador Cristovam, na semana passada, o Presidente da Venezuela ameaçou invadir a Bolívia. Não se ouviu do Governo brasileiro uma manifestação de preocupação com a democracia na América do Sul. E o Brasil é vizinho dos dois. Qualquer conflito nos traz conseqüências gravíssimas, Senador Paim. Imagine se fosse uma invasão de um país que não rezasse pela cartilha que tenta dominar agora a América Latina! E o Brasil tem envolvimento nesse movimento terrível, chegando, inclusive, a desrespeitar hierarquias para sobrepor a tese do seu Presidente internacional e seu assessor “top-top”, Marco Aurélio, sobre a lógica política do Ministro das Relações Exteriores, que deve ser a política oficial do Brasil. Mas a situação do País, Senador Lobão, é mais grave. Em umas situações, o Governo diz que com justiça não se brinca e não se discute, cumpre-se. O Senador Mão Santa sabe o que aconteceu no Piauí. Em uma decisão da Justiça, um desembargador decretou a prisão da Secretária Regina Sousa. O Governador simplesmente disse que não ia cumprir. Mas, vejam bem: quem pediu a prisão, Senador Paulo Paim, foi um Vereador do PT. É briga entre amigos. Foi o Vereador Jacinto Teles. Não vamos questionar o porquê. O fato é que a prisão foi decretada, a Srª Regina ficou despachando pelo telefone - os jornais todos anunciaram isso -, e o Governador dizia que não ia cumprir a decisão, ganhando tempo para conseguir uma liminar, como conseguiu, no STJ. Questiono a Justiça nesse ponto, Senador Lobão. Penso que, nessas circunstâncias, liminares só poderiam ser concedidas se lá, na origem, houvessem sido cumpridos os mandados. Vai-se conceder liminar para soltar quem não foi preso? A própria Justiça desrespeita uma decisão da Justiça. Assim, começa-se a inverter o processo legal no País, com desrespeito à hierarquia das leis. Muitas vezes, paga-se o preço que pagamos, como agora, por exemplo, em relação à questão da filiação partidária, em que houve o quê? Omissão nossa. O Senado, anteontem, aprovou um projeto, e a Câmara simplesmente respondeu que o projeto, do jeito que está, não será votado. Antigamente, havia entendimento, Senador Lobão. Nossas divergências eram tratadas de maneira reservada. Desse jeito, vai ficar uma coisa interessante: vota-se lá um projeto e não se aprova; vota-se aqui outro e não se aprova. Quem é que perde? O País. E o Tribunal, enquanto isso, começa a legislar. Por omissão nossa. Falta liderança no Executivo, mas falta liderança aqui também. Essas duas Casas sempre funcionaram harmonicamente. E V. Exª, Senador Lobão, acompanha isso há quantos anos? Até em momentos difíceis, com o entendimento começando entre os Presidentes. A Câmara sempre teve uma influência muito grande de quem a conduz. É preciso que seja restabelecido esse fato. Desafiar a Justiça de público, como Parlamentar, digo que é uma bravata e que não rende nada. O que temos de fazer é calçar as sandálias da humildade e procurar fazer reformas que sejam objetivas para o País, reformas eleitorais, sem nos preocuparmos exclusivamente com financiamento de campanha. Estamos num País que está brigando agora pela prorrogação da CPMF, Senador Simon, para atender à saúde. O Ministro da Saúde reclama da epidemia da dengue, que cresceu muito nos cinco anos do seu Governo. Portanto, não podemos estar aqui tratando de financiamento de campanha, mas era o que a base do Governo queria. Só se discutiria a reforma se se começasse pelo financiamento de campanha. Assim não dá, Senador Cristovam! Agradeço a V. Exª a tolerância, e parabenizo-o por mais esta oportunidade que tem de mostrar ao povo brasileiro que vale a pena estar aqui. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Heráclito.

Eu só queria levantar um ponto sobre o assunto relacionado à Venezuela, que é interessante: a falta de inteligência no argumento do Governo brasileiro ao se omitir. Vejam bem: um país diz que vai intervir no outro, e o argumento do Governo brasileiro é que não vai fazer crítica porque não quer intervir em assuntos internos desse País que diz que vai intervir no outro. É uma contradição completa na maneira de se comportar. Essa falta de maneira inteligente de trabalhar é que está dificultando.

Presidente Paim, vou concluir. Nunca fiquei tanto tempo aqui. Graças aos apartes, graças, talvez, a uma fala longa. Vou resumir os três pontos que abordei aqui: primeiro, agarrando o gancho do discurso do Senador Paim...

O Sr. Heráclito Fortes (PMDB - PI) - No capítulo da Venezuela, V. Exª quer mais um exemplo? Os jornais de hoje mostram que uma empreiteira - nem sei qual é, uma empreiteira brasileira - financiou a impressão de uma cartilha de Simon Bolívar para ser distribuída nas escolas brasileiras. E não se toma nenhuma providência quanto a isso? Um Governador de Estado deu tratamento diferenciado aos navios de bandeira venezuelana nos nossos portos, o que, além de ilegal, é injusto. E por aí vai! Só para reflexão.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Está bom, mas, Senador Heráclito, não vou entrar em detalhes em relação a isso. O fato me chama atenção para comprovar como somos incompletos na realização das coisas. Os venezuelanos tiveram um libertador, que foi Simón Bolívar, e nós tivemos um príncipe. O nosso Bolívar é Dom Pedro I. Não vamos comparar, mas um fez a independência do País, e não foi só a da Venezuela

Ficamos com o filho do rei da metrópole da qual queríamos nos livrar. Vejam como estamos incompletos na história do Brasil, independentemente de emitirmos juízo sobre o livro que está vindo para cá.

Sr. Presidente Paim, comecei pegando o gancho do seu discurso sobre o problema da declaração de Watson sobre a inteligência diferenciada entre brancos e negros, para trazer o problema da inteligência na maneira de se fazer política no Brasil. A prova de não se ter inteligência é a maneira incompleta como fazemos tudo neste País. Listei. Depois, trouxe a idéia dessa lei incompleta da fidelidade ao partido, que não veio acompanhada de uma lei de fidelidade do partido. E eu, Senador Mão Santa, vou trazer um projeto para discutirmos sobre como exigir fidelidade do partido ao eleitor, ao povo, ao País. Seja por meio de que abaixo- assinados possam levar pedidos de cassação da legenda ao TSE, seja - que é o que penso que é melhor - o TSE, acatando isso, fazermos um plebiscito para que o povo inteiro vote se é a favor ou não de que partidos que rompem seus compromissos devam descontinuar-se na política.

Senador Duque, V. Exª está pedindo um aparte?

Senador Paim, com isso, estou incomodando o Senador Garibaldi, o Senador Mão Santa, o Senador Pedro Simon. Já são exatamente 12h - porque só falta um minuto para isso.

Muito bem, concedo um aparte ao Senador Duque sem problema.

O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - É uma honra dialogar com V. Exª, sobretudo pelos temas que aborda, como professor universitário, homem de cultura múltipla e ex-Ministro da Educação. Sua idéia de apresentar um projeto sobre Partidos é oportuna. Sou do tempo em que só havia dez Partidos no País, entre eles a UDN e o PSD; depois o PTB, legítimo; o PR, Partido Republicano, de Arthur Bernardes; e o PST. O Partido Comunista durou pouco tempo depois de 1946. A legenda foi cassada pelo Supremo Tribunal Federal, sob alegação de que um Partido deveria ser nacional e não estrangeiro com filial no País. A tese é até inteligente, tanto que mudaram nomes de siglas. Havia dez Partidos e os políticos da época sabiam exatamente o que significavam e como distingui-los. Hoje, não. Pergunto ao meu mestre nordestino, o Senador Francisco de Assis: quantos Partidos existem no Brasil?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu não sei.

O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Nem V. Exª, nem eu e nem ele sabemos. O mestre Pedro Simon talvez não saiba quantos Partidos existem, hoje, no País, porque ninguém sabe, essa é a verdade. Sabem citar um ou outro, pá, pá, pá. Não sabem. E sobre penalidade? A grande penalidade a que eu assisti depois da redemocratização de 1946 não partiu da lei, mas da própria imprensa, que, de uma maneira ardilosa, compareceu à residência magnífica de um Deputado Federal, no Rio de Janeiro, chamado Edmundo Barreto Pinto. Não sei se V. Exª se lembra. Ele era Deputado Federal, mas era um tipo esquisito, um tipo estranho.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Vi uma foto dele.

O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - A revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro, queria fazer uma reportagem sensacional e pediu ao Deputado uma entrevista, em que fazia questão de publicar um retrato do Deputado. Como ele consentiu em ser fotografado? Ele usou a sua casaca - que, naquela época, ainda se usava muito -, mas sem as calças.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - De cuecas.

O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Ele ficou só de cuecas. Então, esse foi um retrato internacional, que bastou para que um Deputado Federal independente, talentoso - um dos mais talentosos que eu já vi -, chamado Carlos Lacerda, iniciasse uma campanha para cassação do mandato, a primeira a que assisti, do Sr. Edmundo Barreto Pinto, Deputado, casado com a Condessa Martinelli, riquíssimo. Aquilo serviu como exemplo de como deve, realmente, o próprio Congresso punir alguém sem pressão. Foi uma coisa natural. Então, aguardo com bastante ansiedade essa proposição, esse projeto que V. Exª acaba de nos relatar, que vai trazer, porque é preciso, é necessária, é inadiável, essa reformulação partidária.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso.

O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Isso é importante, Senador. Olha, hoje é sexta-feira. É a primeira vez que venho ao plenário numa sexta-feira e eu não sabia que era tão animado, em termos de tranqüilidade, o debate de temas sérios, importantes. O Senado só pode, só deve focalizar assuntos de muito interesse. Ontem mesmo, uma pessoa de Niterói, longe à beça, telefonou-me: “Olha, eu ouvi o seu discurso, ontem, e achei isso, isso, isso.”. Ele criticou e falou. Em suma, ela aproximou muito, mais muito, o Senado da opinião pública. V. Exª é veterano aqui, assim como o Senador Francisco de Assis, o Senador Pedro Simon e outros. Não sei quem teve essa milagrosa idéia de implantar uma televisão com acesso fácil, porque não é brincadeira a pessoa lutar, votar, brigar para eleger um Senador e não poder fiscalizá-lo. Pelo menos, com a televisão, com essa expansão, todo mundo vê, todo mundo pelo menos participa - não digo vigia, porque se deve trabalhar e estudar - da vida parlamentar do País, sobretudo do Senado. Nem sei que era o Presidente do Senado que fez isso. Seja ele qual for, merece a gratidão do povo brasileiro e o meu respeito. Muito obrigado. Desculpe-me por tomar o seu tempo, que sei que é medido, é precioso. Belo o seu projeto.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - O seu aparte enriqueceu a fala, sobretudo por lembrar esse fato histórico do Barreto, que foi fotografado contra a sua vontade, porque disseram para ele que seria uma brincadeira e que o retrato ficaria para ele, mas publicaram a foto na revista de maior circulação na época.

Encerro o meu discurso, Sr. Presidente, agradecendo pelo tempo, por toda a gentileza dos apartes, e dizendo: vamos trabalhar para completar a lei da fidelidade, e não ficar contra ela. Vamos completá-la.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2007 - Página 36716