Discurso durante a 201ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre frase que circula na Internet, segundo a qual o Governo do Presidente Lula "já está bom demais".

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre frase que circula na Internet, segundo a qual o Governo do Presidente Lula "já está bom demais".
Aparteantes
Pedro Simon, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/2007 - Página 38966
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DISCORDANCIA, MENSAGEM (MSG), INTERNET, AUTORIA, CIDADÃO, APOIO, GOVERNO, DEFESA, SUFICIENCIA, QUALIDADE, PROGRESSO, PAIS.
  • DEFESA, POSSIBILIDADE, CRESCIMENTO, PROGRESSO, BRASIL, NECESSIDADE, EMPENHO, POLITICO, GOVERNO, SOCIEDADE, TRANSFORMAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO, PRIORIDADE, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PODER AQUISITIVO, COMBATE, POBREZA, MISERIA, MAIORIA, POPULAÇÃO, GARANTIA, EFICACIA, EDUCAÇÃO, REDUÇÃO, ANALFABETISMO.
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, INTERESSE, PRIORIDADE, EMPENHO, REALIZAÇÃO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, BRASIL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, tem circulado nesses últimos dias, pelo menos chegou para mim pela Internet, uma frase de apoiadores do Governo, Senador Sibá, dizendo que, para o Brasil, já está bom demais. A idéia é de que, para o Brasil, o Governo Lula já está bom demais.

Volto a insistir no que tenho dito aqui: se compararmos o Presidente Lula com os que vieram antes dele, não tenho a menor dúvida em dizer que, se não for o melhor, é um dos melhores. Porém, dizer que está bom para o Brasil é reconhecer que o País não merece, não tem condições de dar um salto muito maior. Essa é a tristeza que tenho, de todos os meus amigos, companheiros do que a gente chama de Esquerda, pelo acomodamento em que a gente caiu e que é uma tradição neste País: para o Brasil, está bom demais, desde quando a gente começou.

Quando a gente começou, diferentemente dos outros países da América Latina, fizemos a independência e colocamos como chefe de Estado o filho do rei do país de que a gente queria se libertar e assumimos um imperador. Para o Brasil, estava bom demais. Os outros países fizeram suas repúblicas, elegeram alguém local. A gente colocou o filho do rei, mas, para o Brasil, estava bom demais.

Passou o tempo, e a gente insistiu com a escravidão, até que um dia fez a Lei do Vente Livre, que permitia que o filho de uma escrava - que não tinha sido comprado, portanto - não se tornasse escravo se, até ele chegar aos 21 anos, nenhum parente da família fugisse. E só ficaria livre aos 20 anos. Mas, para o Brasil, estava bom demais. Os outros países todos já haviam abolido a escravidão, até a Rússia tinha abolido o sistema servil. Para o Brasil, o Vente Livre estava bom demais. 

O tempo passou, e a gente fez a Lei dos Sexagenários - 60 anos, não dava mais para trabalhar no corte de cana-de-açúcar, na colheita de café. A gente disse: para o Brasil, está bom demais.

Fizemos a Abolição da Escravatura alguns anos depois, sem dar escola aos filhos, sem dar terra aos ex-escravos, mas, para o Brasil, estava bom demais. Para outro país não. Para outro país, sim, os escravos deveriam receber terras, a reforma agrária deveria ser feita, os filhos deles teriam escolas. Para o Brasil, não. Para o Brasil, estava bom demais.

A gente fez uma República. O próprio nome diz: a causa de todos, a causa pública. Mas fizemos uma República onde 65% da população era de analfabetos, e a gente fez uma bandeira escrevendo nela um texto. Portanto, 65% não eram capazes de reconhecê-la; uma bandeira que não era de todos. Mas, para o Brasil, estava bom demais, como diz esse slogan que está correndo a Internet nesses últimos dias, segundo eu soube, tendo origem em São Carlos, São Paulo. Estava bom demais uma bandeira apenas para 35% da população.

E a República continuou dividindo o Brasil entre uma elite privilegiada e uma massa excluída, mas, para o Brasil, estava bom demais.

Os outros países tomaram suas medidas para integrar a população em um só povo. O Brasil continua sendo uma República com dois povos, até porque a gente chama um de povo e o outro de povão. É um dos raros idiomas em que há duas palavras para dizer a palavra povo. A Índia, com suas castas, tem diversas palavras, mas eles não dizem “povo”, dizem “castas” diferentes. Nós, a aristocracia, branca, e os escravos. Quando veio a República, não dava mais para colocar dessa forma, inventaram a expressão povão. Mas, para o Brasil, está bom demais.

E a gente achou que não dava para continuar para sempre com uma sociedade rural, uma sociedade apenas exportadora e fez uma industrialização 40 anos depois da República. Quarenta anos depois! Mas, para o Brasil, estava bom demais 40 anos de uma sociedade apenas rural, exportadora, baseada em latifúndios.

Então, fizemos a industrialização, uma industrialização que não dividiu o produto, que, ao contrário, precisou concentrar a renda para criar demanda para os automóveis e os produtos de luxo que produzíamos. Se houvesse uma boa distribuição de renda, não teríamos conseguido vender os produtos que a nossa indústria produzia. Mas, para o Brasil, estava bom demais, porque já era o desenvolvimento econômico. Em alguns momentos, passamos a ser a oitava potência do mundo na economia e uma das últimas em condições sociais. Mas, para o Brasil, estava bom demais.

Aí somos um País riquíssimo, mas com a maior concentração de renda do planeta. Para o Brasil, está bom demais. Vem um programa que consegue distribuir um pouquinho dessa renda: distribui R$60,00 por mês; faz com que alguns saiam de renda zero para alguma renda, passem a comer. E ninguém pode dizer que isso é um salto. Mas, só no Brasil, é que a gente diz que isso está bom. Nenhum outro lugar se satisfaria com uma realidade em que sair da pobreza é passar de uma renda zero para R$60,00 por mês, ou de uma renda de R$60,00 para R$120,00 por mês. Em nenhum lugar se diz que isso é sair da pobreza, Senador Pedro Simon, porque sair da pobreza é dar escola com qualidade para seus filhos; sair da pobreza é ter um sistema de assistência; é ter onde morar, ter água, ter saneamento, não é ter renda. Renda faz você ser rico, não faz você ser pobre. Para que a renda lhe permita sair da pobreza, você tem de ganhar na loteria e ficar rico. O que tira da pobreza é o acesso aos bens reais, aos bens e serviços, Senador Pedro Simon. Mas, para o Brasil, está bom demais!

Dizemos que aqui a educação foi ruim. Aí se comemora que hoje 97% das crianças estão matriculadas. Veja bem! Só no Brasil é que dizemos que está bom demais. Dizer que 97% das crianças estão matriculadas significa dizer que 3% delas não estão. Mas no Brasil está bom demais! Ter 3% que não entram na escola está bom demais para o Brasil!

Agora, não se analisa que, desses 97%, a imensa maioria vai à escola só para comer, Senador Mozarildo, vai lá pela merenda, não vai pela escola. A escola é um restaurante mirim popular. Ficam apenas duas horas na escola. Mas, para o Brasil, está bom demais! A gente já tem 97% das crianças matriculadas e com merenda. Para o Brasil, está bom demais!

Aqueles que ficam um pouco mais escola, além da merenda, não freqüentam todos os dias, e quando freqüentam todos os dias, não freqüentam todos os meses. Quando chega o final do ano, os poucos que chegam não aprenderam a ler, mesmo na quarta série primária. Mas, para o Brasil, está bom demais! Chegaram à quarta série primária e não sabem ler, mas já chegaram ali. Para o Brasil, está bom demais!

É isto que está nos destruindo: essa sensação de que, para o Brasil, está bom demais, que não temos o direito de sonhar além disso. Para o Brasil, está bom demais ter 97% das crianças matriculadas, mesmo que não freqüentando e, freqüentando, não assistindo às aulas e, assistindo, não estudando e, estudando, não aprendendo. Mas, para o Brasil, ter 97% das crianças matriculadas está bom demais! É isto que está nos destruindo, a falta de querer ir além daquilo que consideramos estar bom demais.

E a democracia? A democracia está boa demais! Uma democracia em que esta Casa funciona na base de medidas provisórias vindas do Governo e de medidas liminares vindas da Justiça, sem nenhum poder. Não vamos nos enganar. Não estamos ficando apenas inoperantes, estamos ficando irrelevantes no processo democrático brasileiro. Mas está bom demais! E nós nos reunimos dois dias por semana. Para o Brasil, está bom demais! Pelo menos o Congresso não está fechado, como ficou durante alguns anos em mais de um período da República.

Essa sensação de que, para o Brasil, está bom demais é que está nos destruindo. Por exemplo, na questão ecológica. Claro que estamos desmatando menos hoje do que antes. Mas será que dá para a gente dizer que está bom demais desmatar só uma Bélgica em vez de duas Bélgicas a cada tanto tempo? Será que a gente não é capaz de ter a ambição de parar isso de uma maneira mais radical, mais forte, mais firme? Não! Para o Brasil, está bom demais! Conseguimos reduzir a taxa como o desmate era dado. E é verdade. Mas não está bom demais. Vamos pedir desculpas porque ainda estamos desmatando. Vamos pedir desculpas porque ainda estamos desmatando?! A gente não pede desculpas, porque, no Brasil, está bom demais. A gente pede desculpas quando não estamos satisfeitos com aquilo que acontece. Agora, mesmo por aquele mal que a gente tolera porque, para o Brasil, está bom demais a gente não pede desculpas, a gente comemora. Dia após dia, ano após ano, a gente comemora, neste País, avanços insignificantes, deixando o Brasil para trás em relação aos outros países. Mas, para o Brasil, está bom demais!

Avançamos um pouquinho. Claro que nossa taxa de analfabetismo caiu, ao longo desses 120 anos da República, de 65% para 13%, mas o número de analfabetos mais que dobrou nesse período. Naquela época, 65% eram seis milhões; hoje, os 13% são 14 ou 15 milhões. Mas, para o Brasil, está bom demais, porque diminuiu a taxa, mesmo que tenha aumentado o número absoluto.

Essa sensação, Senador Pedro Simon, de que está bom demais para o Brasil, de que aqui não é possível fazer mais, é que, a meu ver, está destruindo algo fundamental que a gente sempre teve para que o sonho se mantivesse: um grupo de pessoas com vigor transformador, de partidos organizados, insatisfeitos com a realidade, que não aceitavam a idéia de que, para o Brasil, está bom demais. Morreram esses. Sumiram do mapa político brasileiro, sumiram do mapa ideológico brasileiro os que não aceitam que, para o Brasil, está bom demais.

Esta é a grande tragédia.

A grande tragédia é achar que, para o Brasil, a Esquerda que temos aí já está boa demais. Senador Mão Santa, para mim, esta é a maior das tragédias! Para o Brasil, a Esquerda que está aí já está boa demais. Isso significa que não há mais sonho transformador, não há mais propostas de mudanças, não há mais vigor daqueles que dizem “para o Brasil, não está bom ainda”, mesmo reconhecendo avanços que tenhamos tido. Perdemos essa capacidade.

Até na corrupção... A gente diz “para o Brasil, está bom demais, porque agora já se cassaram alguns, agora já se põem nos jornais as corrupções”. No entanto, nenhum foi punido, nenhum foi preso...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ... mas, para o Brasil, está bom demais, porque, pelo menos agora, os jornais publicam os nomes dos contraventores.

Eu fico preocupado quando vejo um slogan como esse atraindo pessoas que considero próximas pela história comum que tivemos de luta neste País pelas mudanças sociais. Hoje, elas distribuem contentes dizendo: “Para o Brasil, está bom demais o que o Governo Lula tem feito em cinco anos”. Eu acho até que está bom demais comparando-se com outros Governos, sobretudo pela generosidade social, que é algo positivo. Mas é claro que não está bom demais quando a gente compara com o possível sonho que pudéssemos ter. Agora, o que esperar de diferente em um país que tem como slogan “deitado em berço esplêndido”? Ou seja, no Brasil, deitado é bom demais.

Para o Brasil ser deitado em berço esplêndido é bom demais. Não precisa querer ir além e despertar esta Nação para que a gente tenha um mundo novo onde os brasileiros vivam como um povo integrado, e não dividido, como é hoje, como uma Nação avançada e não atrasada, como ela é hoje. Isso é um sonho que parece estar desaparecendo, porque os que queriam se acostumaram e acreditam hoje que, para o Brasil, o que está aí já é bom demais.

Sei que poderia dizer que o tempo é bom demais para nós terminarmos, mas o Senador Pedro Simon levantou o microfone e creio que não é bom demais a gente concluir sem ouvi-lo.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Estou cometendo uma ousadia, porque o discurso de V. Exª é tão perfeito. É um discurso carta-poesia, uma poesia amarga, mas verdadeira. V. Exª tem razão. Acho que até hoje não houve nenhuma solenidade esportiva do mundo que contou com a presença do Presidente da República e de dez governadores, como aconteceu na Suíça, para trazer a copa para o Brasil. Agora, com tantos anos de antecedência já estamos vivendo o clima da copa. E a imprensa está publicando em manchetes e mais manchetes o quanto será gasto para atualização dos estádios. Aqui, por exemplo, o nosso Governador já disse que irá fazer o Mané Garrincha ficar melhor que o Maracanã. O Inter e o Grêmio, no Rio Grande do Sul, estão fazendo uma guerra porque o Inter foi escolhido e o Grêmio ainda não foi.

Mas o Presidente do Grêmio disse que até 2014...

(Interrupção do som.)

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - ...como o Rio Grande do Sul, vai ser nos dois estádios de futebol. Lamentavelmente, não temos sensibilidade. Dizia-me o Mão Santa que saiu o resultado de uma pesquisa nos jornais de ontem em que perguntaram se os brasileiros sabiam onde estava localizado o Brasil. Uma imensa maioria não sabia dizer onde estava o Brasil. Eu dizia para o Mão Santa que me lembro de quando se fazia isso nos Estados Unidos. Há 20 anos, na universidade, fizeram uma pesquisa, com o mapa da Europa, e perguntavam aos estudantes - havia de um lado, um número, e, do outro, o nome do país - onde eles botariam a Rússia e outros. A média era dois países por universitário americano: era a Inglaterra e, me parece, a Rússia. Então, o que a gente sente no pronunciamento amargo de V. Exª é que V. Exª está absolutamente certo quando pergunta onde estão os homens de bem - que são muitos, eu diria até para V. Exª que são a maioria. A nossa questão é que, para botar a mão, há uma uniformidade, a gente sabe como se faz. Para evitar que se bote a mão, a gente tem de ter o entendimento de caminhar do mesmo lado. Então, admiro muito V. Exª. V. Exª pode ser considerado até um utópico. Mas se não temos nossas utopias, como vamos viver? Já me disseram isto: “Quando o Senador Cristovam fala, ele parece estar sonhando, está imaginando como deve ser”. E eu respondi: “Mas se nem sonharmos, o que vamos fazer?” A distância entre um líder e um zé-ninguém é que o líder tem condições de transformar grandes percentuais dos seus sonhos em realidade. V. Exª está nos levando a sonhar. Está nos levando a pensar, a ver a possibilidade do que o Brasil deve ser. Que bom! Se o que V. Exª está fazendo agora, plantando, através da TV e da Radio Senado, plantando para o nosso povo ouvir, entender, compreender, que bom que um grupo de pessoas entenda o que V. Exª está dizendo, entenda principalmente quando V. Exª diz: “E os homens de bem, onde estão? O que eles fazem?” Isso é para todo mundo. Homem de bem não é o Senador, não é o que é importante, não é o que tem dinheiro. O homem de bem é o que está ali nos assistindo, é o que está aposentado, que não tem o que fazer e está ouvindo o seu pronunciamento e entende que todo mundo pode fazer alguma coisa. No momento em que cada um de nós tiver uma direção e fizer alguma coisa, esse é o momento em que, para o Brasil, não vai estar bom demais enquanto não fizermos as mudanças. Eu me emociono com o pronunciamento de V. Exª, principalmente porque estou saindo. Só nesta Casa são 25 anos. Emociona-me ver V. Exª com fé, com tranqüilidade, com serenidade, numa hora em que estamos vendo o Senado pressionado, faz, nesta segunda-feira, um discurso com tanta beleza, emoção e profundidade É uma alegria tê-lo como irmão nesta Casa. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

Quando falo em sonho, sempre defendo que a gente pode fazer uma revolução neste País. Para isso, precisamos botar juntos líderes de diversos partidos e pensarmos a longo prazo. Todo mundo diz que é um sonho louco.

Gente, na semana passada, o Presidente Lula colocou no avião governadores de diversos partidos, inimigos dele, e foram para Genebra, acertarem um projeto que atravessa os Governos deles todos! Todo mundo acha natural que a gente se junte, que diversos partidos se juntem para atravessar os governos e um projeto para realizar a Copa. Mas é absurdo, é sonho utópico, juntar Governadores de diversos Partidos com o Presidente da República para discutir o futuro de nossas crianças.

Em sete anos, Senador Sibá, a gente teria uma geração inteira adotada em todo o Ensino Fundamental praticamente. A Senadora Heloísa Helena sempre disse aqui que o que a gente precisa é adotar uma geração. O que o Governo do Presidente Lula fez - eu comemoro e sou a favor de trazer a Copa - foi um projeto de sete anos. Se a gente adotasse as crianças brasileiras que estão entrando agora no Ensino Fundamental por sete anos, a gente as teria concluindo praticamente o Ensino Fundamental. Bastaria, em vez de sete, oito anos. Por que é que a gente consegue fazer para a Copa e não consegue fazer para a escola? Porque não quis. Porque não quis. Porque não considera prioridade. E porque não dá os mesmos votos que trazer a Copa para aqui. E talvez não dê a mesma alegria, porque a escola no Brasil não é um instrumento de alegria.

O SR. PRESIDENTE (Jayme Campos. DEM - MT) - Professor e Senador Cristovam, mais dois minutos para concluir. Ainda há oradores inscritos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Concluo. Se o senhor me permitir, darei o aparte, claro, ao Senador Sibá. Até já havia concluído. Mas o que falou o Senador Pedro Simon chamou minha atenção para este fato: trata-se de sonhos perfeitamente possíveis em outros países. Nada que eu falo é irreal. Jamais vim aqui dizer que o Brasil devia mandar um homem à lua - não tem como. Jamais vim aqui dizer que a gente vai ter US$20 mil em renda per capita ao ano. Agora, gente, ter toda criança numa escola em horário integral, dando um prazo de 15 anos, como eu digo, não tem nada de irreal, nada de utópico no sentido de impossível. Mas, lamentavelmente, num País onde, do jeito que está, para o Brasil, está bom demais, as pessoas acham utópico, impossível qualquer coisa a mais.

Só para concluir, antes de passar para o Senador Siba, em qualquer pesquisa entre os pais dos filhos da escola pública, eles dizem que a escola está ótima, porque para eles, de fato, está bom demais, primeiro, porque eles não tiveram a escola; segundo, porque lá eles têm onde deixar as crianças; terceiro, elas comem. E, no Brasil, a escola onde se coloca a criança como depósito e se dá alimento para elas isso é considerado bom demais para o Brasil.

Senador Sibá.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, V. Exª é mais do que um Senador, é um excelente quadro da educação brasileira, um pensador, sempre me chama à reflexão no momento em que vem à tribuna do Senado. Gostei muito do mote de hoje: como podemos estar conformados se há ainda tantas pessoas com extremas necessidades? Também acho que está na hora de o Brasil pensar um pouco além das eleições. Como V. Exª, também tenho esta convicção e um pouco desta indignação. Considero muito pequeno fazermos um esforço sobre-humano para se fazer uma aliança que se encerra num período eleitoral. Temos de pensar na grandeza do País sobre aquilo que, de fato, é a continuidade, a razão da nossa existência como pessoas públicas. Esse deve ser sempre o motivo das nossas preocupações. Portanto, a provocação de hoje à tarde foi muito interessante. Acho que V. Exª ainda tem muito a contribuir com o nosso debate nesta Casa, e penso em que ambiente poderíamos criar para que V. Exª possa sempre nos fazer refletir a partir desses propósitos. Fico cada vez mais convencido da necessidade de vozes como a de V. Exª serem colocadas no centro dos debates daqueles que se propõem a dirigir o País. É claro que uma viagem como essa para tratar da Copa do Mundo é um tema que apetece a muitas pessoas, mas devem apetecer também outros temas que V. Exª nos traz à reflexão. E ainda poderemos, quem sabe, ver esse dia chegar, porque a esperança, acima de tudo, deve prevalecer. Então, quero parabenizá-lo por mais esse pronunciamento e me colocar sempre à disposição, como um ouvinte assíduo, digamos, um aprendiz dos ensinamos de V. Exª. Parabéns.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Sibá, pelo exagero dos comentários. Fico feliz em ouvir.

Sr. Presidente, agradeço pelo tempo, que, não para o Brasil, mas para um Senador, foi um tempo bom demais.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/2007 - Página 38966