Discurso durante a 193ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.

Autor
CHICO ALENCAR
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2007 - Página 36916
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • IMPORTANCIA, SESSÃO ESPECIAL, SENADO, HOMENAGEM, ERNESTO CHE GUEVARA, VULTO HISTORICO, REVOLUÇÃO, SOCIALISMO, AMERICA LATINA, POLEMICA, IMPRENSA, INEFICACIA, TENTATIVA, DESVALORIZAÇÃO.
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, DEMOCRACIA, GOVERNO, AMERICA LATINA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, POSSIBILIDADE, POVOADO, OCORRENCIA, HOMICIDIO, ERNESTO CHE GUEVARA, VULTO HISTORICO, HOMENAGEM, LIDER, IMPORTANCIA, CONTINUAÇÃO, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, COMBATE, CORRUPÇÃO, EXPLORAÇÃO, IMPERIALISMO.

     O SR. CHICO ALENCAR (P-SOL - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Companheiro Senador José Nery, que preside esta sessão, proponente deste momento importante no Senado Federal, que resgata aqui sua grandeza e sua dignidade com relação às grandes causas; Sr. Tiso Saenzi, que é o Presidente da Associação dos Cubanos que vivem no Brasil, bem diferente daqueles que fogem para Miami; nosso Embaixador Pedro Juan Mosquera, da República Socialista de Cuba, companheiros que aqui representam a Câmara dos Deputados, Lídice da Mata, Manuela Dávila, esta sessão, ao contrário do que disse o nosso amigo jornalista Ilimar Franco, hoje em O Globo, não é uma sessão esvaziada cuja vítima é Ernesto Che Guevara. É uma sessão que tem o essencial: galeria quase cheia porque falar de Ernesto Che Guevara não é falar para quem exerce um mandato temporário muitas vezes conquistado na democracia representativa capitalista com abuso do poder econômico; é falar para a cidadania na busca da democracia substantiva que queremos e que só existirá com a socialização dos meios de produção e a socialização dos meios de governar. É isso que estamos celebrando aqui.

     Bertold Brecht, um grande dramaturgo alemão dessa mesma linhagem das pessoas com causas do século XX, na sua antológica peça Galileu Galilei, num certo momento, coloca na boca do cientista uma afirmação aparentemente contraditória. Diz ele: “Infeliz do País que precisa de heróis”. E, logo depois, com o evoluir da contenda, com a Santa Inquisição, Galileu diz: “Feliz do País que tem heróis”.

     Toda história, toda saga da humanidade constrói arquétipos! Ou será que Platão, Aristóteles, Jesus Cristo, Confúcio e outros tantos não o são? E, ainda bem que é assim. Normalmente, essas pessoas, por mais que se edulcorem suas vidas, por mais que esse crie aqui ou ali alguma fantasia, têm um elemento concreto que fica como norteador querendo nos dizer permanentemente que nós precisamos nos humanizar, que nós precisamos avançar, que é possível sim ser generoso, bom, justo e solidário. Então quando dizem que o Che é um mito, é uma fantasia, isso, sinceramente, não deve nos incomodar. Pelo contrário. Ainda bem que há uma mitologia, que há todo um arcabouço de construção do imaginário que é positivo.

     Quando o meu amigo Waltinho Moreira Salles faz o filme sobre as viagens do jovem Che, é claro que ali há sempre um elemento de idealização, ainda mais com aquele ator bonito que representa o jovem Ernesto. E daí? A Manuela já está ali comovida pela beleza física também daquele ator e o próprio Che nessa matéria - esta sim, meio malcheirosa da revista Veja - diz:

     “Aproveitaram o fato de ele ser bonito, pintoso, um galã, e engrandeceram a sua figura.”

     Puxa vida, será que para ser de esquerda e socialista é preciso ser feio, bem degenerado fisicamente? Não! Precisa é ter grandeza interior, que é muito mais importante do que a beleza exterior, é óbvio. Mas isso é fundamental. Por isso, essa renovação dos ideais de Che tem que estar conosco aqui, e esta sessão é muito oportuna.

     Quero encerrar, Sr. Presidente, com algo que me comoveu bastante. Eu invejo o meu companheiro e amigo Ivan Valente, que pôde estar lá agora, nas comemorações dos 40 anos da perpetuação dos ideais de Che Guevara, na Bolívia.

     O nosso companheiro e amigo João Pedro Stédile fez um pequeno texto que é digno de ser registrado nos Anais do Senado da República brasileira.

     Diz ele que La Higuera, a 2.600 metros de altitude, onde foi executado, há quarenta anos, Ernesto Che Guevara, a mando da CIA, com um tiro de fuzil no peito, dentro de uma pequena escola rural, continua igual. Miúdo povoado de camponeses pobres, estes continuam sem luz, telefone, estrada, escola e sem preço para suas batatas. Triste destino. A única coisa que mudou - e isso não é pouco importante -, agora, é que há no povoado um médico cubano, que circula a cavalo, de casa em casa, pelas montanhas, repetindo o ideal do Che, fazendo consultas e ajudando a que seus moradores tenham um pouco mais de saúde.

     Mudou também, que, com o ascenso do movimento de massas na Bolívia e a vitória de Evo Morales, as pessoas podem ir a ValleGrande prestar suas homenagens, sem medo! E a estrada que liga ValleGrande e a la Higuera pelas frias montanhas agora está marcada com muitas placas e se chama La Ruta del Che! Fomos lá prestar homenagens a um mito ou herói. Fomos lá visitar um amigo, um companheiro. Um velho conhecido, que deu provas de amor contundente ao seu povo latino-americano, e ofereceu a própria vida por uma causa. Uma causa que continua viva e é de todos: combater a pobreza e a desigualdade social em nosso continente.

     Fomos lá dizer que continuamos com seu compromisso de seguir a mesma luta. Lutar todos os dias contra o analfabetismo, a desigualdade, a exploração, o colonialismo, a corrupção, o imperialismo e as transnacionais que continuam vindo aqui roubar nossas riquezas naturais, agora na forma de soja, minério de ferro, etanol, sementes e água.

     Fomos lá dizer que somos muito gratos por seu exemplo de dignidade e humildade, que demonstrou como deveriam ser as pessoas que exercem cargos públicos, nos movimentos sociais e nas igrejas - aliás, exemplo de dignidade e luta que o Valmir Mota, a que o Senador Nery fez referência, o Kelo, líder da Via Campesina, atualiza, com dor, sua própria morte, neste fim de semana, no Paraná, alvo das milícias bandoleiras, açodo de uma transnacional.

     Fomos lá agradecer seu exemplo de espírito de sacrifício, de humanismo e de amor ao estudo, porque o Che era também um intelectual, alguém que se dedicava à operação intelectual de leitura. Como dizia até o velho Mao Tse-tung, quem não pesquisa não tem o direito de falar. De ser o primeiro no trabalho e o último no lazer. Naqueles tempos de guerra mais direta, isso às vezes era até uma exigência, mas hoje não está tão rigoroso assim. O lazer liberta e faz bem. De acreditar e defender que o conhecimento, a consciência liberta verdadeiramente as pessoas da opressão e da exploração.

     De exercitar e explicar que somente o povo organizado pode resolver seus problemas e derrotar seus inimigos. Outro grande herói, que escreveu o livro Alexandre e outros Heróis, chamado Graciliano Ramos, sempre nos lembra - continua vivo Graciliano, alagoano de boa cepa, como muitos, embora nem todos: o povo não tem amigos. O melhor amigo do povo é o próprio povo organizado.

     Fomos lá em Serra, Stédile, dizer que a América Latina voltou a caminhar, que já temos alguns governos populares, outros um pouquinho progressistas.

     Mas que temos uma longa caminhada pela frente, para poder reacender o movimento de massas, organizar o nosso povo e travar lutas sociais que de fato eliminem as causas de tanta pobreza e desigualdade.

     Fomos lá, por fim, dizer as forças da direita, aquelas mesmas que o assassinaram na Bolívia, continuam desconstituindo a própria história.

     Ontem, um jornal dizia que a revolução de outubro, a revolução soviética, foi um grande engodo, que a tomada do Palácio de Inverno aconteceu porque todos estavam movidos a vodka e, depois, aos vinhos finos que o czarismo conservava nas suas adegas. É impressionante como o neoliberalismo hegemônico vai tentando desconstruir a própria história humana, que, no mínimo, tem contradições, não vence sempre.

     Essas forças de direita continuam muito ativas no Brasil, na América Latina e no mundo.

     Continuam odiando Che, falando mal dele. Mas isso é até um bom sinal, ensina-nos Stédile, revela que seu exemplo os incomoda. Eles que fiquem com Mussolini, Hitler, Barrientos, Medici, Pinochet, Ulribe, Thatcher e Bush, seus verdadeiros ícones. Fomos lá renovar o nosso compromisso de que a Ruta del Che, por tudo o que ela significa, é ainda o caminho para construir nuestra pátria grande latino-americano.

     Assim seja, assim façamos! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2007 - Página 36916