Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A importância da Lei Maria da Penha. Protesto contra decisão de juiz de Sete Lagoas/MG, que não deu aplicação à referida Lei, o que ensejou um movimento de Senadoras, junto à Ministra Ellen Gracie, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, para que apure o caso.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. JUDICIARIO.:
  • A importância da Lei Maria da Penha. Protesto contra decisão de juiz de Sete Lagoas/MG, que não deu aplicação à referida Lei, o que ensejou um movimento de Senadoras, junto à Ministra Ellen Gracie, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, para que apure o caso.
Aparteantes
Fátima Cleide, Romeu Tuma, Rosalba Ciarlini, Serys Slhessarenko.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2007 - Página 40179
Assunto
Outros > FEMINISMO. JUDICIARIO.
Indexação
  • REGISTRO, DIFICULDADE, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, LEI FEDERAL, PROTEÇÃO, MULHER, PUNIÇÃO, CRIMINOSO, OBSTACULO, APLICAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, DISCURSO, AUTORIA, JUIZ, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), DISCRIMINAÇÃO, MULHER, ALEGAÇÕES, INCONSTITUCIONALIDADE, LEI FEDERAL, NEGAÇÃO, IMPUTAÇÃO, PENA, INFRATOR.
  • COMENTARIO, SUBSCRIÇÃO, BANCADA, FEMINISMO, SENADO, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, CONVOCAÇÃO, JUIZ, ESCLARECIMENTOS, DESRESPEITO, LEI FEDERAL, PROTEÇÃO, MULHER.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA, PARTICIPAÇÃO, ELLEN GRACIE NORTHFLEET, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ROSALBA CIARLINI, SERYS SLHESSARENKO, SENADOR, DEPUTADO FEDERAL, ESCLARECIMENTOS, PROVIDENCIA, DEPOIMENTO, PUNIÇÃO, JUIZ, MUNICIPIO, SETE LAGOAS (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • RECEBIMENTO, OFICIO, AUTORIA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INFORMAÇÃO, ENCAMINHAMENTO, CORREGEDORIA, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, PEDIDO, INSTAURAÇÃO, PROCESSO DISCIPLINAR, JUIZ, PROFERIMENTO, SENTENÇA JUDICIAL, DESVALORIZAÇÃO, MULHER.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Agradeço, Sr. Presidente, e peço mil escusas ao Senador Valadares porque a reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde vamos debater e votar os dois pareceres, o da Senadora Kátia Abreu e o voto em separado do Senador Romero Jucá, já está se iniciando, por isso eu estava um pouco angustiada. Se V. Exª perceber, estamos aqui, neste momento, com a presença das Senadoras Marisa Serrano, Fátima Cleide, Serys Slhessarenko e, ali no cafezinho, e devem entrar logo em seguida, as Senadoras Roseana Sarney e Rosalba Ciarlini; e combinamos, nós mulheres Senadoras deste Senado da República, fazermos exatamente, neste meio da tarde, um registro muito importante para nós, mulheres, mas também para os homens - está entrando a Senadora Rosalba.

Tivemos muita dificuldade, Senador Camata, em aprovar a Lei que recebeu o nome Lei Maria da Penha, nome dado em homenagem a uma mulher que foi frontalmente agredida, ficou paraplégica - por duas vezes o ex-esposo tentou matá-la - e que levou aproximadamente 20 anos para obter a punição da violência cometida contra ela. E nós conseguimos, a partir desse exemplo muito forte, muito triste, muito doído de uma mulher aguerrida como a Maria da Penha, modificar a legislação. Hoje nós temos uma legislação que pune de forma mais contundente as agressões, a violência contra a mulher, principalmente no espaço privado, que é o mais difícil de ser alcançado pela legislação, porque muitos absurdos acontecem entre as quatro paredes da casa.

A Lei Maria da Penha, que completou agora pouco mais de um ano, vem sofrendo algumas medidas extremante perigosas. Primeiro, uma Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento, alegando a inconstitucionalidade da Lei. Mas o mais grave foi um registro que fizemos aqui sobre um juiz do Município de Sete Lagoas - o Juiz Edilson Rodrigues - que rejeitou reiteradas vezes e terminantemente, não dando acolhida à concessão da punição aos agressores. E o mais estranho eram as razões, o arrazoado que ele adotava para negar as punições. Citarei aqui alguns trechos - já tive a oportunidade de fazê-lo, mas vou relembrar.

Nas sentenças que ele dava para negar a punição, ele dizia: “Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem [...] [coitadinho de vocês!] O mundo é masculino!”.

Mais à frente, ele sugere que o controle sobre a violência contra a mulher “tornará o homem um tolo”. E por aí vai; de diabólica até inconstitucional. E com esse arrazoado, profundamente conservador e machista, inclusive incentivador da violência, ele negava...

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Pois não, Senadora Serys.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Senadora Ideli, é por aí mesmo; temos sempre de combater essa questão, principalmente porque causa-nos preocupação que algumas instituições neste País - são poucas - estão pedindo a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha. Devemos estar muito atentas, pois quem fez esta lei fomos nós, o Congresso Nacional do Brasil, e não vamos admitir que ela não seja cumprida. Senadora, não sei se V. Exª tomou conhecimento da carta que ele me enviou. Outro diz, fiz um discurso de 20 minutos mais ou menos na mesma linha do seu, e ele me respondeu no outro dia.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Ele respondeu?

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Ele me respondeu no dia seguinte.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Eu não recebi esse privilégio.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Ele me mandou uma carta de três páginas dizendo que é meu aliado. Terrível, Senadora! Sabe o que ele complementa nessa carta? Ele diz que as responsáveis pelas crianças e jovens drogados, envolvidos na criminalidade, somos nós, mulheres.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Somos o mal do mundo.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Realmente, uma coisa terrível! Na quinta-feira passada, estive em audiência com a Ministra Ellen Gracie, e S. Exª dizia que nos encaminharia um documento informando todas as providências que a ela foram pedidas como Presidente do Supremo Tribunal Federal e como Presidente do Conselho Nacional de Justiça. O documento está aqui e já o encaminhei a todas as Srªs Senadoras; ela também o encaminhou. É um absurdo esse tipo de coisa. O Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da sua Presidente, que é a Ministra Ellen Gracie, já tomou as providências para que esse juiz realmente seja ouvido pela Corregedoria do Conselho Nacional e, certamente, a punição há de vir daí. Não podemos consentir esse tipo de coisa. Muito obrigada. 

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - MT) - Agradeço, Senadora Serys.

Já vou conceder a palavra à Senadora Fátima e à Senadora Rosalba.

Logo que começaram a aparecer notícias com relação à Vara do Tribunal de Justiça de Minas e a esse juiz de Sete Lagoas, várias Parlamentares, tanto do Senado como da Câmara, vieram a público. Manifestamo-nos - a Senadora Serys, várias Parlamentares, eu fiz também um pronunciamento contundente - e adotamos uma medida coletiva: todas as Senadoras assinaram requerimento solicitando que o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça convocasse esse juiz, convidasse esse juiz a comparecer perante a Comissão de Constituição e Justiça para prestar os esclarecimentos devidos a respeito dessa história de que as mulheres são o mal do mundo - agora só está faltando fazerem fogueirinhas para nos queimarem, como acontecia com as bruxas na Idade Média. É importante dizer que esse requerimento foi assinado pelas Senadoras Rosalba, Marisa, Serys, Fátima, Lúcia Vânia, Kátia Abreu, Maria do Carmo, Patrícia e Roseana Sarney. Ou seja, todas as Senadoras o assinaram, foi um movimento unânime da bancada feminina do Senado para apresentar esse requerimento.

Ouço agora, com muito prazer, a Senadora Fátima e, em seguida, a Senadora Rosalba.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Senadora Ideli, V. Exª já fez um registro breve nesse sentido, mas queria também dizer que lamento que uma autoridade do campo da Justiça tenha, nos atuais dias, uma visão como essa. Como a senhora já citou, é a mesma coisa que nos colocar na fogueira novamente por sermos bruxas, feiticeiras - se assim for, eu a saúdo como uma bruxinha muito corajosa, altiva. Felizmente, uma nova moçada está entrando na Justiça, e hoje temos movimentos organizados de mulheres, de homossexuais, de crianças e adolescentes e de idosos que rejeitam esse tipo de atitude, quer seja por parte do Parlamento, quer seja por parte do Judiciário. Graças a Deus temos hoje um Executivo diferente. Tenho certeza de que, a partir da atual gestão do Presidente Lula, teremos avanços, e a própria sociedade não admitirá recuos. Quero lamentar, mais uma vez, a posição desse juiz e dizer que, se é precisamos ser bruxas para melhorar a vida de todos, sejamos sempre bruxas: eu, você, a Senadora Serys, a Senadora Rosalba, mulheres corajosas que têm a altivez de ir à luta e ocupar espaços antes reservados, como diz o juiz, apenas ao poder masculino. Temos competência para fazer a diferença, e a diferença é olhar para todos os seres humanos. Parabéns por trazer esse tema ao plenário do Senado Federal mais uma vez.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senadora Fátima Cleide.

Ouço, com muito prazer, a Senadora Rosalba Ciarlini.

O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - A Presidência recomenda que os apartes sejam breves, porque o tempo da oradora está esgotado.

A Srª Rosalba Ciarlini (DEM - RN) - Pois não, Presidente. Senadora, gostaria de falar sobre a nossa preocupação, que V. Exª expressa tão bem, por fatos dessa natureza. Foi uma luta muito grande para conseguirmos a Lei Maria da Penha, que combate a violência e está colocada na luta por um mundo de paz, que é o que as mulheres desejam e querem para seus filhos. Acompanhei a Senadora Serys na audiência com a Ministra Ellen Gracie e saí de lá muito satisfeita após ouvir da Ministra que as providências estavam sendo tomadas. O importante é que não nos acomodemos. Não podemos, de forma alguma, aceitar fatos dessa natureza. Temos de estar vigilantes não somente neste momento, mas permanentemente. Querer depreciar a mulher e tratá-la de forma violenta, como fez esse magistrado, é inadmissível. A mulher é de uma importância muito grande. Estamos aqui representando o nosso Estado, o povo brasileiro, os filhos das mulheres brasileiras, que merecem todo respeito e toda atenção. Até nosso Deus, na sua graça e no seu poder misericordioso, quando quis mandar seu Filho ao mundo, escolheu uma mulher, para mostrar a importância da mulher - poderia tê-lo mandado já adulto, porque Ele é Deus e tudo pode. Por essa importância, quero me somar a V. Exª, às nossas colegas e a todos para que a força da mulher seja ainda maior no combate à violência, na luta pelos nossos espaços, na luta pela igualdade. Não queremos estar à frente, queremos estar lado a lado, no mesmo espaço, com os mesmos direitos e com o respeito que todos merecem como seres humanos.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço-lhe, Senadora Rosalba.

Registro que a audiência foi concedida pela Ministra Ellen Gracie às seguintes representantes do Congresso Nacional: além de V. Exª, Senadora Rosalba Ciarlini, também a Senadora Serys Slhessarenko, representando o Senado, e, representando a Câmara, a Deputada Manuela D’Ávila, do PCdoB do Rio Grande do Sul, e a Deputada Jô Moraes, do PCdoB de Minas Gerais.

Na seqüência da audiência, a Ministra Ellen Gracie encaminhou ofício nos seguintes termos a todas nós:

Senhora Senadora,

Cumprimentando-a cordialmente, informo que chegou ao conhecimento deste Conselho [ela faz o ofício em nome da Presidência do Conselho Nacional de Justiça] o teor da sentença proferida pelo juiz de Sete Lagoas, contrariando a valorização das mulheres e sua maior participação na esfera de poder da sociedade, a matéria foi levada ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça que, por unanimidade [prestem bastante atenção: por unanimidade] decidiu encaminhar à Corregedoria um Pedido de Providências, inclusive quanto à instauração de Procedimento Disciplinar [contra o juiz que proferiu essa sentença].

Este Conselho editou recomendação quanto à aplicação da Lei Maria da Penha e vem desenvolvendo trabalho permanente no sentido da implementação e efetivação de tão importante texto legal.

O processo encontra-se na Corregedoria Nacional de Justiça e todas as providências administrativas serão tomadas a fim de se coibir práticas discriminatórias inadmissíveis.

Atenciosamente, Ministra Ellen Gracie, Presidente [do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça].

Sr. Presidente, era esse o registro que queria fazer.

Em nome de todas as Senadoras desta Casa, quero dizer que estaremos muito vigilantes, porque a Lei Maria da Penha foi uma conquista para toda a sociedade no sentido de coibir, inibir e diminuir a violência entre homens e mulheres. É inadmissível que se possa pensar que a aplicação dessa lei vai contra os interesses da sociedade. É inadmissível que nós, depois de tantos séculos, depois de termos superado a Idade das Trevas, depois de termos sido queimadas em fogueiras, ainda sejamos vinculadas às forças diabólicas do mal.

O Sr. Romeu Tuma (Bloco/PTB - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Eu não tenho mais tempo, mas, se o Presidente permitir, eu gostaria muito de ouvir o Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (Bloco/PTB - SP) - Gostaria apenas de fazer uma correção à Senadora Ideli Salvatti com todo carinho e amizade: não são só as mulheres não; há muitos homens aqui que não aceitaram a decisão judicial, eu principalmente, porque durante toda minha atividade vi o que passaram as mulheres nas mãos de homens...

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Cruéis.

O Sr. Romeu Tuma (Bloco/PTB - SP) - ...sem respeito, cruéis, representantes de um machismo que hoje é deselegante e não existe mais. Então, nós estamos solidários com a posição de V.Exª.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Nós só temos a agradecer o apoio de todos os homens às nossas causas, Senador Romeu Tuma.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2007 - Página 40179