Discurso durante a 241ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamento aos argumentos contrários à transposição das águas do rio São Francisco.

Autor
Efraim Morais (DEM - Democratas/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Questionamento aos argumentos contrários à transposição das águas do rio São Francisco.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Mão Santa, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2007 - Página 46352
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DEBATE, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, CRITICA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ECLESIASTICO, ARTISTA, INTELECTUAL, OPOSIÇÃO, PROJETO, DESCONHECIMENTO, PREJUIZO, POVO, FALTA, IMPARCIALIDADE, MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
  • COMENTARIO, GREVE, FOME, ENFERMEIRO, ESTADO DA PARAIBA (PB), DEFESA, TRANSPOSIÇÃO, AUSENCIA, COBERTURA, IMPRENSA, COMPARAÇÃO, PROTESTO, BISPO, IGREJA CATOLICA, SAUDAÇÃO, ORADOR, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), GARANTIA, CONTINUAÇÃO, OBRAS.
  • ESCLARECIMENTOS, ESTUDO TECNICO, LONGO PRAZO, ATENÇÃO, MEIO AMBIENTE, AUSENCIA, NEGLIGENCIA, ORGÃO TECNICO, CONCESSÃO, LICENÇA, CRITICA, NATUREZA POLITICA, OPOSIÇÃO, PROJETO, FALSIDADE, ALEGAÇÕES, RISCOS, DESTRUIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, DEFESA, CONTINUAÇÃO, OBRAS, BENEFICIO, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, VITIMA, FALTA, AGUA.
  • LEITURA, TRECHO, MANIFESTAÇÃO, FEDERAÇÃO, TRABALHADOR, AGRICULTURA, ESTADO DA PARAIBA (PB), DEFESA, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, PRIORIDADE, SUBSISTENCIA, POPULAÇÃO, AUXILIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema da transposição do rio São Francisco, que já me trouxe a esta tribuna tantas e tantas vezes, nesta e na outra legislatura, padece de uma singularidade, a de provocar protestos pelo avesso, em nome exatamente de quem será o mais prejudicado pelos protestos.

Refiro-me ao povo. É em nome dele, afinal, que, mesmo sem ouvi-lo, ONGs, religiosos, artistas, intelectuais se manifestam publicamente e se dispõem ao sacrifício da própria vida, como é o caso presente do bispo católico Dom Flávio Cappio, que se manteve em greve até ontem. Manteve-se na greve de fome, colocando em sobressalto sua entidade, a CNBB, que teme por sua saúde e reclama de não ter sido avisado do seu ato. E é bom que se diga que falo como católico apostólico romano.

Como a mídia não distribui seus espaços com a mesma eqüidade aos envolvidos nessa questão, a impressão que se tem é que os processos estariam todos na mesma direção, isto é, contra a transposição das águas do rio São Francisco.

Sr. Presidente, Senador Augusto Botelho, quero informar, como representante do meu querido Estado da Paraíba nesta Casa, que não é bem assim. Muito pelo contrário, se a mídia se interessasse em empreender uma investigação estatística, haveria de constatar que há uma imensa maioria silenciosa de brasileiros, brasileiros sofridos e carentes, aguardando ansiosa a conclusão das obras cujo início tem sido retardado por protestos equivocados de gente que desconhece minúcias técnicas da obras e segue palavras de ordem de quem age por ignorância, ou má-fé, ou por ambas.

Quero informar ao Senado e ao Brasil que, no mesmo instante em que D. Flávio Cappio iniciava o seu jejum com aquela cobertura jornalística em Sousa, cidade da minha querida Paraíba, do sertão paraibano, o enfermeiro João Carlos Filhos, de quarenta anos, iniciava igual protesto. A greve de fome era em sentido oposto, ou seja, protestava porque quer e precisa das obras de transposição do rio São Francisco, ao contrário do Bispo. O efeito das obras lhe diz respeito diretamente. Mas, ao contrário do Bispo, ele não tem maior apelo promocional. Não é notícia. Havendo ou não a transposição, o Bispo Dom Flávio Cappio continuará a dispor de águas minerais engarrafadas e filtradas à sua disposição, não importa a diocese em que venha ser lotado. Para João Carlos Filho, o enfermeiro lá de Sousa, do sertão da Paraíba, a situação é diametralmente oposta. Sem a transposição, continuará a padecer os efeitos danosos da pobreza da sua região, do nosso Nordeste, do nosso sertão paraibano, que resulta em levas e levas de migrações anuais, de pessoas condenadas à favelização nos grandes centros urbanos.

Aprecio a devoção da atriz Letícia Sabatella, que deixou seu conforto do Rio de Janeiro, foi solidarizar-se com o Bispo e depois veio a Brasília para tornar federal o seu protesto. Lamento, Srs. Senadores, lamento apenas que ela não saiba exatamente o que está fazendo ou o que está falando, nem do ponto de vista político, nem, muito menos, técnico.

Greve de fome por greve de fome, como já disse, duas estão em curso, por razões opostas, a do Bispo e a do sertanejo de Sousa, na Paraíba, que mencionei. Um quer que a obra não aconteça, o outro quer que aconteça, e já.

A obra, porém, não é questão de natureza dietética; é questão de ordem prática e técnica. Não foi concebida neste Governo nem no anterior; é idéia antiga que remonta ao tempo do Império. No Governo Sarney voltou a ser considerada e a ter seus primeiros passos meticulosamente planejados.

Na seqüência dos governos até chegar ao atual, o tema continuou sendo objeto de estudos técnicos, exatamente em face dos cuidados ambientais que inspira. Portanto, o argumento de que ocasionaria desarranjos à natureza e ao meio ambiente é falso e, mesmo, Sr. Presidente, eu diria, cretino.

Hoje em dia, é absolutamente impraticável empreender-se obra de tais proporções sem prévia autorização ambiental. E obtê-la não é fácil. Basta perguntar a qualquer empresário envolvido em construção de estradas, barragens ou hidrelétricas. O próprio Estado, Srs. Senadores, está imbuído de órgãos técnicos incumbidos de tais exames, órgãos que, diga-se de passagem, podem ser acusados de qualquer coisa, menos de negligência técnica. Ao contrário, são freqüentemente criticados pelo excesso de zelo.

Não seria, portanto, numa obra das proporções desta que haveria negligência. Como engenheiro que sou, acompanho os relatórios relativos a essa obra, conheço os argumentos contrários e reitero que são, em essência, políticos.

A atriz Letícia Sabatella com certeza desconhece essas questões - ela e seus colegas de ofício, que tendem a se solidarizar com atos voluntariosos revestidos do véu do humanitarismo, como o Bispo Dom Cappio. Porém, se tivessem acesso ao que se passa lá no sertão do meu Estado e de grande parte do Nordeste, onde falta água, pensariam, seguramente, de outra maneira.

Senador Paulo Paim, escuto V. Exª.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Efraim Morais, posso dizer que conheço V. Exª de longa data. Repito sempre: fomos Deputados, participamos da Mesa da Câmara dos Deputados. Acho interessante V. Exª trazer para a tribuna aquilo que chamamos de outra visão do fato, porque, até o momento, é somente uma visão. E hoje, pela manhã, na Comissão de Direitos Humanos, por iniciativa dos Senadores Suplicy e José Nery, foi acertado que a Comissão poderia provocar um debate sobre o tema e convidar, na linha que V. Exª coloca, as duas visões. Eu, que sou do Sul, não me sinto em condição de dar palpite a respeito de um tema que não conheço, mas é bom que a gente ouça as duas visões. E V. Exª traz um fato novo: existe uma pessoa em greve de fome, que é o bispo, mas existe também um enfermeiro em greve de fome, com uma visão diferente da do bispo, até porque essa comissão especial, que vai interagir na busca de que se terminem as greves de fome - olha o termo que usei: as greves de fome -, deveria conversar também com o enfermeiro. Então, faço o aparte a V. Exª, que é muito bom para nós que não conhecemos a realidade, para não darmos palpite furado, ouvirmos as duas visões sobre a questão da transposição das águas do rio São Francisco. Quero cumprimentá-lo. V. Exª, inclusive, está tendo coragem, porque todos vêm à tribuna ultimamente somente com uma visão. V. Exª está ajudando até aqueles que pensam diferentemente de V. Exª, para entender que há Senadores ou mesmo grande parte da população que pensa de outra forma. Ninguém quer greve de fome, nem de um e nem de outro. Queremos resposta. V. Exª, com o seu depoimento, traz um esclarecimento bom para que a Casa colabore para a melhor saída. Parabéns a V. Exª.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Eu agradeço a V. Exª, Senador Paulo Paim.

Orgulho-me de conhecer V. Exª por tanto tempo. Em 1991, chegávamos ao Congresso Nacional, na outra Casa, a Câmara dos Deputados, V. Exª do Rio Grande do Sul e eu da Paraíba - Paraíba e Rio Grande do Sul, que têm uma história desde 1930 - e continuamos juntos, fomos companheiros de Mesa na Câmara dos Deputados, chegamos a esta Casa e continuamos com as mesmas idéias, com os mesmos princípios e as mesmas propostas, defendendo o Brasil. V. Exª defendendo o seu Rio Grande do Sul, eu defendendo a minha Paraíba e o meu Nordeste. O mais importante é que como Parlamentar, seja Deputado ou Senador, na maioria das vezes estivemos em lados opostos por questão partidária ou ideológica, mas, sempre nos respeitamos.

V. Exª dá neste momento uma prova de que tenho a obrigação de respeitá-lo, porque V. Exª, com total isenção, traz aqui a questão central do meu discurso: o Brasil e o Senado Federal realmente devem entender que a mídia tem que dar igualdade nessa questão. Ela enfoca, por ser mais simpática, para aqueles que se envolvem sem conhecer a causa, mas defendem que estão matando o nosso rio São Francisco, o que não é verdade. É uma premissa falsa. E nós aqui queremos, neste pronunciamento, deixar bem claro - e V. Exª me ajuda no aparte que acaba de fazer - ao País, ao Senado Federal, ao Congresso Nacional que essa história tem de ser bem contada, porque eu tenho certeza de que todos, a partir daí, com poucas exceções, a não ser os radicais, estarão a favor dessa transposição, que é, acima de tudo, humanitária e que vai ajudar a sobrevivência de mais de 12 milhões de nordestinos que precisam dessa água.

Senador Suplicy, eu terei o maior prazer em ouvi-lo e, em seguida, ao Senador Mão Santa.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Efraim Morais, V. Exª, representando o Estado da Paraíba, coloca argumentos importantes a favor da transposição ou do projeto que, conforme afirma o Deputado Ciro Gomes, Ministro da Integração - em artigo feito hoje, “Carta a Letícia Sabatella” -, na verdade, tem o nome de Interligação das Águas do Rio São Francisco, porque não tem o caráter de uma transposição tão nitidamente assim. Eu tive a oportunidade, na última terça-feira, de, por mais de uma hora, ouvir os argumentos do ex-Ministro e Deputado Federal Ciro Gomes, e as razões pelas quais, como V. Exª, ele acredita tanto no Projeto de Interligação das Águas. Também ouvi, por bastante tempo, na última quinta-feira, Dom Luiz Flávio Cappio, ali em Sobradinho, e entendo que ele tem razões importantes e de muita convicção, a ponto de estar realizando essa greve de fome, esse jejum e oração que já duram 24 dias. V. Exª não deu detalhes sobre esse enfermeiro que iniciou uma greve de fome - V. Exª mencionou o nome, João Batista, salvo engano -, sobre há quantos dias ele está em greve de fome e por que motivo. Se a greve de fome é para assegurar as obras de interligação das águas, não haveria razão para fazê-lo, pois elas estão asseguradas pela palavra do Presidente. As obras estão em andamento. Então, não compreendi bem a natureza da greve do enfermeiro mencionado por V. Exª. Até agradeço se puder nos informar a respeito. Ainda hoje, no artigo de Ciro Gomes, ele diz à atriz Letícia Sabatella: imagine se um bispo a favor do projeto resolver entrar em greve de fome exigindo a pronta realização do projeto? Pois bem. Será esse o sentido da greve de fome do enfermeiro? Mas o projeto está em andamento. Então, soa estranho fazer uma greve de fome se a obra está em andamento, a não ser que ele esteja se contrapondo e dizendo que só vai parar a sua greve de fome se o Bispo parar a dele. É isso, por acaso? Não compreendi bem que razão move o enfermeiro. Mas quero lhe dizer, com todo o respeito aos seus argumentos, que tive, ontem, a oportunidade de conversar com Letícia Sabatella e com Osmar Prado, e posso assegurar-lhe, Senador Efraim Morais, que ela, hoje, tem um grau de informação sobre os fatos e uma convicção bastante aprofundada, respaldada em elementos e argumentos de pessoas que acreditam nisso. Cito, por exemplo, o Sr. Roberto Malvezzi, conhecido como Gogó, da Pastoral da Terra, que há anos vem participando deste debate e tem elementos importantes a respeito. Hoje, por exemplo, César Benjamin, no jornal O Estado de S. Paulo, coloca argumentos também bastantes significativos e que se contrapõem àqueles de Ciro Gomes na “Carta a Letícia Sabatella”, publicada em O Globo. Pois bem, avalio que precisamos, sim, iniciar esse debate e aprofundá-lo melhor ainda, mais do que já foi feito até hoje. Por essa razão, penso que essa seja uma das primeiras sugestões da comissão designada ontem pelo Senado, em que tive a honra, Senador Efraim Morais, de ter a vaga aberta pelo Democratas - o Senador Heráclito Fortes, em nome do Líder José Agripino, designou-me para fazer parte da composição dessa comissão -, mas ela está inteiramente aberta a sugestões de pessoas como V. Exª. O que vamos propor, com os Senadores José Nery, Magno Malta e Lúcia Vânia, é que, de pronto, organizemos um grande debate. Isso pode estar no âmbito da Comissão de Direitos Humanos - o que o Presidente, Senador Paulo Paim, de imediato, acatou - ou até abranger a Comissão de Infra-Estrutura e outras, como a de Assuntos Econômicos e, eventualmente, a de Assuntos Sociais, porque abrange muitos aspectos. Queremos justamente escolher pessoas de ambos os lados. Quem sabe, Senador Efraim Morais, possamos até convidar Dom Luiz Flávio Cappio para o debate, que pode ser realizado em Sobradinho, onde ele está, ou aqui, neste plenário ou no auditório Teotônio Vilela, porque poderia envolver convite aos movimentos sociais e a especialistas de ambos os lados, como o Ministro Geddel Vieira, o ex-Ministro Ciro Gomes, os técnicos responsáveis pela obra, bem como aqueles que a estão criticando. Eu gostaria de ouvir as explicações sobre a natureza da greve de fome do padeiro. Agradeço. Obrigado.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Agradeço a V. Exª e parabenizo a Comissão por tomar essa iniciativa, Senador Eduardo Suplicy.

Refiro-me ao enfermeiro João Carlos Filho, na cidade de Sousa, no sertão da Paraíba, um homem de 40 anos de idade e que estava em greve de fome, Sabe muito bem V. Exª que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região se posicionou concedendo liminar pela interrupção das obras. A partir desse momento, o enfermeiro resolveu entrar em greve de fome, suspendendo-a ontem, depois do resultado do Supremo, que decidiu pela continuidade das obras do São Francisco.

Somos totalmente favoráveis a toda ação do Senado Federal, da Comissão de Ação Social, de todas as comissões que se fizerem necessárias nesta Casa para o acompanhamento desse processo, desde que não pare a obra, desde que a obra continue, porque há uma decisão técnica favorável, há uma decisão do Supremo, além de uma decisão do Presidente da República de que a obra deve continuar. Vamos realizar todos os debates possíveis, mas não para a obra ser paralisada. Não vamos parar a obra para debater. Vamos dar continuidade às obras do São Francisco porque, tecnicamente, sua continuidade está aprovada em todas as esferas. Houve uma contestação jurídica, e o Governo recorreu ao Supremo, que, por seis a três, decidiu que a obra deve continuar. Não há outro caminho: vamos continuar discutindo, mas, parar a obra, sob hipótese nenhuma. Já há uma decisão superior. Não cabe mais recurso na Justiça. Já há uma decisão superior, uma decisão do Supremo. Se há decisão do Supremo, não cabe mais a nenhum juiz contestar essa decisão. Não sou jurista, mas entendo dessa forma.

Depois, quanto à questão colocada por V. Exª, que é legítima, de contestações - V. Exª citou algumas pessoas importantes do País, de ONGs, de movimento pastoral, de movimento pela terra -, aceito qualquer que seja a figura que venha a ter essas posições. Porém, mais adiante, vou citar, antes de conceder um aparte ao Senador Mão Santa, o que disse, na Paraíba, um trabalhador, que é o nosso Presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Paraíba, o agricultor Liberalino Ferreira de Lucena, que talvez, Senador Suplicy, valha para todas essas grandes figuras que V. Exª citou. Esse agricultor se manifestou, inclusive, surpreso com a atitude de Dom Cappio e produziu essa significativa manifestação, que faço questão de transcrever.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Só para completar aquela primeira informação: o enfermeiro já interrompeu o seu jejum?

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Claro, porque o objetivo dele era exatamente esse. Ele é atingido diretamente pela não-conclusão das obras, porque lá - repito para V. Exª - ele não tem a água mineral que tem o Bispo, não tem a água de coco que tem o Bispo. Ele tem sede, ele e doze milhões de nordestinos que estão precisando dessa água.

Sou católico apostólico romano e não tenho nada contra o Bispo, mas contesto o radicalismo dele em relação a isso, diferentemente da CNBB, que condena a atitude do bispo, diferentemente do Arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagotto, que conhece de perto a realidade do sertão, que visitou e viu milhares de paraibanos e nordestinos, não só da Paraíba, mas do Rio Grande do Norte, do Ceará e de Pernambuco, carregando latas e latas de água na cabeça, por mais de seis quilômetros, para fazer o café da manhã.

Se essas figuras que V. Exª acabou de citar, que respeito, - não atinjo V. Exª - fossem ao sertão e carregassem lata de água na cabeça por mais de seis quilômetros, pode ter certeza, Senador Suplicy... Se V. Exª for ao sertão e transportar essas latas d’água na cabeça para beber e fazer sua comida, V. Exª vai mudar de posição.

Quando V. Exª vir o sofrimento de doze milhões de nordestinos padecendo, rezando, orando e pedindo a Deus e a todos os santos possíveis para que a água caia no nosso sertão, no nosso Cariri e Curimataú paraibano, ou do Rio Grande do Norte, ou do Ceará, V. Exª mudará de posição.

O discurso feito por aqueles que não visitaram e não conhecem a realidade dos homens e das mulheres que carregam água por mais de seis quilômetros na cabeça para fazer o café da manhã, tomar seu banho ou fazer a sua mudaria se eles conhecessem essa realidade. Ponham a lata d’água na cabeça como os nordestinos para ver o que é que vão sentir!

Protesta-se e depois se vai para os bares tomar água engarrafada, água mineral da melhor qualidade, diferentemente dos sertanejos, paraibanos e nordestinos, que estão sofrendo com a falta da água e pela intransigência de alguns que não querem ver a solução que é a transposição do rio São Francisco.

V. Exª, ao se referir à carta de Ciro Gomes, se esqueceu de dizer que a vazão do São Francisco é de quase quatro milhões de metros cúbicos d’água por segundo. O que os nordestinos estão pedindo, Senador, é sessenta mil metros cúbicos por segundo, cinqüenta e poucas vezes menos do que a água que vai para o mar. Não são águas aproveitáveis, não, mas águas que vão para o mar. Então, o que nós estamos querendo é que vá para os Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará apenas um cinqüenta avos da água que vai para o mar, que é desperdiçada.

Senador Mão Santa, escuto V. Exª.

Peço à Presidência um pouco de tolerância, pois é um assunto que a gente precisa discutir. Já que há tanto espaço em que se é contrário à transposição do São Francisco, nada melhor do que a tribuna do Senado para que nós possamos esclarecer ao Brasil a questão. Somos, inclusive, discriminados, mas estamos lutando por uma causa justa, humanitária, e as grandes figuras, que vivem se refrescam no ar-condicionado e bebem água mineral em garrafa não sabem o que é a falta d’água para um cidadão nordestino, que é brasileiro tanto quanto nós.

Ouço o aparte do Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Efraim Moraes, o País viu, hoje pela manhã, V. Exª como engenheiro, saudando a modernidade, saudando a arquitetura, filha da engenheira. V. Exª está de volta tratando deste assunto, que está muito medieval. Está ali o Augusto Botelho, cirurgião. Eu me lembro de André Vesálio, condenado porque ia abrir o tórax de cadáveres para estudar cirurgia. Está muito medieval este assunto. Eu lembraria, para inspirar e para ensinar ao Brasil contemporâneo, do Renascimento, Leonardo Da Vinci, engenheiro militar. No Renascimento, antes de o Brasil ser descoberto, ele já fazia a transposição do rio Arno. Eu mesmo fui, como Governador do Estado do Piauí, a convite do ex-Senador Fernando Bezerra, a Denver, Colorado, nos Estados Unidos, para estudar e avançar essa transposição, que é estudada desde o Governo passado. Foi o trabalho de um século que transformou aquela região desértica em uma região rica. Então, acho que o assunto está muito medieval. O Albert Einstein já dizia que temos que casar ciência e religião e voar para o progresso, para as conquistas da melhoria da humanidade.

O SR. EFRAIM MORAES (DEM - PB) - Senador Mão Santa, agradeço a V. Exª.

O assunto é medieval, sim, mas precisamos concluir essa obra, porque V. Exª sabe muito bem da necessidade que têm os nossos Estados, principalmente esses quatros Estados: Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.

Quero deixar registrado o que disse o Liberalino, uma pessoa simples e humilde, mas que zela pela nossa agricultura como Presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Paraíba. Ele produziu esta manifestação. Disse o nosso Presidente:

“Se vierem para o sertão e precisarem carregar latas d’água na cabeça, talvez essas pessoas que estão contra a transposição mudem de opinião.”

E disse mais ainda o nosso Presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Paraíba:

“Quando pensamos na transposição, não é nem a agricultura que vem à cabeça, e sim a subsistência de seres humanos, que atualmente dependem dos carros-pipas.”

O Presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Paraíba disse ainda que este ano de 2007 foi um ano péssimo para a agricultura. Foi um ano péssimo, sim, porque metade dos agricultores perdeu 50% da sua safra e a outra metade perdeu 100% por falta de chuvas. Milhões, vários milhões de brasileiros do Nordeste, principalmente pequenos agricultores, dependem hoje do Seguro Safra para sobreviver.

É nesse ambiente, que raramente chega à grande mídia, que está a realidade da escassez de água. Se o conhecesse melhor, o sentimento cristão de Dom Cappio certamente o levaria a fazer greve de fome não para paralisar, mas para apressar as obras da transposição.

E não é só isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Além da necessidade da obra, há a realidade objetiva de que ela está tecnicamente bem planejada, em condições de cumprir, sem danos colaterais, as metas traçadas. Não fosse isso e estaria também eu, como engenheiro e Senador, contrário à execução da obra. Mas não é essa a realidade. A obra necessária está tecnicamente amparada.

Por isso mesmo, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Alberto Menezes Direito concedeu ontem liminar liberando-a. Antes, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região havia concedido tutela antecipada, suspendendo-a. Talvez aí, meu caro Senador Suplicy, o momento em que o enfermeiro da Paraíba entrou em greve por uma decisão da Justiça suspendendo a transposição das águas do São Francisco.

Não podemos crer, sinceramente, que a mais alta Corte de Justiça do País tomasse tal decisão sem estar devidamente respaldada em dados técnicos claros e insofismáveis. Ninguém vai duvidar de que a Suprema Corte deste País tomou uma decisão sem conhecimento de causa. Duvido que alguém venha aqui dizer que os Ministros decidiram sem saber o que estavam decidindo. Se decidiram, é porque sabiam o que estavam fazendo. E decidiram a favor dos milhões de nordestinos que esperam pelas águas do São Francisco.

Do ponto de vista técnico, transpor bacias, como disse o Senador Mão Santa, transpor bacias, sangrar rios, servir-se com critério da natureza para atender às demandas humanas mais essenciais - e nada é mais essencial que a água -, é algo que remonta aos primórdios da humanidade.

Bem antes de Cristo, Senador Mão Santa, bem antes de Cristo, construíam-se canais nas regiões do Egito e da Babilônia, obras que ainda hoje lá estão. Em 1300, a China construiu um canal de 1.800 quilômetros. O Egito empregou um milhão de trabalhadores na construção do canal de Suez. Há hoje em todo o mundo - já tive a oportunidade de dizê-lo desta tribuna - cerca de uma centena de obras similares, até porque a escassez de água doce é um dos grandes desafios da humanidade neste milênio que estamos iniciando.

O projeto da transposição das águas do rio São Francisco foi bem aceito pela comunidade técnica, dado a relativa rapidez de resultados que pode proporcionar, a um custo razoável, tendo em vista as dimensões da obra.

O projeto tem esbarrado, repito, em resistências políticas localizadas. Colocam-se, basicamente, dois níveis de dificuldade, Sr. Presidente. A primeira, de natureza federativa: desviar o rio São Francisco significa tirar a água dos Estados da Bahia, de Sergipe e de Alagoas e distribuí-la para os Estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e do Ceará. Os Estados doadores seriam prejudicados. Premissa falsa.

A segunda resistência é de ordem ambiental. Haveria poucos estudos técnicos avaliando os danos da obra ao meio ambiente. Nenhuma dessas alegações, nenhuma das duas alegações, como já tive oportunidade de demonstrá-lo anteriormente, tem consistência efetiva.

Vejamos a primeira argumentação: a da resistência dos Estados doadores. O princípio que rege e sustenta a Federação é o da coesão e solidariedade entre os entes que a integram. Se não o fosse, não haveria por que uni-los. Se o interesse de um não tem relação com o do outro, melhor seria que cada Estado, como ocorre na América hispânica, constituísse um país formalmente independente, embora, na prática, profundamente dependente do apoio dos demais.

O grande trunfo da unidade da América portuguesa, que a faz sobressair entre seus vizinhos, é a possibilidade dessa coesão e solidariedade, que bem melhor se materializa sob o regime federativo republicano que no regime centralista monárquico do passado.

O petróleo do Nordeste e do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, atende às demandas da industrializadíssima São Paulo, a preço de custo.

Inúmeros insumos e matérias-primas transitam de um Estado para outro da Federação, fazendo circular riqueza e desenvolvimento, sem barreiras alfandegárias ou custos adicionais.

Por que não a água, Srªs e Srs. Senadores? Por que não a água? A compreensão básica da maioria é de que, embora a transposição não seja uma panacéia que resolva todos os dramas da região, atenua substantivamente o principal deles, que é a falta d’água, e, sem dúvida, aumenta em muito a capacidade produtiva do Nordeste.

Se a riqueza aumenta, todos se beneficiam: mais empregos, menos doenças, menos migração, menor taxa de mortalidade e analfabetismo e tantas outras coisas.

Sr. Presidente, é preciso deixar bem claro que o que se está propondo não é a liquidação do rio São Francisco, mas seu aproveitamento conseqüente e consistente, sob a guarda das mais severas normas técnicas de meio ambiente.

E, aí, chegamos ao segundo ponto de resistência ao projeto: o dano ambiental. A premissa de que os estudos técnicos são insatisfatórios, Sr. Presidente, é falsa.

Desde a concepção do projeto original, hoje já enriquecido por numerosos outros, colocou-se a questão ambiental como condicionante.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Sr. Presidente, em dois minutos, terminarei o meu discurso.

Esse é um ponto inegociável, até porque a consciência ecológica, dentro e fora do País, disseminou-se de tal forma que nada se faz sem essa chancela prévia, que, como já disse, não é fácil de obter - e foi obtida por essa obra.

O que está em pauta é algo que pode representar o ponto de partida para a redenção geoeconômica do Nordeste, o que, sem dúvida, interessa a todo o País. Já na execução da obra serão gerados numerosos empregos, atenuando a situação social na região.

Por essa razão, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não faz sentido o protesto religioso do Bispo Dom Cappio. Não é essa uma questão teológica, que dê autoridade a um clérigo para conclamar pessoas em nome da fé. Fazê-lo, nessas circunstâncias, torna-se abuso de autoridade e extrapola as funções de um Bispo, com todo o respeito que ele merece de nós.

Estamos certos, Sr. presidente, diante da segunda manifestação púbica da CNBB, chamando Dom Cappio à razão, de que há de prevalecer o interesse público e de que a decisão do Supremo Tribunal Federal será levada em conta pelos que hoje contestam a obra. Ela impõe-se por motivos econômicos e humanitários - sobretudo humanitários.

Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.

Agradeço a tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2007 - Página 46352