Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre as reformas política e institucional.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Reflexões sobre as reformas política e institucional.
Aparteantes
Alvaro Dias, Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 12/02/2008 - Página 1081
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, CONVITE, EDIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), REFERENCIA, FUTURO, POLITICA, DEMONSTRAÇÃO, IMPORTANCIA, REFORMA POLITICA.
  • ANALISE, HISTORIA, POLITICA NACIONAL, DEMONSTRAÇÃO, DEMORA, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, DETALHAMENTO, PROPOSTA, APROVAÇÃO, SENADO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ALTERAÇÃO, PROPORCIONALIDADE, ELEIÇÃO, DEPUTADOS, VOTO, FIDELIDADE PARTIDARIA, ADOÇÃO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, FUNDOS PUBLICOS, DISPOSITIVOS, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ELEIÇÕES.
  • COMENTARIO, REFORMA POLITICA, ABRANGENCIA, SISTEMA, FEDERAÇÃO, APREENSÃO, CONCENTRAÇÃO, PODER, UNIÃO FEDERAL, PREJUIZO, ESTADOS, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, TRIBUTAÇÃO, REGISTRO, HISTORIA, REPUBLICA FEDERATIVA.
  • IMPORTANCIA, REFORMA POLITICA, LIGAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, EFICACIA, REFORMA JUDICIARIA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, ESPECIFICAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DEFESA, RESPEITO, AUTONOMIA, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Garibaldi Alves Filho, Srªs e Srs. Senadores, recebi convite formulado pelo Professor Celso Lafer, ex-chanceler e jurista, para escrever artigo para o nº 74 da Revista USP, cujo editor é o Dr. Francisco Costa. O tema da citada revista era “Pensando o futuro - Humanidades”. A mim, foi atribuído fazer reflexões sobre o futuro da política. O ensejo serviu para ferir tema recorrente em nosso País, posto que ainda não solucionado, qual seja: a necessidade de promover as reformas institucionais ou, para usar expressão mais conhecida, as chamadas reformas políticas.

A reforma eleitoral é tema que raramente deixou de figurar na agenda política do País. Não me refiro só à agenda atual, mas também a dos dois séculos atrás: o século XX e o século XIX. A diferença reside na circunstância de que a expressão reforma política, hoje tão cediça, no século XIX, com mais propriedade se designava reforma eleitoral. Este é, por sinal, o título do livro publicado em 1875 pelo Conselheiro Antonio Pereira Pinto, à época Diretor da Secretaria da Câmara dos Deputados. Nele, estão as propostas que, entre 1827 e 1874, tramitaram no velho Parlamento do Império, com o objetivo de aprimorar a legislação eleitoral do País.

Por esse livro a que me reportei, constata-se, por exemplo, que o projeto do Deputado Ferreira França, de 1835, estabelecendo eleição direta, só foi adotado pela Lei Saraiva, em 1881. Sequer foi considerado objeto de deliberação quando submetido ao turno regimental de apreciação preliminar de discussão.

Os 46 anos que separam o projeto de Ferreira França da Lei Saraiva, de 1881, mostram a morosidade das mudanças políticas no Brasil a que Joaquim Nabuco se referiu quando na monumental biografia de seu pai - “Um Estadista do Império”, registrou que suas idéias como Ministro da Justiça levavam em regra cerca de 30 anos para serem materializadas.

Isso, inclusive, se aplica, Sr. Presidente, ao projeto que Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco, empreendeu com relação ao aprimoramento da prestação jurisdicional por parte do Estado, ao tempo do Império brasileiro.

Hoje, Srªs e Srs. Senadores, é vezo generalizado referirmo-nos à reforma política, tomando esse termo como sinônimo de reforma eleitoral e das questões adjetivas delas decorrentes.

Nas propostas aprovadas pelo Senado Federal e em tramitação na Câmara dos Deputados - por sinal há tempos em condições de serem submetidas às deliberações do Plenário -, os temas relevantes cingem-se a três mudanças: primeiro, mudança do sistema proporcional para eleição dos deputados, matéria constitucional (Art. 45 do texto da nossa Carta em vigor), adotando-se a modalidade do voto em listas fechadas e bloqueadas; como segundo ponto está a questão da fidelidade partidária, tão importante para fortalecer os partidos políticos; e terceiro, a adoção do financiamento público de campanha.

O financiamento público não é conseqüência do sistema de listas fechadas e bloqueadas. Ao contrário, o voto em lista é requisito para viabilizar o financiamento público, impraticável com o modelo em vigor de listas abertas, ou seja, o sistema que praticamos, o que torna impossível fazer e vertebrar verdadeiros partidos políticos.

A questão do financiamento público tem de ser feito naturalmente por intermédio dos partidos. Veja-se por oportuno que este ano haverá eleições municipais. E a pergunta que se faz é: como repartir R$880 milhões de recursos públicos, nas eleições municipais, entre 340 mil candidatos a vereador e mais de 15 mil a prefeito, número do último pleito de 2004? Certamente, nas eleições deste ano, o número de candidatos será maior, até porque há 29 partidos devidamente registrados no TSE, e há também o processo de ampliação do número de candidatos que buscam a via eleitoral.

A proposta do sistema de listas visa exatamente a tornar possível a distribuição do financiamento. Não entre os candidatos, o que seria inviável, mas entre os partidos, aos quais caberia a condução das campanhas eleitorais.

Sempre entendi que a reforma política é reiteradamente preconizada, mas lentamente materializada. Depois de longos anos de discussão e debate, exige-se um espectro bem mais amplo de medidas, com o objetivo de torná-las não só coerentes entre si, mas também consistentes com as demais soluções propostas.

A meu juízo - e posso estar equivocado -, a pauta das reformas políticas deve abranger grande parte do universo dos diferentes componentes do nosso sistema político. Daí ter-se sempre dado preferência aos termos “reforma institucional” em lugar de “reforma política”, com o propósito de contemplar não só, como até agora, a opção entre os sistemas majoritário, proporcional ou misto.

Entendo que as questões referentes à organização federativa, ao relacionamento entre os Poderes do Estado e à reforma legislativa devem integrar a agenda política com a mesma intensidade com que se defendem mudanças no sistema eleitoral.

A reforma legislativa, por exemplo, é pressuposto da reforma do Legislativo e da modernização e simplificação da legislação brasileira. Aliás, matéria objeto do discurso que o Presidente Garibaldi Alves Filho pronunciou na abertura da sessão legislativa deste ano.

Trata-se também, Sr. Presidente, de objetivo de se conseguir a consolidação legislativa prevista no art. 59 da Constituição de 1988 e já regulamentada pelas Leis Complementares nº 95, de fevereiro de 1998, e nº 107, de abril de 2001. Mas, em que pese esse aparato legal, pouco se avançou neste tema. É certo que no Senado já se faz algum esforço neste sentido, por intermédio do Senador Tião Viana, e o mesmo ocorre também na Câmara. Ainda não mereceu um tratamento prioritário por parte das duas Casas do Congresso Nacional.

Embora entenda, Srªs e Srs. Senadores, seja necessária a mudança do sistema eleitoral brasileiro, para ensejar o fortalecimento dos partidos políticos, ele está razoavelmente atualizado e testado, compõe-se de um conjunto de disposições constantes dos arts. 2º e 4º da Constituição, que tratam, respectivamente, dos direitos e garantias constitucionais e da organização dos poderes, e das seguintes leis: a) a que estabelece a inelegibilidade e as incompatibilidades eleitorais (Lei Complementar nº 64, de 1990); b) a que dispõe sobre a Justiça Eleitoral e a administração dos pleitos (Código Eleitoral, Lei nº 4.737, de 1965); c) a que regula a organização e o funcionamento dos partidos políticos (Lei nº 9.096, de 1995) e d) a denominada lei das eleições (Lei nº 9.504, de 1997), ambas, aliás, por mim sancionadas no exercício da Presidência da República, de cujas discussões participei com relatores, líderes e dirigentes do Congresso Nacional. Com exceção do Código Eleitoral, que é da década de 60 do século passado, mas sistematicamente atualizado, todo restante do sistema legal foi aprovado na década de 90. De forma suplementar, mais de vinte mil resoluções do TSE regulam aspectos normativos da legislação vigente e esclarecem dúvidas suscitadas por candidatos, partidos, parlamentares e a sociedade de um modo geral.

Esse sistema, portanto, não exige modificações maiores no modelo em vigor, salvo as imprescindíveis ao seu aperfeiçoamento.

Sr. Presidente, sei que o inimigo tempo não me impede que continue a expor meus pontos de vista.

O SR. PRESIDENTE (Garibaldi Alves Filho. PMDB - RN) - Senador Marco Maciel, V. Exª ainda dispõe de dez minutos de tempo regimental, não é concessão.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Então, se V. Exª me permitir, gostaria de dizer que vou avançar em algumas considerações que acho pertinentes no momento em que estamos iniciando uma nova sessão legislativa. Aliás, as matérias relativas às reformas institucionais, como as classifico, no lugar de considerá-las como reformas políticas, envolvem não somente esse arcabouço do sistema eleitoral e partidário, mas, diz respeito a outros pontos sensíveis e que tanto interessam à sociedade brasileira.

Refiro-me, por exemplo, à questão federativa um pouco esquecida. Sinto, cada vez mais, que a federação se enfraquece em virtude de uma enorme concentração de poderes da União em detrimento de Estados e Municípios. Essa constatação pode parecer paradoxal, sobretudo num momento em que a Constituição de 1988 considerou também os municípios entes federativos, o que levou o jurista Miguel Reale dizer que passamos a praticar, a partir da Constituição de 1988, de um federalismo trino. O que Reale queria dizer com essa expressão? Que além da União e os Estados, como assim se define geralmente uma federação, incluímos na Constituição de 1988, os municípios como entes federativos.

Vemos, como disse há pouco, concentração cada vez maior de poderes e sobretudo no plano fiscal, em prol da União, em detrimento para Estados e Municípios.

A CPMF, por ser uma contribuição, não repassava, conseqüentemente, parcela de seus recursos para o Fundo de Participação dos Estados - FPE, tampouco para o Fundo de Participação dos Municípios - FPM, o que mostra que a União continua a dispor de maior volume de recursos em detrimento dos dois demais entes da Federação.

Sabemos que a Federação foi a grande conquista da primeira constituição republicana de 1891 mas se quisermos recuar no passado, vamos verificar facilmente que a federação sempre foi um objetivo colimado por grandes figuras da época do Império. José Bonifácio, Patriarca da Independência, para dar um exemplo, tratou desse assunto. Poderia lembrar outros que também advogaram a federação, entre muitos, Rui Barbosa - de quem temos um busto aqui no Plenário - foi o primeiro federativista ou deferalista, se assim posso dizer, do que republicano. Ele só se converteu à República depois de ver que a Federação não era possível no Brasil durante a monarquia. A mesma coisa aplicaria a Joaquim Nabuco, um monarquista convicto até a Proclamação da República; Joaquim Nabuco defendia uma monarquia federalista ou federativa.

Um país com a extensão e dimensão do nosso não pode descurar da questão federativa. Temos de fortalecer a Federação até por aplicar o “princípio da subsidariedade”, isto é, fazer com que aquelas questões menores sejam resolvidas pelos municípios; as questões que não podem ser resolvidas pelos municípios venham a ser resolvidas pelos estados, e somente venham ao plano federal quando transcenderem o âmbito do município ou do estado.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não, concedo a palavra ao nobre Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Marco Maciel, V. Exª tem sido, sem dúvida nenhuma, o maior defensor da reforma política. É claro que outros parlamentares têm se interessado pelo tema, mas sem sombra de dúvida V. Exª se sobressai por ser estudioso e aprofundar essa questão, e ser persistente, sempre tentando convocar à responsabilidade os agentes públicos que deveriam assumir essa missão de promover uma reforma política no País. Se ela tivesse precedido as demais reformas, certamente as outras que vieram, e vieram precariamente, teriam sido melhor sucedidas, sem dúvida nenhuma; e, certamente, os percentuais de corrupção teriam sido reduzidos significativamente, não somente a corrupção eleitoral, mas a corrupção que vem depois do período eleitoral, até como conseqüência daquela havida durante as campanhas eleitorais. V. Exª está de parabéns por esse esforço. Esse é um tema que, lamentavelmente, é debatido há pelo menos dez anos no Congresso Nacional, e nós não avançamos. Certamente, com a liderança de V. Exª, poderemos despertar outras consciências para que assumam a responsabilidade desse debate com V. Exª. Parabéns, Senador Marco Maciel!

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Nobre Senador Alvaro Dias, agradeço as palavras de V. Exª. Tenho - e devo dar esse testemunho - acompanhado a participação de V. Exª em nosso debate e sei que V. Exª também tem sido um constante defensor dessas reformas.

Sr. Presidente, além das reformas a que já me reportei, inclusive o fortalecimento da Federação, precisamos também pensar em olhar as instituições republicanas. E, ao analisar as instituições republicanas, devemos buscar melhorar o desempenho dos Três Poderes. O Judiciário já foi objeto de uma Reforma Constitucional, a PEC 45, cujo relator nesta Casa foi o Senador José Jorge. Precisamos pensar na reforma do Legislativo a que V. Exª aludiu no discurso de abertura da sessão legislativa e também a reforma do Poder Executivo, pois assistimos, cada dia que se passa, ao aprofundamento de conflitos no plano federal; entre o Executivo e o Legislativo, entre o Legislativo e o Judiciário, etc.

Um dos temas que eu gostaria de destacar diz respeito, por exemplo, à questão das medidas provisórias, que tem produzido freqüente atrito entre o Legislativo e o Executivo, com seus reflexos no Poder Judiciário. Não podemos deixar de enfrentar neste momento. a questão dos vetos. Ouço o nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Sr. Senador, sei que V. Exª já está no final do seu pronunciamento, o Presidente já sinalizou, mas eu gostaria, em breves palavras, apenas de me congratular com V. Exª pelas reflexões aqui feitas no seu discurso, envolvendo tema tão importante. O próprio Presidente do Senado, o Senador Garibaldi Alves, foi muito preciso. S. Exª interpretou os sentimentos do Congresso Nacional, das duas Casas, do Senado e da Câmara, quando disse que há, realmente, uma invasão nas atribuições constitucionais do Poder Legislativo. E quando V. Exª toca nesse assunto, afirmando que deveremos fazer uma reforma política, modificando a forma de atuação das nossas instituições, atinge em cheio as pretensões da sociedade brasileira: cada Poder atuando de acordo com a sua competência, sem nenhuma porta aberta para a invasão dos poderes de um sobre o outro. Porque a verdadeira democracia é isto: harmonia entre os poderes. Os poderes são harmônicos e independentes. Infelizmente, temos de reconhecer que o Legislativo tem sido omisso, principalmente com os projetos que são feitos aqui e enviados para a Câmara dos Deputados - eles praticamente dormem nas gavetas. É preciso, então, que haja um entendimento entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Quanto a isso, temos certeza de que V. Exª, como Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e o nosso Presidente do Senado haverão de envidar esforços neste sentido, de um compartilhamento entre os Poderes, todos respeitando uns aos outros e as atribuições específicas definidas na nossa Constituição. Agradeço a V. Exª.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Agradeço, nobre Senador Antonio Carlos Valadares, o seu aparte, que deu novas considerações ao complexo tema. V. Exª observou que, pela tradição constitucional brasileira, os Poderes são independentes, mas devem ser harmônicos. Em busca dessa harmonia e, conseqüentemente, em busca de melhor prestar serviços à sociedade, precisamos aprimorar as nossas instituições e fazê-las cada vez mais atentas às grandes demandas da sociedade brasileira.

Nobre Presidente Garibaldi Alves Filho, encerro, portanto, as minhas considerações.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/02/2008 - Página 1081