Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento sobre a instalação da CPI que irá investigar o uso dos cartões corporativos. A impunidade no campo e o assassinato da irmã Dorothy, no Pará. (como Líder)

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CARTÃO DE CREDITO. SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Posicionamento sobre a instalação da CPI que irá investigar o uso dos cartões corporativos. A impunidade no campo e o assassinato da irmã Dorothy, no Pará. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 13/02/2008 - Página 1206
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CARTÃO DE CREDITO. SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DEFESA, URGENCIA, NECESSIDADE, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, CARTÃO DE CREDITO, EXECUTIVO, TOTAL, PERIODO, EXISTENCIA, AUSENCIA, RESTRIÇÃO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), REPUDIO, SIGILO, GASTOS PUBLICOS, ALEGAÇÕES, RISCOS, SEGURANÇA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESRESPEITO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, APOIO, REVEZAMENTO, FUNÇÃO, PRESIDENTE, RELATOR, ESCOLHA, BANCADA, GOVERNO, OPOSIÇÃO.
  • REGISTRO, ANIVERSARIO DE MORTE, HOMICIDIO, IRMÃ DE CARIDADE, ATUAÇÃO, DEFESA, REFORMA AGRARIA, ESTADO DO PARA (PA), COMBATE, VIOLENCIA, MODELO, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, GRILAGEM, ILEGALIDADE, EXTRAÇÃO, MADEIRA, TRABALHO ESCRAVO, EXPANSÃO, FRONTEIRA, PECUARIA, SOJA, ALCOOL, AVALIAÇÃO, CONTINUAÇÃO, IMPUNIDADE, MAIORIA, DIVERSIDADE, CRIME, CONFLITO, CAMPO, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, PROTESTO, FALTA, EVOLUÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, DEMONSTRAÇÃO, INDICE, DESMATAMENTO, LEITURA, CARTA ABERTA, POPULAÇÃO, REGIÃO, HOMENAGEM POSTUMA, LIDER, COBRANÇA, AGILIZAÇÃO, PROCESSO JUDICIAL.
  • REPUDIO, PROPOSTA, DISCUSSÃO, MINISTERIOS, ANISTIA, RESPONSAVEL, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, REGIÃO AMAZONICA, APOIO, ENTIDADE, ECOLOGIA, RECLAMAÇÃO, PUNIÇÃO.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Garibaldi Alves, Srªs e Srs. Senadores, o pronunciamento que devo fazer hoje trata, mais uma vez, do tema impunidades no campo.

            Antes, porém, vou emitir minha opinião sobre o tema que vem sendo debatido nestes dias e que é fruto de preocupação para todos os que estão nesta Casa e para o País, que quer ver apurados e elucidados os fatos fartamente denunciados pela imprensa e que envolvem o uso, de forma indevida, dos cartões de pagamento de despesas do Governo Federal, os chamados “cartões corporativos”.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, manifesto-me no seguinte sentido: primeiro, entendemos que a investigação é necessária e urgente. Deve ser feita durante todo o período, desde a instituição dos cartões corporativos até a presente data. Portanto, no âmbito do governo anterior e do governo atual. Uma CPI, eu poderia dizer, ampla, geral e irrestrita sobre o tema, sem qualquer tipo de acordo que tenha por interesse blindar quem quer que seja, porque o tema vem sendo debatido e por muitos advogado como gastos que não podem ser divulgados por colocar em risco a segurança nacional, a segurança do Presidente da República.

            Creio que, no caso, não há razões de Estado para colocar sob sigilo gastos normais, ordinários, sejam do Presidente da República ou dos Ministérios, gastos que devem ser transparentes, como devem ser todos os atos da Administração Pública. Neste caso, tornando-os sigilosos, há um claro desrespeito ao princípio constitucional da transparência, da publicidade dos atos públicos. Portanto, uma CPI ampla, geral e irrestrita, sem qualquer tipo de acordo para blindar quem quer que seja.

            Sr. Presidente, em segundo lugar, gostaria de dizer que defendo, tal qual fiz hoje na reunião de Líderes como na reunião com os partidos de Oposição e outros que também são da base do Governo e tiveram uma reunião-almoço no dia de hoje, assim como fizeram aqui outros Líderes, que o comando da CPI que será instalada tenha efetivamente o compartilhamento na sua direção entre a representação das bancadas do Governo e da Oposição. Sem isso, é dizer ao País que faremos uma CPI apenas para responder pontualmente as denúncias que são apresentadas e que não haveria efetivamente a vontade de investigar, como creio que é verdadeira a manifestação de todos aqueles que aqui se manifestaram pela apuração de todos os fatos relacionados ao mau uso dos cartões corporativos.

            Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há exatos três anos, no amanhecer de 2 de fevereiro, na terra encharcada de Anapu, pequeno e conflagrado Município do sudoeste paraense, Dorothy Mae Stang, 73 anos, missionária de origem norte-americana que havia optado pela nacionalidade brasileira, foi brutalmente assassinada com seis tiros a queima-roupa. Numa das mãos, carregava a Bíblia. Seu corpo martirizado tombou em um dos lotes do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, que ela ajudara a criar como forma de defender a sobrevivência dos pequenos agricultores, ameaçados pelo avanço de um modelo devastador, baseado na grilagem de terras públicas, na extração ilegal de madeira, na utilização de mão-de-obra escrava. É esse o modelo que tem forçado a expansão da fronteira da pecuária, da soja e, agora, do etanol, e é a fonte principal da tragédia social que se alastra pelo Pará e pela Amazônia.

            Muito se falou, desde então, sobre os culpados por esse bárbaro crime. Diante da comoção internacional, ocorreu uma das maiores operações do Estado brasileiro naquela área, com deslocamento de tropas do Exército e de centenas de servidores de diversos Ministérios. Além de localizar e punir os executores e mandantes do assassinato, o Governo prometeu agir sobre as causas dos conflitos, implementando medidas que dessem um basta à grilagem e à exploração predatória da floresta. Passados três anos, é forçoso realizar um balanço criterioso dessas promessas.

            Em primeiro lugar, o martírio de Dorothy Stang não foi um fato isolado. Integrou uma longa série de mortes em função de conflitos agrários, a enorme maioria ainda coberta sob o manto da impunidade. Aliás, é essa impunidade que continua estando na raiz desses conflitos sangrentos. A forma relativamente rápida como foram presos e julgados os pistoleiros e mandantes desse caso apenas contrasta com a existência de dezenas de outras mortes de líderes rurais e defensores de direitos humanos que permanecem sem solução.

            A condenação dos executores direitos do crime - os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista -, ainda em dezembro de 2005, foi um fato inédito pela celeridade, muito embora ainda se arraste o processo judicial em função de recursos interpostos pela defesa dos acusados. Ambos permanecem presos, como também está cumprindo pena Amair Feijoli Cunha, apontado como intermediário no assassinato. Entretanto, o processo contra dois fazendeiros acusados pela Justiça como mandantes segue um conhecido roteiro de protelações. Vitalmiro Bastos de Moura foi julgado em maio de 2007, condenado a trinta anos de prisão, aguarda um novo julgamento em liberdade. Regivaldo Pereira Galvão sequer foi julgado, beneficiando-se das muitas brechas possibilitadas pela legislação processual penal. Ele está em liberdade desde 29 de junho de 2006, por decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, convencida que foi da “excessiva demora na finalização do processo”, em grande parte, causada por manobra de sua própria defesa.

            A propósito, não custa recordar que Regivaldo Galvão e Vitalmiro Moura foram também denunciados pelo Ministério Público Federal no Pará pelo crime de submeter trabalhadores à condição análoga à de escravo, frustração de direito trabalhista, aliciamento de trabalhadores e falsificação e omissão de informação em documento público. O fato é referente a 28 trabalhadores encontrados, em 2004, em condição análoga à de escravidão na Fazenda Rio Verde, a 60 km de Anapu, na região da Transamazônica.

            O julgamento de todos eles não deixa de ser um fato importante que contribui para quebrar a cadeia da impunidade. Entretanto, está muito longe de ser suficiente, porque se deixou de aprofundar as investigações, a fim de alcançar uma quadrilha bem maior que, direta ou indiretamente, contribuiu para a execução da missionária. Esse verdadeiro "consórcio do crime" tem sido reiteradamente denunciado pelas entidades de direitos humanos e com grande ênfase pelo Bispo da Prelazia do Xingu, na Transamazônica, Dom Erwin Käutler.

            Srªs e Srs. Senadores, quanto à promessa de conter o processo de grilagem e devastação, é ilustrativo que esse registro da presença viva da Irmã Dorothy seja feito no exato momento em que está acesa mais do que nunca a polêmica sobre a destruição da Amazônia. Os alarmantes índices de desmatamento, reconhecidos pelo próprio Governo recentemente, revelam uma situação gravíssima, que, repito, põe em risco a sobrevivência das populações locais naquela vasta região, além de sacrificar, de forma irremediável, um fabuloso patrimônio de nossa biodiversidade.

            Concluo este pronunciamento, Sr. Presidente, reproduzindo a Carta Aberta à população de Anapu, que foi lida durante as celebrações em homenagem à memória de Irmã Dorothy Stang, no dia de hoje, quando Anapu recebeu delegações de várias entidades de direitos humanos de várias partes do País, entidades da sociedade civil, de governos, de trabalhadores, das igrejas, num ato que reuniu mais de 500 pessoas.

            Em Belém do Pará, em frente ao Tribunal de Justiça do Estado, mais de 200 pessoas se concentraram num ato ecumênico, para exigir a punição dos assassinos, dos mandantes do crime de Irmã Dorothy, mas também a apuração de todos os processos que permanecem parados nas varas criminais do Estado do Pará, porque, dos 814 processos (mortes) dos últimos 20 anos, apenas 90 processos foram concluídos; desses, apenas sete mandantes foram condenados; e, desses sete mandantes, apenas um se encontra preso.

            A carta, distribuída à população no dia de hoje, está assim escrita:

“Hoje é um dia para a celebração da presença viva da Irmã Dorothy, há três anos martirizada por sua luta em defesa da Amazônia e da sobrevivência - com dignidade - de seus povos oprimidos.

Hoje é um dia para renovar, com redobrado vigor, a justa indignação contra toda e qualquer injustiça, fonte das pequenas e grandes tragédias que, há tantos séculos, perseguem os que vivem de seu próprio trabalho.

Hoje é um dia para demonstrar que o legado e o exemplo de Dorothy sobreviveram a seu bárbaro e até agora não completamente esclarecido assassinato.

Lembrar sua obstinada e consciente escolha em dedicar a vida em defesa dos mais fracos significa, antes de tudo, deixar registrado que as raízes da barbárie que infelicita o povo do Pará e da Amazônia permanecem praticamente inalteradas. E é contra essas máquinas da morte e da injustiça que devemos continuar o bom e necessário combate.

A violenta expansão do agronegócio, todos sabem, corresponde a um modelo que favorece e estimula a ocorrência de novas tragédias. É esse modelo que coloca em risco a própria sobrevivência das populações e da rica sociobiodiversidade da Terra do Meio, que tanto Dorothy se esforçava em defender.”

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses dias, também tivemos a oportunidade de tomar conhecimento de propostas em discussão no interior de alguns Ministérios, que tratam da possibilidade de anistia aos devastadores da Amazônia. Se essa proposta vier a ser transformada em realidade, será mais um crime com a conivência e as bênçãos do Estado brasileiro aos que devastam impunemente a floresta, que dilapidam o patrimônio que pertence a todos, que matam as pessoas e que promovem assassinatos e ficam impunes. Essa proposta não pode vingar e tem aqui a nossa mais absoluta condenação, que já foi feita por várias entidades ambientalistas que reclamam a punição daqueles que devastam e não o benefício do Estado com qualquer tipo de anistia que venha a beneficiá-los.

            É por tudo isso que junto minha voz, na tribuna do Senado Federal e nas ruas de nosso País, aos que gritarão, com todas as forças dos nossos corações, que Dorothy está cada vez mais viva e presente na luta do povo por uma sociedade efetivamente livre de todos os grilhões da opressão e da exploração.

            Saibam que meu mandato pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é uma ferramenta a serviço dessa caminhada e um parceiro para seguir erguendo bem alto a bandeira da justiça e da igualdade.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/02/2008 - Página 1206