Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos oitenta anos de fundação do jornal O Povo.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos oitenta anos de fundação do jornal O Povo.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/2008 - Página 5997
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, JORNAL, O POVO, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, IMPRENSA, COMPROMISSO, INFORMAÇÃO, COBERTURA, HISTORIA, BRASIL, DEFESA, INTERESSE, POVO, PERIODO, DITADURA, ESTADO NOVO, REGIME MILITAR, REDEMOCRATIZAÇÃO, CAMPANHA, CRIAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARA (UFC), BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), MELHORIA, RECURSOS HIDRICOS, SAUDAÇÃO, DIRIGENTE.
  • HOMENAGEM POSTUMA, EX-DEPUTADO, JORNALISTA, ATUAÇÃO, JORNAL, O POVO, ESTADO DO CEARA (CE).

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores; bancada cearense no Senado, que hoje tem à frente a Senadora Patrícia Saboya, que assume a presidência dos trabalhos; Senador José Nery, de Pedra Branca, Minerolândia, Estado do Ceará; Senador Geraldo Mesquita, cearense que aqui representa o Estado do Acre; Senador Tasso Jereissati; Senador Mauro Benevides, aqui presente, hoje atuando como Deputado na Câmara; Deputado Arnon Bezerra, do nosso Cariri cearense; Chico Lopes, aqui presente nesta nossa homenagem; Senador Mão Santa, que está ali com um material do jornal O Povo; Senador Alvaro Dias; meus caros jornalistas, Fábio Campos, Plínio, nossos colegas do Estado do Ceará; Vânia Dummar, que está aqui conosco; Tales de Sá Cavalcante, dirigente da Faculdade Farias Brito, uma das organizações educacionais mais fortes, digamos assim, no Estado do Ceará; Ariston, da TAM, e seu filho Ariston Júnior; Demócrito Dummar, eu tive a oportunidade, na comemoração dos setenta anos, de realizar uma sessão como esta na Câmara dos Deputados.

            A Câmara realiza um conjunto maior de sessões. No Senado, é mais raro, pois é mais contido em suas homenagens. Digamos assim que os escolhidos para as homenagens as recebem por grande merecimento, Senador José Sarney. E esse é o caso, Senador Arthur Virgílio, do jornal O Povo, por merecimento, pelas razões de sua nascença, como nasceu esse jornal. Eu comentava há pouco com o ex-Presidente do Senado Federal, Mauro Benevides, por que o Demócrito Rocha resolveu criar o jornal O Povo.

            Porque ele escrevia. Intelectual, queria escrever, queria contar o que acontecia na sua época nos governos locais, o que estava acontecendo. Então, perguntaram: mas ele não poderia escrever isso em outro jornal. Parece que não podia ou parece que ele não cabia mais em outro jornal. As suas idéias precisavam de um jornal próprio, as suas idéias não podiam mais ser contidas, e, para não serem contidas, nascia o jornal O Povo.

            A comemoração da passagem dos seus 80 anos, no âmbito do Senado Federal, reveste-se de grande importância histórica, pois é a primeira vez que esta Casa destina uma sessão solene para registrar, reverenciar e homenagear a trajetória de 80 anos do jornal cearense O Povo. A Senadora Patrícia convocou a todos para que, em conjunto, os cearenses realizássemos esta homenagem.

            Fundado em 7 de janeiro de 1928, teve como Presidente grandes personalidades: Demócrito, seu fundador, de 1928 a 1943; Paulo Sarasate, de 1943 a 1968; Creusa Rocha, de 1968 a 1974; Albanisa Sarasate, de 1974 a 1985.

            A história do jornal se confunde com a epopéia de Demócrito Rocha. Nascido em Caravelas, município da Bahia, em 14 de abril de 1888, Demócrito Rocha foi poeta, odontólogo, jornalista e Deputado Constituinte. Ainda menino, perdeu os pais e teve de trabalhar como operário em uma oficina de locomotivas. Viveu em Sergipe dos 17 aos 23 anos de idade e concluiu lá o curso de Humanidades. Veio para Fortaleza trabalhar como telegrafista concursado do então Departamento de Correios e Telégrafos, hoje, Correios.

            Já casado com Creusa do Carmo, em 1921, formou-se em Odontologia pela Faculdade de Odontologia e Farmácia. Em 1927, trabalhou no jornal O Ceará, onde, para conciliar a paixão pela saúde e pelas letras, montou um consultório na própria redação do jornal. Nesse mesmo ano, quando voltava do trabalho, Demócrito Rocha foi espancado nas proximidades da Praça do Ferreira por cerca de dez policiais em razão do jornalismo combatente que realizava contra os desmandos do Governo da época.

            Demócrito nos brindou também com a sua poesia. Um dos seus poemas mais conhecidos é O Rio Jaguaribe, Uma Artéria Aberta - esse rio nosso, cearense, de que nós, às vezes, nos orgulhávamos ao dizer que era o maior rio seco do mundo. E o Demócrito já pregava a sua perenização, que era possível. Hoje, assistimos a sua possibilidade. Alguns ainda duvidam, questionam e querem barrar que possamos perenizar o rio Jaguaribe.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, a empresa jornalística O Povo começou com apenas dezesseis páginas e uma impressora francesa de segunda mão. A compra de sua primeira sede foi fruto de uma campanha de arrecadação financeira, onde não faltou a solidariedade de muitos amigos que apostavam no talento e ousadia de homens e mulheres.

            A filha do fundador Demócrito Rocha, Maria Lúcia do Carmo Rocha, contava que, certo dia, Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados - que já era poderoso naquela época -, de passagem pelo Ceará, teve a idéia de comprar o jornal O Povo. Demócrito reagiu, respondendo simplesmente assim: “Você venderia um filho seu?”

            Esse episódio, Srªs e Srs. Senadores, demonstra o amor, a devoção e o esmero que todos dedicavam à construção do jornal.

            Surgido dois anos antes da Revolução de 30, O Povo testemunhou vários episódios da história política do Brasil nesses 80 anos: a República Velha; o Getulismo; as Constituições de 1934 até 1988; o levante de 32; a Segunda Guerra Mundial; o Governo JK; o golpe militar; a perseguição política; a anistia; a campanha pelas eleições diretas; o retorno à democracia; a eleição de Lula. O jornalismo limpo e sadio é o ensinamento legado por Demócrito Rocha à imprensa brasileira.

            Aqui, há pouco, estava o Sr. Evandro Guimarães, que faz parte da Abert e também já participou da Associação de Jornais por muitos anos e deve ter isso como testemunho. Esse é o legado de Demócrito. O jornalismo limpo e sadio é o seu ensinamento.

            À época de sua fundação, o jornal O Povo se rebelou contra a política dos coronéis, que manipulavam as eleições e mantinham seu eleitorado no voto de cabresto. É isso aí. Nasceu por isso, por essa razão: não aceitava ser tutelado pelas regras da ocasião e precisou se insurgir. E se insurgiu Demócrito Rocha, que não aceitou isso, e fundou o seu jornal.

            Numa ampla consulta popular entre os fortalezenses, a escolha do nome do jornal, por meio de concurso promovido pelo seu fundador, já indicava para quem se destinava o então vespertino. O chicote, estilizado na letra “p” de “povo”, já dizia a que vinha.

            O editorial de capa definiu muito as suas intenções: “O Povo vinha com o propósito de defender os interesses do povo, sendo o chicote que iria ferir as oligarquias dominantes à época e ainda levar o desenvolvimento ao Ceará”. Não por acaso, seu slogan era “o jornal das multidões”.

            Demócrito tinha muitos amigos e admiradores, mas também causou ira a muitos inimigos poderosos. Em 1927, próximo à Praça do Ferreira, foi agredido a sabre e patas de cavalo por doze oficiais da Força Pública. Não se intimidou, lutou com afinco e coragem para ter seu próprio meio de comunicação.

            Sr. Presidente, ao homenagear o jornal O Povo, quero registrar a figura... Sempre fica este problema: se a gente destaca uma figura, cria dificuldade com outras personalidades que fazem parte da história do jornal O Povo; mas eu, então, vou escolher uma, não tem jeito, e o faço na figura de um brilhante jornalista, querido de todos: Blanchard Girão. E, para isso, recorro de um artigo publicado no próprio jornal O Povo, escrito pelo professor Edmilson Caminha, ex-funcionário do jornal, ex-Presidente da Casa do Ceará e Consultor da Câmara dos Deputados:

Com a morte de Blanchard Girão, desaparecem não apenas o jornalismo brilhante, o político sério, o escritor de talento, mas também o ser humano que, pela nobreza espiritual e pela generosidade de sentimentos, fazia o mundo melhor e a vida mais bela. Em um meio onde freqüentemente prevalecem o interesse e o arrivismo, deu-nos a todos uma admirável lição de inteireza moral, de rigor profissional, de conduta ética, com que se fez digno da admiração dos companheiros e do respeito da sociedade.

            Homem de imprensa, honrou o jornalismo brasileiro pela coragem pessoal e pela bravura cívica que o levaram a defender a liberdade, a justiça a que todos os povos têm direito. Quando muitos se curvavam à prepotência dos tiranos, Blanchard foi a voz dos que não podiam falar ao dizer das arbitrariedades e das infâmias que se sucediam nos bastidores do Governo.

            Deputado estadual, pagou com a cassação e a cadeia o atrevimento de provar que política não é, obrigatoriamente, uma arte menor, para homens pequenos, mas pode - e deve ser - um trabalho edificante para cidadãos descentes. Mais do que uma simples lembrança, Blanchard Girão nos deixou um legado. Em O Povo foi editor de esportes, editor de economia e editor-chefe. Sempre nos brindou com artigos significantes em defesa do Brasil, da soberania e das idéias avançadas e progressistas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal O Povo é um patrimônio do povo cearense, pois se firmou como um grande e moderno meio de comunicação no Ceará e no Brasil - claro, ele tem um proprietário, mas nos arvoramos em falar para você, Demócrito, que o jornal já é um patrimônio do povo cearense há muito tempo e assim se mantém.

            São várias as causas que o jornal abraçou por intermédio de seus editoriais. Já falamos aqui das épocas mais difíceis, mais duras: ditadura, Estado Novo, Diretas, etc; por tudo isso o jornal O Povo passou. Mas o jornal, em seus editorais, encampou causas do povo do Estado frente a muitas lutas, como o da fundação da própria Universidade Federal do Ceará (UFC), em uma belíssima campanha; do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o banco conterrâneo, o banco nordestino, em grande campanha; a campanha em favor da perenização da água do semi-árido, iniciada pelo próprio Demócrito, tema que é fonte de debate permanente no jornal O Povo; a luta pela integração das bacias do rio São Francisco com o Nordeste Setentrional, e os inúmeros editoriais de campanhas em defesa dos idosos, adolescentes, dos jovens, das crianças, além do acompanhamento e divulgação dos desafios e das conquistas das mulheres.

            Nesta sessão solene, que coincidiu com a homenagem que o Senado prestou às mulheres em seu Dia Internacional, quero registrar que o jornal O Povo tem uma Presidente Executiva, não é verdade, Demócrito? É verdade. Trata-se de Luciana Dummar, uma das poucas mulheres no Brasil a comandar um jornal, e a única mulher a ocupar uma cadeira de vice-Presidente na Associação Nacional de Jornais. Casaram-se as homenagens.

            As mulheres que continuem a grande luta por sua emancipação em defesa do povo brasileiro e à causa do jornal O Povo, que também vejo como uma causa de emancipação do nosso Estado, que ainda é muito pobre, pois ainda registramos os mais baixos índices de desenvolvimento humano. Depois de toda a saga do nosso povo, ainda é assim o nosso Estado. Então, ao lado da homenagem, eu registro também a luta. No jargão, digamos assim, da Esquerda brasileira, a luta continua!

            Era o que tinha a dizer. Muito obrigado. (Aplausos.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/2008 - Página 5997