Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da realização, hoje e amanhã, do sexto Encontro do Parlamento Amazônico, no Amapá. Abordagem sobre a decisão do STF acerca da desocupação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Registro da realização, hoje e amanhã, do sexto Encontro do Parlamento Amazônico, no Amapá. Abordagem sobre a decisão do STF acerca da desocupação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2008 - Página 9204
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, REALIZAÇÃO, ESTADO DO AMAPA (AP), ENCONTRO, LEGISLATIVO, ESTADOS, REGIÃO AMAZONICA, DEBATE, MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, SOBERANIA, JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, ORADOR.
  • QUESTIONAMENTO, SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, OPERAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), POLICIA FEDERAL, GUARDA NACIONAL, DESPEJO, HABITANTE, PIONEIRO, AREA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), REITERAÇÃO, DENUNCIA, FALTA, DEMOCRACIA, IRREGULARIDADE, DEMARCAÇÃO, FALSIDADE, LAUDO TECNICO, ESPECIFICAÇÃO, REPUDIO, ATUAÇÃO, MARCIO THOMAZ BASTOS, EX MINISTRO DE ESTADO.
  • LEITURA, TRECHO, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, SUSPENSÃO, DESOCUPAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), PRAZO, JULGAMENTO, MERITO, AÇÃO JUDICIAL, INICIATIVA, GOVERNO ESTADUAL, PROMESSA, AGILIZAÇÃO, PREVENÇÃO, CONFLITO, REGIÃO, ELOGIO, JUDICIARIO, REITERAÇÃO, ORADOR, PEDIDO, ATENÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, ALDO REBELO, DEPUTADO FEDERAL, ANALISE, ERRO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), CONFLITO, INDIO, PRODUTOR RURAL, CRITICA, IDEOLOGIA, AUTONOMIA, TRIBO, SEPARAÇÃO, BRASILEIROS.
  • ANALISE, INTEGRAÇÃO, INDIO, CIDADÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), GRUPO ETNICO, MIGRAÇÃO, ZONA URBANA, QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REGIÃO, EXISTENCIA, OPOSIÇÃO, IGREJA CATOLICA, IGREJA EVANGELICA, LEITURA, OBRA ARTISTICA, POETA, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente quero registrar aqui que hoje e amanhã estará se realizando, no Estado do Amapá, o VI Encontro do Parlamento Amazônico, que terá como tema “O Parlamento frente ao Desafios da Amazônia, Meio Ambiente, Desenvolvimento e Soberania”.

Esse Parlamento Amazônico reúne as assembléias legislativas estaduais de todos os Estados da Amazônia. Portanto, hoje e amanhã estarão no Amapá debatendo esses temas.

Quero fazer este registro e lamentar que, embora convidado, não possa estar presente, como já estive em outros encontros do Parlamento Amazônico, pois considero um foro legítimo para discutir os problemas da nossa Amazônia.

Mas continuando a falar sobre a Amazônia, Sr. Presidente, quero, novamente, fazer uma abordagem sobre a decisão de ontem e de hoje do Supremo Tribunal Federal a respeito da desocupação forçada, que seria feita na reserva indígena Raposa/Serra do Sol de cerca de 458 proprietários daquela região, pela Polícia Federal e pela Guarda Nacional, a mando do Governo Federal, atendendo a uma operação da Funai chamada Upatakon III. Significa, portanto, que duas operações já foram feitas pela Polícia Federal.

Segundo informações que tenho, ainda não oficiais, o custo dessas três operações beira cerca de R$20 milhões. Ora, se esse dinheiro tivesse sido revertido para os índios daquela região, cada qual já teria até melhorado de vida, mas, enquanto isso, gasta-se dinheiro com diárias, com hospedagem, com transporte de policiais federais de vários locais do Brasil, inclusive da Guarda Nacional, para expulsar daquela região pessoas ordeiras, trabalhadoras, pessoas nacionalistas, que lá realmente estão, inclusive miscigenadas com os índios há mais de século. E a maioria dos índios também não quer isso.

Aliás, é algo esquisito porque esse núcleo “comunistóide” que domina a Funai, o Incra e o Ibama fala sempre em consulta popular em plebiscito, mas nesse caso não quiseram fazer uma consulta, um plebiscito, aos índios que moram naquela região para saber se eles queriam a demarcação desse jeito. Não, impuseram do jeito que eles entenderam. Aliás, baseados em um laudo falso, criminoso, que a Justiça Federal de Roraima constatou ser completamente fraudulento. Tanto é que essas questões vieram para o Supremo, e a Ministra Ellen Gracie, no dia 29 de julho de 2004 - naquela altura iria ser realizada a primeira demarcação -, deu uma liminar suspendendo a demarcação da reserva indígena.

Pois bem, Senador Mão Santa, sabe o que aconteceu? O Ministro Thomaz Bastos fez uma traquinagem jurídica e anulou, tornou sem efeito a portaria que demarcou a reserva, baseado nesse laudo falso, e editou uma outra portaria, igualzinha, apenas aumentando em alguns quilômetros a área da reserva. Quer dizer, nem base antropológica tinha para fazer nova portaria, mas fez.

Fez isso quando? Quando ele viu que realmente não tinham consistência nem o laudo, nem os procedimentos. Nenhum tipo de aspecto legal amparava a demarcação. Então, ele fez essa molecagem de anular a portaria e editar uma outra, demarcando a mesma área.

A portaria, curiosamente, foi editada sem publicação no Diário Oficial, no dia 14 de abril de 2005, às vésperas do Ministro Carlos Ayres Britto dar o seu parecer. E foi comunicado pelo então Ministro Márcio Thomaz Bastos que a portaria havia sido revogada e, portanto, havia uma nova portaria. Todas as ações contra a portaria anterior perderam o objeto, juridicamente falando. Com isso, o Ministro Carlos Ayres Britto revogou a liminar da Ministra Ellen Gracie. E, no dia seguinte, 15 de abril de 2005, o Presidente Lula homologou a tal portaria.

Se o Presidente Lula foi induzido a erro, lamento, mas ele cometeu um erro jurídico. E o pior é que ele e seu Ministro Márcio Thomaz Bastos foram exaustivamente alertados desse erro, mas, mesmo assim, não voltaram atrás. Vieram insistindo de 2005 até hoje - estamos em 2008 - na evacuação das 458 famílias daquela região, dando foco, destaque aos arrozeiros, maiores produtores da região, que ocupam apenas 1% da área e que produzem 25% do Produto Interno Bruto de Roraima.

Pois bem, várias ações tiveram de ser retomadas, porque, com essa malandragem jurídica de anular uma portaria e fazer uma outra nos mesmos moldes, tudo teve de ser recomeçado.

E aí a coisa se arrastou até agora. E o Governo se aproveitou disso para forçar a retirada, sendo que já conseguiu retirar de lá 200 famílias. Faltam, portanto, 258. Ele indenizou cerca de 160 e reassentou pouco menos do que isso.

Tudo mal feito, mal indenizado, mal reassentado, mas estavam justamente aproveitando essa lacuna da decisão do Supremo para consumar o fato.

Ontem, o Supremo suspendeu a operação da Polícia Federal, que está lá com cerca de 500 homens, inclusive da Guarda Nacional, e disse que até que seja julgado o mérito das ações não haverá a expulsão das pessoas, dos brasileiros e das brasileiras que estão lá guardando as nossas fronteiras com a Venezuela e a Guiana...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Brasileiras e brasileiros, as mulheres na frente. É assim que o Presidente Sarney ensinou.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - E eu também gosto de obedecer a essa ordem.

Então, ontem foi a decisão do Supremo e hoje já a Advocacia Geral da União, portanto o advogado do Presidente Lula, entrou com uma ação para anular a decisão de ontem do Supremo.

Infelizmente, o Supremo julgou a ação hoje:

Supremo Tribunal Federal mantém suspensa a desocupação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Por votação unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou, nesta quinta-feira, pedido de liminar formulado pela União na Ação Cautelar nº 2.014 e manteve a sua decisão tomada ontem, no sentido de suspender operações policiais que tivessem por objetivo a desocupação da parte da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ainda ocupada por não-índios. A decisão valerá até o julgamento do mérito de uma de várias ações propostas pelo governo de Roraima, com objetivo de evitar a desocupação da área.

Diante da ameaça do conflito na região, o relator da ação, Ministro Carlos Ayres Britto, comprometeu-se a colocar a matéria em votação tão logo uma dessas ações esteja instruída com alegações da Advocacia Geral da União e parecer da Procuradoria Geral da República.

Sr. Presidente, peço que seja transcrita nos Anais da Casa toda a matéria, bem como a de ontem.

Quero fazer mais um apelo, mas sinto que apelar para o Presidente Lula é uma coisa inútil, principalmente quando se apela por coisas sérias, para se fazer as coisas direito. Mas eu vou apelar mais uma vez, para que ele chame esses Ministros dele, esses Assessores dele e mande-os ver a coisa à luz do Direito real, legítimo, não do Direito torto, mal interpretado ou fabricado, para dizer que, de acordo com o gosto do freguês, se faz o Direito. Não é assim, não.

Eu quero parabenizar o nosso Supremo Tribunal Federal pela decisão tomada, porque repõe o Estado de direito neste País. O pretexto é amparar os índios, mas é uma política falsa, porque coincidentemente nessas reservas indígenas, principalmente no meu Estado, o que tem mais é minério e o que tem menos é índio. Então, na verdade, é uma grande jogada que está sendo feita. Mas eu não quero usar muito as minhas palavras, que são de coração, são apaixonadas, mas são verdadeiras.

Eu quero ler aqui, Sr. Presidente, um artigo escrito e publicado hoje em O Estado de S.Paulo pelo Deputado Federal Aldo Rebelo, que foi Ministro das Relações Institucionais da Presidência da República e articulou a Comissão Externa da Câmara, que teve como Relator o Deputado Lindberg Farias, e a Comissão Temporária Externa do Senado, que teve como Relator o Senador Delcídio Amaral. Ambas as Comissões forneceram ao Presidente Lula a fórmula jurídica, política, social capaz de demarcar aquela área sem qualquer conflito. Mas o Presidente ignorou tudo isso.

E hoje o Deputado Aldo Rebelo escreve o seguinte artigo:

A Nação é uma só.

O conflito secular que opõe os índios a outros estratos da Nação brasileira, como garimpeiros, seringueiros e agricultores, tem na atualidade o seu ponto culminante na reserva Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima. No centro, está o antigo problema de terras ocupadas por indígenas versus expansão da sociedade nacional.

É lógico que não concordo com tudo o que o Deputado escreve aqui, mas ele fala como um homem nacional, um homem de São Paulo, fala exatamente o que diria qualquer brasileiro patriota e nacionalista.

Há aspectos eqüitativamente relevantes no conflito. Há o ambiental, o indígena, o avanço das forças produtivas, a defesa do território, enlaçados pelo matiz delicado de o cenário da divergência ser zona de fronteira. Não é sábio nem justo escolher um deles para tomar posição. A proteção aos índios, com os quais o País tem uma dívida que é chaga social, tão ou mais escandalosa que a contraída com os africanos, não pode ser praticada de forma unilateral, apartada das demais variáveis do problema.

A demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol foi um erro geopolítico do Estado brasileiro. Sobressai no noticiário a caricatura de um enfrentamento polarizado entre índios não-aculturados e capitalistas-tubarões-predadores, mas, em verdade, também são protagonistas do problema os caboclos [- e aqui vamos traduzir o que são caboclos: são justamente o resultado da miscigenação do não-índio com o índio, seja o não-índio o branco ou o negro.] pequenos agricultores, pecuaristas, comerciantes e até o Exército, impedido de exercer a sua missão constitucional de vigiar extensas faixas de fronteira com a Guiana e a Venezuela. Uma parcela dos índios apóia a permanência dos não-índios na área conflagrada de Roraima, inclusive dos arrozeiros, que a Polícia Federal foi expulsar de lá. A demarcação da reserva deveria, portanto, ter levado em conta os interesses legítimos dos diversos estratos sociais ali presentes. Ainda há tempo de identificá-los e acomodá-los de forma justa e fraterna, pois ocorre em Roraima a desavença que o dirigente chinês Mao Tsé-tung chamou de ‘contradições no seio do povo’.

É um equívoco cultural reclamar que ‘os silvícolas têm muita terra’, pois eles necessitam de grandes extensões para levar seu modo de vida, baseado na caça, no extrativismo, na agricultura nômade e no respeito a santuários religiosos.

Essas são palavras dele das quais discordo, tendo em conta a realidade dos índios de Roraima, que são índios funcionários públicos, prefeitos, vereadores, totalmente integrados à sociedade local. Portanto, não são bem desses índios que ele fala aqui, não.

No Monte Roraima, a propósito, resiste o mito da Macunaíma, cujo nome o escritor Mário de Andrade utilizou no seu romance mais conhecido. Os números da reserva Raposa Serra do Sol, no entanto, suscitam discussões. São 1,74 milhão de hectares de área contínua, pontilhada de fazendas, roças, arrozais, estradas, linhas de energia elétrica, quartéis, cidades e vilas. Foi reservada para uso exclusivo de apenas 15 mil indivíduos , distribuídos em cerca de 150 aldeias. Nada menos que 46% do território estadual constitui terras indígenas.

 

E, aqui, é bom dizer: não é uma só etnia indígena, não. São seis etnias indígenas; são cinco instituições organizadas, das quais uma só, o Conselho Indígena de Roraima, ligado à Igreja Católica, é que pensa dessa forma extravagante. As outras, não; as outras querem convivência pacífica e harmoniosa.

Curiosamente, é o Norte a região em que os índios menos se multiplicam [eu diria como V. Exª diz: atentai bem, Senador Mão Santa!]. Segundo os últimos dados confiáveis, os do IBGE, eles baixaram de 42,4% em 1991 para 29,1%, em 2000. Noutras regiões, em contrapartida, houve uma explosão estatística: no Sudeste, as pessoas identificadas como indígenas passaram de 30,5 mil para 61,2 mil, enquanto no Nordeste o salto foi de 55,8 mil para 170 mil. O fenômeno se deve, em parte, à elevada urbanização.

É verdade! A maior aldeia indígena que existe em Roraima é na capital, Boa Vista. É lá onde mora a maior parte dos índios. Mais de 50% dos índios moram em Boa Vista, na capital.

Quando levei minha esposa, paulista, para conhecer o Nordeste [palavras do Deputado], conversamos no Monte Pascoal com uma índia pataxó que vendia peças de artesanato rústico. Perguntamos pelo marido, e ela respondeu: ‘Voltou pra a roça. Cansou dessa profissão de índio.’

Veja, Senador Mão Santa, estão transformando o ser índio numa profissão! Essas ONGs que se multiplicam, feitas por esses indigenistas de laboratório da Avenida Paulista, de Copacabana e do exterior, na verdade fazem isso. Nasci em Roraima, tenho 64 anos de idade, convivi com os índios desde pequeno. Nunca vi um índio de tanga ou de cocar. Agora, lá, os índios estão usando canga, cocar. E por que estão usando? Porque inventaram que eles que têm de voltar a usar. Esses indigenistas querem reescrever uma história que já não é a mais atual.

Continua o Deputado:

É confortador lembrar que, ao infortúnio histórico dos índios, o Brasil contrapôs o bálsamo de algumas de suas maiores inteligências. A causa foi abraçada desde os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, apóstolos da corrente humanista, que desde então a Igreja Católica mantém ativa na defesa das tribos. Nesse apostolado militaram também o estadista José Bonifácio, os escritores Gonçalves Dias, José de Alencar e Antonio Callado, os sertanistas Villas-Boas, o médico Noel Nutels, o etnólogo Darcy Ribeiro, além do monumento moral que nos orgulha como povo, o Marechal Rondon [filho de índio, descendente de índio, que ajudou na demarcação e no reconhecimento e identificação das tribos indígenas.] Todos comungavam na doutrina da integração dos índios à sociedade nacional, em grau e métodos variados.

A esses luminares do sertanismo e da antropologia sucedeu uma visão esdrúxula que aparta os índios da Nação e pleiteia sua autonomia em relação ao Estado. Agora, fala-se em ‘povos indígenas’, ‘nações indígenas’, ‘autodeterminação indígena’ como se as tribos constituíssem nacionalidades independentes em territórios emancipados. Chegamos ao paroxismo de tuxauas barrarem a circulação de generais do Exército em faixa de fronteira.

Já houve proposta de criação de embaixadas indígenas em Brasília, para que as tribos se relacionassem em posição de igualdade com o governo. Incute-se nos índios, enfim, a idéia de que, em relação aos brasileiros, são estrangeiros.

Como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, visitei toda a fronteira amazônica. Fiquei ainda mais convencido de que temos o dever de resgatar a dívida histórica com os índios e protegê-los da forma mais generosa de que formos capazes. Mas a generosidade de um país continental deve ser ampla e isonômica, ou seja, estende-se a todos os seus nacionais. É tão brasileiro o índio macuxi [lá de Roraima] quanto o colono gaúcho [do Rio Grande do Sul].

Eles integram uma só Nação diversificada. O Brasil destaca-se mais pelo produto do que pelos fatores, não importa a grandeza que encerrem nem a ordem em que sejam agrupados. O brasileiro de hoje é índio, branco, negro e, sobretudo, o resultado do caldeirão que nos fez uma civilização única no mundo. Um filho de italianos, Victor Brecheret, usou o poder de síntese da arte para traduzir esta riqueza étnica no Monumento às Bandeiras, em que esculpiu no granito bruto a epopéia conjunta de brancos, índios e mamelucos na construção deste grande país.

Senador Mão Santa, essas palavras não são minhas; são do Deputado Aldo Rebelo, do Partido Comunista do Brasil. Um homem que conhece a Amazônia e que foi Presidente da Comissão de Relações Exteriores.

Suas palavras, realmente, sintetizam ou fazem um raio X da realidade, dessa falsa política indigenista no Brasil, que prioriza a demarcação de terra em desfavor do ser humano índio, do ser humano índia e do ser humano criança, porque vemos os índices de saúde e a roubalheira na saúde indígena.

Eu gostaria também, Sr. Presidente - para não ocupar muito mais o tempo -, de pedir que façam parte do meu pronunciamento o artigo publicado em O Estado de S.Paulo: “Demarcações estão acabando com Roraima, de autoria do General José Maria Mayrink; matéria veiculada hoje no Bom Dia Brasil e no site do jornalista Alexandre Garcia; e, por fim, coincidentemente, uma nota do Conselho Indigenista Missionário, Cimi da Igreja Católica: “Decisão do STF legitima a omissão do Governo Federal.”

A igreja católica, curiosamente, não está na relação daqueles que vão ser retirados da Raposa Serra do Sol, mas as igrejas evangélicas estão. Cinco propriedades das igrejas evangélicas nessa região - em vilas, etc. - da Raposa Serra do Sol estão listadas para serem retiradas de lá; e a Igreja Católica, não. Por que será? Lá, mais ou menos 70% dos índios são evangélicos; 30% são católicos. Por que essa divisão até religiosa? É preciso, realmente, que o Supremo se aprofunde muito nessa questão.

Peço também que essa nota do Cimi faça parte do meu pronunciamento.

Por fim, Sr. Presidente, quero dizer que é bom que entendamos duas coisas - todos os brasileiros e brasileiras que nos assistem pela TV Senado e que nos ouvem pela Rádio Senado: parece que essa questão não interessa muito ao Brasil, ou não interessa, por exemplo, a quem vive em São Paulo, no Rio de Janeiro, etc.. É uma coisinha de Roraima ou da Amazônia; essa Amazônia que só é apontada como problema.

Quero ler dois poemas, para encerrar meu pronunciamento, Sr. Presidente. O primeiro é de Bertolt Brecht e Vladimir Maiakovski.

Diz o seguinte:

No caminho

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem;

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

O outro poema é de autoria de Martin Niemöller, um pastor evangélico alemão da época de Hitler, datado de 1933, que diz o seguinte:

Um dia vieram e levaram meu vizinho

que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram meu

outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei.

No terceiro dia vieram e levaram meu

vizinho católico. Como não sou católico,

não me incomodei.

No quarto dia, vieram e me levaram; já

não havia mais ninguém para reclamar...”

Quero deixar estes poemas como reflexão.

O que está acontecendo com o meu Estado e com a Amazônia, como um todo, é essa política de internacionalização feita pelo Governo brasileiro. Há pessoas de boa-fé que acreditam que estão fazendo um bem com isso, que acreditam que esse tipo de ação é realmente uma forma de ajudar um grupo de índios.

Quero deixar aqui o meu mais veemente protesto.

Ao mesmo tempo, quero dizer do reconhecimento, do respeito que sempre tive pelo Poder Judiciário, em função de suas três decisões: a primeira delas, foi a da Ministra Ellen Gracie; a segunda, foi a de ontem, do Ministro Carlos Ayres Britto, referendada pelo Plenário, e a de hoje, a terceira, novamente referendando decisão de ontem contra o que pretendia a Advocacia-Geral da União.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“A Nação é uma só”;

“STF envia para a Justiça Federal, em Roraima, ação sobre área indígena São Marcos”;

“STF mantém suspensa a desocupação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol”;

“Raposa/Serra do Sol”;

“Demarcações estão acabando com Roraima, alerta general”;

“Tensão na fronteira”;

“Trecho de No Caminho com Maiakovski”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2008 - Página 9204