Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque à audiência pública com a Ministra Dilma Rousseff na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura. Considerações sobre a questão dos biocombustíveis.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MINISTRO DE ESTADO, CONVOCAÇÃO. POLITICA ENERGETICA. POLITICA AGRICOLA.:
  • Destaque à audiência pública com a Ministra Dilma Rousseff na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura. Considerações sobre a questão dos biocombustíveis.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2008 - Página 12416
Assunto
Outros > MINISTRO DE ESTADO, CONVOCAÇÃO. POLITICA ENERGETICA. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, AUDIENCIA PUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, ELOGIO, CONDUTA, ESCLARECIMENTOS, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BANCO DE DADOS, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • IMPORTANCIA, INICIATIVA, BRASIL, PRODUÇÃO, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, ALCOOL, CANA DE AÇUCAR, CONTRIBUIÇÃO, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, ATMOSFERA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, AUTORIDADE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ACUSAÇÃO, Biodiesel, RESPONSABILIDADE, CRISE, ALIMENTOS, MUNDO, DEFESA, ORADOR, MOTIVO, INFLAÇÃO, PRODUTO ALIMENTICIO, SUPERIORIDADE, PREÇO, PETROLEO, AUMENTO, CUSTO, FERTILIZANTE, TRANSPORTE, PRODUÇÃO, ALTERAÇÃO, CLIMA, COMPROMETIMENTO, SAFRA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AUSTRALIA, EXCESSO, SUBSIDIOS, PAIS INDUSTRIALIZADO, CONTINENTE, EUROPA, FALTA, INCENTIVO, PRODUÇÃO AGRICOLA, PAIS SUBDESENVOLVIDO, AMERICA DO SUL, AFRICA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, GARANTIA, CAPITAL SOCIAL ABERTO, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), SIMILARIDADE, EMPRESA, TECNOLOGIA, PAIS INDUSTRIALIZADO, MELHORAMENTO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, APLICAÇÃO, PESQUISA AGROPECUARIA, BENEFICIO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, SAFRA, BRASIL, DEMONSTRAÇÃO, DADOS.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, SECRETARIO GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), RECONHECIMENTO, AUSENCIA, INTERFERENCIA, PRODUÇÃO, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, ORIGEM, CANA DE AÇUCAR, CRISE, ALIMENTOS, MUNDO.

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Presidente Mão Santa, pelas palavras, quero também cumprimentar o Senador Eduardo Azeredo, um homem competente, de larga experiência, de altíssimo nível. É uma honra trabalhar com S. Exª neste Senado, como também com o nosso querido Senador Wellington Salgado.

            Não posso deixar de destacar a audiência pública com a Ministra Dilma Rousseff na Comissão de Infra-Estrutura. Foi um momento muito importante para o Senado Federal. Foram mais de nove horas de debates, e a Ministra Dilma teve um desempenho exemplar. Com muita competência, falou sobre o Programa de Aceleração do Crescimento, mostrou que tem um domínio absoluto dos projetos. Acredito que, na Comissão de Infra-Estrutura, vamos precisar, sistematicamente, a cada quatro meses, por exemplo, fazer uma avaliação do PAC, convidar a Ministra Dilma para vir discutir conosco os vários projetos do Programa de Aceleração do Crescimento, pelo menos os projetos estruturantes.

            A Ministra também apresentou respostas muito claras, muito objetivas com relação ao banco de dados organizado pela Casa Civil, e as providências tomadas pela Ministra Dilma em função do vazamento de informações.

            Portanto, como disse o Senador Eduardo Suplicy, foi um dia histórico, um dia importantíssimo para o Senado Federal, para o Congresso Nacional. Eu não poderia deixar de destacar aqui essa questão, como Vice-Presidente da Comissão de Infra-Estrutura.

            Sr. Presidente, já estamos no final de sessão, às 20h40, desta quarta-feira, 7 de maio.

            Cumprimento o Senador Jayme Campos, meu conterrâneo e parceiro no projeto de mudança do fuso horário para Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, muito aguardado pela nossa gente, pelo nosso povo.

            Sr. Presidente, vim falar sobre a questão que tem tomado páginas e páginas da imprensa, assim como os jornais televisivos e as rádios: os biocombustíveis.

            É de incontestável relevância o pioneirismo do Brasil em adotar o álcool da cana-de-açúcar como combustível para ajudar a movimentar sua frota de automóveis desde o final dos anos 70.

            Não custa aqui lembrar, Sr. Presidente, que os biocombustíveis, mais do que nunca, vêm ao encontro de uma grande preocupação de todos nós, que é a questão ambiental. A partir do momento em que utilizamos os biocombustíveis - o caso do álcool, por exemplo -, evidentemente vamos contribuir para a diminuição do efeito estufa, porque vamos liberar menos CO2.

            Então, temos tecnologia para desenvolver esse combustível, e não só estamos reduzindo os impactos ambientais como, inclusive, estamos exportando o combustível para outros países, para outros continentes, até no sentido de viabilizar as metas estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto, um dos maiores avanços mundiais do ponto de vista do meio ambiente.

            É fundamental registrar, Sr. Presidente, que, recentemente, o Relator da ONU para o Direito à Alimentação, o suíço Jean Ziegler, no meu ponto de vista, fez uma afirmação complicada. Ele disse que os biocombustíveis são os principais vilões da alta de preço dos alimentos. Alega que os biocombustíveis estavam tomando o espaço dos alimentos que a população, evidentemente, solicita e exige, mais do que nunca, para, acima de tudo, ter saúde, condições de trabalho e condições para criar sua família, seus filhos, de maneira condizente, digna, cidadã.

            Mas eu gostaria de registrar que a questão dos biocombustíveis não é tão direta quanto Jean Ziegler mencionou, tão cartesiana. Em cima da questão dos biocombustíveis e da questão dos alimentos, existem outros temas e outras dificuldades e problemas que são importantes e que devemos registrar desta tribuna.

            Sr. Presidente, nas Nações Unidas, há divergência com relação ao posicionamento de Jean Ziegler. É fundamental registrar que o mundo está comendo mais: a Índia, a China; a população está consumindo mais carne. Conseqüentemente, isso eleva o consumo de grãos na forma de ração.

            Ninguém pode negar, Sr. Presidente, o direito de essas populações, incluindo a brasileira, se alimentarem.

            V. Exª fez aqui uma afirmação com relação a tudo aquilo que havia acontecido no País, e vários oradores mencionaram temas referentes aos programas, principalmente de cunho social, que o Governo do Presidente Lula tem procurado promover. A população está comendo mais. Isso é inegável. Portanto, Sr. Presidente, é fundamental registrar que essas populações têm direito a comer, têm direito a ter uma vida mais digna.

            Agora, é importante - e aqui vai a primeira questão, Sr. Presidente - registrar o seguinte: por que ninguém fala do preço do petróleo? É importante destacar, Sr. Presidente, que o petróleo já ultrapassou, hoje, se não me engano, US$120,00. V. Exª sabe que do petróleo saem fertilizantes. Se do petróleo sai fertilizante, o fertilizante fica mais caro. Portanto, a produção agrícola tem um custo maior. Ninguém comenta, ninguém fala do impacto do barril a US$120,00 no transporte, no escoamento da produção. E, depois, vêm com versões simplistas, dizendo que os biocombustíveis são a origem dos problemas de comida no mundo. Não é verdade!

            Sr. Presidente, não falam, não citam os problemas climáticos que enfrentamos. Vou falar, especificamente, da Austrália. A Austrália é um grande produtor mundial de alimentos, especialmente de grãos. A Austrália passou por condições climáticas severas, Senador Jayme Campos, mas ninguém cita isso. Não falam da quebra de safra em função de condições climáticas inadequadas.

            Não falam do petróleo, não falam das condições climáticas. E, aí, entro numa outra questão, Sr. Presidente: não falam dos subsídios. Recebemos agora, na Comissão de Assuntos Econômicos, uma missão francesa. O discurso é muito bonito - o Senador Jayme Campos estava presente -, mas ninguém fala, Sr. Presidente, da questão dos subsídios da Comunidade Econômica Européia. E aí o que é que acontece? Desvirtuam-se os preços, praticam-se preços artificiais. E aí o que é que acontece? Não há condição de se produzir mais naqueles países mais pobres da África, da América do Sul, enfim, em vários países do mundo, porque eles ficam desestimulados por preços artificiais que surgem a partir do momento em que os países da Comunidade Econômica Européia subsidiam seus agricultores. Então, essa é uma distorção grave, que desestimula quem poderia produzir, que desestimula quem tem terra para produzir. Prejudicando quem? Os países mais pobres, Sr. Presidente.

(Interrupção do som.)

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, eu só pediria a V. Exª um pouquinho de paciência, só para eu encaminhar essas idéias. Aí, prometo que vou agilizar meu discurso.

            Eu não poderia deixar de destacar esses três itens, que são fundamentais, Sr. Presidente. O primeiro, o preço do petróleo, sobre o qual ninguém fala; o segundo, o preço do fertilizante, que é diretamente afetado pelo preço do petróleo, porque o fertilizante sai do petróleo também, entre outras matérias-primas. E isso encarece, como encarece o transporte e encarece o subsídio; e o subsídio desestimula investimentos nos países pobres, que poderiam exportar produtos para os países mais desenvolvidos, especialmente para a Comunidade Econômica Européia.

            Esse é o grande mal hoje: o desestímulo aos países pobres.

            Não falaram das adversidades da Austrália, que citei aqui.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Dei mais cinco minutos; com dez, são quinze, que é o número do PMDB. É um convite para V. Exª ser nosso candidato a Presidente da República. O Wellington Salgado e o Azeredo estão convidando o Aécio, e eu estou convidando V. Exª.

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - É uma honra muito grande, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, é importante destacar também esse “conflito” ou essa “competição” do etanol brasileiro com o etanol americano. Todo mundo diz: “O etanol americano, sim, é complicado, porque ele vem do milho”. Existe o custo de produção do etanol americano, que é muito maior, é quase o dobro; o custo da produção por hectare é quase o dobro. E, por outro lado, o milho, sim, traz uma série de problemas na cadeia alimentar.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Ele não faz só isso, não. Ele faz também o uísque Jack Daniel’s.

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Jack Daniel’s.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Aquele do Frank Sinatra.

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Que, lá, eles chamam de bourbon. É um uísque forte.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - É de milho.

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - É de milho também.

            Então, Sr. Presidente, é importante registrar: o maior país do mundo, Senador Jayme Campos, subsidia o etanol do milho em US$7 bilhões anuais - só para se ver o tamanho do subsídio nos Estados Unidos!

            Aí, quero tocar num assunto que é importante: a questão tecnológica. Quero até dizer, Sr. Presidente, que estou apresentando uma proposta de abertura de capital da Embrapa. Instituições que fazem desenvolvimento tecnológico têm capital aberto. Isso acontece nos Estados Unidos, acontece em outros países desenvolvidos e acho que o momento é muito bom para a gente discutir a abertura de capital da Embrapa, trazendo os capitais privados para nos ajudar, efetivamente, com a inteligência que a Embrapa tem, a cumprir esse papel fundamental que a Embrapa tem no agronegócio brasileiro. Eu vou apresentar esse projeto. Vou voltar a esta tribuna para apresentar esse projeto e explicar, efetivamente, o que se pensa com relação à questão da Embrapa.

            Sr. Presidente, um dado importante, e falo em tecnologia: para o senhor ter uma idéia, a área plantada, no Brasil, segundo a Conab, cresceu em 25%, em média, nos últimos trinta anos. Surpreendente, Sr. Presidente: a produção triplicou. Portanto, vejam como a agricultura brasileira é eficiente, é competente! Precisamos ter condição de trabalhar, dar condições para os nossos produtores rurais trabalharem e escoarem, com eficiência, os seus produtos, ou seja, baixar o valor do frete, ter logística, que é o maior desafio do Brasil. O maior desafio do Brasil é infra-estrutura.

            Sr. Presidente, só para mostrar alguns números: no caso do arroz, entre 1990 e 2006, a produtividade foi de 106% - agora, que estamos na crise do arroz. No caso do feijão e do milho, na mesma faixa, com 80% de aumento de produtividade por hectare. Extraordinário!

            Portanto, querer carimbar o Brasil como problema em função da política de biocombustíveis é injusto. E, para não falar uma coisa pior, esse tipo de pressão sinaliza, nitidamente, para alguma operação no sentido de nos prejudicar, quer dizer, de criar um discurso, tentar carimbar uma idéia, carimbar nossa competitividade, atrelando isso à falta de alimentos. Nós não temos esse problema.

            É importante registrar, Sr. Presidente, que a safra de 2008 da cultura de cana-de-açúcar ocupa 8,5 milhões de hectares. Isso representa 5,5% da área agricultável. É importante destacar, Sr. Presidente, que, com a tecnologia que nós temos, se dobrarmos a produção vamos ter apenas 10% dos 90 milhões de hectares de área agricultável que, atualmente, não são ainda aproveitáveis.

            Portanto, é muito claro que estão querendo desviar, tirar nossa competitividade, carimbar os biocombustíveis, escondendo os grandes problemas que interessam, e isso se faz, principalmente, por aqueles países que não têm competitividade conosco.

            Sr. Presidente, é importante lembrar - este dado também ilustra muito esse desenvolvimento que temos hoje - a qualidade energética do etanol produzido pelo milho se comparada com a do etanol produzido pela cana-de-açúcar. Nós somos, na produção de energia, oito vezes e meia mais eficientes por utilizar o etanol da cana se compararmos com o etanol do milho.

            Portanto, nós temos um “avenidão” pela frente. O potencial do Brasil, na produção...

(Interrupção do som.)

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - (...) de biocombustíveis, é fantástico, sem falar do biocombustível que vem do pinhão-manso, que, no meu Estado, a própria natureza fornece; o do dendê, do girassol, enfim, de várias alternativas energéticas, além da soja. A soja, quando moída e esmagada, produz o óleo e, depois, fica a torta, que é o farelo, o qual pode, principalmente, ser utilizado na alimentação animal.

            Portanto, Sr. Presidente, eu vim a esta tribuna para deixar muito claro que o problema é outro, e o problema está concentrado em outros países, não no Brasil. Essa conversa não cola na gente, por todos esses motivos que eu acabei de registrar. Eu queria até lembrar...

(Interrupção do som.)

            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - (...) e concluo rapidamente, uma frase do Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, que disse que os biocombustíveis culpados pela alta dos preços são apenas aqueles subsidiados e que substituem a produção de alimentos. Essa é a realidade. O grande veneno, além dos outros que eu já citei, são os subsídios.

            Portanto, Sr. Presidente, eu não poderia deixar de fazer este registro e dizer que nós estamos no caminho certo com relação aos biocombustíveis, pois eles virão para ficar. Temos de nos preparar e, mais do que nunca, fazer com que o Brasil se beneficie com essa tecnologia que desenvolvemos com muita competência.

            Sr. Presidente, agradeço a tolerância de V. Exª, mais uma vez, agradeço muito aos demais Senadores que me acompanharam, aqui, neste discurso, e peço a V. Exª que o meu discurso seja publicado na íntegra.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR DELCÍDIO AMARAL.

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            O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é de incontestável relevância o pioneirismo do Brasil em adotar o álcool de cana-de-açúcar como combustível para ajudar a movimentar sua frota de automóveis, desde o final dos anos 70. Mais recentemente, a utilização do etanol e de outros biocombustíveis passou a ser reconhecida como uma opção energética que muito teria a contribuir para a diminuição do aquecimento global e das nefastas conseqüências que dele podem advir.

            Entretanto, os questionamentos e críticas à adoção dos biocombustíveis como fonte de energia alternativa ao modelo dominante receberam um forte impulso com a atual tendência de elevação dos preços dos alimentos, em nível mundial, e os problemas com segurança alimentar de um crescente número de pessoas, particularmente em alguns países pobres.

            As críticas mais duras partiram do Relator da ONU para o direito à alimentação, o suíço Jean Ziegler, que elegeu os biocombustíveis como o principal vilão da alta dos preços dos alimentos, juntamente com a especulação financeira com as commodities agrícolas.

            Mesmo que os biocombustíveis tenham influência na diminuição da produção dos alimentos e no conseqüente aumento dos seus preços - hipótese que é necessário investigar a fundo -, parece evidente que algumas outras causas estão agindo, de modo decisivo, nesse sentido e não podem ser ignoradas.

            Verificamos, Senhor Presidente, que as opiniões de outros especialistas e de diversos organismos internacionais têm levantado um mais amplo espectro de causas, enquanto a parcela de responsabilidade atribuída aos biocombustíveis varia consideravelmente.

            Dentro da própria Organização das Nações Unidas, outras vozes vêm chamando a atenção para o aumento da demanda por alimentos. Em vários países emergentes, especialmente os ultrapopulosos Índia e China, a população está consumindo muito mais carne, o que eleva em muito o consumo de grãos na forma de ração. Ninguém, certamente, pode negar o direito dessas populações, incluindo a brasileira, de se alimentar melhor, e esse é um fator que tende a permanecer e até a se intensificar.

            De outra parte, houve uma expressiva alta no preço do petróleo, com reflexos mais que consideráveis sobre os custos de produção dos alimentos, tanto pelo emprego de fertilizantes fabricados com petróleo, como pelo uso de combustível na produção e no transporte dos alimentos.

            Problemas climáticos, particularmente secas prolongadas que atingiram importantes produtores de alimentos como a Austrália, e que possivelmente têm relação com o aquecimento global, tampouco deixaram de ser ressaltados.

            Os subsídios aos produtores rurais dos países ricos não poderiam, de modo algum, ser esquecidos, na medida em que distorcem a realidade da produção de alimentos, desestimulando a agricultura dos países menos desenvolvidos. Nesse sentido, pronunciaram-se diversas autoridades e especialistas, como Pascal Lamy, Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou Lennart Bäge, Presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), uma agência da ONU. Este último avaliou como muito sério o impacto dos subsídios dos países ricos na diminuição da produção dos países em desenvolvimento, ao comprimir artificialmente os preços, tornando inviável a exportação de vários produtos agrícolas para os mercados europeu e norte-americano.

            Demorou, Senhor Presidente, mas finalmente alguns especialistas começaram a chamar a atenção não só para os efeitos prejudiciais dos subsídios, mas também para a necessidade de os países ricos, diretamente ou por meio das organizações internacionais, investirem na produção de alimentos pelos países mais pobres. Essa medida levaria ao aumento da oferta de alimentos para as populações mais vulneráveis, além do que a exportação dos produtos agrícolas ajudaria esses países a se capitalizarem e a se desenvolverem. A redistribuição de oportunidades econômicas e de renda entre os países é, sem dúvida, um quesito fundamental para o combate a fome.

            Nesse sentido, as culturas voltadas para a produção dos biocombustíveis e essa mesma produção poderiam, também, levar emprego, capital e desenvolvimento aos países mais pobres, desde que não fosse descurada a questão da segurança alimentar. Temos que convir, entretanto, que, no momento atual, a produção de alimentos deve ser priorizada pela maioria desses países.

            Uma realidade bem particular, sem dúvida, é a dos dois países que mais produzem biocombustível. Aliás, as diferenças na produção de biocombustível por esses dois países, que respondem por mais de 70% da produção mundial de etanol, são também gritantes.

            Os Estados Unidos produzem seu etanol a partir do milho, com maiores custos e um rendimento de cerca de metade daquele obtido pela mesma área plantada por cana-de-açúcar. Por tais características, a produção de etanol norte-americana é mantida por fortes subsídios, que ultrapassam os US$ 7 bilhões anuais! Como resultado da política norte-americana de estímulo à produção doméstica de biocombustível, um terço de sua colheita de milho, ou 10% de toda a produção mundial, está sendo destinada para o uso energético.

            A realidade da produção brasileira do etanol, Senhor Presidente, é bem diversa. Já me referi ao pioneirismo do programa do álcool brasileiro, que tem convivido perfeitamente bem com um pujante desenvolvimento de nossa agricultura alimentar.

            A agricultura brasileira, Senhoras e Senhores Senadores, desenvolveu-se e modernizou-se muito nas décadas recentes, com uma performance das mais notáveis nos últimos anos. Mas o fato a ser ressaltado é que o crescimento da produção agrícola brasileira deve-se mais ao aumento da produtividade do que ao aumento da área plantada. Segundo dados da Conab, a área plantada no País teve um crescimento aproximado de 25% nos últimos trinta anos, enquanto a produção triplicou no mesmo período.

            A melhoria da produtividade, espelhando o aprimoramento tecnológico do plantio, é particularmente notável em alguns produtos alimentares em que a produção aumentou, mesmo que tenha havido diminuição da área plantada. É o caso do arroz, com um aumento de 106% de produtividade entre 1990 e 2006, e do feijão e do milho, com um aumento de cerca de 80%.

            A garantia do abastecimento interno de alimentos não significa, evidentemente, que estejamos negligenciando o mercado externo. As exportações de produtos agrícolas e pecuários vêm crescendo intensamente, diversificando não apenas os produtos exportados mas também os países de destino - e consolidando o lugar do Brasil como um dos maiores provedores de alimentos para a humanidade.

            Examinemos mais detidamente, Senhoras e Senhores Senadores, a cultura de cana-de-açúcar. Houve, de fato, nos últimos anos, significativa expansão das lavouras, mas que se dirigiu principalmente para áreas de pastagem degradada. É importante frisar que a área plantada de cana-de-açúcar, na safra de 2008, é de 8,5 milhões de hectares, o que representa apenas 5,5% da área agricultável do País. Para dobrar a produção de cana-de-açúcar seria necessário utilizar apenas 10% dos 90 milhões de hectares de área agricultável que atualmente não são aproveitados.

            Sem dúvida, existe o risco de que, em busca de terras mais baratas, sejam criadas novas áreas de pastagens na fronteira norte de expansão agrícola. Aqui devemos ressaltar a necessidade, em vários sentidos inadiável, de que se realize um amplo zoneamento agroecológico do País, estabelecendo critérios para controlar a expansão produtiva e orientar os investimentos, principalmente os provenientes de financiamentos públicos.

            Senhor Presidente, as sérias questões ambientais, assim como a crise mundial na relação da produção com o consumo de alimentos, exigem um papel ativo dos Estados nacionais, exigem planejamento: não há dúvida de que questões dessa magnitude e relevância não serão resolvidas espontaneamente pelo mercado. Mas as grandes virtudes do mercado livre devem ser tratadas como aliadas: na medida em que sobem os preços dos alimentos, há o inevitável estímulo ao aumento da produção agropecuária. Por outro lado, um entrave ao livre desenvolvimento do mercado como o representado pelos subsídios dos países ricos mostra-se, mais do que nunca, pernicioso, ao desestimular a agricultura dos países menos desenvolvidos.

            Já nos referimos à maior produtividade e ao menor custo do álcool obtido a partir da cana, em relação ao álcool do milho. É importante ressaltar, ainda, que o balanço energético da produção do etanol é extremamente favorável: a cana gera 8,3 unidades de energia renovável para cada unidade de energia fóssil utilizada para produzi-la - um rendimento mais de cinco vezes superior ao do álcool do milho.

            Considerando todos esses fatores, a produção de biocombustível a partir do milho traz muito poucos benefícios ambientais - e parece inegável que vem tendo papel relevante na diminuição da produção de alimentos da maior potência agrícola do mundo, os Estados Unidos. É bem possível que o álcool obtido a partir da celulose, que permitirá o aproveitamento de restos de culturas agrícolas, por exemplo, venha a se tornar uma opção viável dentro de uma década, considerando os enormes investimentos em pesquisa que estão sendo feitos nos EUA.

            No que se refere aos países europeus, os investimentos têm se dirigido prioritariamente à produção do biodiesel. Ocorre que as plantas mais eficientes para produzir biodiesel são oleaginosas bem adaptadas ao clima tropical, como a palma (ou dendê), a mamona e o pinhão-manso. Aqui temos, mais uma vez, a possibilidade de complementaridade e cooperação entre os países desenvolvidos e os países que precisam desenvolver-se com a agricultura. Culturas de palmeiras como a do dendê podem associar-se a outras culturas alimentícias.

            Também a soja é excelente matéria-prima para o biodiesel, mas com uma característica que deve ser destacada. O esmagamento da soja resulta em dois produtos: o óleo e o farelo. A produção de biodiesel utiliza como insumo apenas o óleo de soja. O farelo, com seu alto teor de proteína, pode ser aproveitado, paralelamente, para a alimentação humana ou animal.

            Senhor Presidente, o Brasil apresenta excelentes condições para continuar aumentando sua produção de biodiesel, sem prejudicar a de alimentos. O mesmo pode ser dito, sem dúvida, sobre sua produção de etanol. Afinal, altas autoridades das Nações Unidas reconhecem que o álcool brasileiro, feito de cana-de-açúcar, deve ficar de fora da discussão sobre a presente crise de abastecimento alimentar. Ou como afirmou o próprio Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, os biocombustíveis culpados pela alta dos preços são apenas aqueles subsidiados e que substituem a produção de alimentos.

            Mostra-se assim, Senhoras e Senhores Senadores, mais do que evidente que a produção de biocombustíveis, como uma das mais importantes modalidades de energia obtida por fontes renováveis, deve prosseguir, sendo imprescindível para a humanidade desenvolvê-la e ampliá-la, desde que seja garantida, ao mesmo tempo, a segurança alimentar das populações pobres.

            Resta igualmente claro que a produção brasileira de biocombustível, particularmente do etanol, tem sido feita com competência e responsabilidade, de modo a não prejudicar nossa vigorosa produção de alimentos, importante para nosso País, importante para o mundo.

            Ao contrário: o Brasil ainda fará bem mais, aumentando a produção agrícola juntamente com sua produtividade.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2008 - Página 12416