Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificação pela apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento da Acadêmica Zélia Gattai. Registro da aprovação, em Portugal, do Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.:
  • Justificação pela apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento da Acadêmica Zélia Gattai. Registro da aprovação, em Portugal, do Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2008 - Página 14955
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ESCRITOR, ESTADO DA BAHIA (BA), MEMBROS, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • SAUDAÇÃO, APROVAÇÃO, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, PROTOCOLO, ALTERAÇÃO, ACORDO, ORTOGRAFIA, LINGUA PORTUGUESA, REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, ELABORAÇÃO, DEFINIÇÃO, PRAZO, ADAPTAÇÃO, LIVRO DIDATICO, ANALISE, ORADOR, PREVISÃO, DIFUSÃO, REFORÇO, IDIOMA OFICIAL, AMBITO, ORGANISMO INTERNACIONAL.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Antonio Carlos Valadares, Senador José Agripino Maia, Senador Mão Santa, Senador Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores, a Bahia, o Nordeste e o Brasil estão de luto, pois, como sabemos, faleceu Zélia Gattai, viúva de Jorge Amado, escritora e acadêmica de motu proprio e de mérito próprio.

Zélia Gattai era paulista de nascimento, filha de pai e mãe italianos, porém, brasileiríssima de Salvador, da Bahia de Todos os Santos e de quase todos os pecados, como Gilberto Freyre disse, em um de seus raros poemas. Aliás, atribui-se a um baiano o papel de cupido ao casal Zélia e Jorge Amado.

Segundo registra o Jornal do Brasil, a pedido do escritor baiano, ele cantara uma música de Dorival Caymmi, intitulada Acontece Que Eu Sou Baiano:

Há tanta mulher no mundo,

só não casa quem não quer.

Por que é que eu vim de longe

pra gostar dessa mulher?

Na realidade, Jorge e Zélia Amado viveram juntos 56 anos, e sua morte ocorreu sete anos após o desaparecimento de Jorge Amado. O casal teve dois filhos: João Jorge Amado e Paloma. Tanto Jorge quanto Zélia viram os pais enfrentarem a dura vida de imigrantes, chegando despossuídos de tudo, sobretudo ela, exceto no amor à família e aos seus ideais.

Eles tinham opiniões políticas muito fortes, mas sem nunca perder a ternura. Daí o primeiro livro de Zélia Gattai, intitulado Anarquistas, Graças a Deus, com indignação social e carinho humano.

Zélia Gattai começara a vida intelectual como jornalista em São Paulo. Foi quando conheceu pessoalmente Jorge Amado, então também se iniciando nas letras, porém nos romances que logo o tornaram famoso dentro e fora do Brasil.

Casaram-se e juntos enfrentaram longos exílios; Jorge Amado, recebendo muitos prêmios internacionais, e Zélia Gattai, fiel companheira, guardando o talento de escritora para livros futuros. Tanto ela quanto ele, depois reconheceram, em entrevistas à imprensa e à televisão, que foi necessária a insistência de Jorge para Zélia, enfim, assumir sua própria vocação de escritora.

O êxito foi imediato, com a estréia, como já disse, do livro Anarquistas, Graças a Deus, traduzido em muitas línguas, tanto quanto os livros de seu marido, Jorge Amado. Os triunfos literários nunca tornaram orgulhosos os Amado, tanto Zélia quanto Jorge. As memórias que Jorge não quis fazer, Zélia as realizou, na sucessão de livros sobre a residência do casal, no Rio Vermelho, bairro de Salvador. A casa recebeu o prestígio dos ocupantes e tornou-se ponto obrigatório da admiração de turistas vindos do mundo inteiro.

Após o falecimento de Jorge Amado, Zélia Gattai foi praticamente aclamada para sucedê-lo na mesma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Aliás, um fato extremamente raro. Todo o Brasil acompanhou a decisão. Zélia tinha se tornado escritora de pleno direito, sua obra ingressara nas letras maiúsculas da literatura do Brasil, ela passou a receber convites pessoais para conferências e homenagens de muitos países.

Sr. Presidente, a literatura brasileira não costuma cultivar muito o memorialismo. Somente agora, parece que esse tem sido um gênero que vem sendo cada vez mais ressuscitado, o que é muito positivo, porque, de alguma forma, ajuda a definir nossa identidade num País marcado por enorme diversidade. A extensa obra de Zélia Gattai nesse gênero é uma de nossas brilhantes exceções. Somente no século XX, foi que Gilberto Amado e Pedro Nava tentaram-no, e conseguiram, cada qual a sua maneira.

Zélia Gattai empreendeu um círculo memorialista cosmopolita pelas inúmeras viagens do casal Amado; porém, sempre permaneceu fiel à Bahia adotiva, calorosamente acrescentada ao seu São Paulo natal. Nisso se assemelha às recordações intelectuais sergipanas e recifenses de Gilberto Amado, diplomata de carreira. Embora radicado no Rio de Janeiro, ele, sergipano, produziu algumas de suas obras no Recife.

Convivi com Zélia Gattai na Academia Brasileira de Letras. Já a conhecia antes, como tive oportunidade de conhecer antes Jorge Amado.

Residente em Salvador, ela vinha ao Rio sempre que podia, cada vez menos, pelo fato de estar com a saúde cada vez mais comprometida. Mesmo com a idade e com a enfermidade, que aumentavam, ela nunca perdia o tranqüilo senso de humor, em nada diminuindo a firmeza afirmativa do seu caráter.

Zélia Gattai lega a todos nós uma mensagem de humanismo, confraternização das regiões do Brasil e dos povos de todo o mundo, acima de nossas fronteiras. Muito do memorialismo que escreveu foi em nações distantes, tornadas próximas pelo calor do coração com a luz da inteligência.

Zélia Gattai tinha sentimentos, porém não ressentimentos. Nunca escreveu uma palavra amarga, apesar das agruras que passou nos exílios, em companhia de Jorge Amado. É essa mulher forte que comemoramos não na morte, e sim na vida de exemplo que nos transmitiu para sempre. Enfim, como diz um provérbio latino, eheu! fugaces labuntur anni, ou seja, “Aí de nós, fugazes escorrem, passam os anos”.

Sr. Presidente, queria aproveitar a ocasião, também para referir-me a outra questão que considero importante, que foi justamente a aprovação, na sexta-feira passada, por parte do Parlamento português, do Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. A moção foi praticamente aprovada por unanimidade. Apenas, pelo que li nos jornais, três Deputados se recusaram a dar assentimento à proposição.

Agora, o projeto deve ser sancionado pelo Presidente Cavaco Silva, que já antecipou essa sua disposição, o que garante, conseqüentemente, que em breve possamos ver, devidamente em vigor, o Acordo Ortográfico, que tanto vai ajudar a promover, na minha opinião, a difusão do Português em todo o mundo.

Segundo a Assembléia da República portuguesa, as mudanças deverão entrar em vigor dentro de seis anos. No Brasil, 2010 é o prazo para os livros didáticos estarem adaptados ao acordo.

Em Portugal, as alterações chegarão a algo em torno de 1,42% de suas palavras modificadas; no Brasil, apenas 0,43% das palavras vão sofrer mudanças. Desaparece o trema, como sabemos, salvo para nomes próprios, e regras vão dispor sobre o uso do hífen.

Não vou comentar todo o acordo, porque isso tomaria muito tempo, mas não gostaria de deixar de mencionar fato que considero muito importante: isso vai fazer com que possamos ter o Português cada vez mais difundido. Enfim, já são oito países de língua portuguesa: além do Brasil, Portugal, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e, finalmente, Timor-Leste, o último país, agora independente, a se filiar à CPLP, ou seja, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel...

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não. Concedo a palavra ao nobre Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, sem dúvida nenhuma, V. Exª hoje simboliza muito para a democracia. A mesma simbologia V. Exª tem para a cultura brasileira. Creio que só V. Exª e o Presidente Sarney são da Academia Brasileira de Letras aqui no Senado Federal. Pergunto a V. Exª: a grande contribuição para a afirmação da Língua Portuguesa não seria a Academia Brasileira de Letras fazer uma campanha, para que tenhamos um Prêmio Nobel? O Chile tem Gabriela Mistral, que interpreta uma literatura mais cristã, franciscana. Há também Pablo Neruda, um poeta que é hoje representado até no cinema. Na Colômbia, há Gabriel García Márques, com Cem anos de Solidão. Sabemos da pujança de Machado de Assis, de Humberto de Campos, de Rachel de Queiroz, de Jorge Amado e de Zélia Gattai. Por que não há uma campanha da Academia Brasileira de Letras em defesa de um desses autores nossos, para que o Brasil tenha um prêmio nobel de literatura?

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Nobre Senador Mão Santa, já tivemos nomes lembrados. Até agora, infelizmente, ainda não vimos nenhum dos nossos escritores alçados à condição de prêmio nobel de literatura. Acredito que não devemos demorar muito, para obter o reconhecimento internacional de um dos nossos escritores, que já, a meu ver, estão a merecê-lo.

Mas, dentro da língua portuguesa, José Saramago, por exemplo, já obteve esse reconhecimento, o que não deixa de ser importante, porque nos expressamos, enfim, na mesma língua.

Sr. Presidente, gostaria de aproveitar, então, a ocasião, para também dizer que, de acordo com o Ministro português da Cultura, José Antonio Pinto Ribeiro, a implementação desse Acordo |Ortográfico vai ajudar, de maneira muito significativa, a internacionalização da língua portuguesa.

Ele observou que não é possível termos uma política de afirmação e universalidade da língua portuguesa na OUA - Organização da Unidade Africana, na SADC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, na União Européia, nas Nações Unidas, no Mercosul - Mercado Comum do Sul ou na Organização Ibero-Americana, sem haver uma forma unitária de escrever os documentos. Daí por que acredito que podemos avançar nesse campo. Mais ainda, acho que isso pode acontecer de forma muito breve.

Gostaria, também, Sr. Presidente, de acrescentar que não se pretende limitar as transformações de um idioma, porque elas são incontíveis. As línguas são de propriedade dos usuários. Elas vão-se mantendo ou se modificando no próprio ritmo interno das culturas.

Aquilo a que se visa no acordo ortográfico são as convergências fundamentais, antes que as divergências eventuais se convertam em definitivas e nos separem para sempre.

Então, creio que a grande primeira tarefa nesse acordo agora é o trabalho dos ortógrafos, daqueles que trabalham mais especificamente com ortografia.

A Academia Francesa e a Academia Espanhola publicam com freqüência seus dicionários lingüístico-idiomáticos, pela origem e sentido das palavras vindas nos respectivos mundos francófano e hispanófano, recebidas e oficializadas após exame filológico por aquelas academias, apresentando-as depois em dicionários periódicos.

A língua inglesa, provinda de culturas que preferem a legitimação das leis pelos costumes, é renovada pelos hábitos endossados pelos seus também célebres dicionários Webster, nos Estados Unidos, e Oxford e Cambridge, na Inglaterra, preparados por filólogos de notável saber e geral aceitação pelos jornais, revistas e editoras de livros.

A língua portuguesa preferiu seguir o caminho da francesa e espanhola, por meio da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa. Pela do Brasil, muito se destacaram, nesse acordo ortográfico, os acadêmicos Antônio Houaiss, um grande filólogo - há, inclusive, o dicionário que coordenou e presidiu e que ostenta seu nome -, e Evanildo Bechara, este membro da Academia Brasileira de Letras. Aliás, Houaiss, carioca, e Evanildo Bechara, um ilustre pernambucano, que, além de filólogo, é também um grande ortógrafo.

A Assembléia da República Portuguesa, ao aprovar, portanto, esse acordo, atendeu a uma justa reclamação dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

O mundo lusófono, como já disse, vai ser ainda mais fortalecido. Somos, em número de habitantes, a quarta língua mais falada no mundo, após o chinês, o inglês e o espanhol. Mais ainda que o francês e o árabe, tornados também línguas oficiais da Organização das Nações Unidas, nem por isso incluindo o idioma português.

Enfim, acredito que, com esse acordo, venha a língua Portuguesa receber também o reconhecimento da ONU, ou seja, em função não somente do grande número de pessoas que falam português, mas também por se tratar de uma língua que tem as suas regras adequadamente definidas num grande acordo envolvendo oito países que integram a CPLP.

Sr. Presidente Papaléo Paes, temos, portanto, de regozijar-nos com a aprovação do Acordo Ortográfico pela Assembléia da República Portuguesa. Isso deve ser considerado como um fato extremamente importante não somente para nós, brasileiros, mas para todos os outros países que se expressam na mesma língua.

É a lusofonia que nos faz diferentes na América Latina, é a lusofonia que, em primeiro lugar, nos projeta pela cultura na África, indo até a Índia e Goa, à China, em Macau e Oceania, no Timor Leste, como já tive ocasião de falar. A lusofonia se apresenta como o principal fator de identidade nacional de cada um e do que mais nos aproxima e une.

O Presidente de Portugal, Antônio Cavaco Silva, já antecipou, em declarações no Rio de Janeiro, que sancionará, de muito bom grado, a aprovação desse referido Acordo, ocorrido sexta-feira passada, pela Assembléia da República de Portugal. Podemos estar assim tranqüilos com a adesão portuguesa ao Acordo, que juntos elaboramos e ao qual implantaremos, em companhia de outros países lusófonos, noutra etapa do esforço de afirmação e expansão da nossa comum língua no mundo.

Por isso, Sr. Presidente, encerro as minhas palavras, expressando, mais uma vez, o nosso sentimento pelo falecimento da escritora Zélia Gattai e também expressando o meu regozijo - e sei que o é de toda a comunidade brasileira - pela aprovação, por parte da Assembléia da República de Portugal, do Acordo Ortográfico que já havia sido antes devidamente aprovado pelo Brasil.

         Era o que eu tinha a dizer e muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2008 - Página 14955