Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com matéria publicada no jornal Gazeta do Povo, intitulada "80 mil crianças e adolescentes trabalham nas lavouras de fumo no Paraná".

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Preocupação com matéria publicada no jornal Gazeta do Povo, intitulada "80 mil crianças e adolescentes trabalham nas lavouras de fumo no Paraná".
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2008 - Página 15828
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, GAZETA DO POVO, ESTADO DO PARANA (PR), DENUNCIA, GRAVIDADE, NUMERO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, TRABALHO, CULTIVO, FUMO, QUESTIONAMENTO, IGUALDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DA BAHIA (BA), EXPLORAÇÃO, EMPRESA, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, PROIBIÇÃO, EMPREGO, MENOR, SETOR, UTILIZAÇÃO, CONTRATO, PRODUTOR, TABACO EM FOLHA.
  • NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, FAMILIA, IRREGULARIDADE, TRABALHO, MENOR, COBRANÇA, RESPONSABILIDADE, INDUSTRIA, CONSUMIDOR, CIGARRO.
  • PROPOSTA, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, DEBATE, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, MINISTERIO PUBLICO, REPRESENTANTE, FAMILIA, BUSCA.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de repercutir no dia de hoje uma reportagem que foi publicada ontem no jornal Gazeta do Povo, do Estado do Paraná, com o título: “80 mil crianças e adolescentes trabalham nas lavouras de fumo no Paraná”.

Como podemos ver pelo conteúdo da reportagem do jornal Gazeta do Povo, trata-se de uma situação, eu diria, preocupante, dramática, que acontece no Estado do Paraná, e que levanta dúvidas se situação semelhante não estaria acontecendo em outros Estados, onde o cultivo do fumo também acontece, como é o caso dos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia e outros, onde nós inclusive estivemos, coordenados pelo Senador Heráclito Fortes, na época da aprovação da Convenção Quadro.

         O jornal diz:

Cerca de 80 mil crianças e adolescentes trabalham no cultivo e preparo de folhas de fumo no Paraná, segundo levantamento da Procuradoria do Trabalho. A planta é um dos principais produtos agrícolas da região sul do estado. Nesta época do ano, depois da colheita, o trabalho acontece nas estufas e barracões das fazendas onde é feita a separação e a classificação das folhas que serão vendidas para os fabricantes. Reportagem do telejornal ParanáTV [filiada da Globo no Paraná -, inclusive veiculada pelo programa Fantástico, no último domingo] mostrou, na edição desta segunda-feira (19), que famílias inteiras trabalham com o fumo.

Em um barracão a montagem das chamadas bonecas (maços de folhas de fumo amarradas) é feita simultaneamente por pai, mãe e três filhos - de 12, 8 e 5 anos. Por medo da lei e pressão dos professores, os pais não tiram as crianças da escola, mas elas acabam enfrentando uma dupla jornada. A maioria estuda pela manhã e trabalha à tarde. As crianças contam que não vêem a hora de chegar a noite para poderem descansar.

No período de férias escolares, a situação é ainda pior. A época coincide com a colheita do fumo e as crianças acabam trabalhando durante o dia inteiro. Elas são obrigadas a carregar pesados fardos de folhas de fumo nas costas. Durante a colheita, a folha verde entra em contato com o corpo do trabalhador [no caso crianças], que absorve grandes quantidades de nicotina.

Nos adultos, a substância provoca náuseas e tonturas, contou o agricultor Ari Volovitch. Nas crianças os sintomas são ainda mais fortes. Elas sofrem com vômitos, fraqueza e perda de apetite. De acordo com o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Guilherme Eidt, crianças que manejam a folha de fumo apresentam índices de nicotina no organismo compatíveis com uma pessoa fumante. [É alarmante a informação].

Em dezembro do ano passado o Ministério Público (MP) entrou com ações contra seis empresas. Para o Ministério Público os pais das crianças são obrigados a usar o trabalho infantil para cumprir contratos com a indústria.

É alguma coisa análoga, parecida, eu diria, com a própria escravidão, porque as famílias que plantam o fumo recebem os insumos da indústria do fumo e ficam devendo esses valores para a indústria, e os débitos dessas famílias, alguns são de dois mil, quatro mil, cinco mil, chegando a 60 mil reais o débito da família com a indústria na concessão, na entrega dos insumos. Isso obriga as famílias a fazer com que todos os seus membros trabalhem para pagar aquele débito com a indústria, de acordo com as informações.

E diz o Ministério Público, nessa reportagem do jornal Gazeta do Povo, mostrada pelo Paraná TV, que é afiliada da Rede Globo, como eu já disse, e também estampada no programa Fantástico:

“Quem se beneficia do trabalho destas crianças e adolescentes não são as famílias, mas, sim, as empresas fumageiras que se enriquecem com a atividade insalubre e proibida para menores de dezoito anos”, disse Margareth Matos, Procuradora do Trabalho no Estado do Paraná.

         O Presidente do Sindifumo, Iro Schünke, conta que as empresas fazem contratos legais de compra e venda de folhas com o produtor. Para ele, o trabalho infantil é um trabalho nacional. Todos sabem que é nacional, mas cada um é responsável para que o trabalho infantil não aconteça na sua esfera de atuação. E a responsabilidade é de todos, inclusive do Sindifumo, na cadeia produtiva, e do próprio Governo.

Para a Secretária da Criança e Juventude, Thelma Alves de Oliveira, parte do problema está ligado à cultura do campo, onde se entende que as crianças devem ajudar os pais no trabalho. Segundo ela, é preciso mudar também esta mentalidade. “A fiscalização retira as crianças, mas depois que vai embora, as famílias voltam a colocá-las no trabalho”, afirma. Para a secretária, a solução seria cobrar da indústria e dos próprios fumantes sua parcela de responsabilidade no problema.

Essa questão é muito grave, e eu, sendo do Paraná, me surpreendi com o número estampado no jornal de que oitenta mil crianças e adolescentes trabalham nas lavouras de fumo, no Paraná. Sabendo que isso, como dito na reportagem, é algo localizado no sul do Estado, fico preocupado também com situações parecidas, nocivas à família, nocivas para as relações de trabalho, para o aproveitamento educacional, escolar, para situações que vêm sendo debatidas no Brasil inteiro, objetivando a erradicação do trabalho infantil.

Por esse trabalho por ser nocivo à saúde e proibido a menores de 18 anos e diante desse quadro do Paraná e, talvez, do sul da Bahia, estamos propondo a realização de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, da qual alguns Senadores aqui presentes fazem parte, como os Senadores Geraldo Mesquita e Augusto Botelho e outros Senadores, para discutirmos essa situação trazida à tona em noticiário de âmbito regional e, posteriormente, nacional. Vamos nos deter, nos aprofundar nessa discussão na busca de caminhos, alternativas, responsabilidades e punições, o que for necessário, para que, nesta audiência pública, as partes envolvidas - Ministério do Trabalho, Ministério do Desenvolvimento Social, que tem a preocupação, junto com o Ministério do Trabalho, da erradicação do trabalho infantil e do controle do trabalho para menores de 18 anos em termos de insalubridade, os representantes das famílias, o Ministério Público - discutam esse assunto e nós possamos fazer aqui no Senado, na Comissão de Direitos Humanos, o debate sobre esse assunto.

Queria, Sr. Presidente - inclusive, o tempo já está se esgotando ...

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - ...agradecer a permissão para abordar esse assunto. E, se V.Exª permitir, só, conceder o aparte para o Senador amigo e médico, Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Posso falar, Senador Mão Santa?

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Pode. Já dei mais três minutos. Aliás, se V. Exª me pedir mais, eu darei.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador. A idéia de V.Exª é muito brilhante. Temos mais é que chamar o Ministério da Agricultura, porque a forma de essas pessoas viverem é botando os filhos para trabalhar num trabalho inadequado, insalubre. Mas também temos de, nessa discussão, achar outra solução. O Brasil assinou aquela Convenção para o Fumo?

O SR. FLÁVIO ARNS - A Convenção Quadro.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - A Convenção Quadro para o Controle do Tabaco justamente dá uma alternativa para as pessoas que vivem do cultivo do tabaco. Seria outra oportunidade discutimos esse assunto também dessa forma. Temos que raciocinar que o fumo é prejudicial à saúde, como o álcool também é prejudicial à saúde. O Ministério da Saúde teve uma derrota em relação a essa proibição do álcool na estrada, mas eu acho que deve continuar lutando. No Brasil, de acidente, morrem 35 mil pessoas por ano, e de câncer de pulmão e de doenças de câncer ligadas ao fumo morre um grande número de pessoas. Não chega a ser tudo isso, mas seria a hora de discutir e conversar com as organizações dos produtores de fumo para ver qual a possibilidade, se eles já estão pensando em rumar para outra agricultura, outra alternativa que vá proporcionar renda equivalente à que eles têm. E, também, para corrigir essa distorção que é crianças trabalhando, provavelmente perdendo aulas também. Muito obrigado, Senador. 

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Acolho a sugestão de V. Exª.

Acho importante, neste momento, examinar esta situação que, como disse, é do Paraná. Mas, se existe no Paraná, certamente existe em outros Estados também. É o momento também de avaliarmos a convenção aprovada pelo Senado Federal em que várias iniciativas foram propostas, para observarmos os desdobramentos da aplicação daquela convenção no cotidiano da produção, das famílias, dos encaminhamentos, em conjunto com o Ministério do Trabalho, do Ministério Público, do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário - porque muitas dessas pessoas estão relacionadas à pequena produção, são produtores rurais com áreas de extensão de terra menores - e possamos fazer este debate aqui no Senado Federal...

Agradeço ao Senador Augusto Botelho e a V. Exª, Sr. Presidente. É sempre uma alegria tê-lo. Tem coincidido que, nas últimas vezes em que tenho usado a tribuna, V. Exª esteja presidindo. Quero enaltecer, como sempre, o trabalho e a condução dos trabalhos do Senado. Amigos meus do Paraná sempre têm dito: “Olhe, mande um grande abraço ao Senador Mão Santa”. Há muita gente, no Paraná, que o admira muito.

Gostaria de dar como lido também o pronunciamento, para que conste dos Anais da Casa.

Obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR FLÁVIO ARNS.

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O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando nos deparamos com uma situação revoltante, vemo-nos diante de dois caminhos: romper com o silêncio e manifestar nossa indignação ou abafar nossa voz com a mordaça do conformismo. Diante da realidade de cerca de 80 mil crianças e adolescentes que hoje trabalham no cultivo e no preparo da folhas de fumo no Paraná não há como nos calarmos.

         Em reportagem produzida pela Rede Paranaense de Comunicação e mostrada no último domingo pelo Fantástico, vimos a situação de famílias inteiras que trabalham com o fumo na região sul do Paraná. A notícia trouxe grande impacto principalmente por mostrar crianças e adolescentes perdendo suas infâncias nas estufas e barracões das fazendas onde é feita a separação e classificação das folhas que serão vendidas para os fabricantes.

O relato mostra circunstâncias em que as crianças são expostas a riscos contra sua saúde, além da grande problemática que envolve o trabalho infantil e suas conseqüências danosas ao desenvolvimento destes pequenos cidadãos. 

Além de serem obrigadas a carregar pesados fardos de folhas de fumo nas costas, as crianças ficam expostas às folhas de fumo ainda verdes durante o período da colheita. Em contato com o corpo, estas folhas liberam grande quantidade de nicotina, causando vômito, fraqueza e perda de apetite.

A gravidade do problema é ainda maior se observarmos que as medidas que estão sendo tomadas para combater esta situação não surtem efeito. Talvez por uma questão cultural, conforme explica a Secretária da Criança e Juventude do Estado do Paraná, citada na reportagem. Talvez pela negligência dos pais ou pela usurpação das empresas que se enriquecem às custas do trabalho destas crianças, como analisa o Ministério Público do Trabalho.

Uma situação também evidenciada pela matéria é o regime de praticamente escravidão que estas famílias enfrentam. Sem terem condições de custear os gastos com a produção, ficam reféns das empresas que subsidiam os insumos utilizados no plantio, muitas vezes revertendo todo o seu lucro para o pagamento destas despesas.

Nobres Senadores e Senadoras, não há como nos calarmos diante deste cenário de revolta. Não há como ignorar o depoimento de uma criança que não vislumbra nada além do trabalho para o seu futuro.

Por isso, nobres colegas, precisamos incentivar e promover medidas que busquem a erradicação do trabalho infantil e aprofundarmos esta discussão junto à sociedade.

Neste sentido, estou propondo requerimento de audiência pública para debater esta situação no âmbito da Comissão de Direitos Humanos do Senado com a participação do Ministério Público do Trabalho, de representantes das famílias citadas na matéria, além do Ministério do Trabalho e do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.

Espero, sinceramente, que esta iniciativa contribua de forma prática para a erradicação de casos como o que foi exemplarmente mostrado pela RPC, a qual parabenizo pelo jornalismo cidadão que vem desenvolvendo.

Muito obrigado,

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR FLÁVIO ARNS EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Oitenta mil crianças e adolescentes trabalham nas lavouras de fumo no Paraná”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2008 - Página 15828