Discurso durante a 115ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a importância de o Brasil mudar sua auto-imagem, de se ver como unidade nacional, com objetivos claros para o futuro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA NACIONAL.:
  • Reflexão sobre a importância de o Brasil mudar sua auto-imagem, de se ver como unidade nacional, com objetivos claros para o futuro.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2008 - Página 24279
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEBATE, SENADO, FUTURO, BRASIL, PROPOSTA, ANTECIPAÇÃO, LANÇAMENTO, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, INCENTIVO, DISCUSSÃO, SUGESTÃO, PAULO PAIM, SENADOR, COMPROMISSO, DISPONIBILIDADE, CANDIDATO.
  • DEFESA, PLANEJAMENTO, FUTURO, BRASIL, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, PATRIMONIO, RECURSOS NATURAIS, VALORIZAÇÃO, SOBERANIA, NACIONALISMO, INSERÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, ALTERAÇÃO, VISÃO, BRASILEIROS.
  • IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, INTERESSE PUBLICO, ANALISE, HISTORIA, PAIS, PRIORIDADE, INTERESSE PARTICULAR.
  • DEFESA, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, UNIFICAÇÃO, POVO, PROCESSO, INCLUSÃO, CIDADANIA, UTILIZAÇÃO, INSTRUMENTO, EDUCAÇÃO, REVOLUÇÃO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa tarde a cada uma, boa tarde a cada um. Sr. Presidente, tem coincidido muito aqui nas minhas falas que o senhor esteja na Presidência, sobretudo sobre este assunto, que é a minha provocação de que este Senado, esta Casa, este salão deve transformar-se em um ponto de debate sobre o futuro do Brasil.

            Tenho insistido nisto e tenho proposto isto - e fico feliz que o Senador Paulo Paim esteja aqui porque tenho citado o seu nome muitas vezes - porque é uma maneira de transformarmos o Senado na Casa que cuida do dia-a-dia, mas, ao mesmo tempo, se preocupa com o futuro, em uma Casa em que pudéssemos ter aqui, entre os Senadores, pessoas que se lançassem candidatos a candidatos à Presidência da República; que se lançassem pré-candidatos à Presidência da República, como fez o Senador Arthur Virgílio, e eu, também, recentemente.

            É claro que é uma pré-candidatura que se considera diferente, fora desse jogo comum de, por exemplo, dizer que já ganhou. Não. Nem certeza de que o meu Partido vai ter candidato eu tenho. Até duvido muito que tenha. E nem que, tendo, eu seja escolhido - também não tenho nenhuma certeza disso. E, sendo escolhido e disputando, é claro que eu tenho consciência perfeita da quase impossibilidade de um candidato à Presidência, saído de um pequeno Partido e de um pequeno Estado, conseguir vencer uma eleição. Mesmo assim, eu acho que se justifica, em nome desse debate, que se lançassem pré-candidaturas à Presidência.

            O Senador Paim - eu insisto sempre nisso - deveria lançar-se pré-candidato até para lembrar bem que o Brasil pode ter o seu Barack Obama; pode ter um candidato que diga como os negros brasileiros gostariam de ver o Brasil.

            Quero, nessa linha, falar, Sr. Presidente, tentando provocar outros Senadores, lembrar que o primeiro papel de qualquer pessoa que deseje liderar o Brasil neste momento, a primeira obrigação, é fazer com que o Brasil veja diferentemente o Brasil. O primeiro papel de um líder é mudar a maneira como o seu povo vê a si próprio. O Brasil precisa mudar a maneira como vê o Brasil.

            Se a gente analisar qual foi o mérito de Juscelino Kubitschek, que até hoje é considerado o grande Presidente que o Brasil já teve, veremos que não foram as hidrelétricas, porque já existiam hidrelétricas antes de Juscelino, já existiam indústrias antes de Juscelino, já existiam estradas antes de Juscelino. Também não foi porque ele investiu muito no social, coisa que ele reconheceu no final de sua vida que não fez. Nem na agricultura também. O que fez de Juscelino o maior Presidente que o Brasil teve é o fato de que, depois de Juscelino, o Brasil se via de uma maneira diferente de antes de Juscelino. O que Juscelino fez de grande neste País foi mudar a maneira como o Brasil via o Brasil. Claro que, para isso, ele precisou construir uma capital nova, criar um mecanismo de incentivo que permitiu a industrialização do Brasil, integrar o território nacional, Senador Paim. Mas não foi isso que fez a diferença entre Juscelino e os outros. A diferença é que ele mudou a maneira como o Brasil via o Brasil.

            E hoje a gente tem de pensar em que aspectos o Brasil precisa ver diferentemente o Brasil. Provocando os Senadores para que venham a esse debate, creio que a gente precisa se ver diferentemente em alguns pontos. Primeiro, o Brasil precisa se ver diferentemente de um país que só pensa o presente para um país que olha o futuro. O Brasil é um país prisioneiro do presente.

            Quando se diz que o Brasil é o país do futuro, diz-se que um dia vamos chegar lá e não temos de nos preocupar com isso. Por essa razão, o Brasil tem uma das menores taxas de poupança do mundo inteiro. O Brasil gasta tudo no presente e poupa pouco para o futuro. Por isso, o Brasil tem uma população endividada, porque nós, brasileiros, queremos consumir no presente o máximo e nos esquecemos de construir o futuro.

            Quando a gente abandona o social, estamos pensando no presente de uma estrada que dá impacto muito maior imediatamente do que saneamento, cujo impacto é demorado na saúde da população. Por isso, a gente investe menos em educação do que nos outros setores, porque educação demora a dar resultados. Veja como se discute, Sr. Presidente, mais dinheiro para a saúde e não se discute mais dinheiro para a educação. Já tivemos a CPMF, agora temos a CCS e vão surgir outras siglas propondo dinheiro para a saúde. Alguém fala em siglas que criem dinheiro, que reservem dinheiro para a educação? Não. É porque o Brasil não gosta da educação? Não é tanto isso, mas é porque o Brasil não gosta do futuro.

            Nós somos um povo prisioneiro do presente. Quem quiser liderar o Brasil tem que ajudar a mudar a maneira como o Brasil olha o Brasil, como o Brasil vê o Brasil, fazendo com que o Brasil se olhe como algo permanente, com longa duração no futuro. Portanto, o País tem que se preocupar com o futuro. Este talvez seja o primeiro desafio: trazer para o debate nacional, o futuro e não apenas o presente.

            O segundo item em que é preciso o Brasil mudar a maneira como se vê é fazer com que o Brasil veja a importância da sua natureza no seu processo de desenvolvimento. Isso Juscelino não trouxe. Juscelino não colocou a idéia de que a natureza tem um valor em si. Não é apenas a base material para a construção do presente; é uma base permanente, é um patrimônio que pertence a todas as futuras gerações do País. Trazer a natureza para o debate é uma condição fundamental de quem quiser liderar o Brasil numa nova direção.

            Da mesma maneira que a gente não pode ficar preso apenas ao presente, a gente deve pensar o futuro com a natureza protegida. Isso exige, Presidente Paim, que está nessa mesa, uma postura completamente diferente na maneira de administrar os interesses do País. Uma coisa é um Presidente que só se preocupa com o presente, a outra é um Presidente que se preocupa com o futuro; uma coisa é um Presidente que se preocupa apenas com o Produto Interno Bruto, a outra coisa é um que se preocupa também com a manutenção do patrimônio natural que este País tem.

            É preciso mudar a maneira como o Brasil olha para o Brasil. É preciso que o Brasil veja a Amazônia como uma riqueza e não apenas como uma mancha verde no mapa. É preciso que veja nossos rios como um patrimônio e não apenas como uma quantidade de água correndo. O Brasil olha o Brasil apenas tendo em vista o presente, sem olhar o seu futuro. E olha para o Brasil como uma soma de pessoas vestidas e consumindo e não como uma soma de pessoas vestindo e consumindo produtos da economia, mas vinculando essa economia a uma natureza que recebemos desde antes de sermos Brasil.

            O terceiro ponto em que é preciso o Brasil olhar para o Brasil diferentemente é idéia de que temos de nos olhar como um povo soberano, mas em tempos de globalização. O Brasil não se vê como um país soberano ou não se vê como um país soberano dentro do mundo global. Felizmente, ainda temos nacionalistas no País, felizmente ainda temos pessoas que dizem “eu sou nacionalista e defendo o meu país”, mas a maior parte das pessoas não vêem o Brasil como uma Nação, mas dentro de um conjunto de nações que formam hoje o planeta Terra, a civilização, a humanidade integrada.

            É preciso mudar a maneira como o Brasil vê o Brasil. É preciso fazer com que o Brasil veja, Senador Alvaro Dias, nós brasileiros como uma unidade nacional, mas dentro da globalização, dentro da globalidade, como se o Brasil fosse um condomínio e nós fôssemos um pequeno apartamento dentro desse condomínio, com todo direito e toda responsabilidade, todo o direito de usar o seu patrimônio e toda a responsabilidade de saber que não pode usar esse patrimônio se isso criar problemas na desestruturação das redes ecológicas que mantêm o planeta Terra em funcionamento tendo em vista a vida.

            Nós temos que fazer com que o brasileiro e o Brasil vejam o País como uma unidade nacional, mas dentro da globalização. Não adianta querer imaginar o País isolado do resto do mundo, como houve, sim, uma visão correta até os anos 70 do século XX.

            O Brasil se via, primeiro, como uma colônia. Durante séculos, nós nos vimos como uma colônia. Depois, nós nos vimos como uma nação fechada, isolada. Está na hora de darmos um salto, de nos vermos como nação, mas com a percepção de que somos uma nação integrada, interligada, parte de um mundo global. Essa visão tem que mudar no mundo de hoje.

            E é isto o que a gente espera de um líder que venha a governar este País: ajudar a mudar a maneira como o Brasil vê o Brasil, o Brasil que vê o Brasil como uma continuidade que vai pensar o futuro de longo prazo e, por isso, tem que fazer sacrifícios no presente, sim, coisa que nós nos negamos a fazer em nome do futuro. Tem que se ver como um país formado de pessoas e de natureza. E, por isso, temos que sacrificar, sim, de vez em quando, algumas rendas fáceis que se conseguem, por exemplo, derrubando árvores, e dizer: essas árvores têm que ter uma vida mais longa. Temos, sim, que mudar a idéia de antes, de um país nacional fechado, ou a idéia de alguns, de um país diluído na globalização.

            Temos de convencer o Brasil a se olhar, a se ver como uma unidade nacional a ser defendida nacionalmente, mas como parte integrante da comunidade internacional, da humanidade inteira que constitui os seres humanos.

            Concedo a palavra ao Senador Alvaro Dias para um aparte.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Cristovam Buarque, ninguém mais do que V. Exª insiste na necessidade desse debate sobre o futuro do Brasil. Há pouco o Senador Paulo Paim fez um discurso a respeito da trajetória de Barack Obama nos Estados Unidos. Ele, que não tinha chance, que era vista como um candidato impossível no início do processo, com uma única frase como slogan, change, mudança, arrastou multidões, chegou à frente e consagrou-se candidato democrata à presidência da república. É o favorito para vencer as eleições. Se lá existem razões para mudança, imaginem o Brasil! Estamos atrelados a estruturas retrógradas, superadas, que emperram o desenvolvimento nacional. V. Exª tem sido o principal e mais autorizado debatedor de um tema essencial para o futuro do Brasil, que é a educação. É evidente que questões que podem ser simples, menores, para o grande público brasileiro, como a que debatemos há pouco - medidas provisórias - são importantes. Medidas provisórias? O que é isso? Que importância tem isso? É um detalhe, mas tem importância. Viu-se, hoje, que tem importância. Então, são questões institucionais que são essenciais para que a mudança se proceda a favor do desenvolvimento nacional, e essas mudanças estruturais são insubstituíveis. E V. Exª tem sido muito competente, tentando despertar esse grande debate no Brasil. Que isso ocorra, pelo menos, até 2010, para que os postulantes à Presidência da República possam apresentar propostas que digam realmente respeito à grande mudança que o povo brasileiro exige.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Alvaro.

            Eu quero dizer que, sem o dia-a-dia, sem aquilo que pode ser chamado de pequenas coisas, nada anda. Por isso, fiz questão de pedir uma questão de ordem para discutir o problema da medida provisória, que pode emperrar aqui, empatar, a votação do projeto que cria, pela primeira vez, no Brasil, o piso salarial nacional para todos os professores. Então, temos que dedicar até muito mais tempo ao dia-a-dia do que a essas questões que posso dizer que são maiores, mas não são mais urgentes. Entretanto, eu quero insistir: se o Senado ficar só nas coisas pequenas, ele vai caminhar para a desmoralização e até mesmo para que não funcionem as pequenas coisas. É tendo grandes rumos para o grande é que a gente consegue fazer com que o pequeno funcione.

            E eu tenho a impressão de que uma das maneiras de trazer a provocação, aqui dentro, dos grandes temas é a manifestação dos 81 Senadores e Senadoras dizerem: “eu tenho uma proposta para o meu País e, como tal, eu quero me predispor a ser o candidato do meu Partido a Presidente da República”. Não é dizer que vai ser, muito menos que vai ganhar, mas que se predispõe e, por isso, vai trazer aqui os grandes temas nacionais. Vou trazê-los, Senador Paulo Paim. Hoje, escolhi o primeiro. Acho que o fundamental, o que diferencia é como se vai fazer com que o Brasil se veja.

            Já que o Senador Paim trouxe aqui o caso de Barack Obama, vamos dizer que talvez o mais importante que ele trazido ao debate seja uma maneira nova de os norte-americanos olharem para os Estados Unidos. Às vezes, esquecemo-nos disso.

            Nada começou a fazer a China ficar a potência que é hoje, senão uma mudança recente, nos últimos 30 ou 40 anos, de a China se ver de uma maneira diferente. A China deixou de se ver como ela se via: apenas uma superpopulação com uma longa história do passado. E passou a se ver como uma potência do futuro. Essa mudança de postura fez a diferença.

            No Brasil, foi a mudança de postura, a partir de 1954, sob a liderança de Juscelino Kubitschek, que, de fato, fez a grande mudança no Brasil no século XX. As indústrias, as hidrelétricas, as estradas vieram como um produto da mudança de visão que o Brasil teve de si próprio. Até Juscelino, o Brasil se via como um país agrícola e exportador. A partir de Juscelino, o Brasil passou a se ver como um país industrial, como um país que produzia para dentro. Até Juscelino, o Brasil se via como um país apenas do litoral. Foi Juscelino que trouxe a idéia de que o Brasil era um país que tinha que se ver na sua parte interna. Brasília é a conseqüência de uma mudança de visão de como o Brasil via o Brasil, graças à liderança de Juscelino Kubitschek. Não haveria Brasília se não tivesse havido uma mudança da maneira como o Brasil se via: não mais um país de uma pequena faixa do litoral, mas um país que caminhava para o oeste em direção a ocupar todo o seu território.

            É essa mudança de visão do país de si mesmo que estou trazendo hoje. E falei da mudança de olhar o futuro e não só o presente. Falei da mudança do respeito à natureza, e não só da idéia de que, quanto mais árvores derrubadas, mais progressista esse país. Eu falei da mudança do nacionalismo ou da diluição do Brasil, propondo uma visão nova que é o nacionalismo dentro da globalização, a nação como parte de um condomínio chamado Terra. E trago mais dois pontos, Senador Paulo Paim, para essa mudança de visão que o Brasil deve ter dele próprio. A quarta, portanto, é trazer para o Brasil a visão da importância do público que o Brasil não tem.

            Somos um país, por alguma razão no passado, da promoção, da valorização do individual sobre o coletivo. Não somos um país do público. Um exemplo disso é o que acontece no transporte brasileiro. Investimos no transporte privado. Abandonamos o transporte público e, em conseqüência, hoje não funciona nem o público nem o privado.

            Foi uma opção feita em algum momento, e aí Juscelino tem a sua culpa, porque ele trouxe a visão do Brasil industrial. Ele não trouxe a visão do Brasil público, mas a do Brasil privado. Até as nossas estatais, Senador Paim, não foram criadas dentro de um espírito público, elas foram criadas dentro do espírito do Estado a serviço dos interesses privados, fossem os interesses privados dos funcionários das estatais, fossem os interesses privados daqueles que se beneficiavam do produto das estatais.

            Nós fizemos empresas estatais. Não conseguimos fazer empresas públicas no Brasil, porque na visão que o Brasil tem do Brasil, na ótica - não falo na ética, eu falo na ótica - como o Brasil se vê, ele é a soma de 180 milhões de indivíduos e não uma coletividade de 180 milhões de pessoas. Temos que mudar isso.

            Não temos futuro se continuarmos vendo o Brasil como a soma de indivíduos e não como uma comunidade de uma população inteira. Isso alguém tem que trazer. E quando alguém trouxer isso, muda o programa de Governo. O programa de governo de um país que se vê de acordo com os interesses dos indivíduos isoladamente é uma coisa; o programa de governo de um país que se vê como soma de um povo é outra coisa completamente diferente.

            Precisamos mudar a maneira como o Brasil vê o Brasil: fazer com que o Brasil se veja como um público e não como uma soma de indivíduos. E essa talvez seja a parte mais difícil de fazer, porque o Brasil se viciou em ser um país cuja democracia é o ajuste dos interesses de cada indivíduo ou de sua corporação, mas não do interesse de todos.

            Talvez nenhum exemplo melhor para isso haja do que a maneira como fizemos a Constituição atual no Brasil. A Constituição de 1988 é totalmente orientada de acordo com os interesses individuais e das corporações, que somam os indivíduos para defender os interesses deles. Não fizemos uma Constituição de pais da Pátria. Fizemos uma Constituição de líderes de grupos. Aqui se encontraram e compactuaram ou, se quiserem, pactuaram para ser mais neutro, porque compactuar pode ser algo negativo, mas não foi muito diferente entre compactuar e pactuar: nós pactuamos, compactuamos entre nós uma Constituição que atendia a todos os grupos, e aí não atendemos ao conjunto do País.

            A nossa Constituição pode até ser cidadã, mas ela não é patriótica. Ela pode ser, como dizia Ulysses Guimarães, uma Constituição cidadã porque representa os interesses dos cidadãos, mas não é patriótica porque não representa o interesse do conjunto da Nação brasileira.

            Essa é uma maneira nova com que precisamos ver o Brasil: ver o Brasil pelo público, pelo conjunto, pela unidade nacional das pessoas, e não pela soma de indivíduos, cada um deles querendo pegar o máximo que puder, como se o País pertencesse a eles e não ao conjunto do povo.

            Se alguém quer ser candidato a Presidente da República e trazer uma proposta nova, tem que começar trazendo uma visão nova para o Brasil.

            Tem que começar a convencer os brasileiros de adotar essa visão nova, caso contrário, não vamos mudar.

            Finalmente, como última mudança na maneira como o Brasil vê o Brasil e a mais importante delas, devo dizer, o Brasil tem que ver o Brasil como se fosse um povo e não como se fosse dois povos.

            O Brasil não se vê como um país de um povo único. Nós nos vemos, acostumamo-nos com um país dividido em dois povos, como se houvesse uma elite privilegiada e uma massa, cujo destino é ficar separado da elite, no máximo recebendo migalhas.

            Vejam por exemplo o debate desses dias, assunto sobre o qual gostaria de falar, mas achei melhor me concentrar e trazer para cá o compromisso que assumi dos grandes temas como pré-candidato a Presidente. Vejam, por exemplo, o Bolsa-Família. Não há duvida nenhuma que reduziu a fome no Brasil. Claro que sim! E não temos dúvida nenhuma de que tem que haver aumento sim, porque o valor ainda é muito baixo. Mas o Bolsa-Família, na sua concepção, Senador Alvaro Dias, é a concepção de um país de dois povos: um que vive do seu salário, da sua renda, do seu emprego e compra todos os bens de luxo que são produzidos; e o outro que vive de migalhas para poder comer. Não temos a visão de um povo único da maneira como o Bolsa-Família foi concebido. Porque, se fosse a visão de um povo único, não nos vangloriaríamos de aumentar o número de pessoas que recebem o Bolsa-Família, e sim da redução do número de pessoas que precisam receber o Bolsa-Família. Cada um a menos é um a mais incluído, mas nós nos acostumamos com a exclusão. Nós nos acostumamos de tal maneira com a exclusão que cumprimos o nosso papel e nos alegramos até - e não está errado -, mas, pior, nós nos satisfazemos com o fato de que o País, ao ser dividido, já está cumprindo uma grande missão de generosidade ao distribuir um pouquinho por meio do Bolsa-Família.

            Qual a diferença de um Brasil que se vê como povo unido e de um Brasil que se vê como povo dividido? A diferença está entre um Bolsa-Família que é apenas transferência de renda e um Bolsa-Família que fizesse uma revolução educacional. Isso porque é por intermédio dessa revolução educacional que a gente consegue incorporar os excluídos no povo único em que este Brasil precisa se transformar.

            Mas qual é o impedimento para o Brasil virar um grande povo? É claro que a gente sabe que é uma questão de emprego, de renda, de educação, de saúde, de água, de moradia, de tudo isso.

            Mas eu vim falar hoje aqui daquilo que eu acho que é o mais grave dos empecilhos para que o Brasil se transforme num povo só. O mais grave dos empecilhos, Senador Paim, é o fato de que nós nos acostumamos a olharmo-nos como um País de dois povos. Faz parte da ótica de como o Brasil vê o Brasil o fato de ele ser dividido. Não nos acostumamos a ver o Brasil como um povo integrado, e esse povo integrado sendo construído a partir de políticas de um governo que estivesse no poder.

            Não vemos isso. Nenhum dos Governos deste País, repito, nenhum dos Governos deste País teve como postura a unificação do povo brasileiro.

            Juscelino, que lembrei como o grande líder último, que mudou a maneira como o Brasil via o Brasil, conseguiu mudar a integração territorial, mas pouco fez para a integração social. Ele até criou a Sudene, que foi uma ajuda para olhar o Brasil de maneira diferente, dizendo “vamos quebrar a desigualdade regional”. Mas não era a desigualdade entre pessoas; era desigualdade da renda média das regiões. E o caminho não era a integração das pessoas; era a industrialização do Nordeste.

            Naquela época até se podia admitir o equívoco, que depois percebemos, de que a indústria integraria os excluídos. Hoje, ninguém pode se dar à pouca imaginação de achar que isso é verdadeiro. Não há como, por meio da industrialização, incorporar as massas excluídas. Primeiro, porque a industrialização não gera emprego na quantidade necessária e, segundo, porque o pouco emprego que gera é para as pessoas que já estejam integradas. Podem até estar desempregadas, mas não estão desintegradas, porque a diferença entre o desempregado e o desintegrado é que o desempregado tem o desemprego por um período curto, mas o seu potencial, sua formação, sua qualificação lhe permite, em algum momento, encontrar emprego. O desintegrado, excluído, é aquele que sabe que não vai conseguir um emprego e, se o conseguir, vai ser com, no máximo, dois salários-mínimos de renda mensal. Isso, obviamente, não permite a integração; não permite que ele saia da condição de excluído.

            Por isso, Sr. Presidente, e para não tomar mais tempo, quero deixar claro que gostaria de ver aqui um debate sobre como queremos ver o Brasil, qual a visão do Brasil que queremos vender ao Brasil, qual a nova ótica pela qual queremos que o Brasil se veja, como fez Juscelino ao tirar o Brasil de uma ótica da agricultura exportadora para uma ótica da industrialização para o mercado interno; de uma ótica de um país cujo território era uma pequena franja à margem do Atlântico para um país cujo território seria ocupado em toda a sua extensão. Ele mudou a maneira de vermos o Brasil.

            E, de lá para cá, ninguém propôs uma maneira nova de ver o Brasil, salvo nos pequenos detalhes, por exemplo, na política: se o Brasil servia como um país que deveria ser amordaçado ou um país livre. Mas isso, vamos falar com franqueza, nem os militares diziam que queriam um país amordaçado. A visão que o Brasil tinha do Brasil era a de um país democrático. Apenas alguns acharam que, durante algum tempo, era preciso amordaçá-lo. Colocaram uma mordaça provisória. Ninguém tinha como visão um país totalmente amordaçado.

            Hoje, está na hora de pensarmos numa maneira nova de olharmos o Brasil. E, convocando aqueles que se prontificam a esse debate - e lembro, mais uma vez, o Senador Arthur Virgílio, que já se lançou candidato -, proponho aqui estes cinco grandes itens da revisão de como o Brasil vê o Brasil: de um país preso ao presente que se nega a poupar, que se nega a sacrificar hoje para ganhar amanhã, para um país que se veja na perspectiva do futuro; de um país que não respeita a natureza, prisioneiro da visão da produção e não da conservação também, para um país que veja a sua natureza como parte da sua riqueza; de um país que se vê ou totalmente fechado em um nacionalismo antiquado, ou totalmente diluído, perdido na globalização, para um país que se diga soberano na globalização; de um país que só dá valor ao que é do indivíduo, e por isso depreda tudo que é patrimônio público, por isso não deixa uma janela inteira em uma escola, por isso cria, produz e faz todo tipo de vandalismo com a coisa pública e respeita religiosamente o que é do interesse privado, para um país que põe o público, o interesse coletivo como a grande saída para todos nós; e, finalmente, um povo que se veja como um povo, e não uma população que se veja como dois povos separados, como a África do Sul se viu durante muito tempo, Senador Paim, entre os brancos e os negros; como o Brasil se viu durante muitos séculos entre os brancos e os negros, os livres e os escravos.

            O ano de 1888 culminou com uma visão nova do Brasil, onde todos eram livres, mas não com a visão nova de que faríamos um só povo. Essa visão está faltando. E essa visão eu cobro porque nós aqui, Parlamentares, devemos trazer, sem esquecer o dia-a-dia, como eu trouxe aqui o piso salarial do professor. Lembro que, se queremos de fato merecer o respeito dos que virão depois de nós, temos de enfrentar o debate sobre como construir um país diferente. E o ponto de partida é como fazer com que nós vejamos o Brasil de uma maneira diferente da vergonhosa maneira como o Brasil tem sido visto.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2008 - Página 24279