Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações a respeito de simpósio realizado ontem pelo Ministério da Justiça, sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol. Solicitação de transcrição da Carta de Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Considerações a respeito de simpósio realizado ontem pelo Ministério da Justiça, sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol. Solicitação de transcrição da Carta de Roraima.
Aparteantes
Marina Silva, Valter Pereira.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2008 - Página 29201
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SIMPOSIO, DEBATE, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DENUNCIA, ORADOR, FRAUDE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MANIPULAÇÃO, GRUPO INDIGENA, OBJETIVO, EXTENSÃO, TERRAS INDIGENAS, AUTONOMIA, AREA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), VINCULAÇÃO, IGREJA CATOLICA, RESPONSAVEL, MANIPULAÇÃO, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SIMPOSIO, QUESTIONAMENTO, FALTA, LEGITIMIDADE, REPRESENTAÇÃO, INDIO, DEBATE, SITUAÇÃO, CRITICA, PRECARIEDADE, RECURSOS, MANUTENÇÃO, QUALIDADE DE VIDA.
  • SUSPEIÇÃO, INTERESSE, PAIS INDUSTRIALIZADO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), RIQUEZAS, MINERIO, AMEAÇA, SEGURANÇA NACIONAL, SOBERANIA NACIONAL, FAIXA DE FRONTEIRA.
  • REGISTRO, PENDENCIA, DECISÃO, LIMINAR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ANTERIORIDADE, APRESENTAÇÃO, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, EXAME, SENADO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, RESERVA ECOLOGICA, CRITICA, DEMORA, TRAMITAÇÃO, MATERIA, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, PROPOSIÇÃO.
  • REGISTRO, REUNIÃO, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), DEBATE, PRODUÇÃO AGRICOLA, BRASIL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, ESTADO DE RORAIMA (RR), RESULTADO, DISCUSSÃO, POSIÇÃO, APROPRIAÇÃO, TERRAS, REGIÃO AMAZONICA.
  • REGISTRO, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, PRORROGAÇÃO, PERMANENCIA, FORÇAS ARMADAS, SEGURANÇA, TERRITORIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), DECISÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CRITICA, EXCESSO, DESPESA PUBLICA, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, INICIO, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AMEAÇA, SOBERANIA, REGIÃO AMAZONICA, INICIATIVA, CRIAÇÃO, UNIDADE, EXERCITO, TERRAS INDIGENAS.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente João Claudino, do ilustre Estado do Piauí, Srªs e Srs. Senadores, no dia de ontem, o Ministério da Justiça realizou, eu diria, um estranho simpósio sobre o que chamam a terra indígena Raposa Serra do Sol. Digo estranho, porque, Sr. Presidente, simpósio é uma coisa importantíssima para a democracia, porque é um lugar onde se debatem idéias com pontos de vista contrários, mas geralmente um simpósio antecede alguma decisão, alguma postura que se deva tomar em relação a algum problema.

            Como médico, aprendi que nos simpósios de Medicina são convidados ilustres cientistas que defendem, por exemplo, um tipo de conduta terapêutica em relação a uma doença e outros que defendem outro tipo de conduta terapêutica para que se possa analisar as vantagens e desvantagens de ambas as posições.

            Pois bem, a chamada terra indígena Raposa Serra do Sol, na verdade, vem sendo objeto de manipulações sucessivas por organizações não-governamentais que manipulam a Funai há, pelo menos, três décadas. Várias demarcações foram feitas. O próprio nome é uma perfeita enganação, porque Raposa Serra do Sol, para quem não conhece, parece que é uma área só, uma coisa colada na outra.

            Sr. Presidente, é bom que a Nação toda saiba: a região da Serra do Sol - o nome está dizendo - é uma região de montanha na fronteira com a Venezuela, próximo à Guiana, que tem o nome de Serra do Sol. E a região da Raposa é distante 150 quilômetros da Serra do Sol e fica em uma região que chamamos de lavrados, isto é, de campos naturais. Portanto, havia uma comunidade indígena na Serra do Sol e uma comunidade indígena na Raposa. E o que foi feito, Sr. Presidente? O Conselho Indígena Missionário da Igreja Católica criou um filhote chamado Conselho Indígena de Roraima e começou a fazer um trabalho muito sutil e competente de pegar uma comunidade indígena que tradicionalmente se chamava de maloca e subdividi-la em várias. Então, se havia 30 famílias numa comunidade indígena, pegavam cinco famílias e as deslocavam para 30 quilômetros adiante e criavam uma nova comunidade indígena, como se ela já existisse há muito tempo. Depois pegavam mais cinco e levavam mais para lá.

            Senadora Marisa Serrano, V. Exª que esteve lá recentemente, sabe o que aconteceu? Foram preenchendo esses espaços. É verdade que existiam outras comunidades também de outras etnias, pois são cinco ou seis etnias que existem lá. E o mais importante, a maior delas - a macuxi e a wapixana -, não têm um só tipo de comportamento; são índios aculturados. Só para ilustrar, dos três Municípios que são atingidos pela reserva, que tem 1,7milhão de hectares na fronteira com a Venezuela e a Guiana, existem índios evangélicos, Senador, que, aliás, não sei por que são os mais bem organizados; e existem os índios que são ligados à Igreja Católica.

            Um padre chamado Padre Lírio me disse uma vez que não era importante, por exemplo, rezar o Pai-Nosso; o mais importante era dar aos índios a convicção de que eles tinham de brigar com os não-índios para resgatarem uma terra que teoricamente foi deles. Digo teoricamente porque não pode ser deles uma coisa que é fabricada artificialmente, isto é, levar um grupo de famílias para outra localidade e dizer que é uma terra imemorialmente habitada por índios.

            Pois bem, Senadora Marisa, eu fui convidado para esse simpósio e fiquei surpreso, Senador Claudino, porque há muitos anos que eu debato esse problema no Senado. Presidi duas comissões temporárias externas do Senado. Na primeira delas, foi, inclusive, combinada com o Palácio do Planalto: o Relator era o Senador Delcídio Amaral, do PT, e eu fui o Presidente. Também faziam parte o Senador Jefferson Péres, o Senador Jonas Pinheiro, do Mato Grosso, o Senador Augusto Botelho e também o Senador Romero Jucá, Líder do Governo, que, embora não tenha participado das reuniões nem das discussões, assinou o relatório final.

            Então, o que tinha nesse relatório que, na verdade, coincidia com a comissão idêntica da Câmara, que tinha como Relator o Deputado Lindberg Farias do Estado de V. Exª, Senador Paulo Duque, e que é do PT também. Então vejam que as relatorias estavam na mão do PT, para que não houvesse, digamos assim, a suspeita sobre quem não fosse do PT, que acha que tem a verdade sobre a questão indígena. Aí o resultado: nós concluímos esse relatório, Senadora Marisa, entregamos ao Presidente da República e o enviamos ao Ministério da Justiça, à Funai, enfim, a todos os órgãos, e nunca nem o Ministro anterior, Thomaz Bastos, nem o atual se dignaram a convidar quem quer que fosse para vir aqui discutir esse assunto.

            Mas esse seminário, como eu disse, democraticamente foi interessante. Pelo menos a questão já não está no Executivo - o Executivo não pode mais meter o piteco; está no Supremo em grau de recurso. São 33 ações contra essa demarcação.

            Pois bem, havia onze palestrantes, Senadora Marisa Serrano. Desses, nove eram completamente comprometidos com a causa da demarcação contínua: o Presidente da Funai, o ex-Presidente da Funai, antropólogos, juristas. Para resumir, só eu e o representante do Governador do Estado tínhamos uma posição... não é contrária à demarcação. É preciso que se desmistifique. Nós somos contra essa forma excludente como foi feita a demarcação. E eles fazem mais: de maldade, dizem que é apenas uma briga entre um grupo homogêneo de índios e meia dúzia de arrozeiros.

            Acontece que não é verdade! Os índios não são um grupo homogêneo nessa questão. Apenas um grupo de índios, que está debaixo do Conselho Indígena de Roraima, sob o qual eu vou falar daqui a pouco, é que pensa dessa forma excludente, isto é, tirando 458 famílias, meus caros Senadores e Senadora Marisa Serrano, que estão lá há mais de 100 anos: o bisavô, o avô, o pai, o filho... Tirando essas famílias, Senador Claudino, com uma - não posso nem chamar de indenização - espécie de consolação, miserável. Essas pessoas estão indo para a Capital viver na periferia, e os que eles estão assentando, como manda a lei, estão sendo colocados no que nós chamamos lá de “lavrado”, que é algo como o cerrado do Centro-Oeste piorado. Piorado!

            Pois bem, nós visitamos e documentamos todos esses assentamentos. A maioria não tinha recebido sequer as indenizações, e nenhum tinha recebido qualquer tipo de apoio para se fixar nessa terra ruim onde os colocaram. Fui ao simpósio e disse que estranhava essa falta de paridade no simpósio.

            Segundo, que só tinha um índio representando os índios da região, que, por caso, era um índio do CIR. Não havia um índio das outras entidades de lá; não havia índios da Sodiur, da Arikon, da Alid/Cirr, que são instituições deles, dos índios. Nunca fizeram um plebiscito entre os índios, até porque seria um complicador. Se fôssemos levar cientificamente o problema e fazer DNA naquela população, íamos ter dificuldade em saber quem era ou quem não era índio lá.

            Mas, o absurdo dos absurdos: uma índia que era casada com um senhor não índio, de pele clara, tem um filho que puxou para o pai - tem a pele clara -, e ela não está podendo ficar na comunidade do Maturuca, uma comunidade indígena dessa região, porque o filho tem a pele clara. Ou fica somente ela ou ela vai embora com o filho. E isso está se passando, Senador Claudino, com o conhecimento do Governo Federal, com o conhecimento do Ministro da Justiça, que nunca foi a Roraima. Foi, sim, para prender o Prefeito de Pacaraima, que, por acaso, é o líder dos arrozeiros, porque os índios do CIR invadiram a sua fazenda e ele se defendeu. Mas, o mais importante...

            A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - Permite-me um aparte?

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Vou lhe dar o aparte com muita prazer, Senadora Marisa Serrano, daqui a pouco, só para não atrapalhar essa primeira parte do meu raciocínio - atrapalhar não, para não cortar.

            Então, ontem, no Simpósio, uma claque mais ou menos organizada chegou até a vaiar o Procurador do Estado, que estava representando o nosso Governador, que apresentou uma explanação juridicamente perfeita. Ao final, eu falei e mostrei essas incongruências, no que diz respeito ao Seminário. Até falei para o Ministro Toffoli que só havia uma lógica naquele Seminário: se depois daquilo o Presidente da República mudasse o decreto que fez - ele pode mudar, e já mudou no Pará o da Reserva Baú - e ajustasse o que o Senado e a Câmara tinham proposto, Senador Claudino. Que foi o quê? Tirar de 1,7 milhão de hectares 320 mil hectares, Senadora Marisa Serrano. Tirando 320 mil hectares, estariam sendo protegidas quatro cidades nas fronteiras com a Guiana e a Venezuela, estariam sendo protegidas propriedades com títulos anteriores a 1934, concedidos quando Roraima ainda pertencia ao Estado do Amazonas, e as terras ocupadas pelos arrozeiros, que estão na borda, na beirada, na franja da reserva indígena e que não era reserva indígena, porque essa reserva indígena foi aumentando a cada ano.

            Esse debate, portanto, ficou claro. E é bom que se repita: em Roraima ninguém é contra demarcação de terra indígena. Aliás, são 37 reservas indígenas demarcadas, Senadora Marisa, mais da metade do território nosso é ocupado por reservas indígenas. Somos a terceira população indígena e somos o campeão em demarcação de terras indígenas. Por que será? Aí a gente começa a ver e basta observar o mapa das riquezas minerais e o mapa das reservas indígenas: casam como uma luva, um mapa sobre o outro. Casam como uma luva.

            E onde estão essas reservas? Nas extensas fronteiras com a Venezuela e com a Guiana: de um lado, os Ianomâmis, na Venezuela; do outro lado, as cinco etnias Macuxi, Wapichana, Taurepangue, Ingarikó, com a Venezuela e com a Guiana. Um atentado também à segurança nacional e à soberania nacional.

            Mas o CIR usa aquele método que a Igreja Católica usava no passado quando queria perseguir aqueles que não rezavam na sua cartilha, chamando-os de hereges, de bruxos. É o que se faz lá. Então, elegeu-se um grupo de índios do CIR, que são os sacrossantos; os demais, todos são hereges, são preconceituosos, são antiindigenistas, aqueles rótulos famosos.

            Pois bem. E o que é o CIR? Como eu falei, um filhote do Conselho Indigenista Missionário. No Governo Lula, Senadora Marisa Serrano, de 2003 para cá, foram empenhados R$47 milhões e foram pagos R$44.312 milhões (quarenta e quatro milhões, trezentos e doze mil reais) ao Conselho Indigenista de Roraima. Para fazer o quê? Não existe prestação de contas, Senadora Marisa Serrano. É para fazer roubo; é para roubar mesmo.

            Agora, pegue a página do CIR na Internet. Não estou inventando, não! Na página do CIR na Internet consta: parceiros do CIR. Aí listam uma série de instituições que são parceiras. E vou dizer quais são. Só as estrangeiras, porque as brasileiras a gente acha que... Não vamos dizer que sejam corretas, embora muitas delas sejam testas-de-ferro de estrangeiras. Vou ler só as estrangeiras: Aliança Amazônica, da Itália; Cafod, que é uma agência católica da Inglaterra - a Igreja Católica, que é minoritária na Inglaterra, está botando dinheiro lá; Cese, dos Estados Unidos; o Greenpeace, da Holanda; a Movimondo, da Itália; o Norad, da Noruega; a Oxfam, da Inglaterra; a Pro Indios di Roraima, na Itália; a Pro Regenwald, da Alemanha; a Rainforest Foundation, dos Estados Unidos; Survival International, da Inglaterra; a TNC, dos Estados Unidos.

            Então, Senadora Marisa Serrano, o caso está no Supremo. E o que fizeram os índios do CIR, financiados por essas ONGs? Fizeram um périplo pela Europa - Portugal, Espanha, França, Inglaterra - e terminaram no Vaticano, com o Papa.

            É esse tipo de índio “desprotegido” que está lá, os índios do CIR, do Conselho Indígena de Roraima. Então, é preciso que se deixem as coisas bem claras.

            Ontem, nesse simpósio, Senadora Marisa Serrano, o jurista Dalmo Dallari disse até insultos contra o Supremo Tribunal Federal, dizendo que ele não tinha legitimidade para julgar essa causa e que o Ministro Gilmar Mendes deveria se considerar suspeito. Na verdade, é um esquema truculento e, pior, financiado pelo Governo brasileiro.

            Fora isso, ainda se disse lá também - e eu estava lá presente - que se o Supremo cometer a irresponsabilidade de rever a Reserva Raposa Serra do Sol, todas as outras cairão. Então, a que conclusão chego? Se o Supremo, ao rever essa, as outras cairão, significa que as outras todas então foram feitas mediante fraude, porque a Raposa Serra do Sol foi uma fraude atrás da outra. E, pior, estão realmente fazendo um atentado ao meu Estado e ao Brasil.

            Eu quero ouvir a Senadora Marisa Serrana, com muito prazer.

            O Sr. Marisa Serrano (PSDB - MS) - Obrigada, Senador Mozarildo. Eu estava até de saída, mas retornei, quando ouvi o tema que V. Exª ia abordar, porque a preocupação minha e do meu Estado é muito grande. A Funai lançou, nesse último mês, cinco Portarias: sobre Mato Grosso do Sul, uma sobre o Pará, e outra sobre o Rio Grande do Sul. Só em Mato Grosso do Sul, mais de três milhões de hectares para formar uma reserva indígena, impactando 12 milhões de hectares - 1/3 do nosso território. Porque nós temos o Pantanal, área preservada. E tem de ser preservada mesmo, porque é patrimônio da humanidade. Mas são mais de três milhões de hectares para reservas indígenas! E isso em cima de laudos antropológicos, sem que ninguém tenha sido ouvido para ter o contraditório. É por isso que não pode ser legislado através de portarias e decretos. É por isso que eu acredito que o Senado Federal, o Congresso, tem a obrigação de passar por aqui, que é a Casa do povo, para que todos possam falar e que possam aí ter o seu contraditório. Agora, 1/3 do território de Mato Grosso do Sul...E sabe qual é a área, Senador Mozarildo? Não é uma área qualquer, não. É a área mais rica do Estado, impactando 26 Municípios, inúmeros assentamentos, grandes e pequenos proprietários, a área toda de fronteira com o Paraguai - área de terra roxa em que Mato Grosso do Sul assenta a base maior da sua economia, porque é a área mais rica do Estado. Isso é tão preocupante que todo o Estado está entrando com várias ações, porque isso será agora. A demarcação está para ser concedida agora na próxima semana. E isso não é uma coisa isolada. Não é só a reserva Raposa Serra do Sol; não é só essa reserva do sul do Pará; e não é só a do Rio Grande do Sul. Mas metade de Mato Grosso do Sul, sua área mais rica, colocada para reserva indígena, sem que haja nenhum tipo de discussão, sem que haja possibilidade de se propor alternativas? Isso aí, Senador Mozarildo, é uma preocupação muito grande. Eu quero falar amanhã aqui. Eu quis fazer-lhe apenas um aparte, para dizer que V. Exª não está sozinho, mas que todos nós estamos preocupados. Porque me parece que não é uma questão apenas específica dos índios de Roraima nem dos índios de Mato Grosso do Sul. V. Exª está preocupado com titulação de áreas de cem anos? A nossa é muito mais antiga! Todas essas áreas foram tituladas, ou pela Funai, ou pelo Incra, ou ainda por Getúlio Vargas, que montou toda uma estrutura de assentamentos em Mato Grosso do Sul. São áreas de muito mais de cem anos. Então, eu quero deixar aqui a minha solidariedade a V. Exª. Amanhã quero falar sobre uma reunião que tivemos agora com o Ministro Gilmar Mendes e com toda a estrutura de Mato Grosso do Sul. Eu digo “estrutura” porque estava lá o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. E vamos ter uma discussão mais séria neste Senado, porque não é brincadeira, não: qualquer um pode mudar a estrutura do País por portarias e decretos? Solidarizo-me com V. Exª, dizendo que Mato Grosso do Sul está em pé de guerra - e isso é péssimo para o País, porque são duas fronteiras populosas. Não são como em Roraima. Então, vamos entrar ali num conflito armado terrível que nós não queremos e que vai ser péssimo para o País. Portanto, deixo aqui também o meu grau de alerta para o que está acontecendo também no meu Estado. Era só isso.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senadora Marisa Serrano, primeiro quero dizer a V. Exª que, em 1999, preocupado com essa questão no Brasil todo, apresentei uma PEC. Para 0,3% da população, que representa os índios do Brasil, já há 13% do território nacional demarcado e, a cada dia, avança-se mais, avança-se mais.

            O problema não é demarcar terra indígena. O problema é como demarcar e onde demarcar.

            E essa PEC, que foi de 1999, Senadora Marisa, está indo e voltando. Veio a plenário para as cinco discussões e o Senador Aloizio Mercadante pediu que voltasse para a CCJ. Esta lá mofando. Agora o Senador Valter Pereira foi designado Relator, em substituição ao Senador Jefferson Péres. Espero que possamos progredir nisso aí.

            Mas quero, Sr. Presidente - já que ultrapassei meu tempo -, registrar que também ontem, em Roraima, houve uma reunião da CNA nacional, discutindo a produção no País. O País está atravessando um drama de abastecimento e veja V. Exª que se está querendo proibir de se produzir neste País.

            Eu quero pedir a V. Exª que transcreva como parte do meu pronunciamento a Carta de Roraima, resultante do 1º Simpósio Nacional de Produtores Rurais e Desenvolvimento Sustentável em Áreas Fronteiriças, que reuniu, ontem, em Boa Vista, no meu Estado, o Governo do Estado, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil e representantes da sociedade civil e militar para uma posição quanto à propriedade da terra na Amazônia brasileira.

            Peça que a Carta seja transcrita na íntegra.

            E também quero registrar que o Governo prorrogou a operação da Polícia Federal chamada Upatakon 3, uma operação da FUNAI, na verdade, que utiliza a Polícia Federal. Cerca de 130 homens da Força Nacional de Segurança que estão em Roraima desde março, quando foi deflagrada a operação, ainda vão permanecer no Estado por pelo menos 90 dias. Decisão do Ministério da Justiça, do Ministro Tarso Genro.

            Veja quanto dinheiro se está gastando. É a terceira operação que está sendo prorrogada.

            Eu quero esclarecer que admiro o trabalho que a Polícia Federal tem feito, mas lamento que o Governo Federal esteja gastando dinheiro à toa, dinheiro que deveria estar sendo aplicado nos índios.

            Se esse dinheiro que foi gasto com essas operações estivesse sendo aplicado nas comunidades indígenas, elas já teriam melhorado muito.

            E eu como médico, Senador Valter Pereira, sempre me preocupo é com isso. É com a pessoa. Como é que está a pessoa do índio? Porque a terra do índio não é do índio. É da União. Apenas é um esquema que se está montando aqui para se fazer uma história de socialismo futuro e, portanto, impedir que alguém tenha propriedade sobre as terras no Brasil.

            Por fim, peço também a transcrição do artigo intitulado “Exército terá unidades em áreas indígenas de fronteiras”. “Governo desperta para a gravidade da situação e dá carta branca às Forças Armadas”.

            Senador Valter Pereira, se o Presidente me permitir, eu quero ouvir V. Exª com muito prazer.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, eu estava atento ao seu pronunciamento mesmo fora deste plenário e quero dizer a V. Exª que o problema que está ocorrendo na região amazônica começa a se alastrar pelo resto do País. V. Exª, em conversa que teve comigo há algum tempo, já alertava para isso. V. Exª me dizia que tudo está começando com a Raposa Serra do Sol, mas a tendência era espraiar-se. V. Exª estava certo. A Funai acaba de baixar algumas portarias, sugerindo novas demarcações de terras no Mato Grosso do Sul. A área que estava prevista para se fazerem as demarcações, em aldeias que já estão há muito tempo consolidadas e que vivem com um ambiente de absoluta regularidade, vai abranger nada mais nada menos dez milhões de hectares de um Estado que tem trinta milhões de hectares agricultáveis. Busca-se exatamente a área mais nobre, de maior fertilidade do meu Estado. Hoje mesmo, Senador Mozarildo Cavalcanti, está em Brasília uma delegação numerosa comandada pelo Governador André Puccinelli. Estão o Presidente da Assembléia, vários Deputados...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - ...e produtores que poderão ser afetados pela medida. Enfim, há uma situação de inquietação que já afugenta os investidores do Estado. Então, Senador Mozarildo Cavalcanti, o Congresso não pode assistir passivamente à ação irresponsável da Funai, que se está arvorando como donatária de um poder que não tem. A Funai, efetivamente, não é titular de tanto poder para semear tanta discórdia e querer mudar o mapa deste País. E o que se está propondo hoje - V. Exª sabe muito bem pelas cláusulas que nós já discutimos...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - ...e que estão incorporadas inclusive em tratados já subscritos pelo Governo brasileiro - quer mudar a geografia deste País, com perda de áreas, com perda de autonomia, com perda de soberania no futuro. Portanto, o pronunciamento de V. Exª é mais uma advertência. Amanhã mesmo, devo reportar-me a esse assunto, que não pode, de forma alguma, passar em brancas nuvens, não pode passar in albis, sem que o Congresso, sem que, principalmente, o Senado, que é o representante da Federação, tome uma posição.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Muito bem, Senador Valter Pereira. Faço, inclusive, um apelo a V. Exª.

            A PEC de minha autoria, de 1999, buscava justamente ordenar essa questão, sugerindo uma proporção de 30% em cada Estado para a criação de reservas indígenas e ambientais, porque, se passar de 50%, como propôs o Senador Amir Lando, que era o então Relator, passará a ser uma unidade federal, e não um ente estadual federado.

            Então, proponho...

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Até quarta-feira da semana que vem, estará entregue, devolvida a PEC para a qual fui designado Relator, e V. Exª terá tranqüilidade. Quatro PEC’s foram juntadas, e já estou ultimando o meu relatório e voto para submetê-los à apreciação da CCJ, onde tenho certeza de que a matéria terá a celeridade necessária. Não podemos, efetivamente, adiar esse assunto. Temos de enfrentar o problema de peito aberto. É um problema grave que afeta não só o Estado de Roraima, mas a maioria dos Estados brasileiros. Se descuidarmos, é perigoso afetar até o Estado de São Paulo e o do Rio de Janeiro, porque o pessoal está querendo voltar a 1.500, e V. Exª sabe que os portugueses entraram na Bahia, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Então, de repente, vamos ter de devolver tudo isso para as comunidades indígenas.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Valter Pereira, fico feliz de saber que o relatório de V. Exª estará pronto na semana que vem. Veja que essa PEC já está com um atraso de nove anos. Esteve aqui, ficou as cinco sessões, voltou para a CCJ e, infelizmente, aqueles que se julgam donos da verdade nesse tema tem obstaculizado o andamento dela.

            Sr. Presidente, encerro meu pronunciamento reiterando o pedido de transcrição das matérias que já mencionei como parte integrante do meu pronunciamento e agradecendo a generosidade de V. Exª em me permitir ultrapassar o tempo e ouvir os apartes que me foram feitos.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI NO SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do inciso I, § 2º, do art. 210 do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- CIR - Conselho Indígena de Roraima;

- Recursos recebidos pelo CIR (2003-2008);

- Lista de parceiros do CIR;

- Operação Upatakon - Prorrogada permanência da Força nacional;

- Procurador diz que demarcação da Raposa baseia-se em laudo viciado;

- Carta a Roraima;

- Exército terá unidades em áreas indígenas de fronteiras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2008 - Página 29201