Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de visita do Governador de Mato Grosso do Sul, ao TSE, a fim de levar ao Ministro Gilmar Mendes as preocupações com relação a seis portarias da Funai, que constituíram grupos técnicos com o objetivo de identificar e delimitar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios das diversas etnias do Estado.

Autor
Marisa Serrano (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Marisa Joaquina Monteiro Serrano
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Registro de visita do Governador de Mato Grosso do Sul, ao TSE, a fim de levar ao Ministro Gilmar Mendes as preocupações com relação a seis portarias da Funai, que constituíram grupos técnicos com o objetivo de identificar e delimitar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios das diversas etnias do Estado.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2008 - Página 29553
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), SENADOR, DEPUTADO FEDERAL, DEPUTADO ESTADUAL, PREFEITO, VISITA, MINISTRO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), DEBATE, CRIAÇÃO, PORTARIA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), OBJETIVO, IDENTIFICAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • CRITICA, REDUÇÃO, AREA, CULTIVO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, MUNICIPIOS, FAIXA DE FRONTEIRA, EXCESSO, POPULAÇÃO, PROBLEMA, TRAFICO, DROGA, VIOLENCIA.
  • COMENTARIO, LANÇAMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DECLARAÇÃO, DIREITOS, INDIO, CRITICA, ASSINATURA, BRASIL, GARANTIA, AUTONOMIA, INDEPENDENCIA, NACIONALIDADE, IMPOSSIBILIDADE, ENTRADA, EXERCITO, RESERVA INDIGENA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.
  • DIVERGENCIA, OPINIÃO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), AVALIAÇÃO, DECLARAÇÃO, DIREITOS, INDIO, EXCLUSIVIDADE, RECOMENDAÇÃO, TRATAMENTO, GRUPO INDIGENA, JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, EXAME, REFERENDO, CONGRESSO NACIONAL, COMPETENCIA, APROVAÇÃO, TRATADO, AUMENTO, ENCARGO, COMPROMISSO, PATRIMONIO PUBLICO.
  • COMENTARIO, PREVISÃO, TECNICO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), VITORIA, INDIO, APELAÇÃO, CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, POSSIBILIDADE, ALTERAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), APREENSÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PERDA, AREA, AGROPECUARIA.
  • QUESTIONAMENTO, CRIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, INDIO, NECESSIDADE, GARANTIA, EDUCAÇÃO, TRABALHO, INFRAESTRUTURA, GRUPO INDIGENA, DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA.
  • CRITICA, ALTERAÇÃO, AREA AGROPECUARIA, RESERVA INDIGENA, SUPERIORIDADE, POPULAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), COMPARAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR).

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

            É um prazer enorme podermos estar aqui e falar um pouco com os nossos companheiros Senadores, mas também com todo o País. Queremos dar algumas informações que são pertinentes e preocupantes.

            Nessa terça-feira, em visita ao TSE, o Sr. Governador do Estado, acompanhado da bancada federal, Deputados e Senadores, de representantes dos Deputados Estaduais, dos Prefeitos e de entidades de classe, foi levar ao Ministro Gilmar Mendes as preocupações de Mato Grosso do Sul.

            O Senador Valter Pereira ontem, daqui desta tribuna, falou também dessas angústias pelas quais nós estamos passando, mas eu quero trazer aqui outros enfoques a respeito dessa causa para que todos no País, principalmente os companheiros Senadoras e Senadores, delas tomem conhecimento.

            No último dia 10 de julho, a Funai deu à luz seis portarias dirigidas a Mato Grosso do Sul, e essas portarias constituíram grupos técnicos com o seguinte objetivo: identificar e delimitar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios das diversas etnias de Mato Grosso do Sul.

            Eu não sei se os senhores sabem, mas Mato Grosso do Sul é o Estado que tem a segunda maior população indígena do País. Pouca gente sabe disso. Acredita que seja o Pará ou outros Estados, mas não, é Mato Grosso do Sul.

            Esse conglomerado de portarias impacta 26 Municípios de Mato Grosso do Sul, que representam um terço do Estado. Desse um terço do Estado, temos de tirar o Pantanal, que é uma reserva ecológica, ambiental e patrimônio da humanidade. Então, sobra muito pouco da área cultivável de Mato Grosso do Sul.

            Além disso, há outro agravante: todos os Municípios estão na área de fronteira com o Paraguai, o que é mais preocupante ainda. Trata-se de uma área de fronteira extremamente populosa, onde existem problemas de tráfico de drogas e de violência que constantemente estão dando ao País notícias que nem sempre são boas para Mato Grosso do Sul.

            É bom que se saiba que, nessa região, nesses 26 Municípios da área de fronteira de Mato Grosso do Sul, estão 60% da cultura de soja do Estado, 70% da cultura de milho, 40% da cana-de-açúcar, além do arroz, do feijão, da mandioca e outros. Não é brincadeira: dos dezessete milhões de cabeças de gado de Mato Grosso do Sul, mais de três milhões estão naquela área! É a área mais rica do Estado, são as melhores terras do Estado, é de onde Mato Grosso tem tirado condições de dar ao País uma balança comercial exeqüível. Além disso, nessa área estão mais de oito mil assentados - é uma área de grandes assentamentos - e doze mil famílias indígenas, o que corresponde a 61 mil pessoas.

            Quero fazer algumas considerações e fico feliz que esteja aqui para ouvi-las nesta tarde o Senador Dornelles, assim como outros Srs. Senadores.

            A ONU lançou, em setembro do ano passado, a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, convenção que o Brasil assinou. A esse respeito, há uma questão que tem de ser discutida, uma questão muito séria, porque essa declaração que o Brasil assinou em setembro do ano passado diz que qualquer nação indígena - e estou resumindo aqui o caso - terá direitos, como nação, à autodeterminação, mas, principalmente, a fazer acordo com outros países, com outras nações além-fronteiras. E essas nações, que seriam um enclave dentro do próprio país, teriam determinação e auto-domínio.

            Senador Tião Viana, a preocupação é grande, em função de a declaração determinar - eu fiz questão de lê-la - que nenhuma ação militar pode ser feita nessas regiões sem que tenha sido solicitada pelos povos indígenas. Além disso, determina que os povos indígenas podem utilizar não apenas sua língua, sua cultura, mas tudo aquilo que acharem mais importante naquele momento, acima dos interesses nacionais.

            Se o Exército, os militares não podem entrar numa reserva indígena a não ser que sejam chamados, quero saber como é que fica a situação da Amazônia, por exemplo. Não estou nem falando de Mato Grosso do Sul, não estou nem falando de Roraima, de Raposa Serra do Sol, mas estou falando de uma vasta extensão do País que estamos discutindo aqui e de todos os pólos na Amazônia, onde o Exército está sediado para garantir as nossas fronteiras e a soberania nacional.

            Essa declaração não veio para o Senado ainda, não veio para o Congresso ainda, mas ela virá, e quero repetir aqui o que disse o Ministro Celso Amorim sobre isso, quando esteve na Câmara dos Deputados, no dia 17 de junho deste ano. Ele disse que, diferentemente de um tratado internacional, que tem força de lei, uma declaração é apenas uma recomendação.

            Essas foram as palavras do Ministro Celso Amorim, só que não é bem assim, porque uma declaração que traz encargos e compromissos ao País - e essa declaração traz encargos e compromissos ao País - deve ser referendada pelo Congresso Nacional. Portanto, vamos ter que referendá-la aqui e na Câmara, pois é competência exclusiva nossa resolver definitivamente sobre tratados, acordos e atos internacionais que acarretem esses encargos e compromissos gravosos ao patrimônio nacional, que é a questão dessa declaração.

            Portanto, eu me pergunto: o que está acontecendo neste País? Não é uma brincadeira! Por causa dessa declaração, as “nações indígenas” - entre aspas, pois não são nações indígenas, nós temos uma Nação, a nossa nação é a Nação brasileira -, os povos indígenas que habitam o Brasil e são cidadãos brasileiros, não podem formar guetos e entraves no nosso próprio País. Isso é um perigo para a soberania nacional e não vai aqui nenhuma injunção e nenhuma colocação que seja contrária aos povos indígenas. Não estou contra a autodeterminação dos povos indígenas, desde que a Nação brasileira e a soberania nacional estejam acima das questões de grupos e de etnias que povoam o nosso País.

            Não veio para o Congresso ainda, mas virá. Estou muito preocupada porque, numa reunião que houve na UnB, o Dr. Rodolfo Stavenhagen advertiu, numa palestra em junho último, que os índios da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, sairiam vencedores de um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos se a área da reserva fosse alterada por decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro.

            Isso é uma ameaça. E é um técnico da ONU que trabalha na área de direitos indígenas que está falando isso. Não é uma brincadeira por que Mato Grosso do Sul está preocupado em perder uma área equivalente a quase um terço de seu território - perder no sentido de devolvê-la aos índios.

            O que seriam terras tradicionalmente ocupadas pelos índios? O que é “tradicionalmente ocupada”? Que tem algum vestígio? Aí me disseram: “onde habitaram antigamente”. Mas o que significa “habitaram antigamente”?

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senadora Marisa Serrano, regimentalmente, segundo Montesquieu, e segundo a minha simpatia, que é do Brasil todo, quantos minutos a senhora ainda necessita, para eu cronometrar?

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Não preciso muito. Penso que em três minutos concluo.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Pedi e dar-se-vos-á. Dou-lhe cinco minutos.

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Obrigada, Sr. Presidente.

            Quero fazer essa colocação porque não é uma brincadeira. A nossa responsabilidade é muito grande e temos de estar atentos ao que está acontecendo neste País em todas as áreas de fronteira. Não é possível que um Estado como Mato Grosso do Sul esteja indignado, sensível, preocupado e em pé de guerra com uma questão como essa!

            O que estamos esperando? O que queremos? Não estamos discutindo aqui a questão de qual será, pedagógica e cientificamente, o tratamento que devemos dar aos povos indígenas. Ou nós os separamos em guetos, onde não tenham para onde ir, e dizemos a eles: “Vocês têm que ficar ali e não podem pretender que seus filhos estudem, façam uma faculdade, não podem pretender que tenham automóvel, não podem pretender que eles viajem de avião e conheçam o mundo. Eles ficam em guetos, separados do resto da população, porque não queremos que se aculturem ou tenham as mesmas oportunidades”. Mas pergunto ao povo brasileiro: qual a família que não quer que seus filhos tenham oportunidade de estudar, de crescer, de trabalhar, de traçar o seu rumo e seu futuro? Por que os índios não podem ter as mesmas oportunidades que nossos filhos? Por que eles têm de ser diferentes? Por que têm de ser tutelados na hora em que podem e devem ter oportunidade de crescer?

            Só dar terra para o índio resolve o problema? Essa é uma questão que deve ser colocada. O índio, hoje, de Mato Grosso do Sul é um índio que pesca, que colhe na mata frutos silvestres? Não! Mato Grosso do Sul é todo ele um Estado colonizado. Não há áreas inóspitas, não há área que não esteja habitada.

            É preferível garantir aos nossos índios a educação, a saúde de qualidade, meios de transporte, oportunidades. Qual o trabalho que os índios terão ou poderão fazer para garantir também aquilo que pretendem para o seu sustento? Eles não podem ter um trabalho digno? Eles vão ficar desocupados, bebendo, usando tóxicos? E estamos vendo isso em várias regiões de Mato Grosso do Sul. Todos nós estamos acompanhando, por exemplo, na Reserva de Caiuá, em Dourados, jovens se suicidando, um enorme aumento no número de bêbados e na violência. Eles vão voltar para a selva? Não, porque não temos selva.

            Portanto, a proposta tem que ser outra, a política tem que ser outra. E não é só dando terra, mas também não é tirando a terra que há mais de séculos está na mão de quem produz para que ela fique sem nenhum tipo de proposta de produção para o País. Vimos isso no Panambizinho, na região da grande Dourados, onde todas as terras que foram tiradas dos colonos e passadas aos índios hoje não produzem. E eram terras altamente produtivas.

            Quero terminar minhas palavras agradecendo a V. Exª o tempo, mostrando a minha preocupação e a minha indignação, e a preocupação que esta Casa tem que ter. E isso não é contra os índios, é a favor do Brasil e de todos os cidadãos: índios, não-índios, quilombolas ou não, todos que aqui habitam têm o mesmo direito. E nós não podemos fechar o País em guetos para determinadas etnias que queiram fazê-lo.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me um aparte, Senadora?

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Senador Tião Viana.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senadora Marisa Serrano, V. Exª traz uma preocupação que deve ser de cada brasileiro. A integridade do território nacional brasileiro foi constituída a duras penas, uma extraordinária definição diplomática e estratégica de relações entre os povos vizinhos e uma afirmação da nossa soberania, sempre um ponto muito forte que diz respeito ao próprio sentimento de pátria. Em relação à questão indígena, quando nós nos reportamos à época do Marechal Rondon para cá, temos visto a grandeza desse debate. V. Exª nunca falhou nesses momentos em prestar solidariedade e respeito aos povos indígenas e à sua autodeterminação. Então, ante a complexidade do tema, de alguns pontos que têm que ser esclarecidos, sim, nessa declaração que está sendo assumida, votada e discutida em nosso País hoje, eu faria uma sugestão, e acho que V. Exª, pela importância com que está tratando a matéria, poderia contar com o apoio de todas as bancadas. Sugiro que seja feita uma audiência pública, junto à Comissão de Meio Ambiente ou à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, com a vinda do Ministro Celso Amorim, do Ministro da Defesa, do Presidente da Funai e do Comandante Militar da Amazônia, para que pudéssemos tratar esse debate com a importância que ele merece. Como V. Exª muito bem afirma, é um tema que não merece ser desconsiderado, e a instituição Senado Federal tem que olhar com muita atenção a maneira com que V. Exª expõe a matéria. Esse debate precisa de mais profundidade. É um dever das instituições que eu citei trazer uma satisfação a V. Exª e ao Brasil sobre o tema. Então, é a sugestão que eu lhe dou, considerando da maior importância o seu pronunciamento.

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Obrigada, eu aceito a sugestão e vou colocá-la em prática, pois considero-a extremamente pertinente. Quero dizer que o que eu ouvi hoje de alguns produtores do meu Estado, que eles vão se armar, pegar em armas, porque não vão admitir que isso aconteça, deu-me um calafrio.

            Mato Grosso do Sul não é Roraima. E quero dizer que não é nenhum desprestígio a Roraima, mas Roraima é um Estado que tem vastas regiões ainda inóspitas e sem colonização, e Mato Grosso do Sul, não. É uma região com a fronteira toda habitada e é muito perigoso...

(Interrupção do som.)

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - ...para o País que alguma coisa possa acontecer no meu Estado.

            Deixo aqui essa preocupação.

            Agradeço a sua intervenção e a sua sugestão, que será amplamente acatada e colocada em prática e agradeço ao Presidente o tempo que me dedicou.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2008 - Página 29553