Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o conflito da Raposa-Serra do Sol, e decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) prevista para a próxima semana. Comentário sobre matéria do jornal Folha de S.Paulo, intitulada "Relator da ONU só ouve grupo que pede reserva contínua em Roraima".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre o conflito da Raposa-Serra do Sol, e decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) prevista para a próxima semana. Comentário sobre matéria do jornal Folha de S.Paulo, intitulada "Relator da ONU só ouve grupo que pede reserva contínua em Roraima".
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2008 - Página 34121
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, TRIBUNA DA IMPRENSA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, IMPROCEDENCIA, CONVITE, GOVERNO BRASILEIRO, REPRESENTANTE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), VISITA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ANALISE, PROBLEMA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, PROCESSO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • REGISTRO, VISITA, CONTINENTE, EUROPA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INDIO, VINCULAÇÃO, IGREJA CATOLICA, DENUNCIA, SITUAÇÃO, GRUPO INDIGENA, BRASIL, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RESTRIÇÃO, DIALOGO, PROBLEMA, DEMARCAÇÃO, GRUPO, DEFESA, UNIFICAÇÃO, TERRITORIO, RESERVA INDIGENA.
  • REITERAÇÃO, LUTA, DEFESA, INTERESSE, POPULAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), REFERENCIA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROPOSIÇÃO, COTA, INDIO, INGRESSO, UNIVERSIDADE, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, EDUCAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, GRUPO INDIGENA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DEBATE, SITUAÇÃO, DIALOGO, COMUNIDADE INDIGENA, COMENTARIO, PROPOSIÇÃO, ORADOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), CRIAÇÃO, PLEBISCITO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ANALISE, OPINIÃO, INDIO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, REGISTRO, FALTA, INTERESSE, ORGÃO PUBLICO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), EDIÇÃO, PORTARIA, FUNDAMENTAÇÃO, FALSIDADE, DOCUMENTO, SIMULTANEIDADE, AMPLIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, EXPECTATIVA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CORREÇÃO, IRREGULARIDADE.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, DISCIPLINAMENTO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, CRITICA, MANIPULAÇÃO, VOTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, BANCADA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARALISAÇÃO, TRAMITAÇÃO.
  • REITERAÇÃO, SUSPEIÇÃO, VISITA, REPRESENTANTE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, RETIRADA, PARTE, TERRITORIO, TERRAS INDIGENAS, DESENVOLVIMENTO, CULTIVO, ARROZ, PEQUENO PRODUTOR RURAL, COMBATE, PROBLEMA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DEFICIENCIA, FRONTEIRA, BRASIL, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, INTEGRIDADE, TERRITORIO NACIONAL, EXPECTATIVA, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, a comunicação que eu vou fazer, embora tenha a ver com o tema de que o Senador João Pedro falou, não vai ser em decorrência do que o Senador João Pedro falou.

Eu quero apenas, Senador Cristovam, complementar pronunciamentos que já fiz aqui, principalmente aquele pronunciamento em que registrei que um enviado da ONU estava vindo ao Brasil para ir à reserva Raposa Serra do Sol, no meu Estado, no momento em que o Supremo Tribunal Federal, que é a Corte máxima de Justiça do Brasil, estava debruçada sobre o tema, que vai julgar no dia 27. Então, eu julgo impertinente a visita. Comigo concorda o jornal Tribuna da Imprensa, que diz, em um artigo: “Um Gringo Impertinente”.

A minha surpresa é que esse gringo não foi impertinente por iniciativa própria, não. Ele foi impertinente porque foi convidado pelo Governo brasileiro, pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo Ministro Tarso Genro. Está, aqui, a foto dele com o Ministro Tarso Genro e com o Presidente da Funai. Está, aqui, a foto. Então, não foi uma coisa isolada, por acaso. Foi uma coisa pensada, premeditada, a vinda desse representante da ONU, no momento em que o Supremo vai julgar. Quer dizer, o Poder Executivo não se conformou com a demarcação de uma reserva ao arrepio do que pensou a Comissão Temporária Externa do Senado, contra o que pensou a Comissão Temporária Externa da Câmara. Não. Quando viu que a discussão foi para o Supremo, moveu céus e terras.

Um grupo de índios do Conselho Indígena de Roraima - não os outros índios da maioria indígena, que lá estão - foi fazer um périplo pela Europa: foi à Espanha, foi à Inglaterra e foi até o Papa, para denunciar. Aí, em seguida, veio o relator da ONU. Eu disse aqui: já que ele está aqui, infelizmente a convite do Governo brasileiro, para pressionar o Supremo, que ele ouça todos os lados. Não foi surpresa, mas a constatação me deixa mal.

Está, aqui, a matéria publicada pela Folha de S.Paulo, que diz: “Relator da ONU só ouve o grupo que pede reserva contínua em Roraima”. Quer dizer, ele não ouviu os outros índios, sequer - os outros índios, que citei, várias vezes, durante o pronunciamento do Senador João Pedro. Por que ele não foi ouvir os índios da Sodiur, da Alidicir, da Arikon? Nem pedi para ele ouvir os não-índios, que ele deveria ouvir também, porque são seres humanos. Direitos humanos não só tem de um lado. Tem de ter dos dois lados. Tem de ter de todos os lados envolvidos na causa. Mas ele não ouviu, sequer, os outros índios. Só ouviu os índios do Conselho Indigenista de Roraima, que são os índios patrocinados pela Igreja Católica, pelo Conselho Indigenista Missionário, por uma esquerda da Igreja Católica. Lamentável e obviamente, a missa está encomendada. O relatório que vai sair é um relatório parecido, mais ou menos, com o discurso do Senador João Pedro.

Quero dizer, Senador Cristovam, como tenho repetido: eu não tenho lado. O meu lado é o lado do povo de Roraima. E o povo de Roraima é composto de índios, mestiços, não-índios, pretos. Não tem essa história de que defendo esse ou aquele. Eu defendo o interesse do meu Estado e do meu povo.

Não posso ser acusado de ser antiíndio. De antiindigenista pode até ser, porque indigenista é sinônimo de ONG. Essas ONGs se dizem indigenistas, portanto não são índias. Contra os índios eu nunca tive nada. Não tenho nada. Tanto é, Senador Cristovam, que tenho dois projetos, aqui no Senado, um deles até aprovado. Um deles estabelece a cota para índios nas universidades, porque só tem cota para os negros. Por que não tem cota para índios? No meu Estado, 30% da população é índia. Por que não tem uma cota para os índios na universidade? A nossa universidade adotou-a por conta própria. Por que não tem, onde existe índio, proporcionalmente ao tamanho? Tem Estado que tem 5%, tem Estado que tem 7%, tem 8%. O Brasil tem 0,3% de população índia. Mas aí, tem um instituto misterioso que diz que quando Pedro Álvares Cabral chegou aqui havia seis milhões de índios. Ora, nem a nossa estatística atual Prefeitos e Governadores aceitam-na como correta!!! Vários deles estão contestando-a junto ao IBGE, que, agora, está fazendo uma contagem ultramoderna.

Mas quero dizer também que essa questão do índio, Senador Cristovam, há, por exemplo, a questão do Bolsa-Família, que vários deles a recebem, muitos deles. Se temos apenas 740 mil índios no Brasil, por que não existe uma bolsa-índio? Uma bolsa-índio, que podia ser maior do que a Bolsa-Família, poderia ser muito maior, mas que nela estivesse embutida uma série de critérios. Por exemplo, aquele índio ianomâmi que quer viver - este sim vive ainda mais ou menos na pré-história - daquele jeito, damos uma bolsa-índio, que pode ser traduzida de várias formas, não em dinheiro, que pouco vai lhe interessar. Mas e os outros, os aculturados, que precisam de dinheiro para comprar suas coisas? Por que não a damos? Mas tinha que estar atrelada à escola - à escola que eles quiserem ou à escola que for mais conveniente. No meu Estado, temos mais de 300 índios com curso superior, mais de 300 índios.

Então, é preciso atualizar esse tema e debatê-lo com os índios, sem intermediários. Porque a maioria dessas ONGs, Senador Cristovam, que se dizem indigenistas são gigolôs de índios, gigolôs de índios no mal sentido, porque pegam dinheiro, dizendo que vão atender aos índios, para roubar, para ficar com eles.

Portanto, essa questão precisa ser muito bem debatida - inclusive V. Exª propôs uma frente parlamentar que fizesse tal discussão-, mas é preciso discuti-la sem dogmas, sem conceitos estratificados e imutáveis. É preciso discuti-la também com os interessados. Aqui também não existem apenas “os iluminados”, os que conhecem tudo. Vamos ouvir eles, os índios. Propus à Funai, antes dessa confusão toda, Senador Cristovam, que ela fizesse, sob a supervisão de outros órgãos, um plebiscito entre os índios da Raposa Serra do Sol, para ver se eles queriam essa demarcação; só entre os índios, que deixassem os não-índios de fora. Eles o fizeram? Não o fazem, porque eles não querem a verdade verdadeira. Eles querem a verdade que eles fabricam.

Quero dizer aqui - já que teremos a oportunidade de fazê-lo na semana que vem, antes do julgamento do Supremo - que é lamentável que essas coisas ocorram com a ida desse relator lá. Mas ele não vai dizer, por exemplo, com certeza, lá na ONU, que essa demarcação foi feita de maneira mentirosa, de maneira criminosa, do ponto de vista jurídico. Por quê? Porque houve o Relatório Jobim, como foi dito aqui pelo Senador João Pedro, que foi modificado por assessores do Ministro Renan, na época, que me disse, há algum tempo, que assinou, meio que a contragosto, a modificação do Relatório Jobim, e que, baseado nisso, editou-se uma portaria para demarcar terras indígenas. Aí houve uma série de ações, inclusive minha, e a Ministra Ellen Gracie deu uma liminar suspendendo a demarcação, porque constatou-se o conjunto de fraudes, aliás, fraudes que a Justiça Federal de Roraima já tinha constatado.

O que fez o Ministro Márcio Thomaz Bastos, Senador Cristovam? Revogou a Portaria nº 820, que estava baseada nos laudos falsos, nos documentos falsos, e editou uma nova portaria só mudando o número. Passou a ser a Portaria nº 534. Como é que ele fez uma nova portaria baseada nos mesmo pressupostos, nos mesmo documentos falsos, e ainda ampliando um pouquinho a reserva? Para que, Senador Cristovam? Para criar um fato jurídico de que havia uma nova portaria, portanto, todas as ações contra a portaria anterior perderiam o objeto - e foi o que aconteceu, pois, o Supremo declarou perda de objeto. Portanto, criou-se um vácuo jurídico. E o Ministro, muito rapidamente, levou para o Presidente assinar o decreto, baseado nessa nova portaria. Uma enganação jurídica, que o Supremo, evidentemente, deve estar analisando. Tenho confiança plena de que essas falcatruas montadas aí serão corrigidas.

E digo mais: quando ouvi o presidente da Funai, numa reunião da OAB, da qual participei e debati, dizer que se o Supremo fizer isso será um precedente para reformar as outras, fiquei com a pulga atrás da orelha. Fico a pensar que todas as outras demarcações também estão cheias de erros, cheias de fraudes. Porque, se estão direitas, por que o temor? Se só esta está errada, como está mesmo, e as outras estão certas, não tem por que temer nada.

Agora, lamento - como V. Exª sempre costuma dizer - é que nós, aqui no Senado, aqui no Congresso, não tenhamos feito a nossa parte. A minha, eu fiz, Senador Cristovam. Apresentei uma PEC disciplinando a demarcação dessas terras indígenas. Ela foi aprovada na CCJ, veio aqui para o plenário, cumprindo o ritual, cinco sessões de discussão no primeiro turno, mas, quando chegou na hora de votá-la, o PT, por intermédio do Senador Aloizio Mercadante, pediu para que ela voltasse à CCJ para reexame. Está lá. Apresentaram outras PECs e tal.

O que essa PEC diz? Somente isso: “A Funai, os antropólogos, continuam com o direito de identificar e fazer os seus trabalhos de identificação das terras indígenas, mas o Senado dará a última palavra”. Por que o Senado dará a última palavra? É porque aqui tem colegas de Deus, como os antropólogos se julgam? Não. É porque aqui estão os representantes dos Estados. E o que é criar uma reserva indígena? É confiscar uma terra de um Estado para a União, para o Governo Federal. Então, nada mais justo que o Senado analise.

E olhe, Senador Cristovam, que eu nem tenho ilusão de que este Senado fosse mudar muita coisa! V. Exª sabe que o Governo de plantão - e este mais ainda -, tendo as verbas do Orçamento na mão e os cargos para dar, manipula de tal forma as votações aqui, principalmente na Câmara; principalmente na Câmara!

Quero apenas fazer o registro de que as minhas suspeitas a respeito da visita desse senhor, representante da ONU, ao meu Estado foi, mais uma vez, o que vimos no trato dessa questão: uma ação que olhou só um lado, que ouviu só um lado. Então, é uma visão preparada, é uma missa encomendada. Mas tenho certeza de que o Supremo vai desfazer isso e vai fazer justiça aos índios, que estão lá, porque a proposta nossa, do Senado, é muito modesta: é tirar de 1,7 milhão de hectares, 320 mil hectares, preservando os índios com terra à vontade para se expandirem e preservando aquelas pessoas que estavam lá, muitas delas antes dos índios, em quatro cidades, que essa demarcação está acabando com elas nas fronteiras Brasil, Venezuela e Guiana. Portanto, é algo muito preocupante, sob o aspecto da soberania nacional, sob o aspecto da defesa e da integridade territorial.

Deixo, ao final desta sessão, este meu registro e o voto de fé no trabalho do Supremo, que será realizado no dia 27. Mesmo que, eventualmente, o Supremo defina diferentemente do que constatei, acho que o Supremo terá tido a oportunidade de analisar e terá julgado da melhor forma possível.

Espero que os que são radicalmente do outro lado e sequer vão a Roraima para analisar isso, acatem a decisão que o Supremo tomar, sem vir com ofensas, como a Procuradora Duprat disse há poucos dias, que “o Supremo não tinha competência para fazer isso”. Disse mais: “que se o Supremo fizesse isso, o Brasil estaria sujeito a ser denunciado às cortes internacionais”.

Então, este País em que o próprio Governo convida um estrangeiro representante da ONU para vir dar piteco nos nossos assuntos, este mesmo Governo que convida essas pessoas para dizerem o que deve ser certo pega uma Procuradora-Geral da República para dizer que o Supremo não tem competência! Mas não é de se estranhar, não é, Senador Cristovam? Um Presidente que diz que os projetos que manda para cá são “cavalos puros- sangues” e nós os devolvemos como “camelos, todo deformados”...Realmente, estamos vivendo uma fase da nossa vida democrática, que nós, que queremos democracia, temos muito a temer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2008 - Página 34121