Discurso durante a 234ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a audiência no Supremo Tribunal Federal de julgamento de ação a respeito da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre a audiência no Supremo Tribunal Federal de julgamento de ação a respeito da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2008 - Página 51175
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, ACOMPANHAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AÇÃO JUDICIAL, AUTORIA, ORADOR, MOZARILDO CAVALCANTI, SENADOR, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), QUESTIONAMENTO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, SUGESTÃO, JUDICIARIO, CRIAÇÃO, CRITERIOS, ESPECIFICAÇÃO, AMPLIAÇÃO, NUMERO, ANTROPOLOGO, DECISÃO, AREA, NECESSIDADE, MANIFESTAÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • CRITICA, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, CIDADÃO, ANTERIORIDADE, HABITAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DENUNCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MANIPULAÇÃO, INDIO, AMPLIAÇÃO, AREA, IMPEDIMENTO, PLEBISCITO, APREENSÃO, ORADOR, DEMORA, INFERIORIDADE, VALOR, INDENIZAÇÃO, EFEITO, EXODO RURAL, MENDIGO, CAPITAL DE ESTADO, COBRANÇA, JUSTIÇA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, hoje eu, o Mozarildo Cavalcanti e Deputados Federais por Roraima, o Chico e o Márcio, passamos o dia no Supremo Tribunal, onde estava sendo julgada uma ação proposta inicialmente por mim, depois o Mozarildo entrou também comigo, e o Governo do Estado, ação que discutia a forma como foi feita a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol..

Já votaram nove ministros. O Ministro Carlos Alberto Direito apresentou 18 itens que deverão ser adotados nas próximas demarcações. Uma das idéias defendida por ele foi a de que as demarcações de áreas indígenas não possam ser feitas mais por apenas um antropólogo, como no caso da Raposa Serra do Sol. Nessa reserva, 1.750km² do nosso Estado, uma área do tamanho de alguns Estados brasileiros, talvez até maior do que o Espírito Santo, foram definidos apenas por uma pessoa.

Então, dentre as normas que serão estipuladas, o Supremo está criando 18 itens para serem obedecidas nas próximas demarcações.

Deverá ser criada uma equipe multidisciplinar com três antropólogos no mínimo e profissionais de outras áreas.

            Outro item fala da não ampliação das áreas indígenas já demarcadas. Com essa história de área única, de unir a Raposa e Serra do Sol, elas estão quase 100km² de distância de uma da outra, eles inventaram essa história de área única e uniram. Da forma como está definida, essa união criaria um problema social muito grande no Brasil: no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul - o Piauí não tem área indígena -, mas em todo o Estado que tem terra indígena iam inventar de emendar as duas áreas, o que criaria um problema social muito grande. Mas, graças a Deus, os Ministros do Supremo Tribunal perceberam esse fato e estão tomando uma providência para que isso não aconteça.

Outro ponto tratado com clareza pelo Ministro Peluso refere-se à falta de respeito com a Federação dos Estados brasileiros. Chegar a um Estado e demarcar uma área para qualquer coisa. É como se eu chegasse ao seu apartamento, à sua casa, marcasse um quarto e dissesse: “Olha, nesse quarto, teve um índio que já dormiu aqui, há muito tempo. Aqui é uma área indígena. Vou lhe tomar esse quarto. Você agora tem de se defender. Vou lhe indenizar só o que está em cima da terra; eu não indenizo a terra, porque esse pedaço de terra já é terra indígena”. É assim que fazem com as áreas indígenas, é assim que fazem com as reservas, é assim que fazem com as florestas. A maioria é feita dessa forma. Então, tem de se mudar isso. Têm de ser ouvidos o Município e o Estado. Somos uma Federação, afinal de contas.

Outra item diz que a ocupação a ser considera é aquela que ocorria no dia 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição. Eles fizeram isso na nossa área da Raposa Serra do Sol um pouco antes de adotarem esse procedimento, porque o Ministro Jobim criou a teoria dos círculos concêntricos. Ele esteve lá, passou vários dias na Raposa Serra do Sol e mandou fazer um estudo. Geralmente, eles usam um raio de cinco quilômetros em volta da casa. Por exemplo, tem uma família de índios aqui. O que as ONGs fizeram? Começaram a pegar dois parentes, dois índios e disseram: “Vocês vão ficar naquele ponto ali, façam a casa - vou lhes dar dinheiro para fazer a casa - e vou lhes ajudar lá”. Eles ficavam alimentando os indivíduos lá para ampliarem as aldeias. Quando começou a confusão, deviam existir umas sessenta aldeias, realmente, na Raposa Serra do Sol e hoje são quase duzentas. São aldeias assim: com duas casas, três casas. Atualmente, muitas delas estão abandonadas. Isso já está feito. Vai ser difícil reverter, mas ainda tenho esperança de que a justiça aconteça.

Mas eu ainda tenho esperança de que se fará justiça. Há outras mudanças que não me lembro agora. Mas uma coisa que me preocupou muito é que ninguém falou nos não-índios. Os não-índios são minoria lá, cerca de 500 famílias. São 17 a 18 mil índios e 500 famílias de não-índios. Lá, os direitos humanos dessas minorias não estão sendo respeitados. Eles chegam às pessoas - se bem que agora no Governo Lula não está muito assim, não. Anteriormente era assim: chegavam à sua casa com um papel, Polícia Federal com metralhadora, botava em cima da mesa, outro na cintura, outro polícia ali, outro dali, todo mundo ficava intimidado e assinava os papéis. Muitos não sabiam nem ler, a maioria. Eles saíam da sua casa deixando a promessa de que você iria ganhar outra terra e uma indenização justa pelas benfeitorias.

Bom, as pessoas esperavam, esperavam, esperavam; no fim, vinha a indenização. O Aldemir Melo, de Normandia, tinha um lugarzinho lá; esperou quase 15 anos. Há uns cinco ou seis anos, antes de eu ser Senador, ele recebeu R$3 mil de indenização - depois de 15 anos! Quer dizer, é falta de respeito com as pessoas, com as famílias.

No meu Estado, nós temos 32 áreas de terras indígenas definidas; dessas, 31 foram ampliadas duas ou três vezes. A Raposa Serra do Sol foi ampliada cinco vezes; foi na quinta ampliação que chegaram os arrozeiros. Por isso eles estão reclamando. Eles estão na borda da área. A área que eles ocupam efetivamente com a produção de arroz chega a 20 mil hectares mais ou menos. Pleiteavam uma área maior porque todo aquele vale do rio é uma área de produção de arroz em que o índio não mora, porque índio não mora em lugar encharcado. Nunca vi uma casa de palafitas dos nossos indígenas da Raposa Serra do Sol. Eu ando nas comunidades lá desde que eu me entendo.

Meu pai era médico, viajava para atender os indígenas, e eu ia com ele quando era garotinho de 13, 14 anos, e nunca vi uma casa de palafitas. Continuei atendendo e trabalhei muitas vezes... Parei de atender os indígenas quando começou esse atrito, essa confusão. Fiquei atendendo só na cidade. Todo mundo que chegava era atendido. Toda segunda-feira eu estava de plantão no pronto-socorro, eles já sabiam que eu estava lá e me procuravam, principalmente nos casos de cirurgia de urgência; se fosse sábado, ficavam esperando chegar o meu plantão para irem lá.

O direito dessas pessoas não foi respeitado.

Há outros casos lá. No tempo do Figueiredo, as pessoas homologaram a Reserva São Marcos, uma área de 800 mil hectares emendada na Raposa Serra do Sol. Eles nominaram uns 30 ou 40 produtores rurais lá e disseram assim: “Sr. Nilton Tavares vai receber mil hectares; Sr. Onésimo Cruz (que até já morreu) vai receber 500 hectares”. Essa área era equivalente às terras que eles tinham lá ou até menos do que eles tinham quando foram postos para fora. E até hoje ninguém recebeu, nem os herdeiros receberam.

Quando entrei com uma ação no Supremo, eu queria - e quero - que isso também fosse decidido, resolvido, porque eles não têm nenhum papel dizendo que foram postos para fora da sua área, já que foi feito desta forma: assinavam o papel, com um monte de policiais federais. A Polícia Federal não tinha culpa e precisava cumprir uma determinação da lei. Até que o Ministro Jobim fosse Ministro da Justiça, ninguém tinha nem direito de defesa nos processos. Alguém era sumariamente colocado para fora da sua posse - porque não é considerado propriedade -, uma posse de cem anos já com ele; tinha sido do bisavô, do avô e do pai, e botaram-no para fora dessa forma.

Então, espero e confio que os Ministros do Supremo façam justiça. Agora, com esse pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, esse assunto tem de voltar porque não pode ser um antropólogo só para um lado.

Lá, é invertida a coisa: a minoria é de não-índios, que estão sendo desrespeitados em seus direitos. Direitos humanos.

Mora-se numa casa modesta na vila. Há quatro vilas: Socó, Mutum, Água Fria e Vila do Surumu, onde moram 60, 40 famílias mais ou menos. Eles vivem em pobreza, mas com dignidade. Eles comem todo dia, seus filhos são bem alimentados, eles têm um trabalho, uma produção, uma rocinha, uma criação pequena pela periferia daquela vila. Quando falta alguma coisa, eles vão à casa de um amigo ou de um parente e pedem emprestado; o parente sabe que eles vão poder pagar e eles pagam. Por isso, eles não passam fome.

Muitos são casados com índios; há casamento entre índios e não-índios também. A casa dessas pessoas é de taipa, geralmente de chão batido e coberta de palha. Quando está boa, eles colocam cimento. O sanitário geralmente é fora de casa. Há casas um pouco melhores, mas a Funai só avalia uma casa dessa em R$3 mil ou R$4 mil. As melhores são avaliadas em R$10 mil, R$12 mil. Mas, com isso, eles não compram uma casa em Boa Vista e não têm como sobreviver. Então, vão para Boa Vista viver como mendigos, como pessoas que sofrem muito.

Os que tinham um pouco de recurso, quando aconteceu esse negócio, já se mudaram de lá, já estão no sul do Estado, arranjaram outros lugares. Alguns se mudavam; em seguida, a área tornava-se indígena, mudavam-se. Domício Cruz se mudou de área quatro vezes, creio. Finalmente, desistiu.

Entretanto, nos governos anteriores, nunca se reassentou. No Lula, realmente, reassentaram-se algumas pessoas; cerca de 60 famílias foram reassentadas, mas em condições desumanas.

O Incra apenas disse que eles ficariam naquele lugar, mostrou e definiu o terreno, mas não há estrada para se chegar ao terreno, não há luz elétrica, não tem casa para eles morarem, nem tem água na maioria deles. É por isso que entrei com ação no Supremo. Quero que seja feita a justiça tanto com os índios quanto com os não-índios.

Para encerrar, Sr. Presidente: se fizermos um plebiscito na área Raposa Serra do Sol, a maioria vai ser contra a forma como foi feito. Por isso as Ongs nunca deixaram fazer. Porque as Ongs que têm dinheiro são as que têm influência estrangeira. As Ongs dos meus amigos, a Sodiur, a Alidcir, a Arikon, que são só de índios mesmo, não têm recursos para estar em televisão, para virem a Brasília para fazerem confusão.

Mas eu confio na Justiça e tenho certeza de que a decisão final, que virá não sei quando, vai pagar esta dívida que a Nação brasileira tem com a minha gente, da minha terra, Roraima. Com a minha gente que foi posta para fora e com os índios que são abandonados.

Foi muito bom o voto do Ministro Peluso, que disse: E, depois, como é que vai ficar? Eles reconhecem a terra e abandonam os indígenas lá. Nós temos, a Nação tem que dar condições para aqueles índios progredirem, para terem progresso. Os que quiserem. Quem quiser ficar da forma primitiva, fique. Mas os que quiserem melhores condições, a Nação tem o dever de ajudar, o Brasil tem o dever de ajudar.

Eu espero que isso aconteça. Tenho confiança de que o Presidente quer fazer isso também; não fez porque as coisas são difíceis de serem resolvidas nessa área.

Muito obrigado, Senador Mão Santa, pela oportunidade de falar isso aqui.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2008 - Página 51175