Discurso no Congresso Nacional

COMEMORAÇÃO DOS VINTE ANOS DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Autor
LUIZ INACIO LULA DA SILVA
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • COMEMORAÇÃO DOS VINTE ANOS DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN de 06/11/2008 - Página 3229
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, IMPORTANCIA, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, ENCONTRO, DEPUTADOS, EX-DEPUTADO, IGUALDADE, ORADOR, PARTICIPAÇÃO, ELABORAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • COMENTARIO, VITORIA, DEMOCRACIA, RESULTADO, ELEIÇÃO, PRESIDENCIA, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CANDIDATO ELEITO, NEGRO, EXPECTATIVA, ADOÇÃO, POLITICA, FAVORECIMENTO, DESENVOLVIMENTO, AMERICA LATINA, BUSCA, SOLUÇÃO, CONFLITO, ORIENTE MEDIO, EXTINÇÃO, BLOQUEIO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, VOTO, MELHORIA, RELACIONAMENTO, BRASIL.
  • ANALISE, HISTORIA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, VALORIZAÇÃO, OPORTUNIDADE, PARTICIPAÇÃO, POVO, REFORÇO, ESTADO DEMOCRATICO, RESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, POSSIBILIDADE, VITORIA, METALURGICO, ELEIÇÕES, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ELOGIO, CONGRESSO NACIONAL, DEBATE, INTERESSE NACIONAL, HOMENAGEM, ULYSSES GUIMARÃES, DEPUTADO FEDERAL, PRESIDENTE.

     O SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA (Luiz Inácio Lula da Silva) - Meu caro Presidente do Congresso Nacional, Garibaldi Alves Filho; meu caro Presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia; meu caro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes; meu caro companheiro José Alencar, Vice-Presidente da República; meu querido companheiro José Sarney, Presidente da República quando fizemos a nossa Constituição; meu caro Deputado Osmar Serraglio, 1º Secretário da Mesa do Congresso Nacional; meu caro Deputado Inocêncio Oliveira, que representa o Vice-Presidente da Mesa do Congresso Nacional; Ministros presentes; minha cara Governadora Wilma de Faria, do Rio Grande do Norte; meu caro Deputado Mauro Benevides, 1º Vice-Presidente da Assembleia Nacional Constituinte; meu caro Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República; Srs. Senadores; Sras Deputadas e Deputados; Constituintes; amigos; representantes da sociedade civil: primeiro, Presidentes Arlindo Chinaglia e Garibaldi Alves Filho, meus parabéns por esta sessão de homenagem à Assembleia Nacional Constituinte, não só pelo que significaram para nós, Deputados Federais, os anos de 1987 e de 1988, mas também pelo reencontro com tantos companheiros no dia de hoje, companheiros que eu não via há exatamente 18 anos, já que não fui candidato a Deputado Federal em 1990.

     É uma alegria revê-los com saúde: os que ainda são Deputados, atuantes; os que já não o são, com vontade de voltar a sê-lo - 2010 está aí, e todos poderão se candidatar.

     Segundo, precisamos lembrar, hoje, do significado da democracia. A eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos só pôde ser possível num país democrático. (Palmas.)

     Penso que nós, no Brasil, a segunda nação negra do mundo - a primeira é a Nigéria -, devemos estar otimistas e esperançosos, além de muito orgulhosos, porque não é pouca coisa eleger um negro para a Presidência da República dos Estados Unidos da América do Norte. (Palmas.) Poucas vezes, na história dos Estados Unidos, houve tanta torcida no mundo inteiro para que um candidato fosse eleito. E, com toda a certeza, se o mundo votasse, ele teria mais votos do que teve. Sem dúvida, foi uma eleição consagradora.

     Espero que haja um aperfeiçoamento das relações entre Brasil e Estados Unidos, bem como a adoção de uma política mais voltada para o desenvolvimento da América Latina.

     Espero também que se encontre uma saída para o conflito do Oriente Médio, questão em que os Estados Unidos têm um peso muito importante.

     Espero, finalmente, que tenha fim o bloqueio a Cuba, porque não há nenhuma explicação política para ele ainda existir. (Palmas.)

     De forma que, como brasileiros, estamos felizes com a eleição de Barack Obama e estaremos muito mais felizes ainda se melhorarem as relações entre os Estados Unidos e nosso continente.

     Falando da Constituição, já na solenidade comemorativa que realizamos no Palácio do Planalto, fiz questão de deixar o discurso escrito de lado e falar sobre algumas coisas que eu sentia daquele momento. E eu vou deixar outra vez o discurso escrito de lado (risos) - ele foi elaborado com muito cuidado, para eu não dizer nada que crie problema na relação entre o

Poder Executivo e o Poder Judiciário.

     Mas eu quero dizer a V.Exas. que quem viveu, viveu, e quem não viveu aquele período perdeu um grande momento da história do nosso País - um grande momento. (Palmas.)

     Alguns, para diminuir o que representou a Constituinte, dizem que foi uma vitória dos setores organizados da sociedade. Mas, vejam, o fato de ter sido uma vitória dos setores organizados da sociedade aumenta o prestígio da Constituição, porque, antes disso, as outras Constituições representavam interesses não dos setores organizados, mas de pequenos grupos do campo e da cidade, sobretudo pequenos grupos oligárquicos que determinavam que tipo de Constituição iríamos ter. (Palmas.)

     Penso que os Deputados Mauro Benevides e Paes de Andrade, aqui presentes, e outros Constituintes que ainda são Deputados sabem que nunca tivemos na história do Congresso Nacional outro momento com tanta participação popular. É verdade que estava aqui o Ministério Público, que ganhou importância na nova Constituição; é verdade que estava aqui o Poder Judiciário; é verdade que estava aqui a Polícia Federal; é verdade que estava aqui o funcionalismo público organizado, mas é verdade também que aqui falaram os índios, que aqui falaram as crianças de rua, que aqui falaram as prostitutas, que aqui falaram os homossexuais, que aqui falaram os desempregados, que aqui falaram, com muita força, os representantes do campo.

     Então, nada aconteceu no Brasil com a importância da Assembleia Nacional Constituinte. Ela foi por demais importante para mim, que só queria ser Constituinte. Eu nunca quis ser Deputado; eu só queria ser Constituinte. Por isso, quando terminou a Constituição,

eu peguei minha mala e voltei para São Bernardo do Campo.

     Hoje, estamos vivendo o mais longo período da democracia brasileira. Para quem é novo talvez isso não tenha importância, mas quem já viveu outros momentos, em que o Presidente da República tomava posse e não sabia se terminava o mandato, sabe o quanto é importante termos, controlando a estabilidade institucional do País, uma Constituição.

     Todos sabem o quanto é importante uma Constituição que permitiu que o Congresso Nacional cassasse o mandato de um Presidente da República e a estabilidade política fosse mantida sem o menor transtorno, exatamente por conta do fortalecimento das instituições. Por isso, é importante homenagear, todas as vezes que pudermos, a nossa Constituição.

     Imaginem os senhores se há 20 anos era possível um metalúrgico chegar à Presidência da República deste País. E, quando alguém pensava em chegar, o contra-argumento era de que não iriam deixar que tomasse posse. Vejam que coisa extraordinária: depois de disputar várias, eu ganhei as eleições, tomei posse, governei, fui reeleito, tomei posse, e, se Deus quiser,

muitos outros ganharão, tomarão posse, e este País nunca mais vivera experiência de golpes (palmas), ou de alguém que não respeite a Constituição brasileira. Por isso, eu tenho orgulho da nossa Constituição.

     Lembro, Presidentes Arlindo Chinaglia e Garibaldi Alves, de 2 discursos importantes, e vou citá-los aqui, porque estou vendo uma pessoa entre os presentes e acredito na capacidade de convencimento. Aliás, essa é a riqueza do Congresso Nacional. Nos partidos políticos, somos representados por um grupo de delegados. Então, pode-se ter o melhor discurso, pode-se ter

a melhor proposta, mas, quando se vai para a votação, quem tiver mais delegados ganha e não muda - pelo menos no meu partido é assim; não sei dos outros, mas acho que todos são iguais.

     Nesta Casa, dizia-se que ninguém muda a cabeça de ninguém; aqui, decide-se. Vou contar um episódio que mudou a minha cabeça. O Deputado Alceni Guerra apresentou uma

proposta que criava a licença paternidade, segundo a qual o pai ficaria alguns dias em casa quando nascesse um filho. Eu achava isso um absurdo. E jamais imaginei que votaria a favor. Pois bem. O Deputado Alceni Guerra, daquela tribuna, fez um dos discursos mais extraordinários que já ouvi, convenceu-me e eu votei a favor da licença paternidade. (Palmas.)

     Ontem, ouvi na televisão que uma associação no Brasil está reivindicando o aumento da licença paternidade para 15 dias. O movimento começou em Pernambuco. Até um instituto de pesquisa está ajudando nisso.

     Outro discurso marcante foi um da Benedita da Silva sobre igualdade racial. Penso que em poucos momentos - poucos momentos - tivemos um discurso que comoveu tanta gente aqui dentro. Como não votamos na hora em que todos estavam sensibilizados e permitiu-se que houvesse um debate, a emoção saiu do plenário e perdemos aquela proposta na Constituinte.

     Quero ainda citar outro momento: o do discurso de encerramento de Ulysses Guimarães. Eu estava sentado, Governadora Wilma de Faria, nessa cadeira em que a senhora está, que era o lugar do Líder do PT. Então, eu ouvia o discurso de Ulysses Guimarães e ficava meditando se aquilo era verdade, tantas foram as brigas para chegarmos àquele momento. Houve tantas insinuações. Diziam, por exemplo, que não ia dar certo, que não ia avançar, que era incompatível a Constituinte funcionar concomitantemente com o Senado Federal e com a Câmara dos Deputados. Mas todos os obstáculos preconizados foram removidos, porque a vontade do povo brasileiro era a de que tivéssemos uma boa Constituição. E nós não conseguiríamos fazê-la sem

o Dr. Ulysses Guimarães. (Palmas.) Às vezes, eu subia naquela tribuna para criticar Ulysses Guimarães, porque se estava demorando para votar. Ou seja, o plenário Casa estava vazia. O que vivia sempre lotado era o corredor da sala dele. Entretanto, depois de uma semana sem a Constituinte fazer absolutamente nada a não ser discutir, ele sentava a esta mesa e dizia: “Em votação”. E, quando ele dizia em votação”, não permitia que os amigos e os inimigos sequer falassem muito desses microfones em torno dos quais os Deputados tanto gostam de ficar em pé, de onde Mário Covas tentava falar, de onde o Deputado José Genoíno tentava levantar questões regimentais. Ele não dava colher de chá! Em votação era em votação! As coisas então aconteciam, e, em pouco tempo, nós tivemos a nossa grande Constituição. (Palmas.)

     A Constituição não é perfeita, porque o ser humano não é perfeito, porque os políticos não são perfeitos. Ela retrata exatamente o grau de consciência política daqueles que fizeram a Constituição. Nós, do PT, naquela época, votamos contra o texto. Depois, houve uma discussão na bancada para decidir se iríamos assiná-lo ou não. Uma parte da bancada, radicalizada, achava que não deveríamos assinar. Eu disse: “Não tem sentido. Nós participamos 2 anos aqui, ganhamos salário, ganhamos assistente para nos ajudar. Como que pode um filho nascer e não registrarmos? Vamos assinar”.

     Hoje, na Presidência da República, Sarney, eu compreendi isso melhor do que antes, Senador José Sarney. Esta Constituição, com todos os defeitos que possa ter para quem está governando - porque dizem que ela é parlamentarista e o regime é presidencialista -, a verdade nua e crua é que ela garante a democracia em nosso País. (Palmas.)

     Parabéns a todos os Constituintes e ao Congresso Nacional. (O plenário, de pé, aplaude demoradamente.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 06/11/2008 - Página 3229