Discurso durante a 249ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre o julgamento pelo STF, da questão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Manifestação sobre o julgamento pelo STF, da questão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2008 - Página 53778
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, INICIATIVA, ORADOR, AUGUSTO BOTELHO, SENADOR, IMPETRAÇÃO, AÇÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEFESA, IGUALDADE, TRATAMENTO, COMUNIDADE INDIGENA, PRODUTOR, ARROZ, DEMARCAÇÃO, TERRAS, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), NECESSIDADE, GARANTIA, SEGURANÇA NACIONAL, FRONTEIRA, BRASIL, AREA, LITIGIO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, GUIANA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ROMPIMENTO, ESTABILIDADE, PACTO, REPUBLICA FEDERATIVA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AREA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUSENCIA, RESPEITO, POPULAÇÃO, DENUNCIA, RETIRADA, PRODUTOR, ARROZ, DESTINAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL.
  • EXPECTATIVA, DECISÃO JUDICIAL, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RESPEITO, INTERESSE NACIONAL, PROTESTO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEDIMENTO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, SUBORDINAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, APRECIAÇÃO, SENADO.
  • QUESTIONAMENTO, EXTENSÃO, AREA, DEMARCAÇÃO, TERRAS, DESTINAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, COMENTARIO, EXPERIENCIA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, GRUPO INDIGENA, VITIMA, FOME, MALVERSAÇÃO, VERBA, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), APOIO, INDIO, VINCULAÇÃO, IGREJA CATOLICA, RESPONSAVEL, DESVIO, RECURSOS.
  • SOLICITAÇÃO, VOTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), DESVIO, FUNDOS PUBLICOS, DESTINAÇÃO, ASSISTENCIA, COMUNIDADE INDIGENA, REGISTRO, PRISÃO, COORDENADOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, ESTADO DE RORAIMA (RR).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, há poucos dias, a Nação assistiu à segunda etapa do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da questão da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no meu Estado, na fronteira com a Venezuela e a Guiana.

Nós temos aqui um longo trabalho feito durante esses anos que estou no Senado, seja como Parlamentar, Sr. Presidente, presidindo comissões temporárias externas do Senado, seja na área jurídica, entrando com ações no Supremo - uma delas, que está sendo julgada agora, é minha e a outra é do Senador Augusto Botelho, que estão juntas -, porque nós temos uma posição, que é distorcida, de que nós somos contra a demarcação ou contra os índios. Não é verdade. Se há um Estado que pode ter a tranqüilidade de não poder ser acusado de estar contra a demarcação de uma reserva indígena é Roraima, porque nós já temos 34 reservas indígenas demarcadas - essa é a 35ª -, totalizando 46% do território do nosso Estado. Então, considero essa tentativa de estigmatizar, de dizer que fulano é contra a causa indígena, contra os índios, é até uma molecagem.

Infelizmente, esgotadas as tentativas administrativas de resolver essa questão amigavelmente com o Poder Executivo, Sr. Presidente, tivemos de ir ao Supremo. O Supremo já começou a julgar. Houve o primeiro voto, do Ministro Ayres Britto, o pedido de vista do Ministro Menezes Direito; o processo voltou e já está com o oitavo voto. Então, do voto do Ministro Carlos Ayres Britto para cá, já mudou muita coisa.

Primeiro, é bom deixar bem claro - a imprensa, às vezes, confunde - que o Governo do Estado ou nós, Parlamentares de Roraima, notadamente o Senador Augusto Botelho e eu que temos defendido essa causa, em nenhum momento defendemos que a reserva não seja demarcada de forma contínua. O que defendemos é que ela fosse contínua, porém não excludente. Defendemos que não seja preciso retirar ninguém de lá sem mais nem menos. Infelizmente, o Supremo está reconhecendo que, primeiro, aquelas pessoas que estão lá dentro, incluídas nas comunidades indígenas, não-índios casados com índias ou vice-versa, e que têm famílias lá, Senador Expedito - inclusive, a índia mais velha daquela região é viúva de um não-índio e, na sua descendência, uns são claros e outros são da cor dos indígenas, vamos dizer assim, pardos... Mas o certo é que, fora isso, existem outros componentes muito mais importantes, que são as quinhentas famílias que estão sendo expulsas dessa reserva e que já formaram uma associação, chamada Associação dos Excluídos da Raposa Serra do Sol, formada por pessoas que estão lá há três ou quatro gerações que habitam várias vilas e os seus arredores. Essas pessoas estão sendo retiradas de lá, Senador Cafeteira, com uma indenização imoral, e sendo assentadas de forma indigna em assentamentos do Incra sem nenhum tipo de assistência, coisas que só têm paralelo na história na Alemanha do Hitler e na Rússia do Stalin, quando se expulsavam pessoas de uma área para outra e perseguiam-se as pessoas por causa da raça ou da cor. Só há paralelo nessa época da história.

Sr. Presidente, eu trouxe um discurso escrito que aborda de maneira serena a questão, passando primeiramente pelo pacto federativo, que está sendo quebrado. A União demarca reservas indígenas e de unidade de conservação no meu Estado ao arrepio do que pensa o Estado, seus Deputados Estaduais, os Senadores e os Deputados Federais. O Senado é a Casa da Federação e representa justamente os Estados. É por isso que aqui todos os Estados têm o mesmo número de Senadores. Tanto o meu pequenino Roraima quanto o grandão São Paulo têm três Senadores, todos têm três Senadores, para haver o equilíbrio da Federação, e esse equilíbrio está sendo rompido pelo Governo Federal. Esse aspecto é fundamental, e o Ministro Menezes Direito fez 18 ressalvas, que foram incorporadas, inclusive, pelo Relator, que já tinha emitido o seu parecer sobre essa questão, enfocando muito o pacto federativo.

Também há problemas com a segurança nacional, porque a reserva está toda contida na linha de fronteira, dentro da faixa de fronteira com dois países que têm litígios, a Venezuela e a Guiana. Então, esse aspecto também está sendo absorvido ou contido na decisão do Supremo Tribunal Federal.

A Desembargadora Selene, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, fez um longo voto em que apreciou todos esses aspectos, inclusive os aspectos intra-étnicos, quer dizer, entre as próprias comunidades indígenas - são cinco etnias diferentes, que até não se entendem. Ela fez um longo arrazoado, que também aqui abordo, dessa questão intra-étnica. Quer dizer, os índios de uma comunidade indígena, vou dar um exemplo aqui, o Contão, e os índios de outra comunidade indígena, o Maturuca. O Maturuca é subordinado ao Conselho Indígena de Roraima, que, por sua vez, é subordinado ao Conselho Indígena Missionário, que é da esquerda da Igreja Católica. E os do Contão são evangélicos. Então, até na religião eles divergem.

E olhem: estou falando de índios que são ligados à Igreja Católica e de índios que são ligados aos evangélicos. Então são índios primitivos? Não são. Então, essa questão deve ser levada em conta e está parcialmente sendo levada em conta.

São três Municípios que são abrangidos. Num deles, Normandia, o prefeito é um índio, há alguns vereadores índios, professores índios, policiais militares índios, funcionários públicos índios. No Município de Uiramitã, que está no miolo, no olho do furacão, até o dia 1º a Prefeita é uma neta de um índio com um não-índio. E o prefeito eleito é um índio. Vários vereadores são índios.

A mesma coisa no Município de Pacaraima, cuja vila principal é Surumu. Lá, o Vice-Prefeito é um índio, e vários vereadores são índios. Estou falando dos políticos, mas há todo um rol de funcionários públicos índios.

Então, o que se está fazendo, o que o Governo Federal fez foi desescrever a história daquela região, está desescrevendo. Quer dizer, os índios que se miscigenaram, que foram, inclusive, para lá para poder trabalhar e viver melhor estão contra a vontade deles.

Repito, nós insistimos muitas vezes, Senador Cafeteira: que a Funai fizesse um plebiscito só entre os índios, para não dizer “Ah, não, os não-índios vão manipular e tal”. Faça só entre os índios, para ver se os índios de lá querem essa demarcação esdrúxula excludente. Este Governo que fala tanto em inclusão está promovendo a maior exclusão da história do Brasil lá no meu Estado, expulsando mais de 500 famílias. E, aí, como parece que faziam no tempo da inquisição, fazem uma propaganda de que a questão é assim: meia dúzia de arrozeiros malvados contra um grupo de índios coitadinhos e indefesos. Nem os arrozeiros são malvados e nem os índios são coitadinhos, até porque os índios que estão lá não são um grupo só de índios, já repito aqui, são cinco etnias diferentes, que pensam diferente.

Pois bem, além disso, Senador Cafeteira, várias vilas estão sendo extintas, riscadas do mapa. Portanto, estão desescrevendo a história e a geografia do meu Estado. E isso tudo a troco de quê? De fazer com que nós tenhamos um País dividido, antagônico, aprofundando os antagonismos?

Eu não acho que se beneficiam os negros, por exemplo, acabando com os brancos. Eu não acho que se beneficiam os índios perseguindo os não-índios. Eu acho que nós temos que pregar é a fraternidade e lutar para que haja reconhecimento dos direitos iguais para todos, aliás como está inserido tanto na nossa Constituição quanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi tão decantada esses dias aqui, que diz: todos nascem iguais em direitos e têm direito à liberdade, à liberdade de expressão. E onde é que está? Então, alguns são mais iguais do que outros? Que história é essa? Que política míope de direitos humanos é essa?

Eu quero, portanto, aqui, Sr. Presidente, dizer que, apesar do placar aparentemente desfavorável às nossas teses, que está acontecendo no Supremo - ainda faltam três Ministros votarem, e o Ministro Menezes Direito reformulou profundamente o voto do Ministro Ayres Britto -, eu tenho certeza de que, ao final, vai sair uma decisão que vai levar em conta os interesses maiores da Nação.

Ninguém na Nação é mais do que o outro. Nenhum grupo étnico ou nenhum grupo social pode ser mais do que outro neste País. Não é um País, como diz a propaganda do Governo, para todos? Ou não é? Para todos quem? Será que é só para todos os cupinchas ou é para todos os brasileiros mesmo? É isso que nós temos que deixar bem claro. E, por isso, eu acho que, ao final, o Supremo vai realmente fazer justiça e permitir que haja a demarcação, sim. Nós queremos a demarcação, agora uma demarcação que não seja excludente, que não seja malvada com as pessoas que fizeram, inclusive, aquela região e que fizeram, inclusive, com que os índios fossem àquela região.

         É preciso que os brasileiros que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela rádio Senado saibam que esses índios que estão lá vieram do Caribe, expulsos pelos espanhóis, e nós brasileiros os recebemos em nosso solo e demos condições para eles sobreviverem, viverem e se multiplicarem, como estão se multiplicando. E meu espírito de médico não acolhe no meu coração essa questão de diferença de cor, de raça, de tamanho, de poder.

Então, espero realmente que, ano que vem, quando retornar essa discussão, tenhamos um voto que, mesmo que essa reserva indígena, Senador Expedito, possa servir até um pouco de boi de piranha, o resto da manada que venha atrás, de demarcação, fique disciplinado pelo Supremo Tribunal Federal, já que o Governo Federal, o Presidente, não deixa que se aprove aqui no Senado nem a minha PEC de 1999, que subordinava essas demarcações à apreciação do Senado, nem nenhuma outra legislação que ponha um pouco de bom senso nessa luta.

Ora, por que, por exemplo, 0,3% da população brasileira, que são os índios, já tem 13% da área do Brasil demarcada para eles? No meu Estado, por exemplo, 30% apenas da população é indígena. Desses 30%, posso dizer, sem medo de errar, que 80% vivem nas cidades, na periferia e subempregados, e os que são aldeados mesmo são uma minoria, e, lá, passam fome, vítimas, inclusive, do mal uso do dinheiro público que órgãos do Governo Federal fazem, como é o caso da Funasa no meu Estado, que rouba o dinheiro dos índios, utilizando, inclusive, uma dessas entidades que se diz indígena, que é o Conselho Indígena de Roraima.

Aliás, Sr. Presidente, eu quero pedir que hoje se vote aqui um requerimento meu ao Tribunal de Contas da União, pedindo informações sobre o mau uso do dinheiro do Governo Federal, do dinheiro público, do nosso dinheiro que foi repassado para essa ONG pela Funasa, para prestar assistência aos índios, e foi roubado. Inclusive, dois coordenadores da Funasa no meu Estado já foram presos pela Polícia Federal por roubo. E roubar da saúde, roubar do doente - tenho repetido aqui - é um crime hediondo, é um crime que não pode ter perdão. Aliás, precisamos realmente, aqui, aprovar uma lei que transforme em crime hediondo qualquer lesão, qualquer roubo nessa área da saúde, porque roubar do doente é o mesmo que matar.

Quero encerrar, Sr. Presidente, pedindo que toda esta matéria de que eu li só pedaços seja transcrita como parte integrante do meu pronunciamento, porque eu espero, amanhã, que, ao final da decisão do Supremo, a história deste Senado esteja nela incluída e todo o trabalho que fizemos, da Comissão Temporária Externa, das visitas em nome da Comissão de Defesa Nacional, e a nossa luta judicial para defender o direito de todos: índios que pensam de um jeito, índios que pensam de outro, não-índios que estão lá há várias gerações e também dos arrozeiros, que são brasileiros que foram para lá trabalhar há mais de 30 anos.

         Portanto, eu, sim, quero um país de todos, e não um país só de todos os cupinchas.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno)

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Matéria referida:

Requerimento ao Ministro Celso de Melo, do STF, sobre o processo da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2008 - Página 53778