Discurso durante a 10ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a Medida Provisória que trata da regularização fundiária na Amazônia Legal.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a Medida Provisória que trata da regularização fundiária na Amazônia Legal.
Aparteantes
João Pedro, Renato Casagrande.
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2009 - Página 2090
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEBATE, APERFEIÇOAMENTO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REGULARIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, REGIÃO AMAZONICA, EFEITO, PLANO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, ATENDIMENTO, OBJETIVO, JUSTIÇA SOCIAL, REDUÇÃO, VIOLENCIA, CAMPO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, ATENÇÃO, AREA ESTRATEGICA.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, DEMANDA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, REGULARIZAÇÃO, TERRAS, OBJETIVO, ACESSO, CREDITOS, ASSISTENCIA TECNICA, APOIO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CONTRIBUIÇÃO, COMBATE, DESMATAMENTO, EXIGENCIA, RECUPERAÇÃO, MEIO AMBIENTE, AVERBAÇÃO, RESERVA, DEFESA, DEFINIÇÃO, SALVAGUARDA, MOTIVO, RESPONSABILIDADE, SUPERIORIDADE, AREA.
  • ANALISE, DIFERENÇA, SITUAÇÃO, TERRAS, QUILOMBOS, EXCLUSÃO, TRATAMENTO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), APREENSÃO, INJUSTIÇA, ATENÇÃO, DEBATE, EMENDA, PREVENÇÃO, MA-FE, GRILAGEM.
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REGULARIZAÇÃO, TERRAS, SUPERIORIDADE, NUMERO, MODULO FISCAL, FACILITAÇÃO, VENDA, POSSIBILIDADE, TITULARIDADE, AUSENCIA, LICITAÇÃO, IMPORTANCIA, COMBATE, PRIVILEGIO, RISCOS, PRIVATIZAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, COBRANÇA, AUMENTO, EXIGENCIA, INCLUSÃO, VISTORIA, JUSTIFICAÇÃO, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, CONCLAMAÇÃO, IMPRENSA, SOCIEDADE CIVIL, ACOMPANHAMENTO, PROCESSO.
  • DEFESA, ATENÇÃO, ESCOLHA, RELATOR, POLEMICA, MATERIA, EXPECTATIVA, REUNIÃO, COMISSÃO, RESPONSABILIDADE, PARECER, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, GOVERNO, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO, ECOLOGISTA, COMUNIDADE, COMBATE, ILEGALIDADE, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª. MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores vou tratar, hoje, de assunto que considero de suma importância para o Brasil e, particularmente, para a Amazônia. Trata-se da medida provisória encaminhada pelo Governo ao Congresso Nacional, que visa a questão da regularização fundiária. Repito: tema de suma importância para o Brasil. Tanto é que no Plano Amazônia Sustentável, um eixo estruturante dos dois planos era a questão do ordenamento territorial e fundiário e, dentro do ordenamento territorial e fundiário, a regularização fundiária como um ponto. Infelizmente, no meu entendimento, esse tema não tem avançado, e a questão da regularização fundiária entrou como um ponto apenas, de forma fragmentada, que deveria estar no contexto do ordenamento territorial e fundiário, mas, mesmo assim, devo dizer que é de suma importância para o Brasil, de suma importância para a Amazônia e que nós vamos agora ter a responsabilidade de debater no sentido de acolher as salvaguardas e as questões importantes que estão nessa medida provisória, corrigir imperfeições - e ainda há muitas - e evitar que se faça aqui, no Congresso, aquilo que alguns poucos gostariam de fazer que é política de terra arrasada na Amazônia, numa espécie de “liberou total” para as ações predatórias.

Qualquer processo de regularização fundiária tem, em tese, que obedecer aos objetivos de justiça social, redução da violência no campo e uso adequado dos recursos naturais. Mas, quando esse processo se dá em um espaço de tamanha importância estratégica para o Brasil e para o mundo, como é o caso da Amazônia, onde os vastos recursos naturais estão em permanente disputa e onde grassam tantos conflitos sociais, os cuidados devem ser redobrados, as salvaguardas devem ser cuidadosamente pensadas, para que o processo de regularização se constitua numa força motriz que ajude a promover a mudança no modelo de desenvolvimento da região, na direção de uma visão de sustentabilidade social, ambiental, econômica e cultural, e não no aprofundamento dos problemas históricos que a região vive.

Por esse motivo, as duas principais estratégias formuladas pelo Governo Federal para a Amazônia, que são o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e o Programa Amazônia Sustentável, já previam dentro da idéia do ordenamento territorial e fundiário a questão da regularização, como me referi anteriormente.

A MP 458 atende a uma demanda legítima de pequenos agricultores e agricultoras familiares para acesso a crédito e assistência técnica. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, há cerca de 197 mil posses cadastradas no Incra com área inferior a um módulo fiscal, um módulo fiscal é de 100 ha, e outras 97 mil ocupações entre 1 e 4 módulos fiscais.

Eu devo dizer que, segundo alguns técnicos do Incra, mesmo com esses números, o número de cadastrados que temos no Incra é de mais ou menos 50% das propriedades. De sorte que estou me referindo aqui só aos cadastrados, porque, do ponto de vista das ocupações de terras na Amazônia, apenas 50% estão efetivamente cadastrados. Se executada de forma correta e se feita a separação entre aqueles detentores de direitos legítimos dos que operam na lógica da grilagem, a regularização pode contribuir para o combate ao desmatamento ao exigir o georreferenciamento das propriedades, a averbação da reserva legal, identificação de APPs e recuperação ambiental, entre as condições exigidas para a transferência definitiva do domínio das terras para os ocupantes, como está previsto na Medida Provisória.

Devo dizer que essas cláusulas aqui são importantes porque o demandante, para ter a sua situação regularizada, precisaria cumprir todas essas cláusulas, que considero importantes para os aspectos sociais e ambientais previstos na Constituição Federal no que concerne à alienação de terras públicas para o setor privado ou para indivíduos. Mas é preciso estabelecer todas as salvaguardas possíveis, pois a medida provisória cuida de mais de 67,4 milhões de hectares de terras públicas arrecadadas e não destinadas, área equivalente à França, incluindo os territórios e departamentos ultramarinos. O que vai ser destinado com essa medida provisória é nada mais nada menos que uma quantidade de terra equivalente ao território da França. É bom lembrar que a França é o maior Estado da União Européia. De sorte que a nossa responsabilidade é muito grande no sentido de que devemos dar uma resposta à altura, de que não seja a valorização do fato consumado. É reconhecer e premiar a ilegalidade, mas sim atendendo aos aspectos do interesse público e da função social da terra. É isto que prescreve a Constituição Federal quando se trata da destinação de terras públicas para particulares.

Neste sentido, a medida provisória exclui da regularização fundiária as áreas tradicionalmente ocupadas por população indígena, por comunidades quilombolas e também por comunidades tradicionais, as unidades de conservação e as áreas de interesse para sua criação, as florestas públicas, bem como as áreas militares. As áreas de interesse para a criação de unidade de conservação são exatamente aquelas que estão no mapa das áreas prioritárias para a conservação e proteção da biodiversidade.

Gostaria de fazer aqui um breve parêntese em relação a esta questão. No que diz respeito às comunidades tradicionais, às áreas militares, às áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade e às terras indígenas, já existe um mecanismo de lei que cria o sistema específico para a destinação dessas áreas para as comunidades tradicionais. Nesse caso, quando se trata de reserva extrativista, o Sistema Nacional de Unidade de Conservação; as outras formas, por meio dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), ou Projetos de Assentamento Florestal (PAF), são competências do próprio Inca.

No caso dos quilombolas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda que tenham também um regime já estabelecido, que passa por processos de audiências públicas, as terras dos quilombolas não são como as terras das populações tradicionais, de extratores vegetais ou de outras atividades, como a de pescadores e assim por diante. Porque, nesse caso das populações tradicionais extrativistas, a área continua de domínio da União com usufruto da comunidade. No caso dos quilombolas, a área é titulada para essas populações, só que é uma titulação coletiva, para um grupo.

Mais à frente, vou tentar mostrar por que nesse caso a exclusão tem uma dupla face, é positiva, e o Governo agiu adequadamente quando excluiu as demais modalidades. No caso dos quilombolas, quando excluiu do alcance dessa medida provisória para a regularização fundiária, eu sei que a intenção era boa no sentido de dizer aos grileiros: nem se animem porque vocês não terão as terras de vocês, que grilaram terras ocupadas por quilombolas. Elas não serão regularizadas, mas podem ser um prejuízo para os próprios quilombolas. Por quê? Porque ao estabelecer, no art. 12, que serão beneficiados aqueles que estão ocupando as áreas até 2004... Ou seja, se você ocupou a terra até 2004, vai ser beneficiário da regularização fundiária, desde que seja um processo de ocupação manso e pacífico. É difícil definir esse termo e ter formas de controle para saber se de fato foi manso e pacífico. No entanto, os quilombolas que já estão há 100, 200, 300 anos não serão beneficiados. Ou seja, serão beneficiados aqueles que ocuparam até 2004, mas os quilombolas não serão beneficiados porque serão remetidos à lei que prevê que a criação de suas áreas é por uma ação do Incra. Ou seja, fazemos uma lei para proteger aqueles que ocuparam terras até 2004, e aqueles que estão há 300 anos nos seus territórios, originalmente ocupados, continuarão com o benefício da regularização mediante as ações do Incra. Não sei se dá para entender o que estou dizendo, mas a lei...

O Sr. Renato Casagrande (Bloco/PSB - ES) - Um aparte...

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - ...é superior a uma ação normativa do Incra ou até mesmo a um decreto do Presidente da República. E, no meu entendimento, tínhamos de buscar um meio, ainda que eu entenda a preocupação da Seppir, ainda que eu entenda a preocupação das comunidades que colocaram essa excepcionalidade, talvez a grande oportunidade era a de, ao reconhecer que têm direito todos aqueles que ocuparam até 2004, também esse direito pudesse acontecer para os quilombolas.

Eu concedo o aparte ao Senador Casagrande.

O Sr. Renato Casagrande (Bloco/PSB - ES) - Ministra Marina Silva, o tema é importante. A regularização de terras na Amazônia Legal é um tema de interesse do Brasil, não só dos Estados da Amazônia Legal. Eu apresentei algumas emendas. E uma das emendas que eu apresentei se relaciona às comunidades tradicionais e às comunidades quilombolas, porque eu acho que elas passam a ter o direito de regularização das suas áreas, se forem enquadradas dentro desses critérios e seguindo a legislação específica. Então, eu fiz uma emenda retirando da proibição de regularização ou da não-regularização e coloquei um parágrafo específico tratando dessa situação, respeitada a sua legislação específica. Também fiz mais algumas emendas. Uma que eu fiz é que o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que passa a ter a ação sobre essa regularização fundiária, deve fornecer online e anualmente todos os dados dessas áreas que serão regularizadas, decorrentes dessa medida provisória. Então, eu acho que o tema é importante. Se não for bem feito, nós incentivaremos o desmatamento na região, incentivaremos a grilagem na região. Portanto, quero só saudar o pronunciamento de V. Exª pela importância da matéria. Nós vamos ter uma oportunidade, de fato, de fazer um bom debate sobre essa política desenvolvida na região da Amazônia Legal. Obrigado, Ministra.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigada, Senador Casagrande.

V. Exª apresentou uma emenda que, no meu entendimento, teremos de trabalhar com todo cuidado, para salvaguardar a preocupação da Seppir de que aqueles que ocupam as áreas dos quilombolas não venham agora reivindicar a titulação privada e para, ao mesmo tempo, fazer com que essas comunidades que, sabemos, estão nessas localidades historicamente, por dados e levantamentos, tanto do ponto de vista antropológico quanto social - há mecanismos para comprovar a existência desses grupos que ocupam tradicionalmente essas áreas, com seus costumes e com suas práticas econômicas, sociais e culturais -, possam ser beneficiadas por essa regularização, porque, senão, haverá uma contradição. O princípio da autodeclaração será usado para posseiros de boa-fé e para grileiros de má-fé, mas alguns setores foram até o Supremo para questionar o direito dos pequenos grupos; agora, vão utilizar esse princípio para regularizar para todos, e eles ficariam de fora. Ou seja, o princípio que os beneficiava está sendo questionado no Supremo, e poderá - não vou prejulgar aqui - vir uma decisão que vai prejudicar ainda mais o acesso dessas populações às suas terras. O princípio será usado para favorecer toda forma de ocupação, se não formos criteriosos o suficiente para manter as salvaguardas que já vieram do esforço do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Ministério do Meio Ambiente, juntamente com outros setores, e colocar novas.

Peço um pouco mais de tolerância, Sr. Presidente, para que eu possa concluir meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB - GO) - V. Exª já está atendida.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigada, Senador.

No entanto, o alcance dado pelo Governo Federal a essa medida provisória vai muito além do objetivo de justiça social. Ela regulariza as ocupações de áreas até quinze módulos fiscais, superior ao que tem sido considerado historicamente como demanda legítima e socialmente justa. Pior: a medida provisória facilita a venda de terras com área superior a quinze módulos fiscais ao estabelecer direito de preferência nas licitações.

Até 2004, a legislação brasileira admitia que apenas as posses de até 100 hectares pudessem ser legitimadas. Em 2005, foi editada uma medida provisória que aumentou para 500 hectares as posses que poderiam ser regularizadas, que poderiam ser legitimadas. Lembro que, à época, houve um debate intenso dentro do Governo e que dele participei. No início, eu tinha uma posição contrária a que se aumentasse de 100 hectares para 500 hectares, mas fui convencida, no debate dentro do Governo, de que era correto aumentarmos para 500 hectares. Por quê? Porque isso atendia cerca de 80% da demanda por regularização fundiária de terra na Amazônia. Mas, recentemente, nós aprovamos no Congresso Nacional uma medida provisória - nós, não; aqueles que votaram favoravelmente a ela - que aumentou de 500 hectares para 1,5 mil hectares. E devo reconhecer aqui que a Bancada do PT, juntamente com alguns parceiros de outros partidos - inclusive, o Senador Casagrande, o Senador Praia e outros, bem como alguns Senadores do PSDB -, votou de forma contrária. Foram cerca de 28 votos contrários ao que chamei de “MP da Grilagem”, mas ela foi aprovada, aumentando de 500 hectares para 1,5 mil hectares. Agora, por esse processo, poderão ser regularizados, sem licitação, até 2,5 mil hectares.

Temos de fazer um debate intenso nesta Casa no sentido de que essa medida, que é importante e estratégica, repito, não sirva para privilegiar e premiar o dolo, aqueles que, de má-fé, com violência, de forma injusta, se apropriaram indevidamente do patrimônio que é do Estado brasileiro, mas que é também nosso, de toda a sociedade brasileira, e que agora poderão ter essas titulações.

Lembro também, Senador Praia - e aqui quero trazer a memória do nosso querido Senador Jefferson Péres -, que, quando apresentei o projeto de lei que criava o mecanismo de gestão de florestas públicas, a Lei das Florestas Públicas, houve aqui, Senador João Pedro, um intenso debate. E as pessoas levantavam a tese de que estávamos propondo algo que iria privatizar a Amazônia. E os que diziam que íamos privatizar a Amazônia o faziam por que estávamos afirmando que as terras seriam públicas, continuariam públicas, mas que, após a criação das unidades de conservação, após a destinação para atendimento das reservas extrativistas, as áreas que fossem identificadas como de potencial para o manejo florestal sustentável poderiam ter concessões onerosas para pequenos, grandes e médios proprietários da indústria florestal. Provamos isso por a mais b e, com o apoio de todos os partidos, aprovamos a Lei de Gestão de Florestas Públicas, após mais de 400 anos de uso das nossas florestas sem haver uma lei que regulamentasse o acesso, para que as florestas continuassem florestas e continuassem públicas. E diziam que aquilo era privatização.

Agora, estamos diante de uma situação em que, se não tivermos cuidado, aí sim, isso pode virar o maior programa de privatização da Amazônia, em prejuízo do meio ambiente, em prejuízo da função social da terra e do interesse público. Sei que essa não é a intenção do Governo, não é a intenção do Ministério do Desenvolvimento Agrário nem do Ministério do Meio Ambiente, e, com certeza, não deve ser a intenção do Congresso Nacional.

Espero que sejam todos tão cuidadosos quanto o foram em relação à Lei de Florestas Públicas. Aliás, vou observar bastante como será o comportamento em relação a esse projeto e àquele, porque não pode haver dois pesos e duas medidas. Naquele caso, no meu entendimento, houve um processo de má interpretação - vou dizer assim para não agredir ninguém -, diziam que era privatização. Nesse caso, temos de ser cuidadosos, colocando todas as cláusulas, como, por exemplo, a questão da vistoria. Como é que se vai fazer um processo de regularização baseado num expediente de autodeclaração, num expediente autodeclaratório, sem vistoria, e ficar assegurado que os grileiros, aqueles que se utilizam de violência para ter acesso à terra, não serão beneficiados?

Precisaremos aperfeiçoar essa medida provisória. Apresentei oito emendas que considero estruturantes e que, no meu entendimento, colaboram. Sei que o Senador João Pedro apresentou outras emendas. O Senador Casagrande acaba de dizer que apresentou emendas. Dou minha sugestão, Sr. Presidente, para que esse processo seja transparente, até fazendo jus a um mecanismo apresentado pelo próprio Governo, quando mandou a medida provisória, no sentido de que o processo ficará disponível na Internet, para que possa ser feito o acompanhamento, pois isso é muito bom, muito positivo. Assim, sugiro que se crie uma comissão externa de controle e de participação social, para que se possa averiguar se, de fato, estão sendo cumpridos os princípios e os preceitos da função social da terra e do interesse público, que estão previstos na Constituição.

Quando apresentei o projeto de lei de gestão de florestas públicas, criamos o mecanismo de acompanhamento externo. É um grupo de cientistas independentes que, a cada cinco anos, irá auditar as concessões públicas do Governo Federal, para que fique provado que o manejo sustentável está sendo feito baseado em todos os princípios que os senhores aprovaram nesta Casa - não me canso de agradecer-lhes -, com o apoio de todos os Partidos.

Sr. Presidente, quero concluir meu pronunciamento, para não abusar de V. Exª. Vai haver um intenso debate nesta Casa.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senadora Marina, se o Senador Marconi Perillo conceder-lhe mais tempo, eu gostaria de aparteá-la.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senadora Marina, o Presidente Marconi Perillo está presidindo desde cedo a sessão, disputando aí com nosso querido Mão Santa. V. Exª aborda a medida provisória. Está em vigor um projeto de regularização fundiária nesse território que é o maior território do nosso País. Essa não é uma atividade, uma ação, uma política pública simples. O Brasil começa com sesmarias; o Brasil começa com Tordesilhas; o Brasil começa fazendo esse debate sobre limite, sobre territorialidade. As duas Casas, tanto a Câmara como o Senado, precisam fazer justiça. Regularização fundiária é destinar terra, é reconhecer a terra, o módulo, levando em consideração o trabalho, a relação cultural, a relação econômica, a questão ambiental, sob pena de voltarmos, na História, a momentos que a nada levaram. Lembremos a História recente, a década de 70, a Transamazônica: saíram demarcando - o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) surgiu com isso, o Incra é de 1970 -, saíram jogando os lotes, fazendo a chamada espinha de peixe, e esse projeto não deu em nada. Precisamos fazer justiça, primeiro. A regularização é uma necessidade, mas tem de levar em consideração os povos da Amazônia, tem de levar em consideração o componente ambiental e o componente econômico, sob pena de legalizarmos a ilegalidade. Estamos abrindo, ampliando a legalidade dos módulos da terra, Senador Marconi Perillo, saindo de 100 hectares para 500 hectares, depois para 1,5 mil hectares; agora, com a medida provisória, chega-se a 2,5 mil hectares. Precisamos regularizar essa terra com justiça social, com compromisso ambiental, para que não haja distorções, para que não haja injustiça, para que o Estado brasileiro não cometa injustiça, principalmente, com as populações que vivem na Amazônia. Nos últimos anos, a posse da terra foi encharcada de sangue. Há uma disputa muito desleal, principalmente contra os pequenos. Fiz emendas. Quero só levantar essas questões e parabenizar a Senadora Marina Silva, porque aborda pontos importantes. Temos de ter uma grande responsabilidade. Não temos de ter medo, mas deve haver um padrão de responsabilidade, para fazermos justiça com a regularização fundiária na Amazônia. Muito obrigado, Senadora.

O SR. PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB - GO) - Senadora Marina Silva, devido à relevância do tema, já concedi a V. Exª 25 minutos. Peço a V. Exª que encerre seu pronunciamento em mais três minutos.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigada, Sr. Presidente. Sinto-me acolhida pela generosidade de V. Exª presidindo os trabalhos da Mesa.

Quero concluir, Sr. Presidente, acolhendo também o aparte que me faz o Senador João Pedro, que é funcionário do Incra e que, com certeza...

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Sou ex-funcionário.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - É ex-funcionário do Incra. Com certeza, S. Exª nos dará uma grande contribuição no debate, nas questões de mérito, dentro das duas Casas.

Eu queria encerrar, levantando algumas questões. Em primeiro lugar, quero dizer que vai ser fundamental que os formadores de opinião de todos os segmentos da nossa mídia acompanhem esse processo, para que, no Brasil, haja um processo de regularização fundiária à altura da necessidade de se proteger a Amazônia e seja criada cidadania para os diferentes segmentos, que não devem ser confundidos com a grilagem, com a violência, com o dolo. É preciso separar o joio do trigo.

É fundamental esse envolvimento. Por exemplo, a TV Globo criou um portal para acompanhar e denunciar o desmatamento da Amazônia, e, só nos primeiros meses, houve mais de 42 milhões de acessos. Com certeza, é preciso fazer um cruzamento daquilo que foi identificado nesse processo - foi feito quase um Big Brother do desmatamento na Amazônia - com o processo de regularização fundiária. Isso vai ser muito interessante, para que possamos tomar as nossas decisões calçados, fulcrados naquilo que são os princípios da justiça, naquilo que são os princípios da ética, não atendendo a demandas espúrias de segmentos que se escondem por trás dos homens e das mulheres de bem, para colocar suas demandas inaceitáveis e inescrupulosas. Isso é muito importante.

Quanto à escolha dos Relatores, quero dizer, Sr. Presidente, que essa é prerrogativa que não nos cabe aqui individualmente. Mas penso que nos cabe, sim, discutir o perfil dos Relatores. No meu entendimento, o Relator de uma matéria polêmica como essa deve ter a capacidade de mediar os diferentes interesses, conversando com os diferentes setores do agronegócio, com as comunidades tradicionais, com os ambientalistas, com os quilombolas, com os cientistas, com todos os segmentos. Deve ter capacidade de trânsito, para que possa fazer um relatório à altura do desafio de transferir mais de 64 milhões de hectares para particulares. É como se pegasse o nosso patrimônio e dissesse: agora, vamos distribuir. Se fosse uma distribuição do dinheiro dos nossos impostos, estaríamos todos estarrecidos. Mas, como muitas vezes não valorizamos os recursos naturais, então, as pessoas ficam muito comedidas com esse tipo de “bondade”. Então, temos de ser rigorosos com o patrimônio de todos nós.

Outra sugestão, Sr. Presidente, é a de que essa medida provisória inaugure uma nova prática aqui, no Congresso, é a de que a Comissão responsável por dar parecer às medidas provisórias - parece-me que não se tem reunido - possa se reunir e a de que os Relatores, o da Câmara e o do Senado, estabeleçam um debate dentro das Casas e com a sociedade, com a participação dos diferentes segmentos, por meio de audiências públicas, envolvendo o setor governamental, o do agronegócio, o de ambientalistas, as comunidades, os diferentes setores, para que, ao fim e ao cabo, haja um instrumento à altura do esforço e da vontade de todos os homens e mulheres de bem, do Governo e da sociedade, da iniciativa privada e da comunidade, promovendo um freio de arrumação no que é até agora a grilagem e a expansão da fronteira predatória, para que haja um efetivo processo de desenvolvimento sustentável, combinando o fim das práticas ilegais, o apoio às práticas produtivas sustentáveis e a regularização e o ordenamento territorial e fundiário, promovendo, assim, um círculo virtuoso de desenvolvimento na Amazônia, com justiça social e ambiental para todos.

Obrigada, Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2009 - Página 2090