Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protesto contra as invasões de fazendas ocorridas no país durante o carnaval, promovidas por organizações dissidentes do MST e sindicatos ligados à CUT.

Autor
Marisa Serrano (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Marisa Joaquina Monteiro Serrano
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. IGREJA CATOLICA.:
  • Protesto contra as invasões de fazendas ocorridas no país durante o carnaval, promovidas por organizações dissidentes do MST e sindicatos ligados à CUT.
Aparteantes
Marco Maciel.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/2009 - Página 3217
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • REGISTRO, INVASÃO, PERIODO, CARNAVAL, TERRAS, PROCESSO, DESAPROPRIAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), INTERIOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), MUNICIPIO, SÃO JOAQUIM DO MONTE (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), AUTORIA, DISSIDENTE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, INDIO, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DESRESPEITO, ESTADO DE DIREITO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, LIBERAÇÃO, RECURSOS, PATROCINIO, ATUAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, EXPERIENCIA, MUNICIPIO, PONTA PORÃ (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), IMPORTANCIA, DISTRIBUIÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, APOIO, TRABALHADOR RURAL, GARANTIA, TECNOLOGIA, MAQUINARIA, COMERCIALIZAÇÃO, ESCOAMENTO, PRODUÇÃO, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, ZONA DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÃO (ZPE).
  • SAUDAÇÃO, LANÇAMENTO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, INICIATIVA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), COMBATE, VIOLENCIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, LEVANTAMENTO, PROJETO, TRAMITAÇÃO, SENADO, PRIORIDADE, APROVAÇÃO, MATERIA, IMPORTANCIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente. Quero agradecer as suas palavras, quero agradecer ao Senador Geraldo Mesquita pela oportunidade desta troca comigo e gostaria aqui de, em cumprimentando a todos, como fizemos ontem, falar de outro assunto que está me preocupando tanto e que preocupa todos os brasileiros.

Neste carnaval, que oficialmente acabou ontem - embora na Bahia, em Pernambuco, do Senador Marco Maciel, deve haver algum bloco na rua ainda -, algo atípico aconteceu: todos os jornais e revistas estamparam o problema das invasões de terra, que aconteceram justamente durante o carnaval. A mais séria delas e a maior delas, talvez não a mais séria, mas a maior delas foi o carnaval vermelho, em que várias organizações ditas sociais invadiram o Pontal do Paranapanema, no oeste de São Paulo, na fronteira com o meu Estado, ali na beira do rio Paraná. Duas mil pessoas participaram das invasões. Vinte e três fazendas foram invadidas em dezesseis municípios.

Quem participou dessa invasão ou dessas invasões?

Os dissidentes do MST: o Mast (Movimento dos Agricultores Sem Terra), o Uniterra (Brasileiros Unidos pela Terra), o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e os sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Que fazendas eles invadiram?

As fazendas que estão em processo de desapropriação pelo Incra e aquelas fazendas, a maioria delas, que eles acharam que eram improdutivas, sem que a lei desse o resultado final dos levantamentos feitos.

Coloquei essa do carnaval vermelho, cujo líder do movimento, o Rainha, já foi preso, que todo Brasil conhece pelas seguidas invasões que ele tem feito, não só em São Paulo, mas instigado em todo o País. Mas quero também dizer: foi só essa? Não. Mais do que essas todas que nos indignaram em São Paulo, aconteceu também em Pernambuco, a terra do Senador Marco Maciel, com quem eu estava falando há poucos minutos, no sábado de carnaval também.

O que aconteceu em Pernambuco? Numa cidadezinha que eu não conhecia, Senador Marco Maciel, o chamado Município de São Joaquim do Monte, a 137 quilômetros do Recife, quatro pessoas foram mortas pelos invasores. Dois foram presos, os que praticaram o assassinato, e vários estão foragidos.

Qual foi a organização que comandou essa invasão? O MST.

Isso, Senador Marco Maciel, aperta o coração da gente. Essa foi outra questão inaceitável, porque não dá para imaginarmos que a posse da terra seja mais importante do que uma vida, ainda mais quando são quatro vidas. E não estou aqui querendo dizer que nós estamos de um lado ou de outro. Eu não estou do lado de quem invade, como também não estou do lado de quem se arma para, na bala, segurar os invasores. Mas não pode continuar do jeito que está.

Eu concedo o aparte ao Senador Marco Maciel, mas depois eu quero falar de mais duas invasões que aconteceram no carnaval: uma, no oeste do Paraná; e a outra, no meu Estado, em Mato Grosso do Sul.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE. Com revisão do orador.) - Nobre Senadora Marisa Serrano, V. Exª traz a debate da Casa assunto momentoso que se caracteriza sobretudo pela ação do MST e de outras instituições que agem paralelamente a esse movimento com relação à questão fundiária brasileira. Com muita oportunidade, V.Exª lembrou o que ocorreu, na semana passada, no Município São Joaquim do Monte, no agreste de Pernambuco, próximo da capital, a 137 km. Devo observar que a invasão das terras foi seguida de ação muito violenta, que levou a óbito quatro pessoas que defendiam a propriedade então sendo invadida. V. Exª salientou muito bem que não estamos aqui para defender os invasores da terra, mas, tampouco, para considerar legítima a ação de proprietários ou de pessoas armadas que se oponham a isso. Uma coisa é relevante destacar: se queremos consolidar o Estado democrático de direito que foi e é a grande aspiração da Constituição de 1988, precisamos fazer com que a lei realmente prevaleça sempre na solução de todos os conflitos. Só assim consolidamos uma democracia verdadeiramente compatível com as aspirações do País, o grande objetivo dos constituintes de vinte anos atrás. Daí porque quero dizer que V. Exª situa muito bem a questão, que está a exigir a atenção do Congresso e também do Poder Executivo Federal. Portanto, o discurso de V. Exª, Senadora Marisa Serrano, é extremamente importante, pois avalia com competência, posto que o seu Estado tem sido alvo de não poucas invasões também. 

A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Obrigada, Senador Marco Maciel. Agradeço as sábias palavras de V. Exª.

Quando V. Exª fala do Estado democrático de direito, lembro-me de que fiquei muito mais tranquila ao ouvir o Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, ontem à noite, falando sobre as invasões de terra, não só de Pernambuco, mas do Pontal do Paranapanema. O Ministro dizia justamente isto que V. Exª disse aqui, que não pode um Estado, seja qual for - aí falo de Estado como Nação -, aceitar esse tipo de invasão que estamos vendo no nosso País há mais de vinte anos. Aliás, desde 1980 estamos vendo esse tipo de ação sendo desenvolvida.

Que país pode dizer que é culto, de Primeiro Mundo, democrático, mas que aceita esse tipo de ação, como continuamente nós estamos aceitando?

Já passou do tempo, Senador Mão Santa, de se tomar uma medida contra isso. Eu pedi para levantar todos os projetos que estão nesta Casa e no Congresso Nacional a respeito de organizar, de apoiar e ajudar o Governo Federal. Se o Incra, a Funai e Ministérios não têm condições de nos colocar para o País uma proposta de reforma fundiária exequível, este Congresso tem que dar voz a milhares de pessoas que estão inseguras neste País.

E o Ministro Gilmar Mendes ontem disse, com muita sabedoria, que não aceita esse ataque ao Estado de direito, como não aceita também que o Governo Federal coloque recursos, milhões, Senador Marco Maciel - fiz esse levantamento -, milhões na mão desses ditos movimentos sociais para fazer as invasões.

O que nós queremos? É que o povo brasileiro que queira realmente trabalhar a terra tenha o direito de trabalhar. E o Governo e nós temos a obrigação de auxiliar aqueles que querem tirar da terra o seu sustento. Mas queremos também proteger aqueles que têm legitimamente a sua terra, que são produtores, que estão ajudando este País, que são realmente as pessoas que aguentam toda a âncora comercial brasileira, pois, numa época de crise como esta, é onde nós vamos nos segurar para que o Brasil continue dando a todos os brasileiros condições de sobrevida. Nós temos que equilibrar essas duas forças. Nem um lado, nem o outro. E nenhum lado pode usar da violência. O dia em que nós aceitarmos que a invasão, a violência for algo comum, natural e normal, nós estaremos quebrando o Estado democrático de direito pelo qual o Brasil tem lutado tanto.

Mas aí eu quero também citar, como eu estava dizendo aqui, os outros dois Estados que foram alvo de invasão neste final de semana. No Paraná, uma cidade chamada Santa Tereza do Oeste, dois mortos e sete feridos. Foi a terceira invasão na empresa Syngenta, que realiza pesquisas com sementes transgênicas. No Pontal do Paranapanema, já perderam a conta do número de invasões. Há fazendas ali que foram invadidas vinte vezes. Se a gente não tomar uma ação, se o Governo não tomar uma ação, se nós não ajudarmos, o que vai virar este País? Como é que vão confiar no Governo? Como vão confiar no Congresso?

E eu me admiro, mas eu admiro muitíssimo, de o Presidente Lula ter mais de 80% de aprovação, com a instabilidade que nós estamos tendo neste País.

E Mato Grosso do Sul? Mato Grosso do Sul não foi o sem terra. Em Mato Grosso do Sul, foram os índios. Não sei se todos sabem, mas a segunda maior população indígena do País está em Mato Grosso do Sul. No distrito de Agachi, na aldeia Cachoeirinha, invadiram uma propriedade. Pela primeira vez, Senador Geraldo Mesquita, nós vimos uma coisa que nos estarreceu: índios que invadiram depredando, arriscando vidas, tentaram sequestrar o proprietário. Os índios nunca fizeram isso no meu Estado. Não dessa forma. Eu não sei o que está por trás disso.

É claro que nós queremos que os índios da Cachoeirinha tenham mais terra. É necessário? É necessário! Eles hoje têm lá 2.868 hectares. A Funai está propondo e reivindicando 36.288 hectares. De 2 mil hectares para 36 mil hectares, nós vamos ter muita guerra e muita briga. É um país dentro de Mato Grosso do Sul.

Eu quero dizer: essas desapropriações de terra, seja para os agricultores sem terra, seja para as nações indígenas, estão dando certo no País? Os nossos assentamentos estão dando certo?

Eu quero falar de um. E já falei hoje para Ponta Porã, que é uma cidade lindíssima que nós temos na fronteira seca com o Paraguai. Eu falo que uma das coisas mais bonitas são as duas bandeiras hasteadas lado a lado quando você chega em Ponta Porã, porque as duas cidades são gêmeas. Mas Ponta Porã tem um assentamento que é um dos maiores do Brasil. E a maior fazenda de produção de soja do País era a fazenda Itamarati, que talvez alguém se lembra que era de propriedade de Olacyr de Moraes. A maior fazendo de soja do País!

Em 2000, 25 mil hectares foram adquiridos pelo Governo Federal para assentamento. Houve pressão, violência. Foram assentadas as famílias. Era uma fazenda modelo para o mundo, com aeroporto, escolas, hospital, toda uma estrutura de primeiro mundo. Foram entregues 25 mil hectares para 1.143 famílias.

Em 2004, o Governo Federal comprou mais 25 mil hectares - então, são 50 mil hectares -, e esses outros 25 mil hectares para 2.048 famílias. Cinquenta mil hectares de terra! Se a agricultura familiar estivesse realmente produzindo na proporção das terras, que são de primeiríssima qualidade, já estaria ótimo, valeria o esforço. Mas não é verdade, não é assim que está acontecendo lá. Eu já denunciei aqui os casos da fazenda Itamarati, de drogas, prostituição, fechamento de estradas - as estradas vivem fechadas -, gente pedindo dinheiro para cá, pedindo dinheiro para lá. Virou um acampamento de pessoas boas - não estou dizendo que todas vivem do ilícito. Há pessoas que realmente trabalham, há pessoas que merecem ser assentadas, que merecem o apoio. Mas não adianta, Senador Geraldo, entregar a terra sem ter ali um apoio realmente efetivo de quem trabalha com a terra. Nós precisamos de técnicos agrícolas, precisamos de maquinário. Nós sabemos que, para conseguir uma patrulha mecanizada, é um absurdo, um trabalho insano. Agora, sem ter maquinário hoje em dia? Sem ter a tecnologia a seu lado? Sem ter gente experiente para lhe dar a mão, para lhe dizer o rumo?

            E, mais do que isso, Senador Marco Maciel, Senador Mão Santa, não é só produzir: nós temos que garantir a comercialização também e o escoamento da produção. Eu falei com Ponta Porã hoje, na rádio, sobre isso, sobre uma Zona de Processamento de Exportação; por quê? Porque Ponta Porã tem um dos três aeroportos internacionais de Mato Grosso do Sul. É uma cidade que é a nossa guardiã da fronteira. E nós precisamos, sim, de apoio, não só em Ponta Porã, mas nos milhares de assentamentos que existem neste País.

            Não tenho aqui todos os dados, mas eu gostaria de saber se, quanto a todos os assentamentos deste País, o Incra tem essa resposta para nos dar. Aliás, vou me lembrar de fazer um requerimento ao Incra, perguntando quantos assentamentos temos e quantos são produtivos, porque não adianta tirar a terra de um produtor dizendo que é improdutiva se vamos dar a alguém com quem continuará improdutiva. Há outra causa ainda que me preocupa: pessoas que não são afeitas à terra, e acampamentos sobre os quais sabemos de gente lá que só tem a terra para passar a outros, para vender, para especular. Então, há de se fazer algo neste País.

            Mas não foi só o que disse o Ministro Gilmar Mendes ontem que me tocou. Na quarta-feira de cinzas, a CNBB lançou a campanha da fraternidade. E qual é o tema da campanha da fraternidade deste ano? É justamente a violência. A violência pública. A fraternidade e a violência pública. Quem é católico vai trabalhar o ano todo com esses preceitos, discutindo a violência, que não pode ser só coibida pelos órgãos repressores. A violência tem de ser combatida pelo cidadão brasileiro e debatida nas escolas, nas universidades, onde nós a estamos vendo. Nestes dias, falei aqui dos trotes universitários, de violência em todo o País com jovens.

Precisamos dar rumo a este País para que a gente não precise, todos os anos, discutir questões como essas. Eu disse ontem, Senador Mão Santa, Senador Geraldo Mesquita, Senador Marco Maciel e tantos outros que estão me ouvindo, que tenho certeza de que, nesta Casa, nós precisamos mudar um pouco a nossa linha de atuação: fazer um levantamento de todos os projetos que estão aqui e que são necessários para o País, que podem mudar a cara do Brasil, que podem forçar o Governo Federal a tomar um outro rumo. E essa é que tem que ser a nossa boa luta e boa briga. Aí eu tenho certeza de que a população brasileira vai nos entender e nos compreender mais.

            A questão das invasões de terra é algo com que não podemos compactuar. Nós não podemos aceitar algo que acontece neste País. E não podem dizer que, porque havia um carnaval, resolveram fazer um carnaval no campo - e o carnaval da violência, o carnaval do ódio. Não é isso o que nós queremos. Nós queremos um país fraterno, como prega a CNBB, um país de irmãos, um país onde quem precisar de terra para poder produzir que a tenha, mas não através da violência, não através das invasões.

Se nós não aceitamos que invadam o Congresso, como não aceitamos o que aconteceu, no ano retrasado, aqui, como não aceitamos que invadam as nossas casas, como não aceitamos que atentem contra um dos nossos familiares, nós não podemos aceitar o que está acontecendo neste País.

Era esse o meu libelo, a minha voz, Sr. Presidente. Eu espero que, juntos, possamos fazer mais do que falar e possamos, realmente, mostrar à Nação o quanto nós podemos ajudar num processo como esse. Agora, há que se fazer alguma coisa, e nós temos a obrigação de dar um retorno à sociedade brasileira.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/2009 - Página 3217