Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Patativa do Assaré.

Autor
Patrícia Saboya (PDT - Partido Democrático Trabalhista/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Patativa do Assaré.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/2009 - Página 3924
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, POETA, COMPOSITOR, TRABALHADOR RURAL, MUNICIPIO, ASSARE (CE), ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, OBRA LITERARIA, MUSICA, DESCRIÇÃO, VIDA, MIGRANTE, REGIÃO SEMI ARIDA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Patativa do Assaré era uma unanimidade. Ao nos deixar, em 8 de julho de 2002, ninguém rivalizava com ele no papel de poeta mais popular do Brasil. Para chegar onde chegou, tinha uma receita simples: dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. “Basta, no mês de maio, recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão”, declamava.

A simplicidade não estava presente apenas nessa e em outras receitas. Permeava tudo o que fazia, embora o poeta contasse com uma mente ágil e sofisticada. “Embora sua instrução formal tenha sido muito diminuta, seu contato com os livros foi constante e permanente, tendo convivido intensamente com a poesia de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Castro Alves e a prosa de Coelho Neto”, afirma uma profunda conhecedora de sua obra, Luzanira Rego. Visitou a casa do poeta e lá encontrou os livros desses escritores, entre muitos outros.

Cito aqui outro especialista em Patativa do Assaré, Rosemberg Cariry. Dizia ele que “mesmo quando Patativa era violeiro e encantava os sertões com o som de sua viola e a beleza de seus versos de repente, já estudava o tratado de versificação de Guimarães Passos e Olavo Bilac e lia Os Lusíadas”. Em outras palavras, era uma pessoa de inteligência invulgar, espantosa memória e preparo cultural. É assim que podemos compreender a grandiosidade de seu engenho e arte no manejo do verso e na criação de sua poesia, atestado por quantos se aproximam de sua obra, aqui, no Brasil, como no exterior.

Adotou a postura modesta, de feitio matuto, que encobria, na verdade, essa sofisticação íntima. É como se dirigia aos colegas de padrão mais acadêmico:

Poetas niversitário,

Poetas de Cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia;

Se a gente canta o que pensa,

Eu quero pedir licença,

Pois mesmo sem português

Neste livrinho apresento

O prazê e o sofrimento.

            Antônio Gonçalves da Silva, nome de registro de Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 em pequena propriedade rural na Serra de Santana, no município de Assaré. Fica no Sul do nosso Ceará, a quase 500 quilômetros de Fortaleza. Como todo bom sertanejo, Patativa começou a trabalhar duro na enxada ainda menino, mesmo tendo perdido um olho aos 4 anos. Patativa só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser doutor Honoris Causa de três universidades.

Cresceu ouvindo histórias, os ponteios da viola e folhetos de cordel. Em pouco tempo, a fama de menino violeiro se espalhou. Com oito anos trocou uma ovelha do pai por uma viola. Dez anos depois, viajou para o Pará e enfrentou muita peleja com cantadores. Quando voltou, estava consagrado: era o Patativa do Assaré. Nessa época os poetas populares vicejavam e muitos eram chamados de patativas porque viviam cantando versos. Ele era apenas um deles. Para ser melhor identificado, adotou o nome de sua cidade.

Patativa do Assaré inspirou músicos de quatro gerações, como continua inspirando, e rendeu livros, biografias, estudos em universidades estrangeiras e peças de teatro. Também pudera. Ninguém soube tão bem cantar em verso e prosa os contrastes do sertão nordestino e a beleza de sua natureza. Luiz Gonzaga gravou muitas músicas dele, entre elas a que lançou Patativa comercialmente, A triste partida. No teatro, sua vida foi tema da peça infantil Patativa do Assaré - o cearense do século, de Gilmar de Carvalho, e seu poema Meu querido jumento, do espetáculo de mesmo nome de Amir Haddad.

Sua linguagem interiorana, os períodos curtos e simples, as palavras escandidas ao jeito do povão, tudo o aproximava do nordestino, do sertanejo, dos que vivem na periferia de nossas cidades maiores. Como em O alco e a gasolina:

Neste mundo de pecado

Ninguém qué vivê sozinho

Quem viaja acompanhado

Incurta mais o caminho

Tudo que no mundo existe

Se achando sozinho e triste,

O alco vivia só

Sem ninguém lhe querê bem

E a gasolina também

Vivia no caritó.

E, mais adiante:

Porém depois de algum dia

Começou grande narquia,

O que o alco prometia

Sem sentimento negou,

Fez uma ação traiçoêra

Com a sua companhêra

Fazendo a maió sugêra

Dentro do carboradô.

É bem o Patativa do Assaré: combina a linguagem matuta, o palavreado simples, a métrica tradicional, mas aborda um tema atual e urbano como a mistura do álcool à gasolina e seus efeitos sobre os carros. Não se imaginaria tema mais moderno, nem abordagem mais criativa. Tudo isso garante-lhe um lugar definitivo, não apenas no coração de todos nós, nordestinos, mas em nossa cultura.

Patativa do Assaré casou-se com D. Belinha, e foi pai de nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Sua memória está preservada no centro da cidade de Assaré, num sobradão do século XIX que abriga o Memorial Patativa do Assaré. Em seu livro Cante lá que eu canto cá, Patativa afirma que o sertão enfrenta a fome, a dor e a miséria, e que "para ser poeta de vera é preciso ter sofrimento".


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/2009 - Página 3924