Discurso durante a 22ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta sobre as enormes proporções da crise econômica mundial. Propostas para reverter este cenário.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Alerta sobre as enormes proporções da crise econômica mundial. Propostas para reverter este cenário.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2009 - Página 4314
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, TEORIA, CAPITALISMO, REVEZAMENTO, CRISE, ESPECIFICAÇÃO, ATUALIDADE, FALTA, ESTABILIDADE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, INICIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EXPANSÃO, TOTAL, ECONOMIA NACIONAL, MOTIVO, GLOBALIZAÇÃO, EFEITO, AUMENTO, INTERVENÇÃO, ESTADO, ECONOMIA, COMENTARIO, OPINIÃO, ESPECIALISTA.
  • ANALISE, DADOS, ECONOMIA NACIONAL, BAIXA, EXPORTAÇÃO, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, CONFIANÇA, ELOGIO, PREPARO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POSSIBILIDADE, BRASIL, APROVEITAMENTO, CRISE, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO, DEFESA, ORADOR, ACOMPANHAMENTO, PROVIDENCIA, GOVERNO ESTRANGEIRO, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, CORTE, GASTOS PUBLICOS, CUSTEIO, AUMENTO, INVESTIMENTO PUBLICO, ESPECIFICAÇÃO, INFRAESTRUTURA, REFORÇO, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, MELHORIA, DIAGNOSTICO, DECISÃO, GESTÃO, BUSCA, PARCERIA, SOCIEDADE CIVIL, DETALHAMENTO, SUGESTÃO, AMBITO, REGULAMENTAÇÃO, POLITICA FISCAL, POLITICA DE EMPREGO, POLITICA MONETARIA, CREDITOS, POLITICA EXTERNA, APOIO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ATENÇÃO, MEIO AMBIENTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta dos trabalhos e da Mesa do Senado Federal, Srªs e Srs. Senadores, desde que cunhada a expressão em seu sentido atual por Werner Sombart, em 1902, e, em seguida, por Marx Weber, em 1904, o chamado capitalismo moderno tem manifestado crises que se repetem em períodos com e intervalos progressivamente mais curtos. São as conhecidas crises cíclicas, geradas notadamente pela instabilidade do sistema monetário internacional e pelo aumento da concorrência entre grandes competidores, com conseqüências como as crises no balanço de pagamentos, o desemprego e a inflação.

No entanto, o capitalismo é o regime de economia caracterizado pela propriedade privada dos meios de produção e o mais compatível com a liberdade de iniciativa do indivíduo. Apesar dos benefícios do lucro e da riqueza que gera, a essência e a lógica do sistema capitalista sujeitam sua dinâmica a variados graus de volubilidade e inconstância.

A crise econômica que vivemos, fruto de uma crise financeira internacional, remonta à bolha da Internet de 2001, ou seja, o fenômeno de supervalorização das ações das empresas de alta tecnologia, que resultou, inclusive, na criação de uma nova bolsa de valores, especificamente para o ramo, a Nasdaq. Contudo, o início da crise de fato se deu há cerca de um ano e meio, ainda em 2007, e o estouro mais visível em setembro último, por ocasião da falência - que, no próximo domingo, completa seis meses - do tradicional banco de investimento americano Lehman Brothers, com mais de um século e meio de atuação, seguida pela falência técnica do American International Group, a maior empresa seguradora dos Estados Unidos. Para que tenhamos idéia da gravidade do momento, até a tradicional Universidade de Harvard, onde se formou o atual presidente americano, perdeu US$8 bilhões de seu fundo de reserva e está convidando cerca de 1,6 mil funcionários para aderirem a um plano de demissão voluntária.

Em que pese diversos analistas e muitas autoridades classificarem a atual crise como mais um ciclo desse processo de contrações que eles chamam sistêmicas e periódicas da economia, não podemos deixar de diferenciá-la das demais. Não por uma única causa mas pela suficiente constatação de que se trata, na realidade, da primeira crise globalizada, de ordem mundial, a qual nenhuma nação do planeta, ainda que em graus variados, está imune quanto às suas conseqüências, às suas agruras e aos seus percalços.

Não foi por outro motivo que Niall Ferguson, autoridade em história econômica e autor de A Lógica do Dinheiro, alertou que “estamos sob uma economia de guerra, mas sem uma guerra propriamente dita”. Para ele, não se trata de uma grande depressão na escala da dos anos 30, nem tampouco uma grande recessão. Por isso, ele chama o atual estágio - concordo que a expressão não seja das mais felizes - de a grande repressão. E tal é a sua convicção que atesta de forma cabal:“Houve um tempo em que monetarismo e keynesianismo eram considerados mutuamente excludentes. Tão severa é esta crise que governos do mundo estão tentando aplicar ambas as teorias ao mesmo tempo.” Vale esclarecer o monetarismo entendido como a corrente adepta ao controle da estabilidade da moeda no combate aos desequilíbrios econômicos, em oposição a John Maynard Keynes, que defendia o papel regulatório e uma maior intervenção do Estado na economia.

Contudo, até aquela assertiva já foi superada. A dinâmica do processo é de tal ordem aguda que hoje a tendência, inclusive por parte dos monetaristas, é admitir tão-somente a tese keynesiana. Tanto que, para o economista Stiglitz, todas as forças vão na direção de uma retração econômica muito forte, muito séria, a ponto de achar que os Estados Unidos terão de gastar US$2 trilhões até perceberem que, sem outra alternativa, o governo será obrigado a intervir de modo significativo. Fato é que, no momento, pelas mais recentes intervenções, esse número já chega à casa dos US$3 trilhões.

        Das mesmas preocupações compartilha Paul Krugman, especialmente em relação aos formuladores de políticas que podem estar agindo muito lentamente para lidar com a crise financeira global. Segundo o economista, “o ritmo sob o qual as coisas estão piorando é tão rápido que é difícil ver como as medidas podem chegar”. Ele também não descarta a possibilidade de que a economia se veja presa a uma prolongada armadilha deflacionária. E afirma que a deflação, “uma vez iniciada, tende a se autoalimentar”. O próprio Presidente Barack Obama classifica crises desse naipe como um “desastre contínuo”.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não nos iludamos: a crise é de enormes proporções e está longe de acabar. Ela começa ruim e, paulatinamente, agrava-se com o tempo. Começou no sistema financeiro, mas já atinge o lado real da economia. E, como num círculo vicioso, o processo retorna de forma talvez ainda mais crítica ao próprio sistema financeiro.

Os primeiros sinais já se revelam lôbregos nos países diretamente afetados. Os mais recentes índices e levantamentos dos últimos meses não deixam dúvidas quanto ao claudicante cenário internacional de hoje: demissões e aumento do desemprego, diminuição da produção, queda das exportações, retração do crédito e aumento da inadimplência. São os efeitos desastrosos da economia febril na sociedade que produz, consome e já não consegue poupar, muito menos investir.

         Por outro lado, e em que pesem essas primeiras consequências na economia mundial, não podemos deixar de reconhecer, no caso brasileiro, números recentemente divulgados, como o crescimento de 5,1% do PIB em 2008 - a despeito de uma queda de 3,6% no quarto trimestre do ano passado -, também a relativa estabilidade, após um aumento expressivo e preocupante, nos índices de desemprego, a recuperação do superávit na balança comercial, a manutenção da meta inflacionária em 4,5%, a retomada da diminuição do chamado “risco-país” no setor de investimento, a progressiva diminuição da taxa básica de juros e a redução da dívida líquida do setor público.

Contudo, é imperioso redobrarmos a atenção. Alguns preveem que a recessão vai durar dois anos. Para a maioria dos executivos, vai durar três anos. No final das contas, ninguém pode afirmar, com um grau de certeza minimamente confiável, a duração da presente crise que atormenta o planeta.

Assim sendo, não é hora de nos rendermos ao debate ideológico que muitos tentam reavivar com discussões sobre o rumo da crise financeira. Seria temerário afirmar que precisamos reformular ou, até mesmo, refundar o capitalismo, o que, nas palavras de Delfim Netto, “é produto de uma profunda falta de foco histórico”. O que precisamos, acredito, é recobrar a confiança. Como ele mesmo assinala, “a confiança é o cimento da própria sociedade”.

No Brasil, o canal de contaminação não foi, como em crises anteriores, o sistema financeiro. Na verdade, a rápida desaceleração e a entrada em recessão de mercados como os Estados Unidos, Europa, Japão e outros importantes centros, inclusive América Latina, impactaram a economia brasileira pela redução brusca das exportações. Tanto que, somente no último trimestre de 2008, o País perdeu mais de 8 bilhões de dólares. Em 2009, segundo o próprio Ministério do Desenvolvimento, a queda pode chegar a 40 bilhões de dólares. Apenas em dezembro, a produção industrial recuou mais de 12% em relação ao mês anterior. Corremos o risco de, a cada semana, termos uma nova projeção de crescimento anual, porém sempre menor que a anterior.

Mas o Brasil hoje, Sr. Presidente, encontra-se em melhores condições do que na época da eclosão de outras crises, como a da Rússia, do México e da Argentina. E o Governo Lula, além de manter a vitoriosa política econômica das duas últimas décadas, aprofundou suas bases com o aumento do superávit primário e a composição das reservas cambiais.

Portanto, tenho plena convicção de que um novo Brasil pode emergir da crise mundial. O País já detém a maturidade e os alicerces profundos para superar qualquer turbulência e fazer a diferença nesse sombrio cenário que o mundo inteiro enfrenta. No entanto, precisamos agir com firmeza, rapidez e planejamento. Trata-se do momento definido pelo economista Luiz Gonzaga Belluzo como “de adaptação das mentalidades à nova era”. Como ele mesmo observa, “cabe ao Governo mudar o sinal: é preciso ser prático e adotar as políticas que são tomadas no mundo inteiro”.

O Brasil tem adotado uma política monetária até coerente, exceção feita à extrema timidez nos recentes cortes da taxa de juros. Os Estados Unidos já reduziram sua taxa praticamente ao nível zero, enquanto o Japão a fixou em meio por cento. Em janeiro último, o Banco Central da Inglaterra reduziu a taxa básica de juros para 1,5% ao ano, número nunca atingido desde a fundação da instituição, em 1694, ou seja, há mais de 300 anos. Em fevereiro, nova redução, desta feita atingindo 1%. O patamar alcançado é tão significativo que, para aquilatá-lo, basta dizer que, em outubro de 2008, esta mesma taxa, na Inglaterra, estava a 5% ao ano. E é assim que têm agido praticamente todas as nações mais diretamente envolvidas na crise.

Outra ação fundamental e inadiável do Governo tem que ser a redução do gasto de custeio - uma unanimidade entre todos nós - e o aumento do gasto de investimento. O corte de despesas públicas é a rota para alcançarmos reajustes de preços em nível desenvolvido. E o aumento de investimento, o norte para atingirmos os índices sócio-econômicos compatíveis com as demandas de uma sociedade moderna.

Mas, volto a frisar, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores: a crise é uma excelente oportunidade para o Brasil avançar, especialmente se investir na infraestrutura do País. Isso pode ocorrer mediante um remodelamento e um reforço ao PAC, notadamente em seu planejamento, de modo a superarmos de forma efetiva uma longínqua série de gargalos no setor de infraestrutura, o que capacitará o País na reversão do ciclo quando a economia voltar a crescer. 

Para isso, é necessária a adoção de uma firme organização administrativa de base técnica e suportada no tripé Diagnóstico, Decisão e Gestão. Além disso, contar com o engajamento da sociedade civil num projeto nacional no qual se priorizem os gastos de combate à crise, com enfoque na infraestrutura econômica.

Nesse aspecto, há de se ressaltar e reconhecer que a sociedade civil, depois de um longo e penoso processo de amadurecimento frente às sinistroses por que já passamos e por que já passou na economia, está mais consciente do bem da estabilidade. Estabilidade esta que se tornou, para ela, um fator inegociável, a ponto de se dispor a sacrifícios.

Para tanto, é importante não perder de vista que as mudanças na política macroeconômica devem ser acompanhadas pela continuidade das reformas denominadas microeconômicas. Intervenções para desatar os nós da economia são urgentes, notadamente o aperfeiçoamento da regulação e da segurança jurídica para tornar o ambiente de negócios mais atraente aos investimentos produtivos, bem como para assegurar a geração de empregos. Além disso, medidas de cunho imediato podem e devem ser tomadas pelo Governo para amortecer o impacto da crise. Mas, como alerta Armínio Fraga, “a autorregulação só não resolve. É indispensável o olho do governo com o poder de tomar decisões.”

Na área fiscal, proponho uma revisão rigorosa e criteriosa nos gastos de custeio, visando a uma expressiva redução das despesas.

Creio também ser imperativa uma avaliação detalhada dos programas de investimento dos orçamentos do Governo Central e das estatais federais, com vistas a não apenas identificar aqueles projetos efetivamente prioritários, mas também aqueles que tenham impacto maior sobre os níveis de emprego e renda.

Essa avaliação é também fundamental para que as ações do Poder Público centrem-se nos programas e projetos que, de fato, possam ser executados dentro de um horizonte temporal compatível com o enfrentamento da atual crise. Convém, ainda, uma articulação entre União, Estados e Municípios para se definir e executar um conjunto de ações com efeito direto e imediato sobre a geração de renda e emprego, como, por exemplo, na infraestrutura urbana, especialmente, transporte, saneamento básico, estrutura viária e controle ambiental.

No setor de política monetária e creditícia, sugiro uma redução agressiva da taxa Selic, de preferência para o nível de um dígito, Srª Presidenta. Proponho também a redução dos compulsórios bancários mediante a alteração das normas do Banco Central que regem a matéria, objetivando garantir que a liquidez assim criada seja direcionada para empresas e famílias que desejem tomar crédito, evitando que o sistema bancário recicle meramente esses recursos para auferir lucros socialmente indevidos com essas operações. Outra proposta é a utilização dos bancos públicos federais para concessão de empréstimos e financiamentos com o objetivo de amparar o investimento no País. Por fim, a criação de uma linha especial no Banco Central que viabilize recursos para que o sistema financeiro nacional reforce operações indiretas ou mistas com o BNDES.

No campo institucional, recomendo a imediata recuperação dos órgãos públicos de planejamento do Governo Central que, ao longo dos últimos anos, perderam essa capacidade. Além do próprio Ministério do Planejamento, que hoje se restringe à administração orçamentária, há casos como o do Ipea e do BNDES.

Na política externa, torna-se essencial reforçar o Mercosul com os demais mercados e blocos econômicos, além de estimular a multilateralidade. É preciso também não ceder à tentação do protecionismo, bem como fazer uma última tentativa quanto à rodada de Doha. Por fim, que o Brasil defenda nos fóruns internacionais o reforço do FMI, do Banco Mundial e de outros organismos multilaterais que, neste momento, precisam desempenhar um papel diametralmente oposto àquele desenvolvido nas crises dos anos 80. Ou seja, devem atuar agora como financiadores ou mesmo indutores do investimento nos países membros. Mas, para tanto, esses órgãos precisam urgentemente mudar suas políticas operacionais de concessão de crédito.

Preocupa-me também, Srª Presidente - agradecendo, desde já, a paciência generosa de V. Exª, Srªs e Srs. Senadores -, as consequências da crise no meio ambiente, em especial nas políticas de mitigação das mudanças climáticas, que demandam sempre alternativas para a permanente redução do efeito estufa e a substituição de fontes fósseis de energia por fontes de baixo ou zero carbono. Além disso, a contração de crédito em todo o mundo tende a reduzir o financiamento de investimentos em fontes de energias alternativas.

Por isso, deveríamos seguir a nova política americana. Em seu recente programa de governo, o Presidente Barack Obama deixou claro que pretende aumentar o investimento público em novas tecnologias e opções de energias economicamente mais limpas.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador, concedo-lhe mais dois minutos, porque são muitos os inscritos que estão cobrando.

O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Estou concluindo. Muito obrigado.

Trata-se, na realidade, de uma postura amplamente diferenciada em relação às gestões anteriores dos Estados Unidos no tocante à política ambiental.

Para concluir, Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, se o contexto econômico é negativo, com maior objeção à liberalização comercial, menor demanda agregada na economia mundial e restrita oferta de liquidez a mercados emergentes, devemos tentar reverter o cenário para, com políticas adequadas e desoneração de setores estratégicos, emergirmos, por contraste, como uma ótima opção de investimentos.

Portanto, não podemos nos conformar com a latência e, de forma desidiosa, nos cingir apenas em combater os efeitos da crise como se o Brasil vivesse tão somente num Estado de algidez da economia. Como numa catarse, é preciso ir além. Transpor a crise é mero dever, enquanto transformar e fazer avançar o País torna-se, isto sim, nossa meta principal.

Era o que tinha a dizer, Srª Presidenta, agradecendo mais uma vez a generosidade e paciência de V. Exª.

Muito obrigado, Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2009 - Página 4314