Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Consideração acerca da demarcação contínua das terras da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA. POLITICA FUNDIARIA.:
  • Consideração acerca da demarcação contínua das terras da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2009 - Página 5931
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, COMERCIANTE, PIONEIRO, ESTADO DE RORAIMA (RR), REGISTRO, FILHA, SUPLENTE, ORADOR.
  • REGISTRO, CONCLUSÃO, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), HOMOLOGAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), PRESENÇA, SENADO, REPRESENTANTE, ENTIDADE, POPULAÇÃO, EXCLUSÃO, TERRITORIO, RESERVA, QUESTIONAMENTO, ORADOR, SITUAÇÃO, INDIO, SUPERIORIDADE, TERRAS INDIGENAS, CONTRADIÇÃO, MAIORIA, RESIDENCIA, CIDADE, PARTICIPAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, IGREJA CATOLICA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), HISTORIA, CRIAÇÃO, ENTIDADE, COMUNIDADE INDIGENA, INCENTIVO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, SEPARAÇÃO, CIDADÃO, DENUNCIA, EVOLUÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, DESRESPEITO, CONFLITO, DIVERSIDADE, GRUPO ETNICO, OMISSÃO, SEGURANÇA NACIONAL, REGIÃO, FRONTEIRA, REPUDIO, IDEOLOGIA, MANIPULAÇÃO, INDIO, VINCULAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), REGISTRO, TRABALHO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, COMPROVAÇÃO, IRREGULARIDADE, AGRADECIMENTO, APOIO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA.
  • PROTESTO, INJUSTIÇA, INDENIZAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, MORADOR, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PARTE, VOTO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), QUESTIONAMENTO, PROCESSO JUDICIAL.
  • RECONHECIMENTO, CUMPRIMENTO, DECISÃO JUDICIAL, CONCLAMAÇÃO, CONTINUAÇÃO, DISCUSSÃO, DIVERSIDADE, AÇÃO JUDICIAL, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, FAMILIA, REITERAÇÃO, SUGESTÃO, MELHORIA, JUSTIÇA.
  • PROTESTO, PARALISAÇÃO, TRAMITAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, APRECIAÇÃO, SENADO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, REDUÇÃO, PODER, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, RECOMENDAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), MELHORIA, POLITICA INDIGENISTA.
  • ANUNCIO, ACOMPANHAMENTO, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF), EXECUÇÃO, RETIRADA, POPULAÇÃO, AREA, RESERVA.
  • CRITICA, POLITICA INDIGENISTA, FALTA, ASSISTENCIA, INDIO, FRUSTRAÇÃO, OMISSÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SITUAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), MOTIVO, INFERIORIDADE, NUMERO, ELEITOR.
  • CRITICA, DEMORA, DECRETO FEDERAL, TRANSFERENCIA, ESTADO DE RORAIMA (RR), TERRAS, UNIÃO FEDERAL, INCONSTITUCIONALIDADE, CONDICIONAMENTO, UTILIZAÇÃO, PROPRIEDADE, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, AUTORIA, ORADOR, CORREÇÃO, PROBLEMA, ACUSAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, ELEIÇÕES, REELEIÇÃO, SENADOR, LIDER, GOVERNO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, pelas palavras elogiosas. Quero realmente hoje abordar a questão do julgamento do STF que terminou ontem, pelo menos no seu ponto fundamental, central que era o da homologação da demarcação, embora existam vários pontos que devem ser ainda esclarecidos.

Mas, antes de entrar nesse assunto, Senador Mão Santa, devo dizer que ontem fiz um requerimento, junto com o Senador Augusto Botelho, de homenagem e de apresentação de voto de pesar pela morte do Sr. Said Salomão, que foi um dos pioneiros do Estado de Roraima, principalmente no comércio. S.S.a morreu aos 94 anos. Eu tenho também a satisfação de dizer que a filha dele, Drª Sumaia, médica é a minha segunda suplente. E, portanto, quero aqui, através do Senado, mandar a todo o Estado de Roraima, mas especialmente à família do Sr. Said, o meu abraço e a minha solidariedade.

Sr. Presidente, ontem nós assistimos ao término do julgamento da questão da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Há tantos anos, nós estamos lutando aqui neste Senado para que saísse uma demarcação, sim. Nós sempre quisemos uma demarcação, mas uma demarcação que fosse justa, não excludente, que não precisasse expulsar de lá 500 famílias, como estão sendo expulsas - portanto, cerca de duas mil pessoas -; que não se separasse famílias de índios casados com não índios, que estão presentes naquela região há pelo menos cinco gerações.

           E aqui estão três representantes da Associação dos Excluídos da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol: o seu presidente, Jefferson; o Vereador Edivan, do Município de Normandia, um dos Municípios atingidos pela demarcação; e o Francisco Carlos. Então, eles estão aqui e vieram assistir ao final do julgamento. Aparentemente, digamos assim, as ONGs, principalmente as ONGs internacionais, ganharam uma batalha. Eu diria que tiveram uma vitória de Pirro, porque, na verdade, essa é uma vitória - se é que se pode ser considerada uma vitória - uma vitória contra o Brasil.

Não é preciso sequer estar muito por dentro dessa questão para analisá-la. No meu Estado, só no meu Estado, nós temos agora 36 reservas indígenas demarcadas. Temos, portanto, a metade do Estado de Roraima, que é de 225 mil km² destinada a 30 mil índios. E onde estão os 30 mil índios, Senador Geraldo Mesquita? Nas aldeias? Não; eles estão nas cidades, 90% deles estão nas cidades; são funcionários públicos. Dos três Municípios atingidos, em dois Municípios os Prefeitos são índios; em outro, o Vice-Prefeito é um índio. Escolarizados, portanto. A maioria dos Vereadores do Município de Uiramutã é índio. Aliás, se se fizer um DNA naquela região, vai ser difícil encontrar mesmo alguém de pele clara que não tenha ascendência indígena. E o que é pior: muitos dos índios que estão lá não só não querem, não só não queriam essa demarcação dessa forma... E por quê? Porque a imprensa, infelizmente, levada pela Igreja Católica que secularmente é mestra nesse negócio de formar jargões, pechas, carimbar e estigmatizar as pessoas... No tempo da Inquisição, quem discordava da Igreja era herege, era bruxo, ia para a fogueira. Fazia-se sumariamente um processo inquisitorial e levava-se as pessoas para a fogueira. Modernamente, eles não fazem mais isso: excomungam. Excomungaram agora o médico, a mãe e a equipe que fez um aborto legal numa jovem de nove anos, estuprada pelo padrasto, que não tinha sequer condições médicas para levar a gestão a cabo, porque morreriam ela e os filhos. Mas não! A Igreja Católica tem uma lei escrita por seres humanos, que eles dizem que é a lei de Deus. A lei de Deus que eu conheço são os Dez Mandamentos que estão lá. Mas, quando a lei de Deus diz “Não matarás”, não entrou no detalhe genérico, porque há uma confusão de que querer separar ciência e religião; ciência e fé, porque religião é coisa abaixo da fé. Ciência não é uma coisa de Deus? Não foi dada por Deus? Não foi dada para melhorar a condição de vida das pessoas? Foi.

           Mas vamos aqui à Igreja Católica nessa questão da Raposa Serra do Sol. Plantou lá, primeiramente, o Padre Giorgio Dall Bem, que ficou numa comunidade indígena durante décadas preparando um trabalho de guerrilha. E o Conselho Indigenista de Roraima foi criado pelo Conselho Indigenista Missionário e passou a pregar o ódio dos índios da comunidade Maturuca contra os não índios.

           Eu nunca disse, como médico, que não deva haver uma questão humana no trato das minorias. Pelo contrário, como médico, eu não distingo entre uma pessoa de pele escura e pele clara, indígena, afrodescendente ou descendente de japoneses, de italianos. Não distingo; para mim são seres humanos.

           E o foco principal do nosso trabalho aqui na Comissão Temporária Externa do Senado, cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, foi o de esclarecer exatamente, de maneira muito honesta, aquela questão da reserva indígena Raposa Serra do Sol. E - repito - já havia sido demarcada uma superreserva ianomâmi, que foi outra farsa. Colocaram o nome ianomâmi para dizer que é uma etnia só, mas não é; são mais de cinco etnias que se matam entre si. Eles se matam até por causa de mulher. Quando falta, por exemplo, mulher numa tribo, eles atacam outra para roubar a mulher dos outros. Sabem por que isso acontece? Porque as mulheres engravidam na primeira menstruação, quando ainda não têm proporção, Senador Mão Santa - e V. Exª sabe bem do que estou falando -, não têm proporção feto-pélvica, isto é, a bacia dessa mulher não está formada ainda para parir, para ter um parto. Assim, há uma mortalidade materna muito grande, o que provoca uma carência de mulheres cada vez maior. E há, portanto, essa briga entre eles até por isso.

           Mas brigam também por espaço. E eles têm 4 milhões de hectares. São 4 milhões de hectares, maior do que a Raposa Serra do Sol. Mas isso se engoliu calado, e na região de fronteira com a Venezuela, pegando dois Estados brasileiros: Roraima, o maior, e o Amazonas.

Aí, como essa entrou, veio depois a Reserva São Marcos, pegando toda a rodovia BR-174, que vai até a Venezuela, de um lado e de outro. Tiraram centenas de pessoas que moravam lá; e, como não houve reação, partiu-se para a Raposa Serra do Sol.

É aquela história, como disse o grande poeta: no primeiro dia, eles vêm e pisam a grama no nosso jardim, e nós não dizemos nada; no segundo dia, vêm e roubam a nossa rosa, e não dizemos nada; no terceiro dia, eles vêm, matam o nosso cão, e também não dizemos nada; no quarto dia, vêm e cortam a nossa garganta, e aí já não podemos mais dizer nada. É o que aconteceu em Roraima, é o que vem acontecendo silenciosamente no Brasil todo.

Essa Comissão Temporária Externa do Senado não foi só lá a Roraima, não. Foi a Rondônia, ao Mato Grosso, a Santa Catarina. E o que nós constatamos? Em Santa Catarina, Senador Geraldo Mesquita, a Funai levou índios do Paraguai para poder ter índios em Santa Catarina, retirando colonos. E Santa Catarina é um Estado minifundiário. Não só é pequeno em extensão, como é dividido em minifúndios, e não em latifúndios. Mas plantaram lá índios vindos do Paraguai para criar um fato indígena de que havia, portanto, índios naquela região.

Mas e a demarcação da Raposa Serra do Sol? Nós constatamos aqui, na Comissão Temporária Externa, que contou com o apoio da Consultoria Legislativa do Senado e de juristas, que, em primeiro lugar, o laudo antropológico que fundamentava a demarcação era falso, era fraudulento, era criminoso. E, aí, a Ministra Ellen Gracie deu uma liminar suspendendo a demarcação.

Quando o Governo Lula viu que ia perder a questão no Supremo, o seu Ministro da Justiça à época, Thomaz Bastos, que já foi advogado da CNBB, pegou e fez uma artimanha jurídica. O que fez? Revogou num dia a portaria que havia delimitado a Reserva Raposa Serra do Sol, passou a informação para o Ministro Relator Carlos Ayres Britto, sem ter publicado a portaria. E o Ministro Carlos Ayres Britto, induzido a erro, portanto, pelo Ministro Márcio Thomaz Bastos, levou a matéria a plenário e considerou prejudicadas as ações porque a portaria não existia mais.

A Portaria nº 534, que ele editou em substituição - como eu disse, não publicada -, serviu para que o Presidente assinasse o decreto de homologação; portanto, com vícios insanáveis, completamente errada do ponto de vista jurídico. Alertamos para isso, mas, como disse o Ministro Marco Aurélio no julgamento, a Funai, a Advocacia-Geral da União, o Ministério da Justiça e a Assessoria que está perto do Presidente Lula - Alvarez e companhia, que têm uma ideologia sobre a questão social enferrujada, ultrapassada - levaram o Presidente a assinar o decreto de homologação.

Nós contestamos. Contestamos com base nos mesmos argumentos.

A área foi demarcada em 2005 e, nesse interregno, o Presidente Lula determinou duas operações da Polícia Federal que custaram milhões de reais, e para quê? Acompanhar a Funai, entrando de casa em casa com metralhadoras na mão, como se aqueles brasileiros que estão lá, ou que estavam lá alguns deles, fossem criminosos, a fim de avaliar unilateralmente as benfeitorias. Como aterrorizaram psicologicamente essas pessoas, elas acabaram aceitando a indenização.

E que reassentamento eles tiveram? A lei manda que seja uma terra equivalente. Quem tinha, por exemplo, quinhentos hectares lá no Mutum, na fronteira com a Guiana, deveria ter quinhentos hectares noutra região fora da reserva indígena. Mas não. O que fizeram? Pegaram essas famílias e lavaram para um assentamento de clientes da reforma agrária, que nada têm a ver com a situação deles. Eles não eram sem-terra; eles eram possuidores de terras há quatro gerações. Tudo isso foi escamoteado, foi encoberto. Procurou-se forjar, dentro do jargão que a Igreja Católica, as ONGs e essa esquerda enferrujada usam, uma briga entre meia dúzia de fazendeiros ou arrozeiros e os índios - como se todos os índios que estão lá quisessem esse tipo de coisa, e a maioria não quer.

Eu quero ler aqui, inclusive, uma matéria publicada hoje no Jornal Folha de Boa Vista, da minha terra: “Sodiur [Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima] alerta para conflito entre índios”.

Já alertei várias vezes aqui: o conflito vai se dar entre índios, porque lá uma minoria, que é do Conselho Indígena de Roraima (CIR), uma entidade corrupta comandada pela Igreja Católica, quer implantar uma espécie de apartheid, um modelo comunista até, e os outros não o querem. Os outros não são ligados à Igreja Católica, são ligados aos evangélicos ou não têm religião e querem viver de forma diferente. Eles dizem:

Mesmo antes de o Supremo Tribunal Superior (STF) concluir o julgamento da ação que pedia a revogação do decreto que definiu a demarcação contínua de 1,7 milhão de hectares da reserva Raposa/Serra do Sol, lideranças indígenas ligadas à Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios do Norte de Roraima) [e há outras, como a Arikom e a Alidcir, mas lá a Funai vende para a imprensa a imagem de que só há o CIR] alertam para o possível conflito entre índios na disputa pela terra.

           A opinião é do tuxaua da comunidade do Flexal, município de Uiramutã, Abel Barbosa, secretário-geral da Sodiur. Ele procurou A Folha para rebater as declarações do coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza.

Olha aí: discussão entre um grupo de índios e outro grupo de índios. Portanto, desmascara-se a história de que existe só um pensamento de um grupo uniforme de índios, o que não é verdade. Infelizmente, o Supremo foi induzido a erro pelo Governo, porque creio que os Ministros, de boa-fé, acreditaram nas informações oficiais que deram a Funai e a Advocacia-Geral da União (AGU). O próprio Ministério Público foi induzido a erro; lá existe, por exemplo, a Drª Duprat, Procuradora que, em vez de ser uma agente do Ministério Público, é uma militante da causa indigenista e que não está preocupada com o direito, mas, sim, com a ideologia. Então, essas pessoas procuram encontrar argumentos jurídicos para embrulhar, como disse o Ministro Marco Aurélio, esse pacote da forma como foi embrulhado.

O Ministro Marco Aurélio, no seu voto preliminar, listou algumas questões que não podiam sequer permitir que aquele julgamento terminasse, porque existiam vícios jurídicos insanáveis. Nem estou falando dos vícios administrativos, do laudo mentiroso e fraudulento que motivou essa demarcação. O Ministro disse que teria de sanear alguns pontos para que o processo pudesse continuar e pudesse ser julgado. São palavras dele:

Então, cumpre sanear o processo, providenciando-se:

a) a citação das autoridades que editaram a Portaria nº 534/05 e o Decreto que a homologou [Quem são essas autoridades? O Presidente da República e o Ministro da Justiça, que não foram citados];

b) a citação do Estado de Roraima e dos Municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia [não foram citados; o Governo de Roraima entrou depois no feito por conta própria, mas não foi citado no andamento desse processo];

c) a intimação do Ministério Público para acompanhar, desde o início, o processo;

d) a citação de todas as etnias indígenas interessadas.

O Ministro Marco Aurélio teve o cuidado de ver que lá existem cinco etnias que pensam diferentemente, Senador Mão Santa. Às vezes, até dentro de uma etnia mesmo, existe um grupo de índios que pensa de um jeito e outro grupo de índios que pensa de outro. E o que se está pretendendo ali é colocar esses índios no abandono, para, amanhã, o CIR comandar todo mundo, mas eles não aceitam.

Concluo as outras providências que, segundo o Ministro, devem ser tomadas: “e) a produção de prova pericial e testemunhal; f) a citação dos detentores de títulos de propriedades consideradas frações da área envolvida, em especial dos autores de ações em curso no Supremo”.

Vejam bem que há mais de trinta ações e que foi analisada só a ação movida por mim e pelo Senador Augusto Botelho. Não analisaram sequer a ação movida pelas próprias comunidades indígenas que não concordam com o CIR.

Há uma máxima que diz: “Decisão do Judiciário não se discute, cumpre-se”. Não! Vamos cumprir, mas vamos discutir. Vamos entrar, eu e o Senador Augusto Botelho, com uma ação competente - não sou advogado, mas acho que são embargos declaratórios -, para que o Supremo explicite coisas que não ficaram muito claras, como, por exemplo, a situação das famílias que são miscigenadas. Como ficam essas famílias? E aqueles que tinham títulos anteriores ao chamado Fato Indígena, que é de 1934, ou, mais ainda, o Fato Indígena mais legal, que é de 5 de outubro de 1988, como aliás o Supremo acatou? Então, isso tem de ser esclarecido. E mais, Senador Geraldo Mesquita, disse o Ministro Marco Aurélio: “Que o Colegiado não silencie sobre essas matérias!”. Infelizmente, eles silenciaram.

Até entendo que os Ministros que votaram contra nossa opinião tentaram buscar um meio-termo, uma solução que pudesse atender a ambas as partes ou a todas as partes. Não são só duas partes, são dois ou três tipos de índios pelo menos que pensam de maneira diferente, são os miscigenados que estão lá, são os não indígenas que estão lá há quatro gerações, como é o caso dos três que estão aqui representando os excluídos da Raposa Serra do Sol, que formam a quarta geração de pessoas que foram para lá. É a quarta geração de pessoas que foram para lá.

E tudo isto nós estamos fazendo, Senador Geraldo Mesquita, no Brasil: expulsando, desterrando brasileiros das suas próprias terras. E que terras? Uma terra na faixa de fronteira com a Guiana e com a Venezuela. Coisa parecida só se viu no tempo de Hitler, na Alemanha, e de Stalin, na Rússia. Isso está sendo feito pelo Brasil. E o Brasil, segundo o slogan do Governo Lula, “é um País de todos”. Mas que todos são esses? Eles não fazem parte desse todo? Não fazem parte desse todo? Parece que não. Para os xiitas da ideologia enferrujada desse mecanismo chamado indigenato, eles não fazem parte disso. Nem sequer os índios que pensam diferente dessa tese também fazem parte disso.

Mas, Senador Mão Santa, tive a preocupação, antes do julgamento, de enviar aos Ministros sugestões, já que sou autor, junto com o Senador Augusto Botelho, da ação que estava sendo apreciada, para que, pelo menos, ao decidir, alguns pontos fossem levados em consideração.

Primeiro, é preciso respeitar as diversas etnias e suas organizações, que devem ter liberdade para se organizarem, trabalharem e viverem conforme suas decisões, observados os limites legais, isto é, não pode haver lá a implementação de uma espécie de república do CIR e esmagar todos os que pensam de forma diferente. É preciso permitir que a Sodiur, a Alidcir, a AriKom, as diversas comunidades indígenas tenham suas próprias decisões, que não estejam lá subordinadas a uma espécie de imperador chamado Dionito, que, por sinal, não mora na reserva, Senador Mão Santa, mora em Boa Vista, na Capital. Anda muito bem de carro para cima e para baixo. Aqui, ontem, ele estava de cocar na cabeça; lá, ele anda muito bem vestido, como qualquer não índio bem vestido.

O segundo ponto é o seguinte: é preciso retirar, isto é, excluir da reserva as vilas de Mutum - na linha de fronteira com a Guiana -, de Socó, de Água Fria e de Surumu, esta no limite externo da reserva, já fazendo fronteira não com a Guiana, mas com o próprio Brasil, vamos dizer assim. Isso também não foi acatado. Estão riscando do mapa quatro pequenas cidades centenárias. Quem está riscando? É algum estrangeiro, Senador Mão Santa? Houve uma invasão ao Brasil? Não, é o Governo Lula que está fazendo isso. É o homem do “Brasil de Todos”.

Em terceiro lugar, é preciso haver a reavaliação judicial dos que tiveram suas propriedades avaliadas unilateralmente pela Funai, para justa indenização das famílias que sejam excluídas da reserva.

Em quarto lugar, deve-se proceder à manutenção dos proprietários com documento de posse anteriores à Constituição de 1934. Por que falei aqui de 1934? Porque a Constituição de 1934 foi a primeira do Brasil que se referiu ao direito indígena. Antes disso, não havia essa questão. E, no Supremo, também ficou estabelecido o que eles resolveram chamar de Fato Indígena, que as terras seriam demarcadas. Aliás, ao pé da letra, não podiam demarcar mais nada, porque a Constituição deu o prazo de cinco anos para o Governo demarcá-las, mas já se passaram vinte anos. Portanto, ao pé da letra da Constituição, não poderia haver mais nenhuma demarcação no Brasil.

O quinto ponto é o seguinte: deve-se dar prazo de um ano para os que tiverem de ser excluídos da reserva se retirarem. Um ano? Não se está retirando apenas animais de lá. Estão se retirando seres humanos que têm sentimentos, que têm família. Não é a propriedade pura e simplesmente! Eles nunca serão indenizados do aviltamento dos sentimentos gerados pela situação em que estão sendo vítimas.

Em sexto lugar, é preciso fazer uma análise da recomendação das comissões externas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal sobre a demarcação da reserva.

Em sétimo lugar, deve-se dar atenção para a questão da soberania nacional na tríplice fronteira onde se encontra a reserva, isto é, com a Guiana e com a Venezuela.

Sr. Presidente, é verdade que alguns desses pontos foram acolhidos nos dezenove itens que o Supremo resolveu colocar como recomendações adicionais, que, no meu entender, valem, porque isso deveria estar explicitado em lei, Senador Geraldo Mesquita. Mas o Presidente Lula não deixa o Congresso legislar; é só ele que legisla! Se aprovamos alguma matéria aqui, ela vai para a Câmara e não tem andamento, porque lá ele conta com uma maioria esmagadora, fiel demais até. Então, não se muda nada.

Apresentei uma emenda constitucional aqui, em 1999, propondo que toda reserva indígena passasse pela apreciação do Senado. Quer dizer, a Funai fazia a demarcação, mas nós apreciávamos. Afinal de contas, o que é uma reserva indígena? É retirar terra do Estado e dizer que esta passa a ser federal. E o Senado, que representa os Estados, não é ouvido? É um absurdo isso!

A emenda foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e veio para o plenário, onde teve cinco sessões de discussão. Na quinta sessão, o Senador Aloizio Mercadante, que então era Líder do Governo Lula, pediu que a matéria voltasse à CCJ para reexame. E aí botou-a na gaveta. Espero ressuscitá-la agora.

Não vou ler os dezenove itens, vou pedir que eles sejam transcritos, mas quero chamar atenção para algumas coisas que são avanços. Houve um avanço, pelo menos: é vedada a ampliação de terra indígena já demarcada. Pelo menos quem está perto daquela reserva em Roraima pode dormir sossegado, pois não haverá amanhã outra expansão de área. Pelo menos isso foi uma grande vitória.

Em segundo lugar, os índios não podem explorar os minérios, o potencial energético. É o que essas ONGs querem, e é o que vão fazer, porque o Governo do Brasil não tem capacidade de fiscalizar uma área daquele tamanho naquela fronteira. Vão fazer isso, sim, como já fazem hoje. O descaminho hoje é de diamante, de ouro; amanhã, vai ser de urânio, de nióbio, porque não há fiscalização naquela fronteira, como não há fiscalização na reserva Ianonami, nem nas reservas indígenas da Amazônia toda.

Então, quero pedir, Senador Mão Santa, que esses dezenove itens sejam transcritos.

Quero chamar a atenção, Senador Heráclito, para outro fato. Há outra reserva no sul do Estado dos índios Waimiri-atroaris, que fecham uma rodovia federal às seis horas da tarde. E o domínio da rodovia federal foi excluído da reserva, não é reserva, mas eles a fecham, e fica por isso mesmo. Agora, o Supremo diz claramente que não pode haver barreiras ou cobrança de pedágio de qualquer forma.

Espero que, portanto, tenhamos tido uma vitória parcial, é verdade. A reserva indígena Raposa Serra do Sol, portanto, meu Estado, está servindo de “boi de piranha” para salvar outras demarcações que estão em curso, ao estilo da Funai, ao estilo dessa instituição que deveria ser extinta, porque está contaminada, está completamente vendida.

Então, acho que demos um passo. Já pedi audiência com o Ministro Ayres Britto e com o Presidente do Tribunal Regional Federal. Aliás, o Supremo delegou ao Presidente do Tribunal Regional Federal a execução das medidas de retirada, porque, se deixar isso nas mãos da Polícia Federal, que obedece às ordens desse Ministro também meio desorientado, que é o Ministro Tarso Genro, é capaz de ele mandar acorrentar todo mundo lá e expulsar na marra. Aliás, a Funai fez, há poucos dias, não uma licitação, mas um edital para contratação de operadores de máquinas pesadas. Para quê? Para derrubar a casa das pessoas que estão lá? Para rebocar todo mundo de lá?

Senador Mão Santa, vou pedir ao Presidente Sarney que me designe para acompanhar esse trabalho de perto. Vou falar com o Presidente do Tribunal Regional Federal, vou falar com o Ministro Carlos Ayres Britto, porque o mínimo que se pode exigir agora é que haja respeito à dignidade dessas pessoas, para que essas pessoas sejam, pelo menos, indenizadas materialmente, já que indenizadas espiritualmente, sentimentalmente, jamais serão. A pessoa não pode ser obrigada a morar onde não quer. Eles escolheram morar lá há quatro gerações e vão ter de sair, sob a falsa bandeira de que os índios querem isso. Não o querem. Está aqui. Vou pedir para transcrever este documento também. Os índios não o querem. Há uma ação no Supremo movida pelos índios, que não o querem. Mas não adiantou. Vale o que a Funai quer.

Aliás, o Ministro Gilmar Mendes disse uma frase que merece ser repetida aqui, Senador Geraldo Mesquita e Senador Mão Santa: demarcação de terra indígena é uma coisa muito séria para ficar nas mãos da Funai. Não pode ficar mesmo, Senador Heráclito! Essa demarcação de terras indígenas é um negócio muito sério para a soberania nacional, muito sério para a questão da defesa do território nacional, muito sério para os índios. E o que a Funai faz é demarcar terra e esquecer os seres humanos lá, ao Deus dará. Essa é que é a realidade.

O General Heleno, ex-Comandante da Amazônia, disse muito bem: a política indigenista do Brasil é um caos, é desumana com os índios! Não é desumana só com os não índios que estão por perto, não. É desumana com os índios. E assino embaixo a declaração do General, como assino embaixo a do Ministro Gilmar Mendes de que esse assunto de demarcação de terras indígenas é assunto muito sério para ficar na mão só da Funai. A Funai precisa, inclusive, ser investigada, passada a limpo, porque, há muito, é comandada por grupos que não estão muito preocupados com os interesses nacionais. Não estão muito preocupados com isso.

Então, quero deixar hoje, aqui, registrado, Senador Mão Santa, primeiro meu respeito à decisão do Supremo, mas minha discordância. Vou entrar com embargos de declaração, para que o Supremo explicite melhor certas coisas que ficaram nebulosas na minha cabeça e na cabeça de muita gente. Vou, ao mesmo tempo, acompanhar a ação do Governo Federal naquela região. Agora, lá, há dois tipos de cidadãos: cidadãos estaduais e cidadãos federais. Mas ai dos cidadãos federais que estão lá, que são os índios e as índias, se não fosse o Estado de Roraima dar escola, posto médico, transporte! Na verdade, o que o Governo Federal faz é só charme ao dizer que demarcou terra indígena.

Lamento muito, Senador Mão Santa, que um homem como o Presidente Lula, que veio da pobreza, um homem cuja trajetória de sofrimento será mostrada em um filme a ser lançado, não esteja vendo o sofrimento dessas pessoas. Lamento muito que ele tenha chancelado isso. Ele vai ficar na história mesmo como um homem que não se preocupou com todos, de jeito nenhum. Talvez, ele tenha se preocupado com todos os cupinchas dele, com todos os que dizem amém para ele. Aliás, tenho dito aqui: o Presidente Lula não aprendeu, em dois mandatos, que ele tem de ter oposição e tem de prestar atenção ao que a oposição diz, porque tudo que a oposição diz ele e os cupinchas dele encaram como se estivessem falando mal dele, como se ele não merecesse crítica, como se ele não errasse, como se ele fosse uma espécie de professor de Deus.

Quero dizer aqui: realmente, o Estado de Roraima fez muito bem quando, na eleição passada para Presidente, derrotou o Presidente Lula no primeiro e no segundo turno. Derrotou-o fragorosamente. Por quê? Porque o Presidente Lula, inclusive na conversa que tivemos, com o ex-Governador Otomar presente, chegou a perguntar, em tom de blague, quantos eleitores havia em Roraima, como quem diz: “Estou ‘c’ e andando para duzentos e poucos mil eleitores. Vou à USP, em que há mais de mil eleitores, e me questionam sobre essa reserva. Vou à OEA, e me questionam”. Aí eu disse para ele: “Presidente, por favor, não trate Roraima considerando o número de pessoas, considere a dignidade e o respeito por essas pessoas”. Se fosse assim, o que ele foi fazer em países como, por exemplo, a Guiana, que tem 800 mil habitantes, que tem menos habitantes que o Amazonas, que o Pará, que Rondônia? O que ele foi fazer lá? Pelo número de pessoas, ele não deveria ir lá. Aliás, o Presidente Lula gosta muito de Roraima. Ele já foi à Guiana, já foi ao Suriname, já foi à Venezuela várias vezes, passando por cima de Roraima, mas não vai a Roraima. Ele não vai a Roraima. E espero que o povo de Roraima continue com esse brio que tem e dê a resposta aos áulicos do Governo Lula, que não levam em conta o que dizem aqui, no Senado, os que não “puxam o saco” do Governo e também os Deputados Federais que têm ficado roucos de tanto falar e não são ouvidos.

Quero também prestar minha homenagem à Assembleia Legislativa do Estado, que nomeou uma comissão para me acompanhar nos trabalhos que fizemos. Foram cinco Deputados Estaduais designados pelo Presidente Messias.

Presto homenagem a todo o povo de Roraima, que está cansado de sofrer nas mãos deste Governo, que, agora, às vésperas da eleição do ano que vem, está mandando recados, por seu líder no Senado, de que vai resolver isso, aquilo e aquilo outro. Assinou um decreto de transferência de terra. É um decreto que tem uma cláusula, Senador Geraldo Mesquita, que diz assim: “Tem de usar a terra assim, assim e assim, sob pena de revertê-la para a União”. A terra não é da União. A Constituição está dizendo, nas Disposições Transitórias, que o Estado de Roraima compreende-se no limite geográfico do ex-Território. Portanto, nada mais cristalino que o fato de que tudo que está dentro daquele limite é do Estado. Mas o Presidente Lula assinou esse decreto, condicionando a questão. É como se eu desse um pirulito para uma criança e dissesse assim: “Se você fizer isso, eu tomo o pirulito”. Entrei com decreto legislativo aqui para tirar essa expressão, porque não tem de reverter à União coisa alguma. Ele não fez favor algum em assinar esse decreto; aliás, demorou demais, assinou agora porque talvez ele queira a reeleição do líder do Governo lá, em Roraima, para continuar Senador aqui. Mas tenho certeza de que o povo de Roraima vai saber distinguir muito bem as coisas. Por que algumas coisas estão sendo feitas agora e não foram feitas desde o início do Governo Lula? Por que estão sendo feitas agora e não foram feitas quando ele foi reeleito, embora ele tenha perdido em Roraima? E espero que os candidatos dele em Roraima percam de novo.

Senador Mão Santa, quero pedir a transcrição das matérias que li, às quais fiz alusão, porque, hoje, quero dizer para meus conterrâneos, não só aos três que representam aqui os excluídos da Raposa Serra do Sol, mas a todos que estão me ouvindo em Roraima, que a luta não parou. Vamos acompanhar até o final a execução da ordem que o Supremo deu para o Tribunal Federal Regional. E espero que a dignidade e o direito sejam respeitados. E vou fiscalizar.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

-     Folha de Boa Vista: “Sodiur alerta para conflito entre índios”.

-     Notícias STF: “STF impõe 19 condições para demarcação de terras indígenas”.

-     “Sugestões por ocasião do julgamento do processo sobre a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol - Roraima”.

-     Trecho da Pet Nº 3.388/RR.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2009 - Página 5931