Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A ameaça ao programa espacial brasileiro em razão da desapropriação de terras no Município de Alcântara, no Maranhão, para quilombolas.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • A ameaça ao programa espacial brasileiro em razão da desapropriação de terras no Município de Alcântara, no Maranhão, para quilombolas.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2009 - Página 6155
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • APREENSÃO, VIABILIDADE, CONTINUAÇÃO, ATIVIDADE ESPACIAL, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), MOTIVO, MOBILIZAÇÃO, DESCENDENTE, ESCRAVO, REIVINDICAÇÃO, DIREITO DE PROPRIEDADE, TERRAS, MUNICIPIO, ALCANTARA (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA).
  • AVALIAÇÃO, VANTAGENS, LOCALIZAÇÃO, ECONOMIA, COMBUSTIVEL, LANÇAMENTO, SATELITE, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), IMPORTANCIA, TECNOLOGIA, SEGURANÇA NACIONAL, ACESSO, INFORMAÇÃO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, RECONHECIMENTO, QUILOMBOS, REGIÃO, REGISTRO, ANTERIORIDADE, REGIME MILITAR, IRREGULARIDADE, DESAPROPRIAÇÃO, AREA, DESTINAÇÃO, AERONAUTICA, FALTA, ASSISTENCIA, FAMILIA, ASSENTAMENTO RURAL, SEMELHANÇA, SITUAÇÃO, SUBDESENVOLVIMENTO, ATUALIDADE.
  • REGISTRO, ATRASO, LUCRO, BRASIL, LANÇAMENTO, FOGUETE, ESTADO DO MARANHÃO (MA), PARCERIA, PAIS ESTRANGEIRO, UCRANIA, CONSTRUÇÃO, BASE, DIFICULDADE, CONCILIAÇÃO, TERRAS, QUILOMBOS, APOIO, ORADOR, PROPOSTA, AERONAUTICA, EXPECTATIVA, SIMULTANEIDADE, ATIVIDADE ESPACIAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


         O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o programa espacial brasileiro está ameaçado de virar uma peça de ficção, graças a uma conjunção: equívocos cometidos no passado juntaram-se à intransigência que prevalece no presente. Quase 17 mil pessoas que se auto-intitulam descendentes de escravos reivindicam direitos de propriedade sobre mais de metade das terras do município de Alcântara, no Maranhão. Acontece que é lá que está situado o centro de lançamento de satélites do nosso programa espacial.

O local não foi escolhido sem motivo. Alcântara fica a dois graus ao sul da Linha do Equador, ou seja, a dois graus da inclinação máxima do planeta. Isto proporciona um impulso extra para o lançamento de foguetes que transportam satélites, garantindo uma economia de 30% de combustível. Para fazer um satélite entrar em órbita, economiza-se cerca de 5 milhões de reais com o lançamento desse ponto da Terra.

Satélites, nos dias de hoje, fornecem recursos que se tornaram parte do nosso cotidiano. Garantem a segurança nacional, permitem controlar o tráfego aéreo e a navegação, detectam com antecedência uma variedade de desastres naturais, servem à agricultura - para citar algumas entre inúmeras finalidades. O mercado de foguetes e satélites movimenta atualmente mais de 350 bilhões de dólares por ano em todo o mundo.

No final de 2008, o governo federal reconheceu como propriedade dos quilombolas 780 quilômetros quadrados ao norte da península de Alcântara, praticamente decretando a morte do programa espacial brasileiro, caso continue no Maranhão. A Base Espacial de Alcântara ficou com pouco mais de 90 quilômetros quadrados, extensão insuficiente para a concretização de seus objetivos.

A raiz do problema está na desapropriação pelo governo militar, na década de 1980, de 620 quilômetros quadrados do município de Alcântara, que foram entregues à Aeronáutica, mas nunca tiveram sua situação regularizada. Para complicar a situação, anos depois centenas de famílias foram deslocadas de suas terras, no litoral, para agrovilas, e ficaram privadas de sua principal fonte de sustento, a pesca. Promessas de auxílio técnico para que pudessem se dedicar à lavoura não foram cumpridas.

Diante desse quadro de conflito, o governo optou por considerar legítimas as pretensões dos quilombolas, descartando uma solução conciliatória que teria levado em consideração os direitos dos habitantes e ao mesmo tempo garantido a continuidade do programa espacial.

Os quilombolas de Alcântara, agora donos de tanta terra, vivem da mesma maneira que seus ancestrais do século 19. Cultivam roças de melancia, arroz, mandioca e milho, além de pescar. Não há luz elétrica, a fonte de iluminação nas casas de barro, palha e terra batida são lamparinas de querosene. A água vem dos igarapés e os banheiros são buracos escavados no chão. As estradas são péssimas e não há escolas - a única existente foi desativada porque não havia alunos em número suficiente.

É mais um exemplo de como estamos tratando de maneira equivocada a questão da concessão de terras para quilombolas e índios. Limitamo-nos a ceder grandes extensões, sem refletir que estamos fazendo dessas populações latifundiários miseráveis. De onde vão tirar recursos para modernizar seus métodos de cultivo, para construir escolas, para viver de acordo com padrões mínimos de conforto e decência? Na verdade, o que fazemos, com a melhor das intenções, é criar reservas em que elas viverão como em zoológicos. Só falta cobrar ingressos para que os moradores de centros urbanos possam conhecer sua existência primitiva.

Há algum tempo, o Brasil criou, juntamente com a Ucrânia, uma empresa binacional para explorar comercialmente um sítio de lançamento de foguetes, numa tentativa de tornar o programa lucrativo. Com a decisão favorável aos quilombos, a empresa teve que abandonar os trabalhos na área reclamada e concentrá-los dentro do centro de lançamento pertencente à Aeronáutica. Resultado: o cronograma está atrasado em um ano. A construção da base só começa no próximo mês, enquanto os ucranianos cumprem sua parte, montando o foguete Cyclone 4 dentro do prazo.

A largada do programa espacial brasileiro aconteceu há 30 anos, mas continuamos usando bases no Exterior para nossos lançamentos. Os últimos 3 partiram da China. Além disso, estamos perdendo a oportunidade de lançar foguetes transportadores de satélites para clientes como Holanda, Japão e Alemanha. Eles certamente optarão pela base francesa de Kourou, na Guiana, Ela tem 85 mil hectares. Quanto a nós, sequer conseguimos garantir o espaço mínimo, que seria de 20 mil hectares.

Numa proposta conciliatória, a Aeronáutica defende a criação de “ilhas” dentro das terras dos quilombolas. Com uma extensão total de 60 quilômetros quadrados, elas permitiriam a construção de áreas de lançamento e, ao mesmo tempo, não desalojariam os moradores. A idéia, contudo, foi rejeitada pelos povoados e pela Secretaria Especial da Igualdade Racial.

O mais espantoso é que muitos quilombolas reconhecem que a permanência do centro de lançamento de foguetes em Alcântara representa uma garantia de que não estarão condenados à miséria. Só os impostos pagos pela base constituem quase metade da arrecadação do município. Uma conciliação permitiria que os moradores cobrassem a concretização das promessas feitas nos anos 1980, e iniciassem uma trajetória que os distanciaria do atraso em que vivem atualmente. Mas, se o radicalismo prevalecer - e, infelizmente, é o que tem acontecido em casos semelhantes -, os novos latifundiários de Alcântara estarão condenados a repetir a rotina dos bisavôs, presos a um passado de miséria. E, se quisermos que o Brasil ingresse de uma vez na era espacial, teremos que procurar outra localização para o programa, e começar tudo de novo...


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2009 - Página 6155