Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Agradecimentos aos seus Pares pela aprovação da lei que deu maioridade ao cooperativismo brasileiro. Apelo no sentido da apreciação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Projeto de autoria de S.Exa., que legaliza, no Brasil, a ortotanásia (morte correta).

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COOPERATIVISMO. CODIGO PENAL.:
  • Agradecimentos aos seus Pares pela aprovação da lei que deu maioridade ao cooperativismo brasileiro. Apelo no sentido da apreciação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Projeto de autoria de S.Exa., que legaliza, no Brasil, a ortotanásia (morte correta).
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2009 - Página 7021
Assunto
Outros > COOPERATIVISMO. CODIGO PENAL.
Indexação
  • AGRADECIMENTO, SENADO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), AUTORIA, ORADOR, GARANTIA, AUTONOMIA, COOPERATIVISMO, BRASIL, FACILITAÇÃO, ACESSO, RECURSOS, FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT).
  • SOLICITAÇÃO, AGILIZAÇÃO, APRECIAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, DISCRIMINAÇÃO, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, INSTRUMENTO, MANUTENÇÃO, VIDA HUMANA, HIPOTESE, CONFIRMAÇÃO, ATESTADO MEDICO, PROXIMIDADE, MORTE, CONSENTIMENTO, PACIENTE, MEMBROS, FAMILIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, LIBERDADE, PACIENTE, AUSENCIA, TRATAMENTO MEDICO, MANUTENÇÃO, VIDA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Obrigado a V. Exª pela generosidade do seu coração.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero ver se cumpro com meu tempo e também dizer que, mais uma vez, agradeço aos companheiros do Senado pela aprovação da lei que deu maioridade ao cooperativismo brasileiro, na última terça-feira.

Os cooperativistas do Brasil inteiro, a Organização das Cooperativas Brasileiras, todos estão se manifestando em agradecimento ao Senado por esse documento importante, essa lei complementar.

Soube agora que o Presidente da República atribui tanta importância a essa lei que, no dia de sancioná-la, vai convidar todas as organizações cooperativas do Brasil a enviarem um representante para assistirem ao ato solene de sanção da lei.

Mas há um outro projeto meu, Sr. Presidente, pelo qual venho batalhando e que está tramitando há quase dez anos - como foi aquele projeto das cooperativas, dez anos entre o dia em que apresentei e o dia em que foi aprovado aqui. É o projeto que legaliza, no Brasil, a ortotanásia.

Está acontecendo, Sr. Presidente, uma anormalidade legal, porque alguns Estados brasileiros, por não haver uma lei federal - porque, regulando sobre a vida, tem que ser uma lei da Federação, uma lei nacional, uma lei saída do Congresso Nacional -, estão legislando sobre a autorização para a ortotanásia. E agora, recentemente, o Conselho Nacional de Medicina fez um regulamento sobre a ortotanásia, sendo que os médicos têm medo de cumpri-lo porque, como não é uma lei, eles podem, a qualquer momento, ser processados por terem praticado um ato que não tem previsão em lei.

Eu queria dar uma ligeira explicação, se V. Exª me permite, sobre a definição de ortotanásia. Antes de qualquer consideração, é necessário que expliquemos o que é a eutanásia, a ortotanásia e a distanásia.

V. Exª como cultor da língua grega, Sr. Presidente, percebe que eutanásia etimologicamente significa “boa morte” ou morte sem dor, sem sofrimento, resulta da junção de dois vocábulos gregos: eu, que pode significar bom, e thanatos, que significa morte. Esse era o sentido original, mas o fato é que a eutanásia ganhou uma nova significação em nosso tempo. Seu conceito mudou e ela passou a ser um processo que age sobre a vida, antecipando a morte, para que supostamente abrevie-se o sofrimento. Adianta-se o fim de um paciente vítima de doença incurável sob o pretexto da compaixão.

Em nosso Código Penal, a eutanásia é crime. Outros países preveem redução de pena para casos de eutanásia, considerando-os homicídios atenuados, mas não deixando de enquadrá-los como crime.

A distanásia, por sua vez, é o prolongamento artificial da vida com sofrimento do paciente. Mesmo quando a ciência não dispõe de qualquer método capaz de prover a melhora ou garantir a cura, insiste-se num tratamento inútil. Consiste, portanto, num prolongamento da morte e não da vida, que em nada beneficia o doente, pois não há expectativa de sucesso no tratamento. É o que os especialistas chamam de “obstinação terapêutica”. E muitos hospitais gostam disso. V. Exª é médico e sabe que, no caso de um paciente rico, vão prolongando a vida, principalmente na UTI, porque tem uma beleza de faturamento.

Roxana Cardoso Borges, doutora em Direito Civil pela PUC, diz que os tratamentos médicos tornam-se um fim em si mesmos, deixando o ser humano em segundo plano. O que interessa é a tecnologia. Esta passa a ser o foco das atenções dos profissionais da medicina, e a ela se subordinam os direitos do doente.

Chegamos, enfim, à ortotanásia. Seu significado etimológico é “morte correta”: orto, em grego, quer dizer certo, e thanatos, como já vimos, morte. É a morte tranqüila, sem dor, sem sofrimento.

O exemplo mais atual que temos foi o do Papa. Ele estava agonizante, ofereceram a ele conduzi-lo para um hospital, entubá-lo, e ele poderia viver mais uns quinze dias, talvez, naquela situação, incurável, marchando para a morte, de uma maneira que não haveria interrupção. Ele disse: “Não, eu quero encontrar meu Pai aqui no meu leito”.

A ortotanásia é praticada, sempre pelo médico, quando o doente já está em processo de morte, e consiste em deixar que o processo siga seu curso natural, sem o prolongamento por meios artificiais. Ou seja, o médico não prolonga a agonia do paciente contra a sua vontade, a vontade do paciente.

Reconhecemos a morte como um componente natural da vida dos seres humanos. Ou seja, ser mortal faz parte da nossa condição. Temos, portanto, o direito de morrer com dignidade, e este direito inclui o de evitar tratamentos que só causam sofrimento.

Não se pode confundir a defesa do direito à morte digna com a do direito à morte, ou seja, a defesa de métodos que apressem o fim do paciente. É o que ocorre no caso da eutanásia, que age sobre a morte no sentido de antecipá-la. Já a ortotanásia age para evitar a distanásia, isto é, o prolongamento artificial do processo de morte. A ortotanásia deixa que esse processo se desenvolva naturalmente - ela não causa a morte, que já está em curso, apenas evita o sofrimento sem propósito do paciente.

É praticamente unânime entre os juristas o reconhecimento de que todos temos a prerrogativa de autodeterminação a respeito dos últimos momentos de nossa vida. Não há como negar que o sistema médico passou por uma desumanização progressiva com a criação de grandes centros de tratamento, equipados com aparato resultante de avanços tecnológicos.

Um doente que neles ingressa pode ter certos órgãos do seu corpo mantidos em funcionamento indefinidamente por aparelhos que se limitam a isto: fazê-los funcionar sem oferecer qualquer perspectiva de cura ou de melhora.

É admissível submeter alguém a práticas médicas abusivas e excessivas em nome do uso de recursos tecnológicos que suprimem qualquer feição humana do final da vida? Podemos subtrair a uma pessoa a faculdade natural de apropriar-se da própria morte, de encerrar sua passagem pela Terra da maneira como deseja? A morte digna é um direito fundamental do homem, do qual ele jamais pode ser privado.

Gosto de lembrar - e disse aqui há pouco -, a propósito da ortotanásia, o exemplo do Papa João Paulo II, que pediu que não fossem utilizados aparelhos para prolongar sua vida. Já sem esperanças de cura, preferiu morrer em seu quarto, aguardar o encontro com Deus fora do frio ambiente de uma UTI. O mesmo João Paulo II, na encíclica Evangelium Vitae, O Evangelho da Vida, de 1995 - e aí vou citar o Papa -, considerou perfeitamente legítima a ortotanásia. Diz a encíclica papal:

A ortotanásia se distingue da eutanásia por ser a decisão de renunciar ao chamado “excesso terapêutico”, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionais aos resultados que se poderiam esperar, ou ainda porque demasiado pesadas para ele e sua família. Nessas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se, em consciência, renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso à vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes.

Mais adiante, escreve o Papa: “A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia. Exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte”.

Em 1980, a Declaração sobre a Eutanásia, da Congregação para a Doutrina da Fé, aprovada por João Paulo II, já antecipava o teor da Encíclica, ao determinar que, na iminência de uma morte inevitável, é legítimo tomar a decisão de renunciar a tratamentos que apenas prolongariam a vida de forma dolorosa. Por isso, o médico não tem motivos para se angustiar, como se tivesse praticado o crime de omissão de socorro.

Antes de João Paulo II, Pio XII, em 1957, já afirmava ser lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a consequência de limitar a consciência ou abreviar a vida, “se não existem outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais”.

O padre e teólogo paulista Márcio Fabri dos Anjos, especialista em ética religiosa, considera o prolongamento não razoável da vida a qualquer custo uma forma de distanásia - a morte lenta e sofrida.

Tramita, desde abril de 2000, nesta Casa, projeto de lei de minha autoria que altera o Código Penal, excluindo da ilicitude a ortotanásia. Meu projeto, que completa nove longos anos de tramitação, diz que não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.

Ressalte-se que, de acordo com o projeto, essa exclusão de ilicitude refere-se à renúncia ao excesso terapêutico. Ela não se aplica se houver omissão de meios terapêuticos ordinários ou dos cuidados normais devidos a um doente, com o fim de causar-lhe a morte.

Em São Paulo, em 1999, o então Governador Covas assinou uma lei estadual regulando sobre a vida - que é objeto exclusivo, segundo a Constituição, de lei federal -, que regula sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde. Ela assegura ao paciente terminal o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para prolongar a vida. Mário Covas, na ocasião, afirmou que sancionava a lei como político e como paciente, já que tinha sido diagnosticado com um câncer. Dois anos mais tarde, em fase terminal, recusou-se a deixar que sua vida fosse prolongada artificialmente.

Em novembro de 2006, o Conselho Federal de Medicina aprovou resolução autorizando os médicos do Brasil a interromperem, com o consentimento de pacientes terminais, de enfermidades graves e incuráveis, ou de seus representantes legais, tratamentos que permitissem o prolongamento da vida.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES) - Se o Presidente permitir, porque estou numa comunicação inadiável. (Pausa.)

A resolução, entretanto, acabou tendo a sua vigência suspensa por decisão de um juiz federal, que atendeu ao pedido de liminar feito pelo Ministério Público. O juiz entendeu que, embora o Conselho Federal de Medicina tenha justificado que a ortotanásia não antecipa a morte, e sim permite que siga seu curso natural, não estava afastada a circunstância em que tal conduta “parece caracterizar crime de homicídio”.

Há um equívoco fundamental nessa concepção. A defesa de uma morte digna não é a justificação de procedimentos causadores de morte, e sim da liberdade e da autodeterminação do ser humano. A propósito, a professora Roxana Borges lembra que o art. 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança, entre outros.

Mas não são direitos absolutos, nem deveres. Não estão estabelecidos no art. 5º deveres de vida, liberdade e segurança. Garante-se o direito à vida, não o dever, e não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a um tratamento degradante (no inciso III do mesmo artigo). O direito do paciente de não se submeter a algum tratamento é parte da garantia constitucional de sua liberdade. E o inciso XXXV do mesmo artigo garante que o paciente possa recorrer ao Judiciário para impedir uma intervenção ilícita em seu corpo contra a sua vontade.

O direito à ortotanásia já é garantido há muito tempo nos Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Japão, França, Canadá, entre outros países. Nos Estados Unidos, foi aprovada, em 1991, uma lei, o Ato de Autodeterminação do Paciente, segundo a qual, no momento de admissão do paciente no hospital, este deve informá-lo sobre seu direito de aceitar ou recusar tratamentos, com o objetivo de garantir sua autodeterminação e sua participação nas decisões que dizem respeito à sua saúde e à sua vida.

Por essa lei, o paciente pode estabelecer sua decisão de três formas, para o caso de ficar em estado terminal: fazendo uma declaração expressa chamada de living will, ou testamento vital, ou testamento biológico; designando um representante legal específico, uma espécie de curador com a competência de tomar decisões; ou deixando um documento escrito, elaborado depois de uma consulta detalhada com médico especializado.

Pois bem, Sr. Presidente. Tenho ainda aqui pareceres de teólogos luteranos, teólogos evangélicos, especialistas em ética médica e em ética humana sobre o assunto.

De modo que o apelo que faço é que lá, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, depois de nove anos, seja designado um relator para que essa matéria possa tramitar e que o Senado possa discutir esse assunto. É delicado, é um assunto complexo, mas não podemos nos omitir diante dele e permitir que o Conselho Regional de Medicina tenha que exarar uma portaria, que o Governo do Estado de São Paulo tenha que fazer uma lei ilegal.

Médico e doutor, o Senador Mozarildo, com a permissão do Sr. Presidente.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - É realmente para louvar a coragem não só do projeto, como do pronunciamento de V. Exª. Porque é preciso... E aí V . Exª já frisou o que eu, como médico, penso - como tenho a certeza de que o Senador Mão Santa pensa, e a grande maioria do povo pensa -: assim como nós precisamos humanizar a entrada na vida, isto é, humanizar o parto, precisamos também humanizar a saída da vida, isto é, humanizar a morte. E muitas vezes o que nós vemos é que o médico, a equipe médica fica forçada, pela falta de uma legislação, como disse V. Exª, ou mesmo pela vontade da família, a manter uma pessoa vivendo ligada a um aparelho. Tivemos o exemplo, na Itália, de uma jovem que há 18 anos, se não estou enganado, estava lá, apenas sobrevivendo por receber alimento por uma sonda e oxigênio por aparelhos. Então, realmente, é preciso discutir esse tema, sem paixões, sem preconceitos, dando, como V. Exª colocou aí, a liberdade ao paciente, se ele estiver em condições de decidir - e houve o exemplo do Papa, que optou por não ter o uso dos aparelhos -, ou, caso ele esteja inconsciente, a família, depois de avaliar todos os dados, inclusive médicos, da questão, sem descartar, logicamente, as convicções religiosas ou de fé de qualquer um. Quero, portanto, cumprimentar V. Exª pela coragem do projeto e pela oportunidade da discussão do tema.

O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES) - Muito obrigado a V. Exª.

Então, é o apelo que eu queria fazer. Em uma hora, o Brasil vai ter que se dedicar a esse assunto. Em um momento, nós vamos ter que começar a discutir isso. E como disse um colega meu: “É, Gerson, você está passando dos 60, já está legislando em causa própria”. Eu espero que não seja tão breve. Mas, tirando a brincadeira, quero dizer que, numa hora dessas, temos que nos dedicar ao estudo desse assunto.

Obrigado, Sr. Presidente. Desculpe-me, Senadora Ideli, que está apressada.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Camata, nós usamos aqui o espírito da lei de Montesquieu. V. Exª, pelo Regimento, teria direito a cinco minutos, mas foram os 18 melhores minutos nesse debate, que foi complementado pelo médico Senador, nosso companheiro. Então, sem dúvida alguma, nós temos que enfrentar a eutanásia, a ortotanásia, a distanásia. E V. Exª traduz essa coragem que o Senado da República precisa ter. E somou-se à vivência médica de Mozarildo Cavalcanti. Foi uma grande contribuição a esse projeto de lei, que dorme há nove anos.

O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES) - Esperamos que ele não morra, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2009 - Página 7021