Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de audiência no Ibama para tratar de licença ambiental referente à Ferronorte. Questão da demarcação das reservas indígenas Caiabi, no Mato Grosso.

Autor
Jayme Campos (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Jayme Veríssimo de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Registro de audiência no Ibama para tratar de licença ambiental referente à Ferronorte. Questão da demarcação das reservas indígenas Caiabi, no Mato Grosso.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2009 - Página 7065
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), DIRETOR, AREA, LICENCIAMENTO, AGILIZAÇÃO, LIBERAÇÃO, LICENÇA, OBRAS, FERROVIA, LIGAÇÃO, MUNICIPIO, ALTO ARAGUAIA (MT), RONDONOPOLIS (MT), CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT).
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ESCLARECIMENTOS, PORTARIA, AMPLIAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, MUNICIPIO, APIACAS (MT), JACAREACANGA (PA), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DO PARA (PA).
  • COMENTARIO, VICIO PROCESSUAL, RELATORIO, RECONHECIMENTO, TERRAS INDIGENAS, ESPECIFICAÇÃO, AUSENCIA, APRESENTAÇÃO, LEVANTAMENTO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, CARATER OBRIGATORIO, FALTA, COMPROVAÇÃO, REGISTRO, PRESENÇA, INDIO, AREA, DEMARCAÇÃO, QUESTIONAMENTO, ORADOR, AMPLIAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • APRESENTAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JURISTA, PARECER FAVORAVEL, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEFESA, PERMANENCIA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, DESENVOLVIMENTO, ATIVIDADE AGROPECUARIA, SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CHEFE, CASA CIVIL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REVISÃO, PORTARIA, AMPLIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, OBJETIVO, RESTABELECIMENTO, JUSTIÇA, PRODUTOR RURAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JAYME CAMPOS (DEM - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, primeiro quero agradecer a sua bondade, as generosas palavras no que toca aos elogios à minha pessoa.

V. Exª foi convidado pela Associação Mato-Grossense de Vereadores daquele Estado para fazer uma palestra em Mato Grosso. Com certeza, de forma orgulhosa, nós o receberemos naquele Estado, para que o senhor possa se dirigir a mais de 1.200 vereadores daquele Estado, que estarão aguardando V. Exª neste grande evento, para discutir e, naturalmente, debater assuntos não só inerentes ao Estado, mas, sobretudo, de caráter nacional. Será bem-vindo ao nosso Estado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estive aqui na semana passada cobrando providências em relação às obras da Ferronorte, que demanda São Paulo, indo em direção a Mato Grosso, passando pelo Estado de Goiás.

E hoje, para minha grata surpresa, nós tivemos uma audiência no Ibama, porque um dos entraves que tínhamos era a questão ambiental, até porque a questão da engenharia financeira já tinha sido resolvida pela empresa concessionária, que é a ALL (América Latina Logística). Fiquei muito feliz em ver as mudanças que ocorreram no Ibama, a maneira muito mais gentil e, sobretudo, o desarmamento de espírito dos novos diretores, o Sebastião e o Luiz, Presidente e diretor daquele órgão.

Fiquei muito feliz de ver que o Ibama, hoje, tem nova visão, sobretudo entendendo que as obras do Brasil precisam andar. O Brasil não pode ser contra o Brasil. E o Ibama, capitaneado pelo Dr. Roberto Messias Franco, que é o Presidente do órgão, deu-nos a notícia bastante alvissareira de que a licença da instalação estará sendo liberada nos próximos 45 dias. Isso poderá demandar, naturalmente, a construção e a implantação da ferrovia que vai ligar Alto Araguaia a Rondonópolis, indo até Cuiabá.

Portanto, eu quero, desta tribuna, fazer os elogios ao Dr. Roberto Messias, que é o Presidente do Ibama, e ao Dr. Sebastião, que é Diretor da área de licenciamento naquele órgão. Trata-se de duas pessoas extremamente respeitosas, competentes, que me causaram muita surpresa. Até porque, tempo atrás, ir ao Ibama solicitar licença, Senador Wellington Salgado, para obras em qualquer parte deste País era um verdadeiro terror. Aqueles que estavam lá tinham como dogma que qualquer obra eventualmente do porte, da grandeza dessa Ferronorte, com certeza, traria algum impacto ambiental. 

Portanto, está de parabéns o nosso Diretor do Ibama, Dr. Roberto Messias, como também o Dr. Sebastião Pires. Aqui, os nossos cumprimentos pela maneira gentil e, sobretudo, competente com que hoje tocam o Ibama a nível nacional.

Mas, Sr. Presidente, com a devida vênia e bondade de V. Exª, eu queria, nesta tarde, desta tribuna, fazer um pronunciamento em relação à questão das reservas indígenas em Mato Grosso. Eu estou encaminhando nesta data ao Exmo Sr. Ministro de Estado da Justiça requerimento de informações a respeito da demarcação da terra indígena Kayabi, que abrange áreas dos Municípios de Apiacás, no meu Estado de Mato Grosso, e de Jacareacanga, no vizinho Estado do Pará. Essa reserva, com a superfície de 1 milhão e 53 mil hectares e perímetro de 723 quilômetros, foi declarada de posse permanente dos grupos indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, numa decisão controvertida, para dizer o mínimo, uma vez que diversos procedimentos imprescindíveis ao processo de demarcação da terra indígena foram simplesmente ignorados ou mesmo contrariados.

O reconhecimento formal de terras indígenas em nosso País obedece a um procedimento administrativo previsto pelo Estatuto do Índio, como é conhecida a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Obviamente, a matéria não escapou à Constituição Federal de 1988, em vigor, a qual, em seu art. 231, reconhece aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam; e que estabelece ser competência da União demarcar as terras dos índios, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

         No caso da terra indígena Kayabi, a Portaria do Ministério da Justiça nº 1.149, de 2 de outubro de 2002, descumpre vários dos procedimentos previstos, além de contrariar dispositivos essenciais ao bom cumprimento do processo de demarcação. Aprovado pelo Despacho nº 28 da Presidência da Funai, de 23 de junho de 1999, somava 1 milhão 408 mil hectares - um disparate, como veremos a seguir. A Portaria nº 1.149 fixa uma área de 1 milhão e 53 mil hectares, conforme mencionei - ainda um disparate, em que pese ter reduzido ligeiramente a anomalia anterior, com o agravante de pôr à mostra a discrepância entre os dois atos normativos.

Na verdade, Sr. Presidente, o grupo indígena Kayabi fora contemplado muito tempo antes pelo Decreto nº 87.842, de 1982, com a demarcação de uma área de 117 mil 247 hectares no Município paraense de Itaituba. Mas, voltemos a portaria nº 1.149, objeto deste pronunciamento e do requerimento de informações, para demonstrar alguns vícios que a comprometem.

Há que se ressaltar, inicialmente, que o Relatório de identificação e Delimitação da Terra Indígena Kayabi, sobre ter ultrapassado os prazos fixados pelas Portarias nº 1.137/93 e nº 551/94, ambas da Funai, ignorou também as disposições do Decreto nº 1.775/96, que trata desse procedimento administrativo; e da Portaria nº 14/96, do Ministério da Justiça, que fixa as regras a serem observadas na elaboração desse documento. Em seu conjunto, esses diplomas estabelecem regras imprescindíveis para o processo de demarcação das terras indígenas, impondo investigar o alcance da ocupação de caráter tradicional; a existência de atividades produtivas na área a ser demarcada; a necessidade de preservação dos recursos naturais indispensáveis à sobrevivência; e a extensão da terra necessária à reprodução física e cultural dos povos indígenas, segundo seus usos, costumes e tradições.

Tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a lei sabiamente prevê, pois reconhece que o modo de vida, a cultura e principalmente a produção da subsistência dos povos indígenas requerem um tratamento diferenciado. O cidadão comum, integrado à sociedade contemporânea, consegue viver em apartamentos e tirar o seu sustento em atividades que não requerem grandes espaços. Assim, vemos um relojoeiro ou um técnico em eletrônica, que pode montar sua oficina numa pequena loja e dali prover o seu sustento e o da sua família; num exemplo ainda mais radical, podemos citar um operador de telemarketing, que garante a sua sobrevivência trabalhando num espaço ainda mais diminuto, pouco mais de um metro quadrado. Esse, decididamente, não é o caso do índio, eis que a Carta Magna, com sabedoria e sensibilidade, lhe garante o território e os recursos naturais adequados ao seu caráter nômade, ao seu sistema próprio de sobrevivência e ao seu estilo de vida.

A legislação brasileira, nesse aspecto, tem demonstrado grande acerto, e, se algum reparo lhe pode ser feito, talvez seja o da prodigalidade, antes que a mesquinharia.

Entretanto, o relatório do processo que culminou com o reconhecimento da terra indígena Kayabi não apresentou o levantamento fundiário obrigatório, nem a comprovação do registro da presença de índios na área delimitada, entre outros vícios. Assim, não se compreende por que meios o Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Kayabi ampliou, de forma tão estapafúrdia, os limites da reserva indígena, que se concentrava totalmente no Estado do Pará, de forma a agregar também terras do Município mato-grossense de Apiacás. Ao ampliar os limites da reserva, a Portaria nº 1.149 declara de posse permanente, para um grupo de 69 índios, que ocupa uma área de 117.250 hectares, uma área imensamente maior, de 1,53 milhão de hectares, a qual, na verdade, nunca foi por eles habitada de forma permanente, em tempo algum.

Compreende-se, assim, a indignação dos adquirentes dessas glebas, que, já em 1976, obtiveram formalmente uma certidão da Funai, reconhecendo não haver nelas qualquer aldeamento indígena.

Alegam os adquirentes, na liminar encaminhada à Justiça Federal, que as terras em questão foram compradas diretamente ao Estado do Mato Grosso. Entre outros documentos comprobatórios da ausência de aldeamento indígena no local, anexam documento do Ministério da Aeronáutica, que mantém na região o Campo de Provas Brigadeiro Velloso - atividade, aliás, incompatível com a proximidade de uma reserva indígena.

O documento diz textualmente:

Durante todos esses anos foram realizadas atividades de vigilância, varrendo a área por terra e com helicópteros, de um lado ao outro, de norte a sul, de leste a oeste, com pousos de verificação em clareiras e pesquisas dentro de todos os limites do campo de provas e nunca houve avistamento de um indígena ou de indícios de sua presença.

Portanto, não se justifica, sob qualquer aspecto, a expansão dos limites da reserva Kayabi, especialmente nos termos da Portaria nº 1.149, de 2002.

Ainda em favor dos legítimos proprietários das terras pesam os argumentos de conceituados juristas, como o do Professor Miguel Reale, que, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1992, já salientava:

Tudo depende do entendimento a ser dado à expressão ocupação permanente, a qual tem sido largamente compreendida a partir da afirmação de que se trata de gente nômade, acostumada a percorrer imensos territórios, o que nos conduz a exageros manifestos, confundindo-se ocupação permanente com ocupação eventual.

A esse respeito também se pronunciou o Ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, ao proferir seu voto no Mandado de Segurança nº 1.856-2/DF:

É certo que o art. 231 da CF reconhece aos índios “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Todavia, para que a tal demarcação ocorra, é indispensável a constatação de um pressuposto, qual seja, a ocupação tradicional, vale dizer, a posse reconhecida, a habitação localizada e permanente de silvícolas. É preciso, pois, que a posse seja presente e tradicional, já que, se ainda não fosse, todo o território nacional poderia ser demarcado por ter sido, em certa época, todo de ocupação indígena.

Não bastasse, há jurisprudência favorável aos legítimos proprietários daquelas glebas, consubstanciada em súmula do Supremo Tribunal Federal, nos seguinte dizeres:

STF Súmula nº 650 - 24/09/2003 - Bens Públicos ou Particulares - Aldeamentos Extintos ou Terras Ocupadas por Indígenas em Passado Remoto. Os incisos I e XI do art. 20 da CF não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.

Uma reconsideração ou mesmo uma revogação da Portaria nº 1.141 representaria salvaguarda aos direitos dos proprietários daquelas terras, sem, contudo, causar prejuízo aos índios estabelecidos na reserva Kayabi. O Resumo do Relatório da Identificação e Delimitação da Terra Indígena Batelão, Sr. Presidente, informa que ali vivem 150 índios, perfeitamente acomodados numa área de 117 mil hectares. A Portaria nº 1.149, objeto deste pronunciamento, destina a 69 índios uma área dez vezes maior.

Não há, portanto, Sr. Presidente, para concluir, qualquer aspecto social a justificar tal medida, como não há também qualquer imposição de ordem jurídica, uma vez que o território por ela agregado à reserva Kayabi nunca foi efetivamente ocupado pelos indígenas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por estar convencido da justeza da reivindicação dos proprietários daquelas terras, que ali desenvolvem atividades de exploração florestal, agricultura, pecuária e ecoturismo, estou encaminhando ao Ministro Tarso Genro um requerimento de informações sobre o processo da demarcação da citada reserva. Ao mesmo tempo - e contando com o inestimável apoio de V. Exªs ao meu pleito -, faço um apelo ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, para que a Portaria nº 1.149 seja revisada ou mesmo revogada, de forma a corrigir um procedimento equivocado e a restabelecer a prevalência da justiça.

Concluindo, Sr. Presidente, quero agradecer a bondade, a generosidade do Senador Paulo Paim, por ter feito a permuta. O Senador Paulo Paim é um grande Senador da República, que tem a minha admiração e certamente da maioria do povo brasileiro, uma vez que é um Senador operoso, competente, ético. S. Exª, acima de tudo, tem feito aqui um trabalho operoso na defesa dos aposentados, daqueles menos afortunados deste País.

Senador Paulo Paim, portanto, meu agradecimento, por me ter cedido a vez. Este meu pronunciamento não pode ficar em vão, Senador Mão Santa, porque, lamentavelmente, o que se propõe hoje, em termos de ampliação de reserva indígena, é impossível.

Ampliar a área de 119 mil hectares para um milhão de hectares vai deixar muitos trabalhadores, muitas pessoas que produzem em meu Estado à mercê da falta de um pedaço de terra para produzir, na medida em que basta a Funai baixar qualquer ato, para que não elas sejam mais proprietárias da área.

Portanto, peço que se cumpra a lei, o que está estabelecido na Constituição, acima de tudo, porque a matéria já está julgada e transitada em julgado no Supremo Tribunal Federal.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Muito obrigado, Senador Paulo Paim.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2009 - Página 7065