Discurso durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de artigo do jornal Valor Econômico de hoje, intitulado "Conflito leva índios à periferia de Boa Vista", de autoria do jornalista Mauro Zanatta. Referências aos artigos jornalistícos: "Indio não quer apito; quer acesso ao conforto", publicado no Jornal Gazeta Mercantil; e "Força-tarefa aponta irregularidades em Ongs", da Folha Web.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Leitura de artigo do jornal Valor Econômico de hoje, intitulado "Conflito leva índios à periferia de Boa Vista", de autoria do jornalista Mauro Zanatta. Referências aos artigos jornalistícos: "Indio não quer apito; quer acesso ao conforto", publicado no Jornal Gazeta Mercantil; e "Força-tarefa aponta irregularidades em Ongs", da Folha Web.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2009 - Página 10340
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DESCRIÇÃO, SITUAÇÃO, MIGRAÇÃO INTERNA, INDIO, RESERVA INDIGENA, PERIFERIA URBANA, MUNICIPIO, BOA VISTA (RR), ESTADO DE RORAIMA (RR), REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, DIFICULDADE, EMPREGO, QUESTIONAMENTO, GRUPO INDIGENA, TRABALHO, VINCULO EMPREGATICIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, SAIDA, TERRAS INDIGENAS.
  • DISCORDANCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RETIRADA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUSENCIA, AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, INDIO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, GAZETA MERCANTIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, INTERNET, DENUNCIA, GRUPO DE TRABALHO, FORÇAS ARMADAS, IRREGULARIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), TRABALHO, INDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, que, com muita proficiência, preside esta sessão de hoje; Srªs Senadoras e Srs. Senadores, há pouco, o Senador Augusto Botelho falou aqui sobre o tema que também vou abordar, que é a questão das famílias que moram em Raposa Serra do Sol. E V. Exª, Senador Augusto Botelho, vai ver num artigo que vou ler que não são só os não índios que estão sofrendo, mas também os índios.

Aliás, vou ler um artigo publicado no jornal Valor Econômico de hoje, escrito pelo jornalista Mauro Zanatta, que esteve em Boa Vista:

Reserva Raposa Serra do Sol: conflito leva índios à periferia de Boa Vista [a capital do Estado de Roraima]. Migração é antiga, mas, mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal, as famílias continuam chegando.

Na periferia de Boa Vista, a agradável capital de Roraima, é possível comprovar um reflexo direto da arrastada disputa pela terras na área indígena de Raposa Serra do Sol. A oito quilômetros do centro, acomodados entre os bairros de Nova Cidade e Brigadeiro, há centenas de indígenas [vejam bem, famílias indígenas] que deixaram a reserva por causa de incidentes derivados da briga pela posse da terra, cuja extensão total soma 1,75 milhão de hectares espalhados pela fronteira brasileira com a Venezuela e a Guiana.

A família de Pedro de Souza, 73 anos, é um exemplo da “diáspora” dos índios macuxi, etnia dominante nas 200 comunidades da Raposa Serra do Sol. Primeiro do clã a sair da reserva, há dez anos, o índio afirma ter cansado das disputas e da pressão interna na comunidade do Contão, a 240 Km de Boa Vista, para que abandonasse o trabalho com pecuaristas “não índios” estabelecidos na região. “Eles diziam que eu não podia mais trabalhar para os brancos, que estava sendo explorado e os brancos iam ter que sair da Raposa”, diz. “Achei melhor sair, trazer a família e ficar em paz, sem confusão, nem briga com os irmãos” [ele saiu da reserva para morar, Senador Paim, na periferia da cidade de Boa Vista, na capital, e é uma família de indígenas; aqui não estamos falando de não índios, que já estão sendo enxotados de lá há algum tempo]. Mesmo ressentido com a maneira como saiu das terras dos antepassados, Pedro não pretende voltar. “Agora, não dá mais. Eles que fiquem lá, que eu fico aqui” [isso quer dizer que nem aos índios essa demarcação serviu, que nem aos índios ela vai ser útil, portanto].

Depois de conseguir a aposentadoria, Pedro trouxe a mãe nonagenária [portanto, com mais de 90 anos], dois filhos, uma irmã e três sobrinhas para morar na capital. Vive em uma casa de madeira na rua Natal, no bairro Nova Cidade, uma localidade de 15 mil habitantes, criada em 1992, para abrigar militares do Batalhão de Engenharia e Construção do Exército. Mesmo com a determinação de deixar para trás as contendas indígenas e inter-raciais, o índio não conseguiu convencer outros três filhos a acompanhá-lo na retirada. “Eles estão lá. vivendo do que dá. Mas agora que o governo vai tirar os brancos da Raposa, quero ver como eles vão fazer”, diz. “Quero trazer os três, mas é difícil”.

Vejam o que ele está querendo dizer com isso: é que, retirando os não índios que têm fazendas pequenas, eles ficam sem emprego. Das quinhentas famílias, todos são pequenos produtores da agricultura e da pecuária. Faço sempre questão de frisar isso, porque senão vão logo dizer que são os seis arrozeiros, que dão milhares de empregos para os índios e para os não índios.

Prossigo a leitura:

A família se sustenta com a aposentadoria de Pedro, de sua mãe e de sua irmã. O filho caçula, Rangel Cruz de Souza, 25 anos e quatro filhos [ele é indígena também], trabalha como servente de pedreiro e auxiliar de serviços gerais desde 2002, quando deixou a reserva para “melhorar de vida”.

Veja bem, Senador Paim, que índios estão abandonando a reserva já há algum tempo, e, agora, esse número vai aumentar.

Continua o artigo:

“Mas trabalho só quando aparece um servicinho. Nessa Semana Santa está tudo parado”, diz o índio que estudou até a 4ª série do ensino fundamental, ainda na escola da Raposa Serra do Sol.

Algumas ruas adiante, mais precisamente na Avenida Porto Velho, uma estreita passagem de chão batido e arenoso, moram a índia macuxi Fátima Gonçalves e o piauiense Luiz Gonzaga da Conceição. Garimpeiro, o homem conhecido como “Piauí” trocou a maloca onde vivia com a mulher [quer dizer, um não índio casado com uma índia], na comunidade de Mutum, próxima ao rio Maú, marco da fronteira entre Brasil e Guiana, para virar dono de um bar na Nova Cidade. “Saímos de lá em 1997 por causa de uma briga em que tocaram fogo nas balsas do pessoal”, lembra Fátima, 45 anos e quatro filhos.

Mesmo tendo saído da reserva, Fátima tem parentes na região da Reserva. A prima é “tuxaua” (líder) em Mutum e outras duas irmãs permanecem em Raposa. “Minha prima esteve aqui na semana passada e disse que a polícia está tirando todos os brancos de lá”, relata.

Veja bem, Senador Augusto: a Polícia já está tirando todos os brancos de lá. Como eu e V. Exª temos uma audiência semana que vem com o Desembargador Jirair, Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que esteve lá e que se inteirou da questão, queremos saber, já que fomos designados pelo Senado, como isso já está sendo feito pela Polícia dessa forma. E o relato é de uma índia; o relato não é de um não índio. Agora, há uma suspeição, colocada de propósito por este Governo, dividindo entre índios e não índios, brancos de olhos azuis, enfim, quer dizer, a Nação está sendo fragmentada do ponto de vista racial.

Volto ao artigo:

Para ela, a situação da reserva deveria ser resolvida com uma solução pacífica. “Eles deram prazo para os brancos saírem de lá, mas acho que vai continuar a ter problema, porque tem uma parte dos índios que quer os brancos lá e outra parte que não quer de jeito nenhum”.

Já cansamos de dizer isto aqui: a maioria dos índios não quer essa diáspora, não quer essa separação, até porque são miscigenados. Existem, como está dito aqui, por exemplo, casamento de brancos, se é que podemos dizer assim, de não índios com índios. Prossegue o texto:

 O presidente da associação dos moradores do bairro Nova Cidade, o maranhense Miguel Alves do Nascimento, relata que toda semana aparecem novas famílias indígenas em busca de casa e abrigo na região. “Eles se instalam na beira de umas lagoas que têm aí, mas a prefeitura vem e tira o pessoal porque é área de preservação”, diz. O líder afirma que a situação preocupa a todos porque as condições de vida nessas áreas marginais são mínimas. “Eles vivem na beira da lagoa, sem água nem luz”. A reportagem abordou moradores das áreas em dois dias diferentes para saber se as pessoas tinham vindo recentemente da região do conflito, mas os moradores desconversavam, não admitiam conhecer ninguém da Raposa. “É o medo da prefeitura vir e retirar quem já está aqui”, diz Nascimento.

Mesmo assim, há quem se arrisque. Ex-vice-prefeito de Uiramutã, município situado dentro da reserva, João Tropeiro coordena uma espécie de abrigo para índios recém-chegados de Raposa. Sem muito contato com a população local, o político auxilia os indígenas a encaminhar papéis e a pedir benefícios como o Bolsa-Família.

O presidente da federação das associações de bairro de Boa Vista, Faradilson Mesquita, entende que o governo federal desconsiderou essa “diáspora” ao tomar medidas de apoio aos índios. Ligado a grupos políticos favoráveis à permanência de “não índios” na Raposa, ele critica o Supremo Tribunal Federal (STF), os governos estadual e federal. “Essas medidas compensatórias deveriam ser tomadas por quem tem conhecimento de causa, não de gabinetes de Brasília.”

Então, veja, Senador Paim: isso foi escrito por uma pessoa que não é de Roraima, por uma pessoa que escreve para um grande jornal como é o jornal Valor. É a descrição do que estão passando os índios da reserva.

É pena que essas decisões aqui sejam tomadas por pessoas que se julgam colegas de Deus, que estão acima de qualquer coisa e impõem essa situação, que os próprios índios não querem. Pior, condena-os a viver dessa forma.

Eu gostaria de ouvir o Senador Augusto Botelho, com muito prazer.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Mozarildo, V. Exª, trazendo isso, despertou-me para um fato que está ocorrendo em Boa Vista. Os indígenas que vivem em Boa Vista fizeram uma associação. Já há mais de 10 mil pessoas associadas. Inclusive, estão reclamando que a Funai não quer reconhecê-los como associação. Eles estão se organizando, e têm de se organizar para sobreviver. Foi bom sair essa reportagem porque isso é uma pontinha. Mas já são 10 mil indígenas que moram no entorno de Boa Vista que estão se associando para reivindicar os seus direitos, para lutar por melhor espaço e oportunidade. V. Exª, trazendo isso, mostra-nos mais um problema. Agora vou falar uma coisa boa que aconteceu com os indígenas também: neste ano, formou-se a primeira turma de professores indígenas na Universidade Federal de Roraima. Isso vem evoluindo há muito tempo. Já temos muitos indígenas de Roraima formados, sem ter entrado por esse negócio de cotas ou por um caminho especial. Entraram na disputa normal dos vestibulares. Mas esses professores foram formados dentro disso, num programa que há na Universidade Federal de Roraima. Vamos ajudar os índios que moram em Boa Vista a se organizarem para se defender. Eles vão aumentar. São 10 mil, mas veremos quantos teremos daqui a dois ou três anos.

         Os índios das áreas demarcadas são abandonados pelas ONGs. Repito isso toda hora aqui porque é verdade. Sabemos que, demarcou área, as ONGs caem fora porque não vão mais poder ganhar dinheiro com a história de demarcar terras. Aí abandonam, porque eles não estão preocupados com o ser humano, com a gente que está em cima da terra, não. Eles estão preocupados com o que está embaixo da terra, porque toda área indígena do nosso Estado é plotada, é colocada em cima de uma província mineral.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Augusto Botelho, V. Exª, que, como eu, é médico, lógico que temos o mesmo sentimento... Aliás, não precisa ser médico para ter esse sentimento humanista de saber que é preciso pensar, em primeiro lugar, no ser humano.

E essas demarcações no meu Estado - nosso Estado, aliás - são 36 na verdade. São, como V. Exª disse no seu pronunciamento, mais de seis mil famílias que foram expulsas de onde estavam. E para quê? Vai melhorar a vida dos índios? Não, está aqui, está provado, com a isenção... Aliás, é só, Senador Paim, V. Exª, que é da Comissão de Direitos Humanos, mandar uma comissão lá, apurar com isenção a situação. A maior comunidade indígena que existe em Roraima está na capital, como disse o Senador Augusto Botelho. São muito mais de 10 mil índios, e pior, vivendo na periferia, subempregados, passando necessidades.

E quero, Senador Paim, para não me alargar muito além do tempo que V. Exª está me dando, pedir que seja transcrito como parte do meu pronunciamento outro artigo, publicado no Jornal Gazeta Mercantil, que diz assim: “Índio não quer apito; quer acesso ao conforto. A ilusão do ‘bom selvagem’ está superada pelos fatos há mais de 400 anos”. É de autoria de Antonio Penteado Mendonça, que é membro da Academia Paulista de Letras.

E ele fala, entre outras coisas, que a verdade é que o índio não quer mais viver daquela forma como vivia no passado, e ele inclusive relata uma conversa que teve com um antropólogo, que disse para ele que o índio tem que voltar a viver como vivia, e não caminhar para frente como caminha o resto da sociedade.

         Para encerrar, Sr. Presidente, pedindo, portanto, a transcrição desse artigo também, quero dar notícia de uma matéria interessante aqui: “Força-tarefa aponta irregularidades em ONGs”. Vou ler só um trecho.

Uma força-tarefa criada pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho, com o auxílio da Superintendência Regional do Trabalho e do Exército, deflagrou na semana passada a Operação Liberdade e detectou cerca de 700 trabalhadores [Senador Paim] que atuam na assistência à saúde indígena em situação irregular.

Os trabalhadores são servidores das organizações não governamentais [ONGs] Conselho Indígena de Roraima [Senador Augusto, o famoso Conselho Indígena de Roraima, essa ONG corrupta que comanda todo esse processo de demarcação lá], Serviço de Cooperação ao Povo Yanomami (Secoya) e Diocese de Roraima, que por sua vez prestam serviços terceirizados à Fundação Nacional de Saúde nas terras indígenas Raposa Serra do Sol e na Reserva Yanomami.

Então, é essa matéria que também peço que seja transcrita como parte do meu pronunciamento. E quero aqui louvar o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho. Tenho dito que fico estarrecido porque, embora o Ministério Público seja, como manda a Constituição, o defensor dos índios, ele tem que ser, acima de tudo, o fiscal da lei. Essa ação do Ministério Público Federal no meu Estado realmente repõe, no lugar devido, uma ação que acho muito importante, porque, mais uma vez, comprova-se o que sempre falamos aqui: ONGs que exploram essa bandeira do indigenismo para proveito próprio e querem botar os índios para viver na miséria.

Eu deixo mais esse registro aqui porque, a partir do dia 20, estaremos em Boavista, de 20 a 30, eu e o Senador Augusto, e vamos ficar atentos a todos os procedimentos que vão ser feitos com relação à expulsão ou desterro dessas famílias.

 

*********************************************************************************

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

********************************************************************************* 

Matérias referidas:

“Conflito leva índios à periferia de Boa Vista”;

“Índio não quer apito; quer acesso ao conforto”;

“Força-tarefa aponta irregularidades em ONGs”.


Modelo1 4/25/245:35



Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2009 - Página 10340