Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da discussão, pelo Congresso Nacional, sobre o problema do uso de crack no Brasil.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Defesa da discussão, pelo Congresso Nacional, sobre o problema do uso de crack no Brasil.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Leomar Quintanilha, Magno Malta.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/2009 - Página 10619
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ZERO HORA, GRAVIDADE, EPIDEMIA, DROGA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), EFEITO, VIOLENCIA, HOMICIDIO, DELINQUENCIA JUVENIL, REGISTRO, ORADOR, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, SENADO.
  • DETALHAMENTO, GRAVIDADE, DANOS, SAUDE, FAMILIA, SOCIEDADE, IMPOSSIBILIDADE, RECUPERAÇÃO, VICIADO EM DROGAS.
  • LEITURA, DEPOIMENTO, CIDADÃO, VICIADO EM DROGAS, TRATAMENTO, RECUPERAÇÃO, SAUDE, PROTESTO, CONDUTA, PERICIA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), NEGAÇÃO, PRORROGAÇÃO, BENEFICIO, AUXILIO DOENÇA, DESCONHECIMENTO, GRAVIDADE, PROBLEMA, REINCIDENCIA, DEPENDENCIA QUIMICA.
  • CONCLAMAÇÃO, FAMILIA, PAES, ATENÇÃO, PREVENÇÃO, PROBLEMA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente Magno Malta.

Eu, que acredito nos desígnios, penso que foram os desígnios que o colocam, agora, como Presidente, no momento exato em que eu me pronuncio.

Abro este pronunciamento, Senador Magno Malta, com uma pequena parte da reportagem do jornal gaúcho Zero Hora, de domingo, 06 de julho de 2008. Dizia, há noves meses, o jornal:

O Rio Grande do Sul foi assolado por uma epidemia de crack, a droga que escraviza em segundos, zomba das esperanças de recuperação, corrói famílias, mata mais do que qualquer outra e afunda os dependentes na degradação moral e no crime. (...)

O impacto sobre a violência é avassalador. Uma onda de homicídios está associada ao tráfico nas periferias, e não há dependente de crack sem relatos de brutalidade e morte de amigos a fazer. A delinquência juvenil tornou-se indissociável do vício.

Eu quero estender este pronunciamento ainda durante esta semana, Senador Magno Malta, porque entendo que o nosso Congresso Nacional, e o Senado especialmente, assim como pode fazer este grande, reconhecido e respeitado trabalho da CPI da Pedofilia, pode chamar para cá a discussão desta questão. O Senado não pode ficar ausente, Senador Magno Malta, de situações como esta, porque o ápice desse processo, lá em Porto Alegre, ocorreu domingo, e as cenas chocantes, e ao mesmo tempo comoventes, Senador Arthur Virgílio, ocorreram hoje pela manhã, quando um jovem de 24 anos foi sepultado. Ele morreu domingo, Domingo de Páscoa, vítima de um tiro desferido por sua própria mãe. Ela estava presente ao sepultamento de seu filho hoje pela manhã. As cenas foram realmente de absoluta comoção.

Permitam-me ler um pouco dessa história que está estampada nos jornais do Rio Grande do Sul, especialmente em ZEROHORA.com, que ficou acompanhando todos esses momentos dramáticos de domingo para cá.

O jovem morto pela mãe foi sepultado na capital, com a presença da mãe.

Vou omitir os nomes. Não vou citá-los. Vou respeitar a dor dessa família, de seus amigos. Permitam-me não divulgar os nomes, apesar de estarem estampados em toda a imprensa gaúcha.

Morto pela própria mãe no domingo de Páscoa, o jovem (...), de 24 anos, foi enterrado na manhã desta terça-feira no cemitério Vila Nova, zona sul da Capital [Porto Alegre].

A tragédia (...) [dessa família], que comoveu os gaúchos [e a todos os brasileiros que a assistiram pela televisão, ouviram pelo rádio ou leram pelos jornais], representa um marco na epidemia do crack em Porto Alegre. [Não, no Brasil]. Até a morte de (...) [esse jovem], o drama familiar mais comovente envolvendo a dependência da pedra nas classes média e alta era a luta desesperada dos pais para conter os filhos em casa ou clínicas de dependentes.

Filho único (...), [o jovem] batia nos pais e vendia objetos pessoais e da família desde que fora escravizado pela droga. Na tarde do último domingo, desesperada, a mãe (...) atirou no filho, após ser agredida e ameaçada.

(...) [a mãe] contou que os problemas de (...) [do rapaz] com as drogas começaram oito anos atrás, quando ele tinha apenas 16 anos. Desde então, foram sucessivas ocorrências, brigas e furtos dentro da casa (...) [de classe média alta], no bairro Tristeza, em Porto Alegre. No domingo de Páscoa, os problemas começaram na madrugada. [E a seqüência narrada pela mãe é realmente impressionante].

Às 5h [de domingo, Senador Suplicy, ele] (...) acordou a mãe pedindo dinheiro. Como o jovem já havia vendido eletrodomésticos e até móveis, os pais não deixavam nada de valor ou dinheiro na residência. Depois de ameaçar e de chutar os móveis, [ele] (...) convenceu a mãe a ir com ele até um caixa 24 Horas (...). Ele sumiu, levando R$20. Às 8h [da manhã], retornou à casa e pediu o café da manhã.

Depois, exigiu mais dinheiro, ameaçando quebrar vidraças da vizinhança. Novamente, mãe e filho foram ao banco, onde ela sacou R$10. Por volta das 14h, o jovem reapareceu, querendo mais dinheiro. Com a negativa da mãe, quebrou um móvel da cozinha - os vidros estilhaçaram-se no chão. Depois, ele abriu as bocas do fogão e, com um isqueiro na mão, ameaçou explodir a residência.

Foi quando o pai (...), 75 anos, apareceu, com um revólver calibre 44 na cintura, e fez com que o filho saísse de casa. Adoentado, [o pai] (...) retornou ao quarto.

Dá para imaginar a cena e o drama desse domingo de Páscoa nessa família composta por apenas três pessoas: o pai, com 75 anos de idade, a mãe, com 60, e o jovem, com 24 anos.

Minutos depois, [o rapaz] (...) voltou.

Desta vez, segundo (...) [a mãe] contou aos policiais, o jovem teria agredido e empurrado a mãe, que caiu e cortou o braço direito nos cacos de vidro. Ela foi até o quarto e voltou com o revólver do marido. [O marido] (...) ainda tentou contê-la, e [a mãe] (...) disse que a arma acabou disparando um único tiro.

Baleado no pescoço, [o jovem] (...) morreu no local antes que uma equipe do Samu pudesse ajudá-lo.

(...)

A última ocorrência feita [pela mãe] (...) contra o filho (...) foi no dia 11 de janeiro [passado], na Delegacia para a mulher. Ela declarou que o filho a ameaçava e vendia até os alimentos da casa para comprar drogas. Declarou, ainda, que gostaria de interná-lo em uma clínica da qual ele não conseguisse escapar.

(...)

Ele completaria 25 anos no próximo domingo, quando, segundo vizinhos, os pais planejavam uma festa surpresa para ele, para tentar convencê-lo, pela sexta vez, a internar-se numa clínica contra o uso de drogas.

É o ápice de um processo realmente assustador. São fatos que surpreendem quando chegam a um extremo como este.

Porém, lendo as 30 páginas da reportagem especial do jornal Zero Hora de julho do ano passado, vamos entender o que, em princípio, pode ser quase inexplicável: como se chega a um ponto desses.

Quero extrair aqui o depoimento de uma jovem de 17 anos, uma adolescente:

Sinto que sou capaz de fazer qualquer coisa para conseguir 10 reais e comprar o crack, chegando ao ponto de até matar uma pessoa. Quero parar, estou me esforçando, mas só de falar na pedra fico com uma vontade louca de usar.

Ela tem 17 anos de idade, moradora do interior, e assaltava para tentar bancar o vício e agora tenta a recuperação em uma clínica.

Por falar em recuperação, um médico, especialista em tratamento de dependentes químicos, completa esta primeira página da reportagem dizendo:

Não gostam que eu diga isso, mas, até agora, o meu índice de recuperação dos pacientes de crack é zero. É preciso fazer algo para que não ocorra o uso da droga porque, depois que acontece, conseguir algum resultado é muito difícil.

Ouço V. Exª, Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Meu prezado, Senador Sérgio Zambiasi, V. Exª traz aqui a história, a dor de uma família gaúcha, cujo filho, infelizmente, tendo se tornado um escravo do crack, acabou levando a sua própria mãe a cometer uma tragédia. A forma como V. Exª ainda há pouco dizia a mim, quando procurava onde estão possíveis soluções para modificar esse quadro que ocorre, infelizmente não apenas em Porto Alegre, mas em tantas cidades do Brasil, inclusive na minha própria cidade. Eu acho que é muito importante que nós dediquemos a nossa energia para fazer tudo que é possível, no sentido de prevenir, orientar, e fazer com que um número tão grande de jovens no Brasil hoje não venham a utilizar esse tipo de droga, o crack, ou qualquer outro tipo de droga que venha a torná-los viciados. Ainda na semana passada, Senador Sérgio Zambiasi, a própria Rede Globo de Televisão mostrou em São Paulo o que está se tornando uma grande tragédia. Ali, onde era conhecido o trecho do centro de São Paulo como a cracolândia, agora aumentou em tamanho. E o número de pessoas, sobretudo jovens, alguns adolescentes ainda, desde doze para treze, quatorze, quinze anos; outros, um pouco mais velhos, que estão ali nas ruas, às vezes até observados pela polícia de binóculo, de longe, examinando seus passos. Mas ali estão simplesmente espalhando a droga, consumindo-a à plena luz do dia, e as autoridades municipais, estaduais, e mesmo nós, aqui no Congresso Nacional, alertados por essas informações do fato, precisamos pensar na melhor forma de corrigir. Meu próprio filho o Eduardo, o Supla, que mora no centro de São Paulo, ali perto, na Praça da República, tem me chamado a atenção: “Olha, pai, é impressionante o número de jovens que se pode ver, às vezes, a qualquer hora do dia, da noite, ou da madrugada, que estão ali tomando drogas e de uma maneira a estragarem inteiramente a sua saúde”. E, certamente, quando chegam em casa os episódios relatados por V. Exª são o que, provavelmente, estão acontecendo. Portanto, o pronunciamento de V. Exª constitui um brado de alerta para todos nós, brasileiros, para o próprio Ministro José Gomes Temporão, que tem tido uma grande preocupação com este tema, mas se trata de uma questão de saúde pública. E tudo aquilo que pudermos fazer... O Senador Magno Malta, inclusive quando Deputado, foi responsável por comissão parlamentar de inquérito. Eu sei disso, porque V. Exª tantas vezes, aqui, se referiu a ela, como agora se dedica à CPI da Pedofilia. Mas V. Exª que conhece bem esse tema, sabe o quão importante é que nós venhamos a dar os passos para informar, prevenir, sobretudo os mais jovens, antes que tomem o caminho que, infelizmente, como registra V. Exª, pode acabar numa tragédia tão forte quanto essa que abalou Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e todos nós, no Brasil. O alerta de V. Exª é muito importante, Senador Sérgio Zambiasi. A minha solidariedade.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Obrigado, Senador Suplicy. Ouvindo-o e pensando no tamanho de São Paulo e, quando a gente olhava para São Paulo e ouvia falar da cracolândia, imaginava que nunca poderia chegar perto da gente, lá naquele recanto do Brasil, que é o Rio Grande do Sul. E, de repente, nós estamos com esse cotidiano, onde, segundo levantamentos de hoje, Senador Magno Malta, nós temos já 30 mil dependentes de crack no Rio Grande do Sul. Multiplique-se isso pelo Brasil.

Senador Magno Malta.

O Sr. Magno Malta (PR - ES) - Senador Zambiasi, eu aparteio V. Exª com muita felicidade porque, em alguns momentos, eu imaginava que eu era como João Batista, clamando no deserto, falando de um assunto sozinho. E algumas pessoas que fazem vida pública no meu Estado já afirmaram que eu era músico de uma nota só, ou seja, eu só sabia falar de uma coisa: de droga, de abuso, de droga, de narcotráfico, que esse era o único tema de que eu sabia falar. Imagine V. Exª que se cada um se apegasse a um tema, a uma bandeira e a levasse com seriedade, quem sabe este País seria outro. Na verdade, eu presidi a CPI do Narcotráfico. Senador Suplicy, fui eu que comecei a investigar Fernandinho Beira-Mar na CPI e tive o prazer de ganhar manchete de um grande jornal dizendo: “CPI perde tempo com um gerente de boca”. Esse gerente de boca era Fernando da Costa Beira-Mar. Eu estou completando 30 anos da minha vida, juntamente com a minha esposa, tirando drogados das ruas e das cadeias, Senador. O crack há até 5 anos só estava em São Paulo e havia um acordo dos traficantes do Rio com os de São Paulo. O crack era uma coisa muito mais de São Paulo, o crack não entrava no Rio. Se não entrava no Rio estava muito longe de chegar no seu Rio Grande do Sul, no meu Espírito Santo. O nosso contingente há até cinco anos era muito mais de drogados, de cocaína, de maconha, e depois veio o crack. E o crack é capaz de em 90 dias fazer aquilo que a cocaína leva mais de oito anos para fazer no sistema nervoso central. O Poder destrutivo do sistema nervoso central pelo crack é alguma coisa avassaladora. Mas eu diria a V. Exª que esse é um drama espiritual. Eu diria a V. Exª que a falta de Deus de forma efetiva na vida da família. Por que eu digo isto? Eu tenho quase 30 anos que tiro drogado da rua e conheci droga com 13 anos de idade. E eu tenho êxito no Projeto Vem Viver - e aí convido V. Exª e estou convidando o Senador Arthur Virgílio para conhecer a Instituição chamada Projeto Vem Viver -, que eu e minha esposa há 30 anos tiramos drogados das ruas, que o nosso índice de recuperação é de 85%. E eu tenho “n” casos de pessoas drogadas de crack que estão livres, libertas, curadas reintegradas à sociedade. Tem jeito, sim. Qual é o jeito? Criarmos uma legislação para que possamos punir o dependente de crack? Eu acho que o juiz precisa ter alguma coisa na manga, tanto como o de crack, como o de maconha, para o de cocaína, porque a gasolina que é comprada para incendiar um ônibus com criança dentro é dinheiro do usuário. Então, essa é uma discussão a se fazer. Mas, quando V. Exª traz esse drama familiar que comoveu o Brasil - e aí eu quero ser solidário ao povo do Rio Grande do Sul -, observamos que precisamos trabalhar a prevenção. A Bíblia fala uma coisa muito importante de se guardar e decorar: ensina à criança o caminho em que deve andar e, quando for grande, ela não se desviará dele. Nós somos um País de bêbados, um país de fumantes. Não conheço ninguém que está na droga ilegal, ou seja, no crack, na maconha ou na cocaína, que não tenha começado depois de ter aprendido, ou dentro de casa ou na escola ou na festa, até mesmo em festa religiosa, a tomar os seus primeiros goles de álcool, ou que não tenha vindo de um organismo drogado de nicotina e alcatrão. De cada dez drogados que recuperamos, nove vieram de organismos que minimamente tinham teor alcoólico, de crianças que cresceram vendo bebida dentro de casa, vendo parentes, pais, mães e até festa de escola regada à bebida alcoólica. Um país de pessoas bêbadas que levantam o dedo e querem que a polícia e a classe política resolvam o problema da violência brasileira. Então, é preciso que as famílias agora, diante de um drama desse - que pai e mãe - comecem a olhar para si e a perguntar: que tipo de filho estou criando? Que tipo de leitura o meu filho pode fazer da minha vida? Será que o meu vício, a bebida que estou ingerindo, mesmo dentro de casa, não vai criar drama para meu filho lá adiante? Porque o caráter de um homem não é formado em cima do que ele ouve, mas é formado em cima do que vê. Que tipo de cidadão estamos formando? Eu acho que esse seu alerta, contando uma coisa dramática, na voz de quem sabe contar uma história verdadeira, verídica, ocorrida ontem, que se chama Zambiasi, uma voz que o povo do Rio Grande do Sul se acostumou a ouvir... V. Exª, com esse tom sofrido de um pai, esse tom emocional de quem teve um conterrâneo morto dessa forma, numa família que certamente chora lá e nós choramos juntos... Aliás, só conhece uma lágrima uma mãe que tem um filho drogado. A ciência não sabe nada sobre lágrima. A ciência diz que lágrima é H2O mais Cloreto de Sódio. Sabe nada. Quem sabe de lágrima é mãe que tem filho drogado, é pai que sofre o drama de ter um filho drogado, como no caso dessa família. Nós precisamos tratar isso preventivamente no seio da família, precisamos recobrar os valores da família. Quando o Ministério da Saúde diz que está fazendo redução de danos, oferecendo seringas, isso é brincadeira. Sabe, vocês já viram o manual que estão mandando para as escolas? Na minha instituição, tem criança que usava drogas e disse que aprendeu vendo os desenhos daquela cartilha que o Ministério da Saúde mandou fazer. O senhor já viu lá? Ensina como é que usa drogas. Mostra o cachimbo, como fumar o cachimbo. Isso é brincadeira! E V. Exª está certo. Nós precisamos reagir a isso, reagir a isso, porque o Ministério da Saúde não contribui com nada. Se o drogado pega aquilo... O cara que sabe fumar crack, que aprendeu na rua, vai precisar de manual? Está distribuindo aquilo na escola, Senador Gilvam. Uma criança pega esse manual do Ministério da Saúde, os desenhos estão lá! O menino fumando crack! Botando a pedra de crack, “põe desse jeito, cuidado com seus olhos”, “põe a pedra de crack aqui, fuma desse jeito”. Olha! Aí o menino pega... A natureza do homem é ser curioso. A criança pega e vai tentar fumar o crack. Ensinam como colocar uma carreira de cocaína e cheirar. Como faz para fazer, para não usar colher suja, para não dissolver em água suja... Quer dizer, que contribuição desgraçada é essa? Eu quero entender. Eu acho que V. Exª traz um debate... Muito obrigado, Senador Zambiasi, eu quero agradecer como pai de família. Muito obrigado, como alguém que vem ajudando a enxugar lágrimas ao longo de 30 anos. Muito obrigado, pela coragem de V. Exª de colocar esse tema, porque nós precisamos questionar o Ministro da Saúde, sim. Isso não é coisa que Governo faça! E existe manual, Senador. O senhor está admirado que o crack chegou ao Rio Grande do Sul, pois o manual está chegando às escolas, como fumar, como cheirar, como apertar a maconha, para não usar qualquer papel. Isso é brincadeira. Não é esse o nosso papel. O nosso papel é tratar com prevenção, com fortalecimento de princípios, fortalecimento da família. Pai e mãe precisam se enxergar e saber que o livro que o filho lê é a vida dele. Não adianta dizer “faça o que eu manda, mas não faça o que eu faço”, porque não é assim que ocorre. Então, muito obrigado pelo debate. É lamentável, é triste. É possível que eles estejam ouvindo eu e V. Exª pela parabólica lá na instituição. Há 150 lá recuperando-se. Há 150 fora. As mães desses estão sorrindo, porque estão dormindo em paz. Eles estão lá sob a nossa... São filhos meus, filhos da minha esposa, filhos de todos nós. Convido V. Exª a conhecer a nossa instituição. Tem saída, sim. Uma mãe que está ouvindo V. Exª agora e chorando, uma que está chorando porque não foi ela que matou, mas vai ao cemitério todo domingo visitar esse filho que morreu com 13, com 15, com 18 anos de idade ou que está no presídio já com 20 anos - entrou com 18 - e esteve na Febem com 13. Essa mãe que chora, que vai ver esse filho, que tem sonhos. Pois, sonhe! Não perca a esperança! Se tem alma, tem jeito. Mesmo sendo o crack um mutilador ferrenho do sistema nervoso central do cidadão, tem saída, tem jeito. Confie em Deus, porque tem saída. Obrigado pelo debate. Obrigado mesmo, de coração, como pai de família.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Obrigado, Senador Magno Malta. Acho que a sua experiência enriquece este debate.

Entendo que este assunto é extremamente sério e merece uma pauta especial aqui no Congresso Nacional, especialmente no Senado. Sei que, eventualmente, há muito preconceito em tratar de temas como esses. É o caso de se ficar pregando no deserto.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Zambiasi.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Senador Leomar Quintanilha, pois não.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - É uma honra participar desta discussão tão relevante que V. Exª traz a esta Casa no começo desta noite. Seguramente, essa tragédia da vida real, esse drama que V. Exª cita é um dos exemplos dos fatos que estão ocorrendo no Brasil todo. Veja V. Exª que a dramaticidade do fato se intensifica quando se verifica que a mãe tira a vida do próprio filho. Na história da humanidade, acompanha-se que, na relação de família, via de regra, o filho é muito mais ligado à mãe. A mãe dedica-se muito mais aos filhos, zela mais por eles do que nós os próprios pais. E quando se chega ao ponto de a mãe ter de tomar uma atitude dessa, de ver seu filho querido, que esteve na sua barriga por nove meses e depois durante 24 anos, principalmente na sua tenra idade - com que zelo ela cuidou dele! -, numa circunstância em que tem de tirar a vida do seu próprio filho, é de se perguntar que mundo é este em que estamos vivendo. V. Exª diz-se admirado de a droga estar no seu Estado. O meu Estado, Tocantins, o mais novo da Federação, também padece desse mal. Também vivenciamos situações as mais críticas e terríveis, a apreensão enorme que toma conta dos pais, que vêem seus filhos saírem à noite para estudar, trabalhar ou ir a uma festa e ter o convencimento de que voltarão preservando sua integridade física, sem que nada de mau lhes aconteça. A violência está tomando conta exatamente porque, também, na mesma proporção, está grassando o consumo de drogas. E eu fico a pensar: esse é um desafio para a sociedade, para todos nós, sobretudo para a instituições públicas face à ineficácia ou pelo menos à pouca eficácia das políticas públicas adotadas até hoje para conter o aumento do uso da droga neste País. Senador Zambiasi, na nossa residência, na nossa quadra, policiada, dá para ver, às vezes, jovens carregando, de forma mal disfarçada, embrulhos, sacolas, e nelas enfiam a cabeça e depois saem zonzos por ali. Ou seja, estão usando, à luz do dia, em qualquer lugar, drogas que comprometem a razão e fazem com que os drogados acabem cometendo, exatamente por necessidade de ter dinheiro para atender ao vício, a sua dependência, acabem provocando essa onda de violência a que estamos assistindo. V. Exª traz esse debate e é uma voz forte que levante esse debate nesta Casa. Eu espero que nós possamos continuar debatendo para buscarmos uma contribuição, uma solução para esse grande drama que afeta a família brasileira.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Obrigado, Senador Leomar Quintanilha. É uma epidemia. O crack, até dois anos atrás, três anos atrás, não era avassalador como é. Hoje, realmente, ele é o principal fator de internação em clínicas de dependentes. Eu, hoje, liguei para duas clínicas em Porto Alegre. Uma tem 42 internados, 40 são dependentes do crack, Senador Gilvam Borges; a outra tem 50 internados, 45 são dependentes do crack.

Até pouco tempo atrás, as internações se davam por alcoolismo, fumo, cigarro, maconha; depois veio a cocaína e agora esta avalanche chamada crack. Há algo que precisa mudar, inclusive na tensão, porque há o reconhecimento da doença. A dependência química é considerada doença pela Organização Mundial da Saúde e hoje há consenso sobre a predisposição genética ao vício e aos problemas psiquiátricos que podem estar associados, como depressão e transtorno bipolar.

        Sei que ainda há dois colegas que ainda vão falar, mas recebi, para completar, coincidentemente hoje, outro depoimento que preocupa:

Senador Sérgio Zambiasi,

Estou lhe escrevendo porque não sei mais que atitude tomar e a quem recorrer, espero que de alguma forma o senhor possa me ajudar.

[...].

- meu companheiro e colega de trabalho é dependente químico em crack, é um homem com trinta e oito anos de idade e está em tratamento em uma comunidade terapêutica há cinco meses;

- o INSS reconheceu sua incapacidade para o trabalho e lhe concedeu o auxílio-doença, prorrogado uma vez;

- em perícia realizada no dia 19 passado a prorrogação do benefício foi negada.

Sabem por quê? Porque quando chegou na frente do especialista, do psiquiatra, ele estava de cara boa, e o psiquiatra, ao observá-lo de cara boa, entendeu que ele já poderia retornar ao trabalho e, portanto, negou a prorrogação do benefício. Porém, na clínica em que está internado, o psiquiatra que o trata entende que ele tem que ficar um ano, doze meses, doze meses para concluir o tratamento.

        Prossigo:

- anexamos então o parecer do empregador, atestados médicos e a declaração da comunidade terapêutica em que ele está sendo tratado a um recurso junto ao INSS;

- hoje nova perícia foi realizada e o benefício mais uma vez negado.

Vou repetir: a dependência química é considerada doença pela Organização Mundial da Saúde.

E a esposa dele me disse, Senador Magno Malta: “Quando fomos ao médico (ele já está há cinco meses em tratamento), ele foi de cara boa. E o médico lhe disse: ‘Tu já estás bem’”.

A atividade dele, Senador Magno Malta, é de eletricista. Ele trabalha como eletricista em uma rede de distribuição de energia elétrica. Imagina o sujeito drogado subindo em um poste e lidando com fios de alta tensão!

Pois o benefício lhe foi negado porque, aos cinco meses de tratamento, ele já começa a apresentar uma cara boa e, por estar de cara boa, ele perde o benefício.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - E essa cara boa não quer dizer nada.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Não.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Não quer dizer nada. Lamento a posição do médico. Ele não conviveu... Deve ser um especialista em outra coisa, menos nisso. As pessoas, Senador Gilvam, não sabem do benefício que é um drogado fora das ruas. Um drogado fora da rua - olha só o leque - é uma possibilidade a menos de um suicídio; é uma possibilidade a menos de um sequestro, de uma família separada; é uma possibilidade a menos de o drogado matar ou morrer; é uma possibilidade a menos de um carro ser roubado, de uma casa ser invadida ou de alguém ser eletrocutado - como é o caso desse aí. E o empresário que compreende isso - prestem atenção, senhores empresários - cumpre o melhor dos papéis sociais, o melhor dos papéis sociais. Agora, por que não dar o benefício? Por que não dar o benefício? Com a avalanche de violência que este País tem advindo do uso das drogas, que me perdoe esse médico, que me perdoe a compreensão desse médico. Se ele estiver nos ouvindo, eu apelo para ele; e aqueles que estiverem ouvindo que lhe deem o recado caso ele não esteja nos ouvindo. Eu apelo até para a empresa. É estadual ou prestadora de serviço a empresa em que ele trabalha?

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Não sei. Essa informação eu não tenho exata em minhas mãos. Presumo que seja estatal.

O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PR - ES) - Se V. Exª pudesse levantar isso, eu me prontificaria a assinar um ofício com V. Exª. Assino como Senador e com a experiência que tenho, porque o que V. Exª está falando aí acontece todo dia conosco lá. O sujeito vem e entrega um bagaço; depois de 90 dias, ele vê o sujeito bonitinho e fala “não, está tudo resolvido”. E não está. V. Exª faz muito bem: mais uma atitude corajosa de trazer a público para a tribuna do Senado.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - A esposa completa, neste e-mail que recebi hoje:

Toda a comunidade está preocupada com o crescimento desenfreado do consumo e tráfico desta devastadora droga [que é o crack] e o aumento da violência impulsionado por esse consumo; mas quando um dependente assume para si a responsabilidade da recuperação não encontra apoio. O retorno prematuro à sociedade o fará recair e por isso imploro ajuda.

Quero encerrar esta manifestação mas não deixarei este tema sem retornar à tribuna esta semana para lhe dar sequência. E chamo a atenção da Casa, do Senado, do Congresso e do Governo sobre o tamanho do problema.

A reportagem do jornal Zero Hora também auxilia, oferecendo algumas orientações:

Sinais de alerta:

- baixa no rendimento escolar;

- aumento repentino de gastos. O jovem ou adolescente pede cada vez mais dinheiro justificando diferentes motivos;

- Troca do círculo de amizades;

- Agressividade e irritabilidade;

- Emagrecimento acentuado e descaso com cuidados básicos de higiene. Usuários de crack podem perder mais de 10 quilos em um mês;

- Sono e troca do dia pela noite;

- Mentiras recorrentes e descaso com compromissos;

- Sumiço de objetos de valor de dentro de casa.

São alguns dos sinais de alerta para os pais.

E, para completar, a pergunta que a reportagem deixa - e eu também a deixo no ar -: “Você sabe ou nós sabemos onde está o nosso filho agora? Com quem? E fazendo o quê? Esse também é um caminho.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/2009 - Página 10619