Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs).

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Considerações sobre os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs).
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2009 - Página 15418
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, CRIAÇÃO, EXPANSÃO, CENTRO CULTURAL, TRADIÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ACOMPANHAMENTO, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO, OCUPAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, SUPERIORIDADE, NUMERO, ENTIDADE, PRESERVAÇÃO, VESTUARIO, DANÇA, MUSICA, REUNIÃO, FAMILIA, DEBATE, COMERCIALIZAÇÃO, FINANCIAMENTO, SAFRA, APRESENTAÇÃO, DADOS, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO AGRARIO, BRASIL, INCENTIVO, COOPERATIVISMO, SOLIDARIEDADE, EDUCAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) -

A Força do Tradicionalismo Gaúcho

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. senadores, prosseguindo na série de pronunciamentos que venho fazendo sobre a diáspora do povo gaúcho, quero tratar, hoje, dos Centro de Tradições Gaúchas, CTGs.

           Criados a partir dos anos quarenta, esses centros da cultura sul-rio-grandense expandiram-se de uma maneira extraordinária a partir da década de setenta por todo o Brasil, justamente acompanhando o êxodo dos nossos irmãos que estavam abrindo as novas fronteiras agrícolas deste País.

           Para cada nova cidade fundada, um CTG. Essa era a regra geral.

           E assim, em apenas sessenta anos, os Centros de Tradição Gaúcha transformaram-se naquilo que alguns não hesitam em considerar o maior movimento de cultura popular do mundo, já que reúne hoje cerca de 2 milhões de participantes ativos.

           Em primeiro lugar, devo destacar que não possuo informações sobre organizações semelhantes que tenham surgido em outras unidades da federação brasileira. Não sei se existem em outros estados entidades como os nossos CTGs, que têm como objetivo central manter vivas as tradições da terra. Mas, se existem, não creio que possam se aproximar da grandeza dos nossos números.

           Segundo levantamento realizado pelo professor Ruben George Oliven, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e publicado no livro A Parte e O Todo - A Diversidade Cultural no Brasil-Nação, as entidades tradicionalistas seriam, só no Rio Grande do Sul, 1.387. A década de maior crescimento foi a de oitenta, quando surgiram 689 entidades no nosso Estado. Não posso deixar de mencionar que li num jornal do interior do Rio Grande do Sul que a cidade gaúcha que mais tem CTGs é a minha Caxias do Sul, que conta com 78 entidades tradicionalistas.

           De acordo com o Movimento Tradicionalista Gaúcho, as entidades fora das divisas do Rio Grande do Sul seriam atualmente 800. Em contato com a Confederação Brasileira da Tradição Gaúchas, soube que aquela entidade está ultimando um levantamento geral, incluindo os centros que funcionam no exterior.

           São números, sem dúvida, impressionantes.

           Devo destacar, de imediato, que foram os Centros de Tradição Gaúcha, ao se multiplicarem rapidamente nas novas fronteiras agrícolas brasileiras, que favoreceram a coesão dos migrantes sul-rio-grandenses.

           Foram os CTGs que uniram a nossa gente dispersa. Em torno de qualquer agrupamento de gaúchos desbravadores, fosse no Cerrado ou na Floresta, logo surgia um centro de tradições. E o novo galpão erguido às pressas, às vezes muito precário, servia não só para as atividades culturais e de lazer, mas também para a tomada de decisões importantes para o futuro da comunidade que se formava.

           Nessas ocasiões, todos envergavam o conhecido vestuário gaúcho: os homens de bombachas, com chapéus e ostentando no pescoço lenços nas cores branca ou vermelha; as mulheres com seus vestidos rodados.

           Nesses galpões também tinham lugar, ao lado da dança e da música, as reuniões para tratar da venda das safras, do financiamento dos bancos oficiais, das melhorias em infra-estrutura, das reivindicações junto aos poderes públicos, da aquisição de sementes e insumos, da formação de cooperativas de consumo.

           Ali reunidas as famílias, além das histórias sobre o pago deixado para trás, discutiam a construção de escolas, de igrejas e capelas, a contratação de professores.

           Estima-se que mais de um milhão e duzentos mil gaúchos vivam hoje fora do Estado. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a maior parte desta gente desenvolve atividades ligadas à agricultura. Seja diretamente no campo, seja nas cidades em serviços de apoio à agropecuária.

           A partir do início do século passado, mas com mais força depois da década de 30, o nosso povo começou a ser expulso da áreas pioneiras de colonização no Estado. O fracionamento das terras nos inventários de família obrigava que os filhos empreendessem uma nova jornada. De certo modo, eles imitavam seus avós alemães ou italianos, que haviam sido obrigados a cruzar o Atlântico. No caso, porém, se tratava de vencer a linha divisória com Santa Catarina.

           Toda mudança forçada é dolorosa. Mas mais dolorosa ainda é a mudança do homem que trabalha a terra. Ele se sente arrancado do solo, desenraizado.

           Depois de desbravar Santa Catarina, os gaúchos começam a migrar para o Paraná, onde ainda havia terras disponíveis. Mas no final dos anos 60, começo do 70, os filhos de gaúchos nascidos em Santa Catarina ou Paraná também se viram compelidos a seguir em frente, pelo mesmo motivo que, anteriormente, seus pais haviam deixado o Rio Grande do Sul: a divisão das pequenas propriedades. Por isso, os sulistas sempre foram a esmagadora maioria na abertura das frentes agrícolas em todo o país.

           Nos anos 70, aos milhares, essa gente se pôs na estrada, com a mudança empilhada num caminhão, os móveis e os implementos agrícolas dividindo o espaço na carroceria. Seguiam em frente pelo mapa do Brasil em busca de terras mais baratas, onde pudessem ter uma propriedade maior, que lhes propiciasse um futuro melhor, uma moradia decente, a educação dos filhos.

           E os gaúchos e seus descendentes de Santa Catarina e Paraná avançaram pelo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Goiás e Minas. Uns tantos espalharam-se por núcleos de colonização perdidos no meio da selva Amazônica. E, pouco depois, chegaram ao Tocantins, à Bahia e ao Maranhão. Há cerca de dez anos começaram a se instalar no Piauí.

           Foi esse movimento incessante da nossa gente, foi o êxodo dos gaúchos que transformou o Brasil numa potência mundial na produção de alimentos!

           Quase sempre com parcos recursos, ou mesmo sem nenhum dinheiro no bolso, homens e mulheres com seus filhos, aos milhares, se aventuraram em busca de novos horizontes. Saíram do Sul deixando para trás seus parentes e amigos e foram cultivar um chão desconhecido. Queriam progredir, melhorar de vida. Sabiam que não podiam contar com os governos. Tinham plena consciência de que eram pioneiros e do quanto de sacrifício esta palavra encerra. Pioneiros e desbravadores. É assim que os gaúchos no exílio gostam de ser chamados.

           Alguns deles venderam suas propriedades no Sul e depois perderam o dinheiro que tinham juntado ao serem enganados pelas máfias de vendedores de terras. Muitos tiveram prejuízos nas primeiras colheitas que não puderam transportar. Outros colheram safras ruins pelo uso de sementes inadequadas a um solo e um clima que não conheciam.

           Hoje, digo e não me canso de repetir que os sucessivos superávits do Brasil nas suas contas externas se devem à atividade agrícola. E digo também que, quando se fala em agricultura, pecuária ou agroindústria no Brasil, devemos ter em mente que os gaúchos do Rio Grande, os gaúchos que moram em outros estados e os descendentes de gaúchos que estão espalhados por todo o País são os que mais têm contribuído para a pujança da nossa atividade rural.

           Foi essa movimentação fantástica de centenas de milhares de famílias, foi a diáspora do povo gaúcho, que garantiu o lugar de destaque que o Brasil tem hoje na produção de alimentos.

           É incontestável que todos os estados brasileiros que são grandes produtores de grãos e carne receberam fortes correntes de migratórias saídas do Rio Grande do Sul. Inúmeros dos Senadores que têm assento nesta Casa podem referendar o que estou dizendo. Aliás, devo mencionar neste trecho que dois dos representantes de Mato Grosso do Sul, a Senadora Serys Slhessarenko e o Senador Gilberto Goellner nasceram no Rio Grande do Sul.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como disse em pronunciamento anterior, um dos traços mais fortes da migração gaúcha pelo Brasil afora foi, sempre, o da cooperação. É uma tradição da nossa terra, em especial da zona de imigração alemã ou italiana, o forte senso de coesão social. Está entranhado na nossa gente a velha sentença que diz que a união faz a força.

           Num meio estranho, às vezes hostil, os pioneiros precisavam se unir para sobreviver. E foi isso que os colonos alemães e italianos fizeram quando chegaram ao Rio Grande do Sul no Século XIX. Tratavam de construir logo suas igrejas, salões paroquiais e escolas, e também de formar cooperativas. Pois foi exatamente isso que os gaúchos que deixaram o Sul fizeram nas novas terras para as quais se transferiram.

           Quero mencionar ainda uma outra marca muito forte do espírito gaúcho que é, sem dúvida, o forte apego à terra natal. É claro que a ligação à terra em que nascemos é um fenômeno universal. No entanto, eu me arriscaria a dizer que o homem que vive dos frutos da terra é ainda mais apegado ao solo em que nasceu. O amor pelo Rio Grande acompanhou os gaúchos nessa travessia.

           A junção desses dois fatores - a cooperação e o amor à terra de origem - fez com que os sul-rio-grandenses, onde quer que chegassem, logo tratassem de criar um Centro de Tradições Gaúchas. Era o local de encontro nas horas de folga do duro trabalho no campo. Era o lugar em que tanto podiam recordar as coisas da querência quanto discutir os desafios de um meio ainda desconhecido. Ali, no galpão improvisado, uniam forças.

           Foi assim que os CTGs se espalharam por todo o Brasil, numa velocidade espantosa. E continua sendo assim ainda hoje, só que agora os centros se multiplicam também pelo mundo.

           Quando uso a palavra “mundo” não estou exorbitando. Recentemente, formou-se uma federação de CTGs nos Estados Unidos, onde já existem muitos centros. Também foram criados CTGs no Japão, na Alemanha, no Canadá, na França, em Israel e em Portugal. Na Paraguai, onde residem milhares de agricultores brasileiros, a palavra CTG é a sigla de Centro de Tradição Guarani, embora trabalhe-se lá com a nossa cultura.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi há cerca de sessenta anos que se iniciou o movimento intelectual que desembocaria na criação dos Centros de Tradição Gaúcha.

           Pouco depois do final da Segunda Guerra Mundial, preocupados com o avanço avassalador da indústria cultural dos Estados Unidos - cinema e música - sobre o mundo ocidental, jovens intelectuais do Rio Grande do Sul decidiram que era o momento de resgatar, preservar e promover a nossa rica cultura regional.

           Naquele época, como se sabe, as nações periféricas queriam imitar o modo vida dos vencedores da Grande Guerra, os Estados Unidos. Era o tempo de copiar o famoso “american way-of-live”, embora esse modo de vida fosse fictício, ou seja, falso, em grande parte fabricado pelo cinema.

           Embora estudassem em Porto Alegre, esses jovens intelectuais eram em sua maioria originários do interior do Estado, da região do pampa, alguns deles ligados à vida rural. Eram rapazes oriundos da classe média, não havia fazendeiros entre eles. Acreditavam que uma boa resposta a ascensão devastadora da cultura americana, seria, em nosso Estado, um retorno às nossas raízes culturais, que estavam no passado guerreiro, nas lutas com as quais asseguramos as fronteiras do Brasil, na vida aventureira nos campos, nos nossos peculiares cantos e danças, no nosso linguajar carregado de expressões espanholas.

           Decidiram, então, mergulhar com profundidade no nosso riquíssimo patrimônio cultural e artístico a fim de resgatar aquilo que diferenciava os sul-rio-grandenses dos demais, aquilo que era unicamente nosso.

           O Rio Grande do Sul tem uma história peculiar no contexto brasileiro. É um Estado marcado por numerosos conflitos armados, sendo que grande parte das nossas lutas decorreram de disputa com nações limítrofes pela posse da terra. Cabe lembrar que um terço das forças utilizadas na Guerra do Paraguai saíram do nosso Estado. Mas não foram menos sangrentos os nossos embates internos, como a terrível Revolução Federalista de 1893, que fez entre dez e doze mil mortos numa população não passava de um milhão. E, o que é ainda mais terrível, estima-se que cerca de mil vítimas foram degoladas.

           Eu mencionaria ainda que brevemente duas outras particularidades sul-rio-grandenses. A primeira é a nossa economia que, até o início do Século XX, estava centrada nas fazendas de criação de gado e na produção de carne salgada. Como segunda, eu apontaria a convivência estreita com povos de língua espanhola nas nossas cidades de fronteira, algo que não se repetia em nenhuma outra unidade da federação.

           Creio que é importante destacar ainda que, no esforço pela unificação nacional, o governo Vargas - na sua etapa autoritária - tentou manietar a imprensa quando esta fazia a defesa das culturas regionais. A Constituição de 1937, decretada por Getúlio Vargas, estabelecia que a bandeira, o hino, o escudo e as armas nacionais seriam de uso obrigatório em todo o país. Decretava o fim dos hinos estaduais. No Rio Grande do Sul nunca aceitamos essa imposição. Continuamos a contar o nosso hino estadual em todas as oportunidades que se apresentam.

           Em agosto de 1947, em Porto Alegre, jovens estudantes secundaristas, liderados por João Carlos D´Ávila Paixão Cortes, criaram um Departamento de Tradições Gaúchas no Colégio Júlio de Castilhos, um dos mais tradicionais educandários públicos do Estado. Ao mesmo tempo em que pretendiam preservar as tradições do Estado, eles também queriam revitalizar a nossa cultura, de modo a fazer com que ela vicejasse e passasse a ser valorizada no contexto nacional.

           Dentro deste espírito, surgiu a Primeira Ronda Crioula, que se prolongou do dia 7 de setembro ao dia 20 de setembro daquele ano. São essas as duas datas mais significativas para nós, gaúchos. O Sete de Setembro é o dia da libertação do nosso país do jugo de Portugal. O Vinte de Setembro é a data em que comemoramos a fundação da República Rio-Grandense, pelos guerreiros farroupilhas, em 1835, sessenta e quatro anos antes de que o Brasil adotasse o regime republicano de governo.

           Essa Primeira Ronda consistia no seguinte: antes que o “Fogo Simbólico da Pátria” fosse extinto, no dia 7 de setembro, uma centelha retirada dele foi transformada em Chama Crioula, mantida acesa até o dia 20 de setembro. Desde então, essa Chama Crioula é o símbolo da união indissolúvel do Rio Grande do Sul com o Brasil.

           Após essa Ronda pioneira, cresceu o número de militantes do movimento e eles passaram a se reunir periodicamente. Surgiu a seguir a idéia da formação de um clube para a preservação da tradição gaúcha, em especial de suas músicas, danças e vestuário.

           Inicialmente, a idéia era fundar um grupo fechado, com 35 integrantes, numa referência ao ano da eclosão da Revolução Farroupilha.

           Assim, em 24 de abril de 1948 foi fundado o 35 Centro de Tradição Gaúcha, o CTG pioneiro. De lá para cá, passaram-se sessenta anos. Nesse tempo, os CTGS se multiplicaram pelo interior do Rio Grande do Sul, espalharam-se por todos os Estados da Federação e começam, agora, a ser constituídos em muitas nações.

           O Professor Ruben George Oliven, autor de A Parte E O Todo, obra indispensável para se entender o Rio Grande do Sul de hoje, ao examinar as origens do tradicionalismo gaúcho, destaca que, curiosamente, o segundo CTG do Estado surgiu em Taquara, cidade da área de colonização alemã. Ao contrário dos fundadores do 35 CGT, que tinham sobrenomes lusos, os fundadores do segundo CGT eram todos de origem alemã. Para Oliven, os descendentes de alemães queriam afirmar sua brasilidade e seu gauchismo, como forma de superar a perseguição que haviam sofrido quando da Segunda Guerra Mundial.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para entendermos melhor o que passou a ser conhecido como Tradicionalismo Gaúcho é preciso analisar o que escreveu Luís Carlos Barbosa Lessa, um dos principais incentivadores desse movimento, num texto fundamental, intitulado “O Sentido e o Valor do Tradicionalismo”, aprovado pelo Primeiro Congresso Tradicionalista do Rio Grande do Sul, realizado na cidade de Santa Maria, em1954.

           Naquele texto, Barbosa Lessa escreveu que a passagem do tempo mostraria “o acerto ou não desta campanha cultural”. Ora, pelo que se vê hoje, com milhares de CTGs funcionando, o transcurso do tempo provou de forma inequívoca a validade da iniciativa daqueles jovens estudantes gaúchos.

           Na definição de Barbosa Lessa, “Tradicionalismo é o movimento popular que visa auxiliar o Estado na consecução do bem coletivo, através de ações que o povo pratica (mesmo que não se aperceba de tal finalidade) com o fim de reforçar o núcleo de sua cultura: graças ao que a sociedade adquire maior tranqüilidade na vida comum”.

           Mais do que teoria, acrescentou Barbosa Lessa, o Tradicionalismo seria um movimento que se realizaria nos Centros de Tradições Gaúchas, “agremiações de cunho popular que têm por fim estudar, divulgar e fazer com que o povo viva as tradições rio-grandenses”.

           Aliás, é importante registrar que um dos mais importantes trabalhos de resgate do nosso patrimônio cultural foi levado adiante pelo escritor pelotense João Simões Lopes Neto, que reuniu na obra “Cancioneiro Guasca” centenas de quadrinhas e poemas do nosso passado.

           Para Barbosa Lessa, os tradicionalistas deveriam prestar atenção especial às novas gerações para que o movimento se renovasse sempre. Portanto, dizia ele, seria fundamental o engajamento dos professores primários. “A maneira mais segura de garantir à criança o seu ajustamento à sociedade é precisamente fazer com que ela receba, de modo intensivo, aquela massa de hábitos, valores, associações e reações emocionais - o patrimônio tradicional, em suma - imprescindíveis para que o indivíduo se integre eficientemente na cultura comum”.

           Esse texto de Barbosa Lessa é premonitório. Tudo que ali está previsto realizou-se, com folga.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como ressaltei inicialmente, os CTGs não se limitam a ações sociais, culturais, literárias, artísticas, ou de natureza cívica. Uma de suas metas centrais é o fortalecimento da integração dos seus membros, de modo a promover o bem comum. Local de reunião dos gaúchos migrantes, os centros acabaram funcionando como porta-vozes dos anseios das novas comunidades que estavam sendo criadas no Cerrado ou na Floresta.

           Nos Centros de Tradição Gaúcha, as pessoas se reúnem quase sempre em torno de um fogo-de-chão, que evoca um hábito arraigado dos primeiros habitantes da nossa terra, os índios, que, ao redor de uma fogueira, escutavam as histórias contadas pelos mais velhos.

           Como disse antes, o apego à terra natal é uma das características mais entranhadas no ser humano. Na memória de todos nós, mesmo os que vivemos há muito nas cidade, está fortemente gravada uma lembrança: é da terra que vem o nosso alimento. O ser humano, especialmente naquele que atua na agricultura, vê a terra como mãe, como nutriz, como a terra-mãe.

           Tudo nos Centros de Tradição Gaúcha faz referência à vida rural, aos hábitos dos nossos primeiros habitantes, dos que viviam nas fazendas espalhadas pelos pampas. Assim, as atividades dos CTGs se dão todas num galpão.

           Como o galpão é essencial para o exercício do tradicionalismo, porque acima de tudo o galpão é um local democrático, é semelhante a ágora dos gregos antigos, cabe aqui reproduzirmos o verbete do Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul, de Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes:

           “O galpão característico do Rio Grande do Sul, uma construção rústica, de regular tamanho, coberta de santa-fé, na fronteira, ou de taboinhas, nos Campos de Cima da Serra, em geral com parte da área assoalhada de madeira bruta e parte de terra batida, desprovido de portas e às vezes até de uma das paredes, onde o fogo de chão está sempre aceso. Serve de abrigo e aconchego à peonada da estância e qualquer tropeiro, viajante ou gaudério que dele necessite. No galpão se prepara e se come o churrasco, se toma chimarrão, e, também nele, nas horas de folga, ao redor do fogo se improvisam reuniões das quais participam democraticamente patrões e empregados, viajantes, tropeiros e carreteiros e gaudérios, nas quais se contam causos de guerra, de tropeadas, de carreteadas, de serviços de campo, de caçadas, de pescarias, de amores, de assombrações, ao mesmo tempo bebe-se uma canha, toca-se uma cordeona, dedilha-se uma viola, canta-se uma modinha ou recita-se uma décima”.

           Outra peculiaridade dos CTGs: os cargos dos integrantes usam denominações trazidas das funções exercidas antigamente numa estância: patrão, capataz, sota-capataz, posteiro, peão e agregado. O vestuário também deriva da roupa usada pela gente que vivia no campo. Além dos bailes, com músicas e danças do passado, os CTGs incentivam as cavalgadas, as disputas de habilidade entre cavaleiros. Acampamentos e cavalgadas são atividades freqüentes.

           O que se percebeu durante a diáspora do povo gaúcho é que inúmeros dos nossos conterrâneos que - quando viviam no Estado nunca haviam se interessado pelo tradicionalismo - se voltaram com grande interesse para a nossa cultura quando deixaram a querência natal. O mesmo ocorreu com seus descendentes, filhos e netos, mesmo já nascidos em outros estados.

           A seguir reproduzo trechos do livro A Parte E O Todo nos quais o professor Oliven mostra a disseminação dos CTGs pelo Brasil:

           “Os primeiros lugares onde foram criados CTGs fora do Estado foram Ponta Grossa, no Paraná, em 1956, São Miguel do Oeste no extremo Oeste de Santa Catarina em 1959 e Lages no Sudeste daquele Estado em 1961, três áreas de expansão dos gaúchos”.

           Especificamente sobre Santa Catarina, escreve o professor Oliven: “Em 2002 havia 446 entidades tradicionalistas, incluindo CTGs e piquetes de laço, distribuídos nos mais diversos municípios do Estado”.

           E prossegue: “No Paraná, em 2002, havia 292 CTGs filiados ao Movimento Tradicionalista Gaúcho do Paraná, abrangendo todo o Estado. Na região metropolitana de Curitiba há setenta entidades tradicionalistas”.

           E acrescenta: “No Mato Grosso, em 2002, havia quarenta e quatro CTGs. No mesmo ano, em Mato Grosso do Sul havia dezessete CTGs. Em São Paulo há vinte CTGs...”

           Nas minhas viagens pelo Brasil, tenho notado que os descendentes nascidos fora do Rio Grande se consideram tão gaúchos quanto seus pais. É impressionante o quanto eles se esmeram para aprender as danças e músicas do nosso Estado, para decorar os poemas dos grandes tradicionalistas, entre os quais se destaca Jayme Caetano Braun, e também para conhecer as obras fundamentais da nossa literatura. São inúmeros os casos de descendentes de gaúchos que, mesmo sem conhecer o Rio Grande do Sul, freqüentam os CTGs com grande entusiasmo.

           Outro aspecto que salta aos olhos de quem estuda ao assunto é o fato de os integrantes dos CTGs espalhados pelo País serem majoritariamente descendentes de alemães, italianos e, em menor numero, de poloneses. A imagem do gaúcho tradicional, como já mencionei aqui, está calcada no homem do pampa. Ao estudar essa questão, o professor Oliven registra:

           “Ao saírem do Rio Grande do Sul, onde eram no máximo proprietários de alguns hectares de terra, e adquirirem extensões bem maiores em áreas de expansão da fronteira agrícola, os emigrantes simbolicamente deixam de ser pequenos colonos e tornam-se fazendeiros. Eles se vêem como pioneiros que estão desbravando novas terras com trabalho e coragem. Nesse processo, os colonos se transformam em “gaúchos”, categoria pela qual se identificam e são identificados pelos “brasileiros”, isto é, pelos que não têm origem no Rio Grande do Sul”.

           Cabe aqui, creio eu, mencionar um fato curioso: os filhos de migrantes torcem pelos times de futebol de Porto Alegre. É comum que um garoto nascido no interior de Goiás ou do Maranhão torça pelo Inter ou pelo Grêmio. Eles se identificam com os grandes times do Sul que costumam ver na televisão enfrentando as outras grandes equipes brasileiras. Essa garotada, às vezes de uma segunda geração nascida no exílio, sente-se tão gaúcha quanto seus avós e pais.

           O mesmo eu poderia dizer em relação à música. Há jovens que no interior de Minas ou de Tocantins ouvem a música do Rio Grande. Hoje, pela internet, podem escutar programas de rádio do nosso Estado. Também encontramos com freqüência, quando andamos pelas áreas de migração, emissoras que produzem programas de música gauchesca.

           O apego extremado que o gaúcho tem pela sua terra vem de longe. Já em 1854, no Rio de Janeiro, o professor Pereira Coruja fundou a Sociedade Sul-Riograndense, que tinha como objetivo reunir os nossos conterrâneos que viviam na Corte.

           Em 1898 o major João Cezimbra Jaques, que havia lutado na Guerra do Paraguai, considerado um pioneiro do nosso Tradicionalismo, fundou o Grêmio Gaúcho de Porto Alegre a fim de “organizar o quadro de comemorações dos acontecimentos grandiosos de nossa terra”. Ele sugeria que, nas festas e solenidades, se praticassem “os jogos e diversões do passado” e que os executantes das músicas tradicionais usassem trajes “como os de uso gauchesco”.

           Em 1899, foi criada em Pelotas a União Gaúcha, que teve como mentor um dos nossos grandes autores: João Simões Lopes Neto, considerado por muitos críticos de literatura como o maior escritor regionalista do Brasil.

           Homem de inúmeras atividades empresariais e intelectuais, João Simões Lopes Neto interessava-se particularmente pela nossa história. Coletou centenas de modinhas para formar o nosso “Cancioneiro Guasca”. Deu status de obra literária às nossas lendas do Sul. Nos “Contos Gauchescos” criou o primeiro narrador da literatura brasileira que usa a língua do homem do povo.

           Sobre o resgate na nossa cultura, escreveu João Simões Lopes Neto: “Hábitos saudáveis na família estão sendo cada dia, abolidos. Brincadeiras infantis, esquecidos. Práticas e usanças características, desprezadas. (...) é o lento suicídio de nossa personalidade.”

           Felizmente agora, mais de um século depois, podemos dizer que o autor de Contos Gauchescos e Lendas do Sul se equivocou. A personalidade dos gaúchos não se suicidou. Nós continuamos a cultivar os valores e as virtudes dos nossos ancestrais. As nossas danças e cantigas tradicionais não foram esquecidas. As nossas famílias ainda se reúnem com freqüência, seja no Rio Grande do Sul seja em qualquer outra terra onde exista um CTG.

           A verdade é que o movimento de resgate da nossa cultura teve um sucesso que jamais poderia ser imaginado, nem mesmo pelo mais otimista dos seus fundadores.

           Aliás, quero reproduzir uma frase contundente que me foi dita por uma importante intelectual gaúcha, a professora Tania Rosing:

           - Não sou ligada ao movimento tradicionalista, mas a verdade é que, se ele não existisse, todos nós, gaúchos, estaríamos usando chapéus dos texanos.

           A professora Tânia é a criadora da nacionalmente famosa Jornada Literária de Passo Fundo, o mais evento literário do Brasil, que acontece justamente na cidade brasileira onde mais se lê, como comprovou pesquisa recente.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao encerrar este pronunciamento, vou sintetizar aquilo que tentei deixar bem claro ao longo deste pronunciamento. O sucesso da migração dos gaúchos para todos os rincões deste país reside uma base sólida, que é formada pelo culto do trabalho árduo, pela cooperação, pela união em torno da família, pelo apego às convicções religiosas, pelo amor à terra natal.

           Vou falar inicialmente da família. Os migrantes gaúchos sempre tiveram uma confiança muito maior no seu grupo familiar do que nas autoridades. Mal se instalavam numa nova terra, os migrantes chamavam para perto seus irmãos e seus pais. Porque a família é um valor importante entre a nossa gente do campo. Todos sabemos que, quando mais unida for a família, quanto mais estruturada for, melhor rendimento terão os jovens nos seus estudos e na vida. Os nossos CTGs têm a família com um valor supremo. São lugares de divertimento sadio e respeitoso.

           Tempos que ressaltar também o envolvimento dos nossos migrantes com a religião. Sejam católicos, sejam luteranos, os nossos agricultores praticam com grande entusiasmo a fé religiosa. Eles contribuem efetivamente para o fortalecimento de suas paróquias, de suas escolas dominicais. Embora entidades leigas, os CTGs reconhecem a importância da fé.

           Quero destacar também a larga tradição de cooperativismo dos nossos colonos. As cooperativas surgiram, no Brasil, nas regiões colonizada pelos italianos no Sul. Para proteger os que tinham problemas, criaram caixas de socorro mútuo. Mais adiante, cooperativas foram formadas para tanto vender a produção quanto para aquisição de material de consumo. Os CTGs reforçam essa tendência. No centro tradicionalistas cultiva-se o valor da solidariedade, da formação de micro-organizações.

           Por fim, destaco o valor da educação. Valorizando a música, a poesia, a dança, a história, os CTGs funcionam como pontos de apoio à escolarização. As crianças são incentivadas ao aprimoramento intelectual em função da carga de informações importantes que recebem nas suas reuniões.

           Por tudo isso, eu gostaria de agradecer a todos os tradicionalistas gaúchos, estejam onde estiverem, porque o trabalho que desenvolveram é digno dos nossos maiores elogios.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2009 - Página 15418