Discurso durante a 106ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a colonização do Oeste e Sudoeste, como uma das mais belas páginas da diáspora do povo gaúcho.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Considerações sobre a colonização do Oeste e Sudoeste, como uma das mais belas páginas da diáspora do povo gaúcho.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2009 - Página 27787
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CONTINUAÇÃO, HISTORIA, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), COLONIZAÇÃO, ESTADOS, BRASIL, PRIORIDADE, REGIÃO OESTE, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), REGIÃO SUDESTE, ESTADO DO PARANA (PR), REGIÃO SUL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), BUSCA, INFERIORIDADE, VALOR, PREÇO, TERRAS, FERTILIDADE, DESENVOLVIMENTO, ATIVIDADE ECONOMICA, CONTRIBUIÇÃO, FORMAÇÃO, CIDADE, ESPECIFICAÇÃO, MUNICIPIO, CASCAVEL (PR), TOLEDO (PR), FRANCISCO BELTRÃO (PR), CAPANEMA (PR).
  • LEITURA, DEPOIMENTO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), SECRETARIO DE ESTADO, PLANEJAMENTO, ESTADO DO PARANA (PR), DEPUTADO FEDERAL, HISTORIA, PARTICIPAÇÃO, FAMILIA, MIGRAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante quase todo o século passado, milhares de famílias gaúchas deixaram diversas regiões do Rio Grande do Sul para desbravar a imensa hinterlândia do País. Inicialmente, penetraram na terra virgem de Santa Catarina e do Paraná, povoaram os imensos espaços vazios, plantaram novas culturas, construíram a infraestrutura, expandiram a fronteira agrícola e ajudaram a fixar os primeiros pilares do complexo agroindustrial brasileiro, que é hoje um dos mais desenvolvidos e mais competitivos do mundo.

Inegavelmente, não podemos deixar de reconhecer que os colonos gaúchos são responsáveis, em grande parte, pelos valiosos lucros que hoje são gerados pela moderna agricultura brasileira. Os resultados obtidos atestam claramente a grandeza de nossa capacidade agrícola, que foi alcançada graças a muito trabalho, muita luta, muito sacrifício e muita coragem.

Os números ilustram muito bem a importância do Complexo Agroindustrial Brasileiro e seu significado para a balança comercial e para o equilíbrio do conjunto da economia nacional. Em 2008, o setor agrícola proporcionou ao País um superávit de US$ 49,700 bilhões. Exportamos o equivalente a US$58,400 bilhões em produtos da agropecuária e importamos apenas US$8,700 bilhões. No que se refere ao conjunto das transações comerciais, exportamos o equivalente a US$160,600 bilhões e importamos o valor correspondente a US$120,600 bilhões.

Como se pode observar acima, o saldo total de nossa balança comercial foi de US$40 bilhões, graças quase que unicamente às vendas do agro-negócio. Portanto, se não fosse o volume exportado pelo setor agrícola, não teríamos registrado superávit na balança comercial em dezembro de 2007.

Os colonos que partiam - desde o início do século passado - costumavam escrever cartas nas quais relatavam sobre a vida nas novas terras, contavam suas experiências, falavam sobre as boas perspectivas e encorajavam seus parentes e amigos a seguirem a mesma trilha. Todos se interessavam em saber das histórias narradas pelos que se afastavam do rincão, e assim essas correspondências eram passadas de mão em mão e lidas com grande interesse. Influenciados por essas notícias, outras levas de gaúchos tomaram a estrada.

Hoje, estima-se que mais de 1 milhão e 200 mil vivem espalhados por Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Piauí, Maranhão, Tocantins e por todo o restante da Região Norte.

A mesma corrente migratória, cuja motivação maior era a busca de terra barata, de trabalho e de melhoria econômica, também chegou aos países vizinhos do Rio Grande do Sul. Milhares de gaúchos se deslocaram para o Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia.

É importante não esquecer que os migrantes gaúchos saíram em busca de novas terras, extensões que ainda não faziam parte dos interesses imediatos dos grandes proprietários e do grande capital fundiário, que não tinham, à época, grande motivação para investir na viabilidade econômica dessas áreas. Todavia, esses pequenos lavradores pensavam diferente. Sabiam que valia à pena o sacrifício de desbravar aqueles espaços pouco explorados porque o clima e o solo permitiam o cultivo de diversos produtos que seriam importantes em médio prazo. Além de tudo, perceberam que muitas daquelas terras poderiam fornecer, em futuro próximo, pastagem para milhões de cabeças de gado, já que possuíam água em abundância para irrigar as plantações e fontes de matérias-primas fáceis de serem utilizadas.

No final da década de 30, a necessidade de ocupação imediata das grandes extensões despovoadas do Brasil já era uma realidade para o então Presidente Getúlio Vargas, o maior estadista que este País já teve. Incorporar esses espaços passou a ser considerado como vital para impulsionar o desenvolvimento; para facilitar a nacionalização de propriedades que, durante o século XIX e início do século XX, estavam nas mãos de empresas estrangeiras; para promover a integração; para incorporar novas terras ao processo produtivo; para dinamizar as exportações de produtos agrícolas; para afastar as possibilidades de conflitos sociais agrários em áreas potencialmente sensíveis; e para garantir a segurança nacional.

Com essas intenções, o Governo conseguiria, finalmente, abrir um novo espaço em favor da expansão do capital e, no caso específico do Oeste do Paraná, oferecer aos gaúchos a possibilidade de colonização da região. A fim de tornar possível a realização desse grande projeto, o Estado não poupou esforços para criar políticas que incentivassem a ocupação das áreas selecionadas.

Dessa forma, no início de 1940, milhares de gaúchos acreditaram nas facilidades oferecidas pelo Governo e partiram para conquistar o Oeste do Paraná. Grosso modo, foi assim que Getúlio Vargas estabeleceu as bases da chamada “Marcha para o Oeste”, cujo objetivo, como acabei de dizer, era colonizar, integrar e alargar as fronteiras agrícolas do País.

Aliás, o interesse nacional pela questão da integração dos grandes espaços vazios ficou ainda mais aguçado com o início da Guerra Fria, logo após a derrota do nazi-fascismo na Europa. Convém destacar ainda que, até hoje, essa política de ocupação está mais viva do que nunca. Entra governo sai governo, ela continua a mobilizar parte importante da sociedade e a ocupar amplos espaços nos meios governamentais, políticos, empresariais, militares, intelectuais e religiosos.

Hoje, o grande temor nacional ainda é o vazio amazônico, a ameaça de ocupação estrangeira que paira sobre o território e a destruição acelerada da floresta que pode motivar uma intervenção internacional.

Sem dúvida, o maior atrativo para povoar essas regiões foi o baixo preço da terra e a sua fertilidade, sobretudo no Oeste do Estado de Santa Catarina; no Oeste e no Sudoeste do Estado do Paraná e no Sul do Mato Grosso do Sul, onde predominavam as chamadas terras roxas. Os gaúchos foram os principais alvos dessa política porque eram donos de propriedades muito pequenas, ou nem mesmo tinham propriedades rurais; ou porque começavam a formar um forte excedente de mão-de-obra. A maioria descendia de imigrantes europeus, basicamente italianos e alemães, que haviam iniciado a colonização do Rio Grande do Sul durante o século XIX.

Nas décadas de 50 e 60, a migração organizada dos gaúchos para o Oeste do Paraná foi intensa. Geralmente, partiam em grupos com suas famílias, vizinhos e amigos. Ao chegarem, procuravam a empresa colonizadora e adquiriam lotes em uma mesma área, trabalhavam em conjunto para derrubar a mata subtropical, construíam suas casas, preparavam a terra e cultivavam os produtos necessários para a subsistência. Podemos dizer que o início da década de 70 marcou o fim da colonização gaúcha no Oeste do Paraná.

Com a execução do 1º e do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, a agricultura brasileira deu os primeiros passos em direção da modernização capitalista que haveria de mudar radicalmente as relações sociais e econômicas no campo.

Ao mesmo tempo, com a assinatura do tratado entre as Repúblicas do Brasil e do Paraguai, em abril de 1973, para viabilizar o aproveitamento hidrelétrico dos recursos do Rio Paraná, com a criação da empresa Binacional Itaipu, foi selado um novo destino para toda a região.

A obra teve início em 1975. Em setembro de 1982, ocorreu a inundação de 1.460 quilômetros quadrados de áreas marginais ao Rio Paraná. Destes, 855 quilômetros quadrados situavam-se em território brasileiro. Evidentemente, muitos colonos antigos foram beneficiados com a chegada da energia elétrica. Entretanto, as pequenas unidades agrícolas familiares ribeirinhas ao Rio Paraná foram tragadas pelas águas. Segundo dados fornecidos pela Binacional Itaipu, 38 mil agricultores residentes naquela extensão rural foram expropriados e indenizados.

Os mesmos motivos que levaram milhares de gaúchos a migrar para o Oeste do Paraná estimularam-nos, igualmente, a colonizar a parte Sudoeste do Estado, que é hoje formada por 42 Municípios. A região faz fronteira com o Estado de Santa Catarina e com a Argentina.

O Sudoeste paranaense tem uma história atribulada e, durante muitos anos, foi palco de inúmeras brigas e litígio territorial com a Argentina, que se arrastou de 1881 a 1895. Entre 1901 e 1916, Paraná e Santa Catarina quase foram às vias de fatos por causa da disputa de uma área em suas fronteiras. De 1912 a 1915, nessa região pretendida pelos dois Estados, aconteceu a Guerra do Contestado, uma revolta armada de caboclos contra os Governos Federal e Estadual e contra uma empresa estrangeira que atuava no local, a Brazil Railway.

Tal empresa havia recebido do Governo, como pagamento pela construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, uma área de mais de 276 mil alqueires que era ocupada pelos caboclos, e decidiu expulsá-los. A reação foi imediata, e o conflito armado começou. Nessa época, surgiu igualmente um movimento separatista que defendia a criação do Estado de Missões, que deveria reunir parte do Sudoeste paranaense e mais de dois terços do território de Santa Catarina.

Em 1943, foi criado o Território Federal do Iguaçu, que durou dois anos e serviu apenas para reforçar a tese separatista. Nos anos 1950, com a explosão migratória de gaúchos e catarinenses para a região, reapareceu a idéia da criação do Estado do Iguaçu, que, felizmente, não foi para frente.

Em 11 de outubro de 1957, milhares de posseiros armados tomaram Francisco Beltrão e enfrentaram latifundiários, companhias estrangeiras que lucravam altas somas com o comércio de terras e seus jagunços. O levante ficou conhecido como a “Revolta de 1957”. As cidades de Francisco Beltrão e Pato Branco foram os pontos mais quentes do conflito.

A colonização intensiva do Sudoeste do Paraná por gaúchos e catarinenses aconteceu ao mesmo tempo em que se verificou a ocupação do Oeste. Desde o início da colonização, a partir de 1940, a comunidade gaúcha sempre foi a mais numerosa. Na década de 50, a migração de gaúchos atingiu o seu ponto máximo, estimulada pelo apoio que recebia da Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango), criada em 1942 para viabilizar a estratégia da “Marcha para o Oeste”, imaginada por Getúlio Vargas. Vale dizer que o Sudoeste era considerado pelos migrantes como o eldorado paranaense. As terras eram cobertas por vastas reservas de araucárias, mais de 6 milhões de árvores gigantescas, um fantástico patrimônio natural.

Para melhor compreendermos a importância da migração de gaúchos para o Estado do Paraná, quero mencionar aqui um pouco da história das principais cidades das regiões paranaenses de colonização recente.

Começo por Cascavel, distante 492 quilômetros da capital, hoje a sexta maior cidade do Estado embora tenha sido criada há poucas décadas. Desfrutando de uma topografia privilegiada, que facilitou a abertura de ruas largas e bairros bem distribuídos, o município conta hoje com cerca de 300 mil habitantes.

A atração de migrantes para a região de Cascavel começou na década de 30, quando, com o ciclo da erva-mate já extinto, iniciou-se a extração de madeira. As levas iniciais de migrantes eram compostas, em sua maioria, de agricultores descendentes de italianos, alemães e poloneses. Exatamente como antes havia ocorrido em Santa Catarina, na medida em que as áreas de mata nativa eram esgotadas iniciava-se a produção agropecuária, centrada na pequena e na média propriedade, que constitui ainda hoje a base econômica do município.

Cascavel, cujas terras pertenciam à prefeitura de Foz do Iguaçu, foi considerada vila a partir de 1936. Apenas dois anos depois era elevada à sede de distrito administrativo. A emancipação veio em 1952. Considerada hoje a Capital do Oeste Paranaense, é o centro de um dos principais pólos econômicos do Estado porque, além de sua forte produção agropecuária, desenvolveu um parque industrial diversificado e dinâmico.

Passo agora para a cidade de Toledo, que foi emancipada juntamente com a sua vizinha Cascavel, em dezembro de 1952. Toledo figura atualmente como o décimo quarto município entre os mais populosos do Paraná. Seu desenvolvimento deveu-se ao fato de estar numa região que concentra muitas empresas de grande porte que processam a produção das férteis e planas terras dessa região, uma das principais produtoras de grãos do Estado.

Área de colonização recente, Toledo recebeu seus primeiros moradores a partir de 1946. Cinco anos depois surgia o município. É interessante constatar que, na década de 1960, havia apenas cinco cidades na região Foz do Iguaçu, Cascavel, Toledo, Guaíra e Guaraniaçu.

A colonização da área foi desenvolvida em pequenas propriedades que tinham, em média, 10 alqueires paulistas ou 24 hectares. Dos anos 60 para os anos 70, a economia passou por um processo acelerado de mudança. A concentração da propriedade da terra favoreceu a monocultura e determinou o êxodo de grande parte dos pequenos produtores que seguiram para as novas fronteiras agrícolas no Centro e no Norte do País. De outro lado, o aumento da produção de suínos levou à criação de grandes frigoríficos que passaram a vender sua produção para o exterior.

Outra cidade que merece menção quando se fala da presença gaúcha no Paraná é Francisco Beltrão, no sudoeste paranaense, que possui população estimada em 80 mil habitantes, sendo a vigésima quinta mais populosa do Estado. O município foi oficialmente fundado em 14 de dezembro de 1952, sendo desmembrado de Clevelândia. Sua economia é importante para a região por concentrar diversos tipos de serviços bancários, educacionais e médicos além de um amplo número de estabelecimentos comerciais. Sua indústria se destaca pela agroindústria e pela produção têxtil e moveleira.

No Sudoeste do Paraná, deve-se destacar também a cidade de Pato Branco, que conta com população superior a 65 mil habitantes e desfruta de elevado índice de desenvolvimento humano. O Município se destaca como centro de serviços com ênfase nos setores da saúde e da educação, mas, em anos recentes, passou a contar com um centro tecnológico industrial. A agricultura também representa uma importante fatia na economia deste município que é o vigésimo sexto mais populoso do Paraná.

Por fim, quero me referir a Capanema, no Sudoeste paranaense, porque tenho relação pessoal com aquela cidade. Naquele Município que tem hoje cerca de 18 mil habitantes, residiu por muito tempo minha esposa, Ivete, bem como seus pais e irmãos. A cidade recebeu este nome em homenagem ao engenheiro Guilherme Schüch, Barão de Capanema, que teve importante atuação na disputa entre Brasil e Argentina pelas terras do Sudoeste do Paraná e do Oeste de Santa Catarina, região à época conhecida como Palmas. Capanema é uma grande exportadora de produtos orgânicos para o mundo.

Começo falando da transferência da família da minha esposa, Ivete Fülber, do Rio Grande do Sul para o Estado do Paraná. Meu sogro, Geraldo Fulber, era natural de Santa Cruz do Sul, enquanto minha sogra, dona Dalcila, nasceu em Três Passos. Depois de casados, eles instalaram-se em Três Passos, onde possuíam um mercadinho. Seus dois filhos mais velhos, Desidério e Odete, nasceram ainda no Sul. Em 1956, a família Fulber partiu em busca de maiores oportunidades no Oeste do Paraná. Viajaram durante um mês em um caminhão no qual levavam as mercadorias do mercado que haviam fechado em Três passos.

Inicialmente passaram por Cascavel, onde um irmão de meu sogro resolveu instalar-se. Dali seu Geraldo e dona Dalcila seguiram então para Capanema, que na época tinha apenas três casas. Como outros pioneiros, eles passaram por muitas e grandes dificuldades. Durante o primeiro mês, enquanto construíam uma casa, dormiram com os filhos dentro de um jipe.

Nos primeiros tempos, meus sogros dedicaram-se ao comércio. Possuíam um armazém típico daqueles dias, que vendia de tudo. Mais adiante, meu sogro passou a trabalhar também como comprador de fumo para uma grande indústria de tabaco. A seguir, começou a plantar soja, atividade na qual teve bastante êxito. Também atuou na suinocultura. Foi já no Paraná que nasceram os dois filhos mais novos do casal, Vilson e minha esposa, Ivete, que guarda com muito carinho na memória a sua infância vivida numa pequena cidade do interior do Paraná.

Passo agora a transcrever o depoimento de um dos mais destacados políticos paranaenses, o Deputado Alceni Guerra, ex-Ministro da Saúde, atualmente exercendo o cargo de Secretário de Planejamento do Estado do Paraná, que participou efetivamente da migração do povo gaúcho em busca de novas terras.

Diz Alceni Guerra:

Minha família deixou o Rio Grande do Sul em fevereiro de 1955, quando eu estava com nove anos. Meu pai, Prosdócimo Guerra, era agricultor e comerciante. Tanto ele quanto minha mãe, Adele, da família Fumagalli, eram filhos de italianos. Lembro muito bem da nossa viagem de caminhão. Ora eu ia na carroceria, ora eu viajava na cabine. O momento de maior impacto foi quando cruzamos o rio Uruguai em balsa. Para fazer um trajeto de 350 quilômetros, que hoje se faz em apenas 4 horas, nós viajamos durante dois dias inteiros, mesmo saindo de madrugada. Quando chegamos ao Oeste do Paraná, aquela região do Estado ainda estava totalmente coberta por florestas. Era como um paliteiro de araucárias, com uma árvore a cada três ou quatro metros. A primeira atividade econômica forte naquela época foi a derrubada da floresta para venda da madeira. Exportávamos para o mundo todo. A extração de madeira foi o que permitiu a capitalização dos migrantes gaúchos. A seguir, começou a prática da agricultura, ainda não mecanizada. Mais adiante, passaram os migrantes a adotar a produção com tratores. Hoje, no Oeste e Sudoeste do Paraná, a produção utiliza intensamente a tecnologia, alcançando elevada produção de grãos, entre os quais se destacam o milho e a soja. Cerca de uma década depois de nossa chegada ao Paraná, já em meados dos anos sessenta, os gaúchos ou seus descendentes que estavam instalados no Paraná continuaram seu êxodo em direção ao Norte em busca de terras mais baratas, onde pudessem comprar propriedades mais extensas. Minha família é um claro exemplo disso. Na década de 60, meus dois irmãos mais velhos seguiram para o Mato Grosso do Sul. Depois, nos anos 70, eu e mais um irmão fomos para Rondônia. Nos oitenta, outro irmão nosso foi para Rondônia. No Oeste do Paraná, são cerca de 100 as cidades que têm população adulta de origem majoritariamente gaúcha, se consideramos os mais idosos e seus filhos já nascidos no Paraná. As principais cidades da região são Cascavel, Pato Branco, Toledo, Francisco Beltrão, Palotina e Marechal Cândido Rondon. Quando fui prefeito de Pato Branco, mandei fazer uma pesquisa para descobrir quais clubes de futebol eram os preferidos dos moradores da cidade. Descobri que o Grêmio vinha em primeiro lugar, com 23 por cento. Em segundo lugar ficou o Internacional, com 19 por cento dos torcedores. Em terceiro vinha o Corinthians, com 17 por cento. Os maiores clubes do próprio Estado - Paraná e Atlético - não chegavam nem a um por cento. Acredito que o traço mais forte dos gaúchos que migraram é o pioneirismo, não apenas para incorporar novas áreas de produção ao país, mas também na adoção de técnicas agrícolas inovadoras. Os descendentes de gaúchos no Paraná têm espírito marcadamente pioneiro até mesmo no que se refere à tecnologia. Hoje, a cidade de Pato Branco possui o maior parque tecnológico do interior do país, com mais de 100 empresas de software.

Outro importante depoimento sobre a participação dos gaúchos no desenvolvimento do Oeste e Sudoeste do Paraná é o do Deputado Federal Assis do Couto, do PT paranaense:

Meu pai, gaúcho de Santa Maria, e minha mãe, de Erechim, migraram nos anos 50 para o Paraná. Como os outros agricultores, viajaram em busca de uma vida melhor. Instalaram-se na cidade de Santo Antonio do Sudoeste, onde, em 1961, eu nasci. Para dar uma boa idéia da presença de maciça de gaúchos e de seus descendentes naquela região, basta saber que as empresas de ônibus que mantêm linhas para Porto Alegre, ainda hoje, movimentam mais passageiros dos que as que têm linhas para Curitiba. a capital paranaense.

O Deputado Assis Couto - que reside na cidade de Planalto, que fica a 700 quilômetros de Porto Alegre e a 600 quilômetros de Curitiba - destaca que boa parte dos descendentes dos gaúchos que chegaram ao Sudoeste do Paraná nos anos 50 foram obrigados a deixar aquela região a partir dos anos 70 - mas com maior intensidade em meados dos 80 - em direção ao Norte do País, em função da concentração da terra e da mecanização.

Entre os que viram de perto a colonização do Sudoeste do Paraná pelos gaúchos está o deputado federal Nelson Meurer, que chegou à região em 1947, aos cinco anos, vindo de São Joaquim, Santa Catarina, com seus pais, que eram agricultores.

Quando chegamos as duas maiores cidades da região não passavam de pequenas vilas. A vila de Marrecas veio a se transformar, depois, na cidade de Francisco Beltrão, que hoje conta com 80 mil habitantes, sendo que cerca de 70 por cento deles são sul-rio-grandenses ou seus descendentes. A partir daquela época, os gaúchos começaram a chegar em grande número. Eram a maioria dos migrantes. No início, esses migrantes, muitos deles levados ao Paraná por empresas colonizadoras, se dedicavam à extração de madeira. Abriam serrarias e começavam a trabalhar. Pode-se dizer que os gaúchos continuaram chegando até os anos 70, quando cessou a imigração porque as terras já estavam todas ocupadas. Um processo semelhante de ocupação ocorreu ao mesmo tempo no Sudoeste do Paraná.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de terminar este pronunciamento dizendo que a colonização do Oeste e do Sudoeste é uma das mais belas páginas da diáspora do povo gaúcho, movimento que transformou em realidade o sonho antigo de que o Brasil poderia ser o celeiro da humanidade.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2009 - Página 27787