Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da Terceira Encíclica lançada pelo Papa Bento XVI, intitulada Caritas in veritate, com a qual retoma as questões sociais.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Análise da Terceira Encíclica lançada pelo Papa Bento XVI, intitulada Caritas in veritate, com a qual retoma as questões sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2009 - Página 35244
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • ANALISE, ENCICLICA, APRESENTAÇÃO, PAPA, IMPORTANCIA, DEBATE, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, BUSCA, GARANTIA, BEM ESTAR SOCIAL, JUSTIÇA, PAZ, MUNDO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


*********************************************************************************

DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR MARCO MACIEL NA SESSÃO DO DIA 05 DE AGOSTO DE 2009, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

*********************************************************************************

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Mão Santa, Secretário da Mesa do Senado Federal, ilustre representante do Piauí na Casa da Federação, prezado Senador Paulo Paim, Senador Flávio Arns, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, venho hoje, no final desta sessão, trazer uma palavra relativa à terceira encíclica expedida pelo Papa Bento XVI.

            Quando começou o seu pontificado, ele apresentou como sua primeira encíclica a entitulada Deus caritas est, ou seja, Deus é amor. Posteriormente, ele lançou outra encíclica chamada Spe Salvi, ou seja, esperança e salvação. E, agora, lançou a intitulada Caritas in veritate, ou seja, o amor na verdade.

            Eu chamaria a atenção para essa terceira encíclica porque, com ela, o Papa Bento XVI retoma uma linha muito característica na Igreja Católica, versar sobre questões sociais. Talvez a primeira encíclica que teve essa preocupação date dos fins do século XIX - na ocasião, o Papa era Leão XIII - e ela se chamou de Rerum Novarum. , Aliás, também uma característica da Igreja Católica é que as encíclicas sempre começam com duas palavras em latim. Rerum Novarum quer dizer sobre as coisas novas do fim século XIX, muitas das quais ocorreram ao longo do século XX.

            Como sabemos, as encíclicas são cartas que o Papa expede para a comunidade católica, em especial cardeais, bispos e à Igreja como um todo, mas igualmente para toda a sociedade internacional.

            Sobre o tema, o Cardeal Arcebispo de São Paulo Dom Odilo Scherer lembra:

Bento XVI publicou sua primeira encíclica social, intitulada Caritas in Veritate, retomando uma tradição consolidada pelos seus predecessores, que, ao longo de mais de cem anos, foram enriquecendo a chamada Doutrina Social da Igreja com oportunas tomadas de posição diante das questões sociais em contínua evolução.

Partindo da encíclica Populorum Progressio (Desenvolvimento dos Povos, 1967), Bento XVI recorda como já naquela circunstância seu grande predecessor Paulo VI alertara para o progresso dos povos não podia prosseguir às cegas. E agora o papa afirma: ‘sem Deus, o desenvolvimento é negado, é desumanizado. O verdadeiro objetivo do progresso é o bem integral de todo ser humano’.

Portanto, o que está em jogo é a relação entre o bem e a verdade, entre veritas e caritas” - ou seja, entre a verdade e o amor - “.... a solução para a crise política dos Poderes do Estado” - ainda citando Dom Odilo Scherer, que transcreve trechos da Encíclica -, “minados pela corrupção, só pode ser encontrada nas sendas, por vezes apertadas, da verdade.... o papel dos poderes públicos e das organizações da sociedade, para assegurar de maneira mais eficaz o direito dos trabalhadores, pressupõe que as escolhas econômicas tenham como objetivo prioritário o acesso de todos ao trabalho digno.

            O Papa também fere, segundo Dom Odilo Scherer a questão relativa às “conseqüências desastrosas para o equilíbrio ambiental dessa ação econômica sem princípios éticos que são cada vez mais perceptíveis do que nunca. Até a vida humana é submetida ao cálculo da utilidade e da vantagem, com políticas de controle demográfico forçado sem deixar de recorrer à supressão direta de vidas humanas ‘desinteressantes’ mediante o aborto e a eutanásia”.

            E prossegue Dom Odilo Scherer:

Uma regulamentação do setor para proteger os agentes mais fracos também se faz necessária. Bento XVI lança novamente a proposta já feita por João XXIII, nos anos 1960, da instituição de uma autoridade mundial coerente com os princípios de subsidiariedade e de solidariedade, que tenha um poder efetivo para governar a globalização.

            Quando João XXIII baixou a Encíclica que acabo de me reportar, produziu um grande impacto em todo o mundo e, de modo especial, na comunidade católica. De alguma forma, estamos agora vivendo novos tempos, tempos marcados pela globalização. Se a globalização tem seus aspectos positivos, por outro lado peca por não estar atenta à questão de que ela se faça em favor de um desenvolvimento mais equânime de toda a comunidade, que contemple a todos e a cada um.

            Então, a globalização deve ser um processo também que permita a solidariedade e, sobretudo, que se dê maior atenção às comunidades mais carentes. Aliás, é do Papa Bento XVI uma frase que considero muito oportuna: ”A globalização não é, a priori, nem boa nem má. Será o que fizermos dela”.

            O que vemos no mundo de hoje é uma globalização que não se caracteriza pela solidariedade, pela busca dos valores humanos em sua plena acepção.

            O Papa diz na Encíclica que “é preciso que as finanças enquanto tais - com estruturas e modalidades de funcionamento renovadas depois de sua má utilização que prejudicou a economia real - voltem a ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção de riqueza e o desenvolvimento. Enquanto instrumentos, a economia e as finanças em toda a respectiva extensão, e não apenas em alguns do seus sectores, devem ser utilizadas de modo ético a fim de criar condições adequadas para o desenvolvimento do homem e dos povos. É certamente útil, senão mesmo indispensável em certas circunstâncias, dar vida a iniciativas financeiras nas quais predomine a dimensão humanitária. Isso, porém não deve fazer esquecer que o inteiro sistema financeiro deve ser orientado para dar apoio a um verdadeiro desenvolvimento” (65).

            Não vou, Sr. Presidente e Srs. Senadores, comentar a Encíclica toda, mas apenas alguns trechos, tendo em vista - e é um fato notório - “o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial - a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas, quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações” -, que é o que pretende ser a ONU, hoje congregando quase duzentos Estados, mas ainda, em pleno século XXI, em pleno terceiro milênio da era cristã, não conseguimos construir uma verdadeira família de nações entre os Estados.

            Continua o texto de Sua Santidade:

De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para atuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. (...) Para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor Beato João XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade.

            O princípio da subsidiariedade é uma contribuição que a doutrina social da igreja trouxe para fertilizar o domínio da economia. Na medida em que se trabalhe, regendo-se pelo princípio da subsidiariedade, se estará criando condições para que os menores núcleos sejam devidamente atendidos e possam gozar conseqüentemente de um desenvolvimento solidário.

            Mais adiante, diz o Papa que o problema do desenvolvimento está estreitamente unido com o progresso tecnológico, ou seja, não podemos ver o desenvolvimento sem o correspondente progresso tecnológico, com as suas deslumbrantes aplicações no campo biológico:

A técnica, é bom sublinhá-lo, é um dado profundamente humano ligado à autonomia e à dignidade do homem. Nela exprime-se e confirma-se o domínio do espírito sobre a matéria. O espírito,  ‘tornando-se assim ‘“mais liberto da escravidão das coisas, pode facilmente elevar-se ao culto e à contemplação do criador’. (69)

O desenvolvimento tecnológico - insiste o Papa - pode induzir a idéia de auto-suficiência da própria técnica, quando o homem, interrogando-se apenas sobre o como, deixa de considerar os muitos porquês pelos quais é impelido a agir. Por isso a técnica apresenta-se com a fisionomia ambígua. Nascida da criatividade humana, como instrumento da liberdade da pessoa, pode ser estendida como elemento da liberdade absoluta, aquela liberdade que quer prescindir dos limites que as coisas trazem consigo.

O processo de globalização poderia substituir as ideologias com a técnica, passando esta a ser um poder ideológico que exporia a humanidade ao risco de se ver fechado dentro de um “a priori” do qual não se poderia sair para encontrar o ser e a verdade.

O desenvolvimento é impossível sem homens retos, sem operadores econômicos e homens públicos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum. São necessárias tanto a preparação profissional quanto a coerência moral. Quando prevalece a absolutização da técnica, verifica-se uma confusão entre fins e meios: como único critério de ação, o empresário considerará o máximo lucro da produção; o político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado das suas descobertas”.

            Cito outro trecho da Encíclica, justamente o item 72:

Mas, para que tais esforços possam produzir efeitos duradouros, é necessário que se apoiem sobre valores radicados na verdade da vida. Por outras palavras, é preciso ouvir a voz das populações interessadas em atender àa situação delas para interpretar adequadamente os seus anseios. De certo modo, deve-se colocar em continuidade com o esforço anônimo de tantas pessoas decididamente comprometidas a promover o encontro entre os povos e a favorecer o desenvolvimento partindo do amor e da compreensão recíproca.

            Sr. Presidente, outro ponto que não pode deixar de ser referido é o que, como já mencionei, está ligado ao desenvolvimento tecnológico e a merecer uma análise adequada.

            É bom lembrar que falar em desenvolvimento tecnológico nos induz a falar sobre os meios de comunicação social.

Já é quase impossível - prossegue o Papa - imaginar a existência da família humana sem eles. No bem e no mal, estão de tal modo encarnados na vida do mundo que parece verdadeiramente absurda a posição de quantos defendem a sua neutralidade, reivindicando em consequência a sua autonomia relativamente à moral que diria respeito às pessoas. Muitas vezes tais perspectivas que enfatizam a natureza estritamente técnica dos mass-media meios de comunicação social de fato favorecem a sua subordinação a cálculos econômicos, ao intuito de dominar os mercados e, não último, ao desejo de impor parâmetros culturais em função de projetos de poder ideológico e político.

Os meios de comunicação social não favorecem a liberdade nem globalizam o desenvolvimento e a democracia para todos, simplesmente porque multiplicam as possibilidades de interligação e circulação das ideias; para alcançar tais objetivos, é preciso que estejam centrados na promoção da dignidade das pessoas e dos povos, animados expressamente pela caridade e colocados a serviço .da verdade, do bem e da fraternidade natural e sobrenatural. De fato, na humanidade, a liberdade está intrinsecamente ligada a esses valores superiores” (73)

            Sr. Presidente, além do crescimento material, a Encíclica recomenda que se deve buscar também o desenvolvimento espiritual:

(...) porque a pessoa humana é ‘um ser uno, composto de alma e corpo’, nascido do amor criador de Deus e destinado a viver eternamente. As novas formas de escravidão da droga e o desespero em que caem tantas pessoas têm uma explicação não só sociológica e psicológica, mas essencialmente espiritual. O vazio em que a alma se sente abandonada, embora no meio de tantas terapias para o corpo e para o psíquico, gera sofrimento. Não há desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e corpo. (76)

Todo o nosso conhecimento, mesmo o mais simples, é sempre um pequeno prodígio, porque nunca se explica completamente com os instrumentos materiais que utilizamos. Em cada verdade, há sempre mais do que nós mesmos teríamos esperado. (77)

Paulo VI recordou-nos na Populorum progressio que o homem não é capaz de gerir sozinho o próprio progresso, porque não pode por si mesmo fundar um verdadeiro humanismo.

Por isso, a maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade, acolhendo uma e outra como dom permanente de Deus.

O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil - no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos - preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das modas do momento.” (78)

Tudo isso é indispensável para transformar os ‘corações de pedra’ em ‘corações de carne’ (Ez 36,26), para tornar “divina” e, conseqüentemente, mais digna do homem a vida sobre a terra. Tudo isto é do homem, porque o homem é sujeito da própria existência; e, ao mesmo tempo, é de Deus, porque Deus está no princípio e no fim de tudo aquilo que tem valor e redime”.(79)..

            Portanto, Sr. Presidente, concluo minhas palavras, fazendo este breve registro da Encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in veritate, na qual fere temas extremamente atuais e que merecem uma reflexão não somente daqueles que são católicos, mas também daqueles que se preocupam com o bem-estar da humanidade e desejam conhecer, no Século XXI, um desenvolvimento sinônimo de justiça e paz e, consequentemente, assegurar a todos e a cada um a plena realização na comunidade em que vive.

            Muito obrigado.


Modelo1 3/28/247:19



Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2009 - Página 35244