Discurso durante a 227ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Observações sobre o municipalismo. Reflexão sobre as funções do Senado Federal e a crise existencial por que passa a Casa, em conseqüência da crise no federalismo. Destaque para a necessidade de um novo pacto federativo, com a inclusão obrigatória das reformas fiscal, tributária e política.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. LEGISLATIVO.:
  • Observações sobre o municipalismo. Reflexão sobre as funções do Senado Federal e a crise existencial por que passa a Casa, em conseqüência da crise no federalismo. Destaque para a necessidade de um novo pacto federativo, com a inclusão obrigatória das reformas fiscal, tributária e política.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2009 - Página 63108
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. LEGISLATIVO.
Indexação
  • REGISTRO, APOIO, CANDIDATURA, REELEIÇÃO, MÃO SANTA, SENADOR, ESTADO DO PIAUI (PI).
  • ADVERTENCIA, NECESSIDADE, RENOVAÇÃO, PARADIGMA, GLOBALIZAÇÃO, EXTINÇÃO, PROCESSO, EXCLUSÃO, ELOGIO, INICIATIVA, GOVERNO BRASILEIRO, CRITICA, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUSENCIA, PROPOSTA, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, COMENTARIO, ANALISE, CONTRADIÇÃO, BRASIL, SITUAÇÃO, POTENCIA, ECONOMIA, MANUTENÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, MUNICIPIO, DEMOCRACIA, REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, REDUÇÃO, CAPACIDADE, PREFEITO, PLANEJAMENTO, FINANCIAMENTO, PROJETO, MOTIVO, CONCORRENCIA, MUNICIPIOS, OBTENÇÃO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL.
  • QUESTIONAMENTO, NECESSIDADE, PREFEITO, NEGOCIAÇÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, FINANCIAMENTO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, MUNICIPIOS, COMENTARIO, OCORRENCIA, LOBBY, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), CAPITAL DE ESTADO, REPUDIO, CRESCIMENTO, CORRUPÇÃO, CRITICA, CONFLITO, NATUREZA FISCAL, ESTADOS.
  • ANALISE, CONCEITO, FEDERAÇÃO, BRASIL, DISCORDANCIA, CENTRALIZAÇÃO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, PARADIGMA, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, REFORMA TRIBUTARIA.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, PROGRAMA DE GOVERNO, DISTRIBUIÇÃO, ALIMENTOS, PROGRAMA, BOLSA FAMILIA, IMPOSSIBILIDADE, EMANCIPAÇÃO, BENEFICIARIO, REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, MUNICIPIOS, OCORRENCIA, MIGRAÇÃO, MOTIVO, FALTA, QUALIDADE, SAUDE, EDUCAÇÃO, CRITICA, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), AUSENCIA, AVALIAÇÃO, NECESSIDADE.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, SENADOR, DISCUSSÃO, REFORMULAÇÃO, PACTO, FEDERAÇÃO, BRASIL, REPUDIO, TENTATIVA, EXTINÇÃO, SENADO, COMENTARIO, SITUAÇÃO, LEGISLAÇÃO, EFEITO, CRISE, MODELO, DESEQUILIBRIO, REPUBLICA FEDERATIVA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, fui convidado por alguns Senadores para combinar com V. Exª a data de irmos a Teresina a fim de fazermos a sua campanha ou para Governador, ou para Senador. E é interessante como há um movimento egoísta por parte dos Senadores, que não querem V. Exª candidato a Governador; exigem que V. Exª seja candidato ao Senado, ou seja, querem que volte a esta Casa. E nós vamos estar lá - dos vários partidos -, mostrando a importância de V. Exª ficar aqui. Já que o PMDB cometeu o ato ridículo de lhe negar legenda, nós, de vários partidos, estaremos lá, em Teresina e no Piauí, defendendo sua candidatura ao Senado Federal. É com muita alegria que eu disse a esses companheiros que fazia questão de estar presente em todas as vezes que formos determinados a ir ao Piauí, garantindo a sua eleição e a volta a esta Casa.

            Sr. Presidente, eu tenho procurado, principalmente às sextas-feiras, dar um tom mais profundo aos pronunciamentos. E V. Exª, reiteradamente, tem chamado a atenção para o fato de que as nossas reuniões... Houve reunião que já foi até às 11 horas da noite, em longos, em profundos e competentes debates. Mas eu - ao contrário do meu estilo, que é falar de improviso e falar com paixão -, como o Senador Cristovam Buarque e outros, tenho tentado aprofundar alguns assuntos que eu acho muito importantes, que eu acho muito necessários.

            Os corredores do Congresso Nacional e de todos os Ministérios têm se transformado, cada vez mais, em passarelas onde desfilam prefeitos e demais administradores dos Municípios, em busca de recursos para financiarem os projetos mais básicos para as comunidades de todos os cantos e recantos do nosso País

            Isso, em contradição a um discurso que também desfila pelas passarelas do poder, dando conta da importância do chamado desenvolvimento local na construção da nossa verdadeira cidadania brasileira.

            É que o poder, muitas vezes, se alimenta do discurso. Os prefeitos e os administradores locais lidam com o concreto, com o real. Não é suficiente o discurso.

            A questão do municipalismo não tem merecido a devida atenção do Poder Público. É que tudo o que se refere ao local, ao Município, bate de frente com o que prega e como se materializa o processo de globalização real.

            A globalização não respeita nem mesmo os limites nacionais. Ela estipula um imenso muro e o que vale é o tempo, e não o espaço. Não importa mais a distância. A tecnologia cuida de aproximar espaços em tempo real. O tempo é o do mercado, o do lucro. Pouco vale onde estejam os “incluídos”, incluídos no sentido do consumo, daqueles que podem comprar.

            Os “excluídos” vivem numa espécie de “vazio”, já chamado por muitos de “lado escuro do mundo”. Não importa onde, se nas periferias das grandes cidades de qualquer país, ou no pequeno e distante município. Não há acesso, para esses excluídos, a qualquer benefício da globalização, embora possam viver muito próximos dessa mais alta tecnologia. Onde quer que eles estejam, são considerados “peso morto”, “lado passivo”, porque, para a globalização, eles não consomem. “Inserção”, no caso, é ao mercado.

            A Internet e a grande mídia levaram o global para o local, mas não conseguiram trazer o local para o global, a menos que o local passe a ter condições de adquirir o produto da moda ou o produto da grife. O local só se torna global não necessariamente quando ele passa a saber tudo o que existe, mas quando ele consegue consumir o que o global produz.

            É por isso, meus irmãos, que eu não tenho dúvida de que nós temos que construir, urgentemente, um novo paradigma para a globalização. O momento me parece propício, porque já existem também vozes destoantes dentro do próprio processo de globalização. Nas questões ambientais, por exemplo, vimos agora uma mudança fantástica, radical. Enquanto o Presidente Lula, juntamente com o presidente francês, em Paris, lançavam uma nota ao mundo dizendo que levariam uma proposta a Copenhague - e o Brasil, em especial, com relação à devastação da Amazônia -, o presidente americano e o presidente chinês, numa decisão ridícula - primeira manifestação da dupla mundial do crescimento (China e Estados Unidos) -, diziam que não iam levar proposta nenhuma para a conferência de dezembro e que ficaria tudo para o ano que vem.

            Categoria do Lula! Nota dez para o Lula, que soltou uma nota dura criticando o americano, lamentando a posição do Obama. A imprensa nacional, inclusive, criticou, dizendo que o Lula não devia ter exagerado tanto. Não sei; não vou dizer, vaidosamente, que foi a manifestação do Lula, mas a verdade é que o Obama mudou o rumo em 180º. Não ia à conferência mundial; agora vai. Proposta, disse ele, com a China só no ano que vem. Agora vai levar uma proposta. Pela primeira vez, os Estados Unidos levam uma proposta para debater a questão do aquecimento global. E, atrás dos Estados Unidos, a China toma decisão igual: também vai levar uma proposta. Sinal de que as coisas, realmente, estão mudando. De repente, não mais que de repente, o que ia ser um fracasso total com relação à discussão da realidade climática do mundo pode se tornar uma grande reunião.

            Meus cumprimentos ao Presidente Lula, meus cumprimentos ao Presidente Obama, que teve a grandeza de voltar atrás, mudar sua posição para se identificar com o discurso da sua eleição e com o pensamento do mundo. Isso está mostrando que, no mundo, já há uma perspectiva de que não são mais os Estados Unidos, mas a China a campeã mundial da “infernização” da vida climática. Há um reconhecimento de que isso tem que parar.

            Felizmente, a globalização ainda não conseguiu destruir todas as experiências locais, ricas pela sua criatividade, e muito atreladas ao dia a dia das comunidades. Não conseguir, portanto, dissolver o potencial dessas próximas comunidades em participar diretamente da solução de seus próprios problemas; e não ser, apenas, parte deles. Ou seja, a comunidade como sujeito da história, e não apenas como objeto da história.

            Temos que nos questionar, neste momento da nossa história: que mundo queremos? Que país desejamos? E para quem queremos este País?

            São as respostas a esses questionamentos que vão orientar as nossas prioridades em todos os segmentos da vida humana daqui para frente: na política, na economia, na sociologia, na pedagogia, enfim, na vida toda.

            Respondidas essas questões, saberemos, por exemplo, que indústria incentivar, que agriculta cultivar, que serviços orientar, que caminhos percorrer para termos a nova civilização.

            Estariam certos os paradigmas atuais que estamos presenciando, que nos colocam entre as maiores potências econômicas mundiais, ao mesmo tempo em que nos equiparamos, na outra ponta, com os países de maior disparidade na distribuição de renda do mundo? É este o Brasil! Piques de glória e de desenvolvimento, como os grandes países, e piques de miséria e de fome, como os países que estão no outro extremo, países fracos e subdesenvolvidos da África.

            A continuar o que acontece hoje, não tenho dúvida de que seremos, cada vez mais, um País rico cheio de pobres. Para uns, querido Mão Santa, as benesses; para os demais, a dádiva. Para uns poucos, faça-se a luz; para os outros, o lado escuro.

            Como tenho dito, nada vai acontecer de dentro para fora do espaço institucional ou de cima para baixo. É aí que entra a discussão do desenvolvimento local: o municipalismo.

            O Município é o grande palco da vida real. É ali onde os fatos, verdadeiramente, ganham corpo. O Estado e a União, do ponto de vista do cidadão, são entidades relativamente abstratas, mais longe, menos atingíveis. O Município, não. Ele é algo concreto; não está longe nem está perto.

            O cidadão vive dentro do Município, nos contornos do Município. É ali que se materializam todas as suas realizações, todos os seus atos, todas as suas relações. O cidadão sente que, no Município, ele é verdadeiramente o protagonista da sua própria realidade. Ele realiza a sua história. Apesar disso, a Administração Pública municipal tornou-se dramática quando o administrador local perdeu ainda mais a sua capacidade de planejar e de financiar os projetos necessários para aquele Município; isso, ao mesmo tempo em que viu aumentar, em escalas cada vez maiores, a dimensão dos problemas dos seus Municípios. Aumentam dramaticamente as questões municipais: crescimento, desenvolvimento, desemprego e tudo o mais.

            Agora, lá, no Rio Grande do Sul, uma catástrofe atrás da outra. Quarenta Municípios em estado de calamidade pública, como se tivesse havido uma guerra; não chuvarada, mas verdadeiro furacão. Estão, lá, milhares de desabrigados! E, agora, ano eleitoral: vai a primeira-ministra e mais quatro, cinco ministros. Vão lá visitar, dizer que vão fazer alguma coisa. Sempre na caridade, não na obrigação.

            Quer dizer, com mais problemas, com recursos insuficientes e com menor capacidade de custear seus projetos, o prefeito abre mão, por um tempo precioso, de ser administrador, para se tornar negociador. Dessa forma, o melhor prefeito tende a ser não aquele que mais conhece a sua realidade e o que escolhe as melhores ideias para resolver os problemas locais, mas o que detém maior poder e capacidade de negociação, o que sabe melhor negociar recursos nas instâncias superiores do Governo Estadual e, principalmente, do Federal.

            Não são raras as vezes em que se tem notícia de o prefeito ter que moldar o diagnóstico local, ou redefinir prioridades, para se adequar às receitas dos organismos financeiros dos projetos. Quer dizer, ele se submete aos interesses de quem tem o poder de definir os recursos, e não as necessidades da sua comunidade.

            O palco do prefeito já não se localiza tanto como deveria no Município. Os prefeitos de todo o País são obrigados, hoje, a desfilar pelas passarelas da capital do Estado e, principalmente, pelas passarelas de Brasília. Não são raras as verdadeiras peregrinações dos prefeitos pelos corredores das capitais, a minguar recursos que faltam para financiar, muitas vezes, seus projetos mais básicos. Os projetos do dia a dia do cidadão dos seus Municípios.

            Isso tudo com enormes custos financeiros e lamentáveis custos de oportunidade do tempo desses administradores, porque perdem momentos preciosos junto à sua comunidade, de bota e chapéu, para, de terno e gravata, bater às portas daqueles que detêm o poder de liberar recursos.

            Um bom Prefeito, talvez mais do que um ano dos seus quatro anos de mandato está em Brasília ou está na capital do seu Estado, mendigando recursos - um ano fazendo aqui aquilo que ele tinha o direito de receber, diretamente, no seu Município -, recursos que, muitas vezes, têm inúmeras portas a serem batidas, tendo em vista o aparato burocrático entre a decisão e a liberação.

            Esse mesmo aparato burocrático fortaleceu, a meu ver, a corrupção no Brasil. Em determinados escaninhos do poder, os desvios de recursos ficam mais expostos, porque têm a lente da imprensa como uma espécie de olho da população. Nos parlamentos, por exemplo.

            Mas as dificuldades de liberação de recursos potencializaram a corrupção, aquela que acontece nos bastidores, mais longe da ribalta.

            Os Prefeitos passaram, então, a ser concorrentes entre si pelos mesmos recursos. Em outra escala, também os Governadores passaram a ser concorrentes pelos mesmos recursos.

            Como esses recursos, em todos os níveis, são escassos, entra em cena uma outra tática: a esperteza. E se há expressão que em qualquer dicionário tem definição contraditória é a tal da esperteza.

            O “esperto” vai do “inteligente” ao “espertalhão”, do “enérgico” ou “vigoroso” ao “malicioso” ou “manhoso”, do “fino” ao “velhaco”.

            É evidente que, para essa situação, venha transformando o tal do federalismo numa mira para um tiro de morte. Não há princípio federalista verdadeiro que suporte tamanha concorrência por recursos escassos. “Em casa que não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão.”

            Um exemplo mais concreto foi, ou é, a chamada “guerra fiscal”, uma concorrência, não raras vezes desleal, entre os entes “federados”. Um verdadeiro “quem dá mais para ter mais”. A negociação através do leilão. Ganha o mais inteligente. Ou o mais espertalhão. Ou o mais enérgico. Ou o mais vigoroso. Ou o mais malicioso. Ou o mais manhoso. Ou o mais fino. Ou o mais velhaco.

            Ganha, portanto, o mais esperto, qualquer que seja a definição. Boa ou má.

            Apesar da minha obrigação de saber o que significa, verdadeiramente, “federação”, procurei as definições mais frequentes nos dicionários e nos artigos sobre a matéria. Os sinônimos mais comuns são “tratado”, “aliança”, “associação” e “liga”.

            Há quem atribua à federação o conceito de “amigos”. Mas há um traço comum nessas mesmas definições: a “união”. Somos caxienses, porto-alegrenses, curitibanos, piauienses, paranaenses, paulistas, cariocas ou cearenses. Mas, acima de tudo isso, somos brasileiros, brasileiros no sentido da “União”. Usando um pleonasmo, a “União” nos une.

            Quando eu falo de “União” nesses termos, tenho como referência o conceito de soberania, como “o complexo dos poderes que formam uma nação politicamente organizada”.

            Mas, quando volto à questão da cidadania, que é a mais cobrada lá no Município, ou lá no Estado, e incluo a necessidade de negociar recursos escassos e centralizados, muda, no concreto, a tal definição pleonástica de que “União” é o que nos une. É que, à medida que os recursos se concentram, ainda, no nível federal, e é lá que termina a via-sacra de um sem-número de “estações”, percorrida, quase que de joelhos, pelos Prefeitos e Governadores concorrendo entre si, a União passa a ser e ter, na verdade, um “traço de desunião”.

            Pode ocorrer, por exemplo, dependendo da capacidade de negociação e dos elos do negociador com o poder do momento, que um determinado Município ou Estado possa obter mais recursos para sanar um problema específico que outro, onde esse mesmo problema poderá ser, relativamente, maior.

            Quer dizer, o que conta, no caso, não é a dimensão do problema, mas a capacidade do administrador, ou as suas relações com quem tem o poder de definir, e de liberar, os recursos.

            Não é o problema mais importante, nem o mais necessário, nem o mais urgente o que receberá o recurso, mas o que tiver condições de chegar mais perto e contar com a simpatia de seja qual for o distribuidor.

            O Prefeito/negociador, neste caso, pode ser um porto-alegrense, que concorre com um curitibano pelo mesmo recurso federal para a pavimentação de uma estrada municipal ou outra obra qualquer. Ou um gaúcho, que concorre com um paranaense ou um catarinense, que disputa com um paulista, ou um piauiense, ou um mineiro, e assim por diante.

            Situação semelhante acontece nas negociações para a implantação de unidades produtivas privadas. Uma fábrica de automóveis pode ser o caso. Daí, o cenário mais que perfeito para a tal “guerra fiscal”.

            O Prefeito ou o Governador “A” oferece, por exemplo, a infraestrutura para a instalação da fábrica. Aí, o Prefeito “B” ou o Governador “B”, para “ganhar o negócio”, oferece a infraestrutura mais subsídios fiscais, e assim por diante. Há um verdadeiro leilão de quem dá mais vantagem.

            É que, nesse momento, com muito orgulho, eu, como administrador público/negociador, posso ser, antes de tudo, brasileiro. Também, e bota orgulho nisso, gaúcho. Mas eu realizo a minha condição de cidadão na minha cidade, seja ela Caxias do Sul ou Teresina, ou qualquer outra.

            Então, se sou o administrador da minha cidade, vou “brigar”, e muito, para que ela tenha a maior fatia de recursos possível. Como esses recursos são escassos, será, obviamente, em detrimento do outro Município. Eu sou, no caso, um concorrente, e a “união” é o que menos me vale. Ou que menos me importa.

            Então, se as responsabilidades para a realização do brasileiro como cidadão são municipalizadas, a cargo das prefeituras, tenho que dar também condições para que os Municípios possam concretizá-las. Caso contrário, como falar em “aliança”, “associação”, “liga’? Quem sabe nem mesmo possamos falar em “amigos”. Talvez, em função da concorrência, tenhamos que falar em “desunião”. Quer dizer, um verdadeiro “antifederalismo”.

            Existem autores que chamam o federalismo brasileiro não mais de “cooperativo”, mas de “predatório”. E a avaliação mais constante, nessa mesma “predação”, é a de que não há ganhador.

            As emendas aos orçamentos também são responsáveis por esse mesmo “antifederalismo”. Além disso, não se pode negar que elas contribuem, em muito, principalmente as chamadas “emendas individuais”, para a corrupção que campeia nos orçamentos públicos, tanto na sua formulação como na sua execução. Muitos “velhacos” e “manhosos”, como temos assistido ultimamente, onde deveria ter tão somente “enérgicos” e “vigorosos”.

            Mas, a situação do “antifederalismo” não se resolveria nem mesmo se tais negociações se pautassem unicamente por princípios éticos. Sempre haverá a concorrência, se os recursos são escassos e os problemas cada vez mais intensos.

            Não é à toa que os Estados montam “escritórios de representação” em Brasília. Eles são, na prática, instâncias para alavancar recursos para cada um dos respectivos Estados. O Rio Grande do Sul foi mais longe: chamou seu escritório de “embaixada” - “embaixada do Rio Grande do Sul”. Quer dizer, um “federalismo” onde cada Estado tem uma “embaixada”.

            Isso sem contar os inúmeros escritórios de lobby privados que se montam à sombra de tais “negociações e liberações de recursos” para os Estados e Municípios, principalmente os mais frágeis em termos de poder de barganha, e os mais longínquos, geograficamente falando, do centro do poder. Aliás, isso tem levado inclusive, para muitos, a atrelar a função do lobby com a prática da corrupção, o que, em princípio, deveria ser indevido.

            Mas, também, não é à toa que os chamados “lobistas” povoaram, em muitos casos, as Comissões Parlamentares de Inquérito do Congresso, exatamente por que eles nem sempre se pautam por princípios - diria eu - “republicanos”.

            Em determinados momentos de nossa história, muito se falou em “descentralização” das ações do poder. Mas pouco se fez, ou se fez o insuficiente, em termos de “desconcentração” dos recursos necessários para essa mesma descentralização. Quer dizer, nesse caso, o que se fez foi descentralizar, mas sem desconcentrar.

            Sem entrar no mérito da questão dos chamados “Fundos de Participação”, existem muitas vozes que apontam no sentido de que eles não promovem, como devido, a melhor distribuição da renda. Isso sem contar a diminuição desses recursos, em função da crise econômica, das sucessivas renúncias fiscais - como a que o Governo está fazendo agora - e da própria sanha do Governo Federal na concentração dos mesmos.

            Nesse contexto, continuo defendendo a necessidade de uma reforma política ampla, com fidelidade partidária, com recursos públicos exclusivos nas campanhas eleitorais, com o fim dos foros privilegiados, com cláusulas de barreira, com campanhas eleitorais que, efetivamente, legitimem o candidato, entre outras questões.

            Mas não posso falar em novo pacto federativo somente com a reforma política, a menos que eu esteja me referindo a essa “política” de uma forma bem mais ampla do que a que se chama e se discute hoje no Congresso Nacional. Ao contrário, essas propostas mais parecem se inspirar, como eu já disse na semana passada, na famosa obra de Lampedusa, aquela do “tudo muda, para que tudo permaneça como está”. A reforma política, nesses termos, melhor não tê-la.

            Só posso imaginar um verdadeiro federalismo que inclua, além da reforma política, uma verdadeira reforma fiscal e tributária. Que as representações políticas nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas e no Congresso sejam, efetivamente, representativas da população, em todos esses níveis! Mas que esse “pacto”, expressão que surge principalmente em momentos de crise, contemple condições, em termos de recursos, para que sejamos, de fato, uma Federação no seu verdadeiro sentido!

            Se já houve uma descentralização necessária, que ela seja acompanhada de uma desconcentração suficiente.

            Não é por acaso, Sr. Presidente Mão Santa, que o País ainda tem um dos piores índices de distribuição regional e pessoal de renda em todo o planeta. Essa situação não se reverterá mantendo os moldes atuais das políticas fiscal e tributária. Ao contrário, a tendência é o recrudescimento de tais disparidades. Não são suficientes também as políticas compensatórias, tampouco os programas de distribuição de alimentos. Não nego a importância de um Programa Fome Zero, não nego a importância de um Programa Bolsa Família, mas eles têm, necessariamente, de englobar mecanismos de emancipação do beneficiário. Não podem ser encarados como dádiva, nem como um fim em si mesmos.

            Igualmente não é por acaso o inchaço das nossas cidades maiores. Há gente que saiu dos Municípios menores, porque não lhe propiciavam condições ao pleno exercício da cidadania. Há gente, muitas vezes, jogada ao relento das calçadas e que disputa espaços sob os viadutos e as pontes. Há gente que, no desespero da falta de tudo, se entregou à violência do noticiário do nosso dia a dia. Na falta de oportunidade, sai dos Municípios menores, principalmente a população mais jovem; deles saem trabalhadores, portanto, na idade mais produtiva. Deixam um vazio. Ficam ali crianças e idosos. Os que saem dali pressionam por empregos, por equipamentos urbanos nas cidades maiores, muitas vezes sem a habilidade necessária. Os que ficam necessitam da ação pública, principalmente na saúde e na educação.

            Não são por acaso também as ambulâncias que, com sirenes ligadas, transferem dor de um Município sem hospital para outro, mesmo que esse outro Município não necessariamente tenha, pelo menos, médicos em número suficiente. Há uma verdadeira migração de problemas, com edemas sociais lastimáveis, principalmente nos Municípios de médio porte. É aí que reside a maior crítica ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Essa política não leva em conta a complexidade da realidade dos Municípios, principalmente, antes de tudo, esses de porte médio, que são receptores de problemas.

            São esses os elementos que nos levam à necessidade de uma discussão, no contexto de um novo paradigma de desenvolvimento, de um novo pacto federativo. E essa discussão não pode acontecer sem a participação dos representantes locais da sociedade, de baixo para cima.

            O local mais apropriado para se discutir um novo pacto federativo é, sem dúvida, o Senado Federal, pelo menos em tese. O Senado é a representação legislativa mais fiel ao conceito de Federação. Somos 26 Estados e um Distrito Federal. Para cada um, há três Senadores, independentemente de seu tamanho geográfico ou da sua população. O Estado de São Paulo, por exemplo, tem mais de 40 milhões de habitantes, o tamanho da população da Argentina; o Rio Grande do Sul, 11 milhões de habitantes, o equivalente à população de Portugal; Roraima, 400 mil habitantes, algo como a população de Cabo Verde, menos de um terço da população de Porto Alegre. No entanto, São Paulo, Rio Grande do Sul e Roraima têm, igualmente, cada um, três representantes no Senado Federal. Não há diferença, porque os Senadores representam seus Estados.

            Mas não se pode negar que, nos moldes atuais, há uma espécie de concorrência também no Senado. Cada Senador procura levar para seu Estado uma fatia maior do bolo orçamentário ou das ações do Governo Federal. Cada um acompanha Prefeitos e Governadores para competir na colocação de emendas orçamentárias. É que, num cenário de restrição de recursos, muitos são os chamados, poucos são os escolhidos. Então, neste caso, não só o Prefeito tem exercido o papel de negociador, mas também o Governador, o Deputado e até o Senador. Ao Prefeito e ao Governador, tem se exigido capacidade de negociação; ao Deputado e ao Senador, prestígio junto ao Governo de plantão. Muitas vezes, esse prestígio significa trocar seu voto, ceder, votando com o Governo, para aprovar sua emenda. Depende se é da base desse mesmo Governo, se representa segmentos mais fortes da sociedade, assim por diante. Quer dizer, mais uma vez, entra em cena a questão da negociação em confronto com os conceitos de União ou até de Federação. Um Estado pequeno pode ter, por exemplo, um Senador que é líder do Governo. Ele, com seu prestígio, pode carrear mais recursos para seu Estado do que para outro, embora, nesse outro, o problema seja muito maior e muito mais sério.

            É por isso que, quando me referi ao Senado como o local mais apropriado para se discutir o novo pacto federativo, eu disse “em tese”, não obrigatoriamente. É que, embora considere a enorme importância das Câmaras Municipais, das Assembleias Legislativas ou até mesmo da Câmara dos Deputados, o Senado Federal tem ou teria de ter um papel distinto no conjunto do Legislativo. O Senado Federal não tem funções constitucionais para ser uma Câmara Municipal, Estadual ou até uma Câmara Federal de luxo. Seu papel constitucional é outro; nem mais nem menos importante, mas é outro. A verdadeira Casa da Federação é o Senado. A Casa Revisora é o Senado. A Casa por onde devem passar as grandes questões da Federação, inclusive a crise da própria Federação, é o Senado. Essa Casa é o Senado. Não é à toa que o Senado, ao longo da sua história, tem se formado por meio de um perfil diferenciado dos seus integrantes, que não são necessariamente “negociadores”, que são muito mais, mas não necessariamente “executores”. Digo “muito mais”, porque sempre foi comum a presença de ex-Governadores ocupando cadeiras no Senado, como V. Exª e eu. Na verdade, o Senador tem de se revestir de um conhecimento vertical do seu Estado, mas tem de ter necessariamente uma visão horizontal do conjunto do País, tem de ter uma visão da Nação, uma visão da Federação.

            Não tivesse o Senado Federal essa função diferenciada, talvez nem se justificasse sua presença. Sua presença, sua existência se deve exatamente à função diferenciada do Senado, a Casa da Federação, daquela exercida pela Câmara dos Deputados, a Casa da Nação. Aqui, representamos nossos Estados; lá na Câmara dos Deputados, os Deputados representam a população.

            Quem visita o Congresso, no imenso gramado que se estende a partir de suas rampas, depara-se com um “marco” explicativo de suas funções, na perspectiva do arquiteto Oscar Niemeyer. Para ele, até mesmo a arquitetura das duas Casas teve de ser diferenciada. O plenário da Câmara é côncavo, “para fora”, significando que aquela Casa representa o povo e está aberta a todas as tendências ideológicas e políticas. O Senado é convexo, “para dentro”, significando que se trata de uma Casa mais circunspecta, mais reflexiva, mais profunda nas suas avaliações.

            Não é o que tem acontecido ultimamente. Basta que se assista aos vários discursos, pela TV Senado, nos últimos tempos. Durante muito tempo, os discursos eram profundos e reflexivos; agora, digamos, os discursos são de cunho mais popular, mais aberto. Antes, eram tratadas questões nacionais, como governabilidade, Federação, reformas estruturais; agora, são tratados problemas de interesse meramente local. Antes, o Senador era representante de um respectivo Estado no contexto do País; agora, há o “Senador distrital”. Antes, o plenário ficava cheio; agora, há a solidão do discurso. Antes, havia o debate; agora, o monólogo.

            Não tenho, Presidente Mão Santa, uma avaliação mais profunda para medir uma possível correlação entre toda essa situação que acabo de descrever com esse verdadeiro tsunami político que passou pelo Senado nos últimos tempos, mas não tenho dúvida de que a perda do Senado em termos de seu verdadeiro e necessário papel constitucional tem muito a ver com a crise do nosso próprio Federalismo, com a concentração do poder nas mãos do Poder Executivo, do Governo Federal, que se reforça na absurda proliferação de medidas provisórias, que se agrava com a exiguidade dos prazos, quando chegam ao Senado, o que não permite nem mesmo um mínimo de discussão pelos representantes dos Estados. São medidas que quase nunca são provisórias; que não se revestem de relevância nem de urgência - é uma verdadeira usurpação do papel constitucional de legislar -; que suscitam, inclusive, o surgimento de discussões, aqui e acolá, sobre a possibilidade de um Congresso unicameral. E quem admite discutir a extinção do Senado já descartou por completo a ideia política do federalismo, e não importa se, para justificar essa mesma discussão, utilizem-se das mazelas que têm colocado o Senado no pior do noticiário.

            Os atos secretos, as atitudes deste e daquele servidor e o medo de alguns Senadores são deploráveis, mas não são o maior problema do Senado. A crise maior do Senado é hoje existencial e pode ser consequência da crise do federalismo. Apesar dos discursos em contrário e de uma prática de descentralização, houve, na verdade, uma imensa concentração de poder, em todos os sentidos, na contramão do federalismo.

            Os dicionários, Sr. Presidente, definem Federação, repito, como “união política entre Estados ou províncias que gozam de relativa autonomia e que se associam sob um governo central”. Em primeiro lugar, parece que essa “autonomia” cada vez é mais “relativa”, e o “Governo”, cada vez mais “central”.

            Uma discussão, agora não só como resposta a crises cíclicas de um novo pacto federativo, trará a questão da municipalização para a verdadeira e necessária cena política, mas promoverá uma revisão institucional maior do que se poderia imaginar, em princípio.

            O Senado, portanto, como já disse, não é só o melhor lugar para se debater um novo pacto federativo. Ele é parte do problema e deveria ser o maior interessado em agasalhar essa mesma discussão. Reiterando, não haverá um novo pacto federativo apenas com reforma política, pelo menos nos moldes em que ela é discutida hoje no Congresso Nacional. A reforma política tem de envolver, necessariamente, além das demais entidades representativas da sociedade, todas as instâncias legislativas. Talvez, no caso de uma reforma política, possa ser a Câmara dos Deputados o palco privilegiado, por ser uma discussão aberta, “convexa”, na linguagem de Niemayer. Mas um novo pacto federativo, com a inclusão obrigatória das reformas fiscal e tributária, tem de acontecer no espaço institucional do Senado Federal, porque envolve, obviamente, e até mesmo pelo próprio nome, a questão da Federação. E tem de ser, necessariamente, urgente.

            As tais reformas, a política, a fiscal e a tributária, que darão novos contornos ao nosso novo pacto federativo, só acontecerão a partir de pressões de baixo para cima. Essa discussão não se pode delimitar a aspectos positivistas “do que é”. Até porque “o que é”, nós já sabemos o suficiente. O importante é nos debruçarmos sobre as questões normativas “do que deve ser” - do que deve ser, repito -, refletir a melhor estratégia para concretizar a pressão, repito, de baixo para cima.

            A reforma que queremos tem muito a ver com o país que desejamos. Se nos contentarmos com “o que é”, correremos o risco deste discurso ser apenas mais um entre os muitos que tratam de temas tão diversos neste plenário.

            Não sei se, no apagar das luzes do atual Governo, algo vai acontecer de fato, além das reiteradas promessas. Este tema tem de estar, portanto, no núcleo das discussões do próximo Governo, seja qual for. Que o Governo Federal se comprometa, efetivamente, com o verdadeiro desenho de Federação, que tem a ver, repito, com o país que verdadeiramente desejamos.

            Quem sabe possamos, então, aí sim, aproveitar nossa capacidade e nossa experiência de negociar, para que possamos, depois, pôr em prática nossa capacidade de executar e de governar “de bota e chapéu”.

            Era o que eu tinha a dizer, meu querido Presidente.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2009 - Página 63108