Discurso durante a 228ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre a situação atual do Poder Legislativo, salientando a necessidade de se reverter a inércia em que o Congresso Nacional está mergulhado, conclamando todos os parlamentares a se dedicarem à atividade de legislar.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. CONGRESSO NACIONAL.:
  • Análise sobre a situação atual do Poder Legislativo, salientando a necessidade de se reverter a inércia em que o Congresso Nacional está mergulhado, conclamando todos os parlamentares a se dedicarem à atividade de legislar.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2009 - Página 63609
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. CONGRESSO NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, BALANÇO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, SANÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, SISTEMA NACIONAL, CREDITOS, COOPERATIVA, MELHORIA, SERVIÇO BANCARIO, CRIAÇÃO, ANO NACIONAL, DIA NACIONAL, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, HOMENAGEM, IMIGRANTE, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ESTATUTO, DESARMAMENTO.
  • CRITICA, OMISSÃO, INEFICACIA, CONGRESSO NACIONAL, FUNÇÃO LEGISLATIVA, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBSTACULO, PAUTA, EFEITO, DECISÃO, JUDICIARIO, POLEMICA, MATERIA, INTERESSE NACIONAL, COBRANÇA, CONGRESSISTA, URGENCIA, PROVIDENCIA, RECUPERAÇÃO, REPUTAÇÃO, PRIORIDADE, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO, LEGISLATIVO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sinto-me à vontade para falar nesta tribuna sobre um grave problema que atinge o Congresso Nacional e causa sérios prejuízos à Nação. Orgulho-me de, há pouco tempo, ter tido meu trabalho elogiado pelo presidente Lula, que há pouco tempo me reconheceu publicamente como o parlamentar recordista na autoria de projetos de lei que se transformaram em leis, durante o seu governo.

            Assim, julgo que a atividade que exerço nesta Casa, e as décadas de vida pública em que cumpri as mais variadas funções, autorizam-me a fazer uma análise isenta da situação atual, e também a conclamar os demais legisladores para que se mobilizem e procurem reverter a inércia em que mergulhou o Poder Legislativo em nosso país.

            É uma inércia contra a qual tenho lutado diariamente. A melhor comprovação disso é o fato de que, desde 2003, consegui fazer com que fossem à sanção presidencial nada menos que 10 projetos de lei, apesar da morosidade do processo legislativo. Deles, citarei apenas alguns que considero mais significativos.

            A falsa modéstia é uma forma dissimulada de hipocrisia. Não recorro a ela ao fazer um balanço dos resultados mais recentes do meu trabalho, que abrangeu temas importantes para setores vitais do País. Fui sempre movido, ao apresentar projetos de lei, pela intenção de resolver questões para as quais eram necessárias soluções urgentes. Assim ocorreu com o marco regulatório do saneamento básico. Tão logo minha proposta foi apresentada, o governo apressou-se em enviar ao Congresso um projeto semelhante, que acabou sendo aprovado. Isto depois de anos sem que o problema merecesse a devida atenção.

            Começo pelos exemplos mais recentes. Um deles é o da Lei Complementar 130/2009, de minha autoria, que regulamenta o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo. Ela exigiu 10 anos de esforços que fosse aprovada, mas proporcionou um marco regulatório necessário ao sistema cooperativo, que o reivindicava há muito tempo.

            Na relatoria do projeto que deu origem à lei que regula o Sistema Brasileiro de Consórcios, tive a oportunidade de contribuir para o aperfeiçoamento deste importante setor da economia nacional. A nova lei aprimora o conceito jurídico de consórcio, disciplinando a atuação do Estado no Sistema. Também equaciona os interesses dos consorciados adimplentes e dos que se desligam do grupo, permitindo a estes últimos, que tenham pago mais de 5 parcelas, participar do sorteio junto com os adimplentes.

            Ainda mais recente, a Lei 12.039/2009 obriga a identificação detalhada do fornecedor nos documentos de cobrança bancária, livrando os brasileiros do constrangimento de receber um boleto bancário de um cedente "desconhecido", identificado no documento apenas pela razão social, que quase nunca corresponde ao nome de fantasia divulgado no mercado. A mudança no Código de Defesa do Consumidor obriga qualquer documento de cobrança a conter nome, endereço e CNPJ ou CPF do emissor, facilitando o contato entre o consumidor e o cedente.

            Por acreditar que a formação de mão-de-obra qualificada, por meio do ensino profissionalizante, é essencial para o crescimento do País, apresentei o Projeto de Lei 44/2008, estabelecendo 2009 como o Ano da Educação Profissional e Tecnológica, e 23 de setembro como o Dia Nacional dos Profissionais de Nível Técnico. O propósito é difundir a necessidade da formação técnica e criar estímulos que atraiam investimentos para expansão desse modelo de graduação profissional. O projeto foi sancionado pelo vice-presidente da República, José Alencar, transformado na lei nº 11.940, de 2009.

            O projeto de lei 332/2007, que deu origem à lei 11.687, de 2 de junho de 2008, resgatou uma dívida histórica para com os imigrantes vindos da Itália, instituindo o dia 21 de fevereiro como o Dia Nacional do Imigrante Italiano. É uma justa homenagem a quem deixou terras distantes, contribuindo com seu trabalho para o progresso do País, engajou-se nas nossas lutas, criou cidades e cultivou a terra.

            São de minha autoria também o projeto de lei 292, de 1999, que deu origem à lei 10.826, de dezembro de 2003. Conhecida como Estatuto do Desarmamento, ela dispõe sobre a fabricação, depósito, trânsito e porte de armas de fogo, e levou à realização do referendo sobre a proibição da comercialização de armas e munições, ocorrido em 23 de outubro de 2005.

            Em qualquer regime democrático que se preze, o ideal é que exista um equilíbrio entre os poderes, uma estrutura que permita a atuação harmônica do Executivo, Legislativo e Judiciário, sem conflito de atribuições e sem que a fuga à responsabilidade por parte de um deles permita a outro assumir suas prerrogativas. Uma frase comum entre cientistas políticos é de que “o poder tem horror ao vácuo”. Quando surge, ele é imediatamente preenchido por outra esfera, que trata de compensar esse vazio, atuando no sentido de preencher o espaço deixado em branco.

            Esta é, em síntese, a situação que estamos vivendo no Brasil. Temos um Congresso Nacional ineficiente e omisso, que dedica seu tempo a discursos e pautas de pouca ou nenhuma relevância, enquanto seu espaço e suas atribuições são tomados rapidamente pelas outras duas instâncias dos três poderes, o Executivo e o Judiciário.

            Não faz muito tempo, o então presidente desta Casa, senador Garibaldi Alves Filho, disse no ano passado que o Congresso está se submetendo ao ritmo ditado pelo Poder Executivo, por meio de Medidas Provisórias. Um levantamento produzido pela Câmara dos Deputados confere inteira razão à afirmação do senador. Entre 2001 e 2007, foram adotadas 1.911 novas leis ordinárias e complementares. Mas, desse total, mais de três quartos, ou seja, 1.529 leis, tiveram como origem o Palácio do Planalto, por meio de Medidas Provisórias ou projetos do Executivo.

            O excesso de Medidas Provisórias já foi comparado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, a “uma roleta russa com todas as balas no revólver”, que conduz a um constante trancamento de pautas no Congresso. Como as duas Casas do Legislativo ocupam-se mais com tais Medidas originárias do Executivo do que com os projetos de lei originários dos parlamentares, cada vez mais o Poder Judiciário vem exercendo o papel de legislador.

            O mecanismo das Medidas Provisórias é perverso. Introduzidas na Constituição de 1988 para substituir o decreto-lei, instrumento criado pelo regime militar, elas se tornaram uma solução antidemocrática. Concebidas para casos de comprovada urgência, passaram a ser usadas em qualquer situação, mesmo quando desnecessárias.

            Como resultado do trancamento da pauta, o Congresso, incapacitado de solucionar seus problemas e aprovar projetos, praticamente empurrou o Judiciário para o centro do palco da política nacional. Criou-se um duplo problema: o STF passou a legislar, e, como conseqüência, casos importantes que não dizem respeito à agenda política tiveram seu julgamento postergado em função das novas atribuições dos ministros do Supremo Tribunal.

            Questões polêmicas, como a fidelidade partidária, a greve dos servidores públicos e a Lei de Imprensa, decididas pelo STF, são evidências de que estamos perdendo poder, enquanto a Corte Suprema do País torna cada vez mais abrangente sua atuação institucional, já que projetos ficam emperrados por décadas no Congresso. O caso da Lei de Imprensa é um dos melhores exemplos. Embora tenha sido criada em 1967, em pleno regime autoritário, nem a promulgação da Constituição de 1988, depois da redemocratização, foi capaz de fazer avançar projetos que tinham o propósito de modificá-la. Coube aos juízes do STF revogar o texto.

            Será que preferimos o ônus da inércia e da omissão? Por que não alteramos o artigo 62 da Constituição, para restringir o uso de

            Medidas Provisórias? Por que não analisamos com a rapidez necessária as matérias que o Executivo envia por meio de projeto de lei? Por que dedicamos tempo precioso de nossa permanência nesta Casa a discursos em vez de ações destinadas a recuperar o prestígio do Legislativo e a fazê-lo retornar ao papel de protagonista que lhe cabe, e não de mero espectador das ações dos outros Poderes?

            No final do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, em palestra no Senado, chegou a propor a criação de uma comissão conjunta de deputados e senadores para examinar a omissão do Congresso na formulação de leis complementares. Transcrevo um trecho do seu pronunciamento: “O afazer legislativo é, de fato, eminentemente fazer leis. Agora, vem o tribunal e começa a editar normas que parecem leis. Por outro lado, a Constituição reclama leis que não são feitas. Casos que não são relevantes do ponto de vista político têm chegado à Corte devido à falta de legislação específica. Estamos mandando aplicar um dado entendimento sem que o Congresso tome qualquer providência”.

            É preciso legislar, ou a legislação judicial, assim como as Medidas Provisórias, se apropriarão das funções do Congresso. Num regime de separação de poderes, a legitimidade para criar leis cabe ao Legislativo. Mas, no Brasil, este não está fazendo as leis com que deveria se ocupar. É bom lembrar que toda inércia conduz à perda de autoridade moral, e esta não se recupera com facilidade.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2009 - Página 63609