Discurso durante a 258ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relato sobre participação de S.Exa. em reunião de parlamentares do mundo inteiro, representando o Congresso Brasileiro. Preocupação com os resultados da COP-15, realizada em Copenhague, Dinamarca.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Relato sobre participação de S.Exa. em reunião de parlamentares do mundo inteiro, representando o Congresso Brasileiro. Preocupação com os resultados da COP-15, realizada em Copenhague, Dinamarca.
Publicação
Publicação no DSF de 22/12/2009 - Página 73759
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, REUNIÃO, MEMBROS, LEGISLATIVO, DIVERSIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, PROXIMIDADE, DATA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, CLIMA, COMPROVAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, INSUCESSO, NEGOCIAÇÃO, FALTA, CAPACIDADE, CLASSE POLITICA, SOLUÇÃO, CONTROLE, AUMENTO, TEMPERATURA, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, SAUDAÇÃO, AMPLIAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO.
  • DETALHAMENTO, CONFERENCIA, ORADOR, COBRANÇA, CLASSE POLITICA, INTEGRAÇÃO, MORAL, ALTERAÇÃO, MODELO, EXPANSÃO, ATIVIDADE POLITICA, AUSENCIA, PRIORIDADE, ELEIÇÕES, AMPLIAÇÃO, DEBATE, DIRETRIZ, MODELO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, RESPONSABILIDADE, CONSUMO, INTERESSE PUBLICO, INCENTIVO, PARTICIPAÇÃO, CIDADANIA, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, CHEFE DE ESTADO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, CLIMA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu tive o privilégio de ser indicado pelo Senado, por meio do Senador Heráclito Fortes, para representar o Congresso brasileiro, por parte do Senado, em uma reunião de parlamentares do mundo inteiro. Fomos dois - eu e a Deputada Fátima Pelaes, do Amapá - que representamos o Brasil.

            Aí estavam cerca de 150 Parlamentares dos mais diversos países. Esse evento aconteceu paralelo ao encontro de Copenhague do Meio Ambiente. Entretanto, como foi um dia antes, eu pude circular. Um dia depois, pude circular também para ver como o encontro de Copenhague trouxe ou não trouxe esperanças para o mundo. Mas nem precisava participar. Quem pôde ler as notícias percebe - talvez o mais importante encontro mundial em relação ao futuro da humanidade - como esse encontro fracassou. O que as pessoas não estão se perguntando é por que houve esse fracasso. E a resposta que eu coloco, Senador Gilvam, assusta mais ainda. E eu creio que a participação no encontro dos Parlamentares do mundo inteiro e a presença no chamado COP 15 permitem comprovar o medo que a gente tem direito de ter hoje em relação ao que vai acontecer no mundo pela incapacidade do mundo político de captar toda a dimensão do problema e trazer propostas alternativas, porque há hoje um choque entre a preocupação moral e a preocupação política. Elas não estão casadas. Eu até admito que moralmente todos nós começamos a estar preocupados com o que vai acontecer com a humanidade quando a temperatura começar a subir mais por conta das emissões de dióxido de carbono,

            consequência da produção industrial, que são consequência do consumo ao qual nós estamos acostumados.

            Moralmente eu creio que houve um despertar, moralmente o encontro de Copenhague foi frutuoso, porque trouxe um despertar, trouxe um despertar, por exemplo, da mídia. A mídia internacional colocou esse tema na pauta. Todos os dias as grandes redes de televisão do mundo inteiro debatem o assunto.

            As Organizações Internacionais do Mundo inteiro se preocupam; houve um despertar. Moralmente o encontro foi positivo, politicamente o encontro foi um fracasso. Por uma razão muito simples. Nós somos políticos do nosso lugar e do nosso tempo e a crise ambiental é planetária e de longo prazo. Cada presidente que foi a Copenhague, cada representante de país foi com o “olho” na próxima eleição e não na próxima geração. E o mais grave é que é muito difícil ser um bom político com os olhos na próxima geração, porque a próxima geração não vota, a próxima geração não nasceu ou a próxima geração, Senador Botelho, não fez 16 anos para votar.

            Além disso somos políticos eleitos pela nossa comunidade, mesmo o Presidente da República ele é eleito pelo seu país, ele não é eleito pelo mundo.

            O Presidente Obama, inclusive, talvez até como forma de se desculpar pelo não avanço nessa reunião teve uma hora que ele disse: “Não há presidentes do mundo, mas o problema é mundial.”

            O que eu apresentei lá na reunião dos parlamentares foi a ideia de que nós temos cinco fronteiras a serem superadas para que os políticos, nós, e a política que nós praticamos, possa casar a moral com a política.

            Quando eu digo política, eu digo o lado eleitoral.

            Primeiro, é a fronteira espacial. Temos de caminhar para termos políticos - e não seremos nós, da nossa geração - que sejam capazes de falar ao lugar que vota nele e de falar para o mundo inteiro, com os problemas globais. Essa fronteira, eu não vejo como a gente vai romper. A gente rompe intelectualmente, a gente rompe moralmente, a gente não rompe eleitoralmente, porque os votos não virão do mundo inteiro.

            A segunda fronteira é a do tempo. Os problemas ambientais vão levar poucos anos para se mostrarem. Mesmo assim, serão anos, dez, quinze, vinte anos. Ninguém vai ganhar eleição fazendo propostas para daqui a vinte anos. Ganha-se eleição fazendo-se proposta para o próximo ano, fazendo-se proposta para o seu programa de Governo no ano seguinte ao da eleição.

            A terceira fronteira é a ideológica. Ainda estamos no tempo em que debatemos o social ou o econômico. Não debatemos o modelo de civilização. Imagine, Presidente Cassol, um candidato a Presidente de qualquer país do mundo propondo reduzir o número de automóveis. Não ganha um voto! Propondo reduzir o consumo das pessoas. Não ganha um voto! Imagine um candidato a Presidente propondo o decrescimento ao invés de crescimento. Não ganha um voto! Imagine um Presidente de um país que descobre uma reserva de petróleo dizer: “Em nome da humanidade, vamos optar por não explorar a reserva de petróleo”. Não ganha um voto!

            Por isso que hoje é mais difícil do que no tempo da ameaça nuclear, porque dava voto, sim, um presidente defender o desarmamento nuclear de seu país se o outro país também desarmasse as suas bombas atômicas. Mas dizer que não vai explorar uma reserva de petróleo, não vai dar voto. E não há como explorar mais petróleo e evitar a tragédia ambiental. Não tem como. São coisas que se chocam.

            Cada barril de petróleo que a gente usa é um pouquinho de aumento na temperatura global. Mas imagine, politicamente, como é que a gente vai propor não usar mais petróleo? Aí alguns dizem: a gente vai ter que usar outros combustíveis. O problema é que não está apenas no combustível, está no consumo do veículo privado em vez do público. Quem é que vai ganhar voto defendendo o público em vez do privado? Quem é que ganha voto, no Brasil, propondo um melhor sistema de transporte público em vez de dar incentivos fiscais para vender mais automóveis? Não tem como. Nós estamos numa armadilha.

            Nós não somos capazes de ganhar eleições propondo mudanças radicais no modelo de civilização que nós vivemos baseados no consumo perdulário, crescente, para todos. A diferença é que alguns defendem para todos e outros defendem para poucos. E aqui entre nós, do ponto de vista ambiental, é até pior quando propõe para todos do que quando propõe para poucos. É mais justo socialmente propor para todos, ecologicamente, não é.

            Quando a gente leva em conta as próximas gerações, que não vão ter o que a gente tem hoje, e os nossos filhos já estão mostrando que não têm aquilo que a gente teve. É a primeira geração, no mundo, que teve menos vantagens do que os seus pais.

            A primeira geração é essa que chegou, agora, à idade adulta.

            A quarta fronteira a ser rompida é a fronteira da comunicação. Nós nos comunicamos com os eleitores localmente e por meio da mídia. A partir de agora, a gente vai ter que se comunicar com o mundo inteiro por meio dos twitters, dos blogs, essa rede imensa de pessoas de boa vontade que se constituem no mundo e que desejam uma mudança no modelo no qual baseamos tudo aquilo que a gente fez nos últimos duzentos anos, depois da revolução industrial.

            Finalmente, a outra fronteira é a fronteira do público superando o interesse privado. Outra coisa importante é a gente deixar claro que a mudança só virá quando a mentalidade do consumidor mudar. E aí passa pela educação, que todos dizem que é uma nota só do meu discurso. Mas, Senador, não tem outro jeito. Enquanto não houver uma revolução na mentalidade, já que vemos o sentido de progresso como sendo aumento do consumo, aumento do Produto Interno Bruto, portanto aumento da depredação ambiental, enquanto a gente não fizer essa revolução mental, não vamos sair.

            Por isso, faltou um presidente dizer lá em Copenhague: “Nós fracassamos!” Nenhum disse isso. E pior: nós não temos condições, porque não estamos preparados mentalmente. No sistema político em que vivemos, nós não estamos preparados para enfrentar o problema ambiental, que é planetário e de longo prazo. A verdade é que cada Presidente foi lá, cada um de nós - não estou culpando nenhum especialmente -

            cada um de nós foi lá pensando um pouquinho na próxima eleição. Cada um foi lá pensando um pouquinho nos seus eleitores nacionais.

            O Presidente Lula, inclusive, ao enviar a Ministra Dilma, chegou ao ponto até de subordinar todo esse interesse da humanidade ao calendário eleitoral brasileiro. Mas os outros fizeram. E a prova do que estou dizendo, Senador Gilvam, é que o único presidente que falou de fato para o mundo inteiro falou porque o país dele vai ser inundado nos próximos dez ou quinze anos. É o presidente de um pequeno país chamado Maldivas. Eu tive o prazer de conhecê-lo. É um homem jovem, carismático, muito articulado, que foi capaz de falar quase que chorando: por favor, não deixem o meu país morrer.

            Então, veja, essa exceção, um presidente que fala para o mundo, confirma a regra do que eu digo. Cada um fala defendendo o seu espaço. Ele foi defendendo o seu espaço, ele foi defendendo o seu país, ele falou para os seus eleitores. Mas, no caso dele, os seus eleitores hoje têm o sentimento da humanidade inteira. Então, ele pôde fazer a sua revolução mental, porque a ameaça no seu país não vai esperar vinte anos. É um país cujo ponto mais alto tem um metro e oitenta de altitude, no sul do continente indiano. Qualquer subida do nível do mar e o seu país desaparece.

            Esse presidente, que realmente falou para o mundo inteiro, falou porque falou para o seu povo. A exceção da regra confirma a regra que eu estou dizendo. Nós não estamos preparados, nós, os políticos.

            Nós não estamos preparados para enfrentar os problemas planetários, nós não estamos preparados para enfrentar os problemas de longo prazo, porque a nossa arte da política é comprometida com o nosso espaço ao redor que vota em nós e é comprometida com o tempo curto da próxima eleição.

            O Presidente Obama claro que foi ali pensando na próxima eleição em que ele vai ser candidato à reeleição. Eu esperava que o Presidente Lula, pela dimensão universal que ele adquiriu... E nunca um presidente brasileiro teve a dimensão que o Presidente Lula tem hoje no cenário mundial, nunca tivemos. O Presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem extremamente competente intelectualmente, mas ele não conseguiu chegar nem perto do que hoje é o Presidente Lula no cenário mundial. E, pelo fato de ele estar terminando o seu mandato, eu acho que dava para a gente esperar que ele fosse ali representando não os brasileiros, mas representando 6 bilhões de seres humanos que sofrerão, certamente, o problema climático nas próximas duas décadas. Mas não vimos isso. Nós vimos que fez um bom discurso, que falou em redução das emissões de carbono, mas aqui comemora o aumento na produção de automóveis, aqui está prometendo resolver todos os nossos problemas com a exploração da camada do pré-sal. Uma contradição no discurso. E essa contradição vem da contradição que nós, políticos, vivemos hoje. Nós não temos condições de defender o decrescimento para proteger o meio ambiente. Nós não temos condições de dizer que a geração atual que vota na gente deve sacrificar-se um pouquinho para beneficiar a geração dos nossos bisnetos e tataranetos. Não temos como fazer isso.

            E aí é que me deixa o grande pessimismo. O pessimismo de perceber que Copenhague não fracassou apenas por falta de vontade política, fracassou pela realidade da política. É muito mais grave. A vontade política não é possível aparecer na política, na forma como fazemos hoje e como vamos continuar fazendo.

            Aquele que quiser falar demais sobre a necessidade de mudar o padrão civilizatório tem que mudar de ramo, não dá para ficar na política, tem que ir para a atividade intelectual, tem que ser professor, tem que ser poeta no sentido muito positivo daquele que usa o seu sentimento, mas não daquele que usa a sua arte para ter apoio.

            Aí dizem - e aí eu termino: não tem jeito? Pode ser que tenha. Pode ser que surja em algum momento aquilo que não é o político, que é o estadista, que é alguém capaz de estar na frente do seu tempo e trazer atrás dele pessoas que o acompanhem em busca de um sonho mais distante da próxima geração. Mas aí a gente vai precisar de um estadista planetário, um estadista que será capaz de convencer o seu país e os outros países de defender o mundo inteiro. Não dá para o pessimismo que falo se transformar em um discurso de Cassandra, como se diz, que só falava apresentando as catástrofes adiante. Não, não. É possível, sim, que surja a alternativa, mas essa alternativa não está à vista, porque nós hoje temos políticos no mundo, não temos estadistas. E, ainda menos, estadistas capazes de convencer os seus povos, os seus eleitores da necessidade de pensar o mundo inteiro.

            Porque nós não temos estadistas em países que não são as Maldivas. Nas Maldivas, o estadista é planetário porque aquele pequeno país sofre os efeitos do clima e a curto prazo. Mas os outros países não sofrem a curto prazo e os outros países não são ameaçados na mesma dimensão catastrófica.

            Por isso é que a inserção confirma a regra do que defendi nesse encontro dos parlamentares do mundo: a ideia de que não estamos preparados para enfrentar o problema ambiental em escala global planetária. Temos presidentes que enfrentam o global do comércio, que é entre países, mas não temos nenhum que enfrente o problema global da totalidade da humanidade. E o único que fez isso fez pensando no seu país, confirmada a regra do que estou colocando.

            Trago essa preocupação aqui, embora fim de ano deva ser motivo de a gente comemorar e não de ficar alertando dos riscos que vivemos. Mas eu creio que, pior do que não dar solução, é colocar a cabeça escondida, como fazem certos animais. Não vamos esconder a cabeça. Isto pelo menos Copenhague conseguiu: fazer com que as cabeças do mundo descubram que há um problema. Falta agora as cabeças do mundo entenderem qual é a solução e serem capazes de convencer o mundo inteiro a enfrentar o problema. O problema aflorou, a solução ainda não.

            E, com a mentalidade que nós temos, com a prática que nós temos, com a maneira que nós temos de fazer política, não vai aparecer rapidamente uma solução.

            Daqui a um ano vamos ter outro encontro desses.

            COP-16, na Cidade do México, uma cidade que, pela altura, vai demorar muito o mar chegar lá em cima. A Dinamarca, pelo menos, é um país aonde rapidamente o efeito vai chegar, não tanto quanto nas Maldivas, mas pelo menos é um país plano e a um nível muito baixo do mar. O México está lá em cima. O México é um país e a Cidade do México está nas alturas. Talvez aí o sentimento apareça ainda menos.

            Não podemos, porém, esquecer que já passamos por momentos graves na humanidade inteira, nenhum como esse, e que é possível, sim, que antes da tragédia se completar, das Maldivas desaparecerem com país, do litoral do Brasil desaparecer uma parte, da agricultura se desarticular por causa do clima, é possível, quem sabe, que antes disso, no outro encontro que não aquele da semana passada, surjam estadistas capazes de mudar a maneira como a gente faz política, capazes de trazer a dose, o gosto do planetário e, mesmo assim, conseguir votos; trazer o gosto, a responsabilidade do longo prazo e, mesmo assim, não perder votos.

            Vamos torcer para que o mundo, pela crise que vive, que aflorou nesta semana de uma maneira maior que qualquer outro tempo, seja capaz de produzir líderes que sejam mais do que políticos como nós somos, que sejam estadistas com dimensão global, com dimensão planetária capazes de convencer, democraticamente, os povos do mundo de que está na hora de fazer uma inflexão no modelo de civilização que nós já mostramos que não tem futuro. 

            Está na hora de dizer: nos fracassamos. Nós estamos despreparados, mas ainda temos esperança de que surjam alternativas antes da tragédia afundar todo um País, como as Maldivas, e desarticular toda a economia e o funcionamento da sociedade no mundo inteiro.

            Vamos esperar que o próximo Natal possamos comemorar com mais otimismo, depois da reunião que haverá no México. Se não, vamos esperar que no ano seguinte a gente consiga, no ano seguinte a gente consiga, e que um dia tenhamos uma política capaz de se ajustar à realidade de hoje, que é planetária e de longo prazo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/12/2009 - Página 73759