Discurso durante a 259ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre os diversos tipos de paz necessários para a vida do homem, lembrando a cultura dos índios aimarás, que falavam em sete tipos de paz.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Reflexão sobre os diversos tipos de paz necessários para a vida do homem, lembrando a cultura dos índios aimarás, que falavam em sete tipos de paz.
Publicação
Publicação no DSF de 23/12/2009 - Página 74890
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, VOTO, PAZ, POPULAÇÃO, BRASIL, MUNDO, UTILIZAÇÃO, TRADIÇÃO, CULTURA, INDIO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, EXPECTATIVA, ELEIÇÕES, MELHORIA, PROBLEMAS BRASILEIROS.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, tenho a impressão - e não sei se estou correto - de que sou o último orador.

            O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. PMDB - RO) - Temos o Senador Arthur Virgílio. Se S. Exª chegar, será o último, se não aparecer outro.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sim, Sr. Presidente.

            Independentemente disso, este é o meu último pronunciamento desta tribuna neste ano. É claro que, falando no último momento do ano, na véspera do Natal, na véspera do Ano Novo, o certo é falar... Obrigado, Senador Marco Maciel. Eu pedi ao Senador que me desse o artigo da Viviane Sena, porque a frase dela - “Na educação, lentidão é retrocesso” - é uma frase que a gente deveria escrever de maneira permanente.

            Sr. Presidente, eu creio que falar no último momento do ano exige de nós deixar de lado todas as nossas disputas. Eu acho que nem mesmo fazer avaliações, mas tentar trazer uma mensagem de paz para todos nós.

            De certa maneira, eu repito, nos anos em que estou aqui, uma fala que a cada vez, é claro, a gente faz diferente. Mas eu repito uma fala com base em um texto que tem mais de dois mil anos. Mas não aqueles dois mil anos que a gente sempre fala em relação aos gregos, da cultura ocidental, mas dois mil anos de uma cultura local, da América Latina, dos índios aimarás, que não se contentavam em desejar paz no singular, como nós falamos na nossa cultura. Para eles - e são esses tipos de paz que eu desejo a cada um que está hoje me escutando -, os aimarás, cada ser humano necessitava ter sete diferentes tipos de paz.

            A primeira paz é uma paz que eles diziam para cima, uma paz com as forças sobrenaturais, uma paz com Deus, uma paz com as forças do cosmo inteiro. Ninguém está em paz se não está em paz com essas forças superiores.

            A segunda paz, o segundo tipo, era a paz para baixo, era a paz com a terra, a paz onde a gente pisa. Ninguém está em paz num momento de terremoto. E essa paz para baixo, com a terra, nunca foi tão necessária agora, dois mil anos depois dessa mensagem de paz do índios aimarás. É a paz com o globo, é a paz com o planeta, é a paz com a vida da natureza na terra. Nós hoje não estamos em paz com a terra. Nós estamos em guerra com a terra, uma guerra feita pelo modelo econômico que transforma, de maneira esquizofrênica, os recursos naturais nos bens que nós consumimos e que deixa os resíduos que aquecem o planeta, que enchem de lixo as nossas cidades. Por isso, eles desejam a paz para baixo, uma paz com a terra, uma paz com o caminho por onde a gente vai, porque, se esse caminho não estiver tranquilo, não existe paz.

            O terceiro tipo de paz é a paz para o lado esquerdo, é a paz com a família. Ninguém está em paz se, dentro de sua casa, existem conturbações. Por isso, eles eram tão claros ao desejar a paz com a própria família, a paz com a casa, que é o que eu desejo a cada um que está me escutando.

            A quarta paz, o quarto tipo de paz, eles diziam que era para o lado direito. Não com a sua casa, não com a sua família, mas com os seus vizinhos. Não há paz plena se você não está bem com aqueles ao seu redor, e não apenas a família. E, no mundo global de hoje, os vizinhos são todos os seres humanos. Os vizinhos são aqueles que moram, contemporâneos conosco, não importa em que país. Hoje, nenhum de nós está em paz se a gente sabe que uma tempestade está matando pessoas em algum país, que um tsunami está matando pessoas em algum país, que alguns países estão em fome, e outros países estão em guerra. Por isso eles desejavam também essa paz pelo lado direito, que, no seu tempo, eram os vizinhos ao redor, hoje são os vizinhos de todo o planeta.

            A quinta paz, Senador, era para frente. Mas, para frente, eles diziam que estava o passado, não o futuro, como na nossa cultura. Na nossa cultura, a gente põe o futuro na frente, mas eles diziam: “Como pode estar na frente, se a gente não conhece o futuro?” Na frente, está o passado, porque a gente vê o passado; a gente não vê o futuro. E a paz com o passado, a paz para frente é a paz de quem não tem remorso, porque, com remorso pelo que fizemos no passado - e eu mostro para trás, mas eles mostravam para frente -, nós não estamos em paz. Por isso, eu desejo paz com o passado de cada um.

            A sexta paz, o sexto tipo de paz era para trás com o futuro. É a paz de não ter medo do que vai acontecer nos dias seguintes, a paz da segurança. E essa é tão necessária hoje, em tempo de desemprego, em tempo de violência urbana. Essa é uma paz fundamental que eu desejo a cada um dos que estão me escutando neste momento: a paz para trás, com o futuro, sem medo do futuro, sem remorso do passado, ligado bem com as forças lá de cima, em paz com as forças de baixo, convivendo bem com a própria família e, ao mesmo tempo, com todos os vizinhos.

            Finalmente, o sétimo tipo de paz, que eles diziam ser necessário para se estar bem, é a paz para dentro, a paz consigo próprio, a paz que faz com que se esteja bem com aquilo que se faz, com a luta que se combate, com os objetivos a que se propõe, a paz com seu íntimo, com o seu interior.

            Eu desejo a cada brasileiro esses sete tipos diferentes de paz, porque, sem elas, a gente não vai ter a paz de que a gente precisa.

            É uma lição que vem de um passado distante, de uma tribo da Bolívia - chamamos de tribo, mas é uma cultura tão desenvolvida ao ponto de ter uma poesia tão sofisticada que diz que aquilo que nós, ocidentais, chamamos de “a paz”, para eles, tem de ser dito no plural, com sete diferentes formas de a paz aparecer.

            Eu desejo a cada um uma paz para cima, com os deuses; eu desejo uma paz para baixo, com a terra; uma paz para o lado esquerdo, com a família; uma paz para o lado direito, com os vizinhos do mundo inteiro; uma paz para a frente, com o passado; uma paz para trás, com o futuro, sem medo; e, sobretudo, uma paz para dentro, para dentro de cada um, para que, em 2010, possam, com essa paz interna, fazer o combate de que o Brasil precisa.

            Esse combate passará, em 2010, pela escolha de um novo rumo para o País. Eu espero que cada um de nós saiba fazer bom uso desse poder que temos, que cada um de nós tem no voto, essa arma fundamental, que permite o combate de reorientar os destinos do País, de consolidar aquilo que vem dando certo e de mudar aquilo que não está dando certo.

            E que façamos o voto com a paz da tranquilidade de votarmos pelo bem do País, pelo bem do planeta inteiro e não apenas por algum interesse mesquinho de cada um de nós, porque o interesse mesquinho não traz paz interior.

            Uma boa paz, sob todas as formas, para cada um brasileiro, para cada uma brasileira, de todas as idades, de todas as raças, onde quer que morem, para que a gente possa enfrentar os destinos que estão adiante. E que cobrem de nós, essa geração, ações concretas para que as futuras gerações possam dizer: “Os que vieram antes de nós souberam cuidar bem do nosso País”.

            Um ano de muitas formas de paz para cada um, para cada uma de vocês.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/12/2009 - Página 74890