Discurso durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reverência à memória da Dra. Zilda Arns Neumann, fundadora da Pastoral Nacional e Internacional da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa; do Dr. Luiz Carlos Costa, representante da ONU; e dos militares brasileiros vitimados pelo terremoto no Haiti.

Autor
Kátia Abreu (DEM - Democratas/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Reverência à memória da Dra. Zilda Arns Neumann, fundadora da Pastoral Nacional e Internacional da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa; do Dr. Luiz Carlos Costa, representante da ONU; e dos militares brasileiros vitimados pelo terremoto no Haiti.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2010 - Página 3989
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ZILDA ARNS, MEDICO, LIDER, FUNDADOR, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, APOIO, CRIANÇA, IDOSO, SITUAÇÃO, POBREZA, ABANDONO, REPRESENTANTE, BRASIL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), MILITAR, FORÇAS ARMADAS, VITIMA, ABALO SISMICO, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI.
  • REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, ALIMENTOS, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, ORIGEM, DOAÇÃO, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), ASSOCIAÇÃO NACIONAL, INDUSTRIA, EXPORTAÇÃO, CARNE, EMPRESA DE PRODUTOS ALIMENTARES.
  • ANUNCIO, ACORDO, SERVIÇO NACIONAL DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL RURAL (SENAR), CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), ITAMARATI (MRE), PROJETO, APOIO, RECONSTRUÇÃO, ZONA RURAL, QUALIFICAÇÃO, PRODUTOR RURAL, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI.
  • ELOGIO, VIDA PUBLICA, ZILDA ARNS, MEDICO, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, COMENTARIO, AMPLIAÇÃO, BRASIL, CONVENIO, SERVIÇO NACIONAL DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL RURAL (SENAR), ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, TREINAMENTO, VOLUNTARIO, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, CULTIVO, PLANTAS MEDICINAIS.
  • SUGESTÃO, GOVERNO BRASILEIRO, INTERCAMBIO, CRIANÇA, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, APRENDIZAGEM, LINGUA PORTUGUESA, BRASIL.
  • RELEVANCIA, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, DEFESA, MELHORIA, ENSINO, ESCOLA PUBLICA, ZONA RURAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Presidente, Senador Flávio Arns, a quem eu também aqui quero externar os meus sentimentos com relação à perda, que não é só da família Arns, mas de todo o Brasil; quero aqui também abraçar as famílias de todos os militares que estavam lá cumprindo o seu dever, todos aqueles que ficaram na tragédia que abalou todo o mundo, inclusive o nosso Brasil; quero abraçar especialmente as meninas Ana Paula e Emília, pois eu tenho total sentimento do que vocês estão passando neste momento. Comigo aconteceu há muito tempo a perda também do meu marido, há 23 anos, e eu sei exatamente o que cada uma de vocês está sentindo neste momento; a todos os familiares e quero aqui, Sr. Presidente, também lamentar tudo isso.

            Com relação a essa tragédia gigantesca, eu acho que todos os brasileiros puderam, na medida do possível, fazer um pouco pelo Haiti, por aquelas pessoas que têm sofrido tanto naquele País.

            A Confederação Nacional da Agricultura, junto com as indústrias do agronegócio também fizeram uma pequena parcela. Enviamos dez aviões de alimentos, com treze toneladas cada um deles. A Cutrale mandou suco de laranja; a Abiec - Associação Brasileira das Indústrias de Exportadores de Carne mandou carne pronta para o consumo; a única produção de açúcar do País também mandou açúcar; a Itambé mandou leite pronto na caixinha para consumo; e também a CNA e o Senar enviaram alimentos em nome dos agropecuaristas de todo o País. Mas ainda continuamos coletando e tentando organizar mais alimentos para socorrer, ajudar essas pessoas.

            A CNA e o Senar também já assinaram com a ABC - Associação Brasileira de Cooperativismo do Itamaraty e, assim que estiver em condições, o mais rapidamente possível, nós vamos levar o nosso know-how do nosso “S” Senar, do nosso “S” rural para reconstruir a área rural. Tentar reconstruir a área rural, no que diz respeito ao treinamento dos pequenos agricultores haitianos, para que eles possam organizar a sua produção.

            E junto com a ABC, com o Itamaraty, nós do Senar, que tenho também o prazer de presidir, levaremos o nosso know-how. Nós não abriremos mão de dividir o nosso conhecimento, neste momento, de levar para qualquer parte do mundo, como estamos levando também para África, esse know-how e esse aprendizado que o Brasil tem na agropecuária, na produção de alimentos.

            Fico aqui pensando como mãe, como mulher, como avó, o que mais poderíamos fazer para minimizar essa tragédia infinita. E sempre que eu imagino algum programa, sempre que eu imagino alguma ação, por incrível que pareça, vem Dona Zilda Arns à minha cabeça. Não lamentando a sua morte, mas imaginado que, se aqui ela estivesse, em todos os programas que imagino ela seria o carro-chefe, encabeçaria qualquer programa de socorro ao Haiti. Infelizmente, ela se foi, ela se foi com essa tragédia. E nós ficamos sem o nosso carro-chefe, nós ficamos sem a nossa comissão de frente, nós ficamos sem aquela alegria, aquela bondade, aquela força nacional que tinha credibilidade para propor qualquer ação. E bastava ela dizer, e nós todos a acompanhávamos.

            Estou muito sentida porque, apenas em outubro do ano passado, nós começamos um trabalho pelo Paraná. Estive lá com a Dona Zilda, ela esteve na CNA comigo e assinamos um convênio inicial, que seria feito com todo o Brasil, pelo Senar, pelo nosso “S”. E nós já tínhamos pelo Paraná, pelo Senar Paraná, pela Federação da Agricultura do Paraná, com o Presidente Ágide Meneguette, um pequeno treinamento de 392 pessoas, agentes pastorais que foram treinados em culinária básica, em plantas medicinais, a pedido de Dona Zilda, para serem multiplicadores das famílias pobres, para que elas possam aprender a trabalhar melhor com os alimentos.

            Mas eu quero aqui dizer ao seu filho, Nelson Arns, que nós não romperemos esse convênio com a ausência da Drª Zilda. Muito pelo contrário, nós vamos dar força ainda mais para que toda essa parceria possa continuar em nome dela, para alegria dela.

            Infelizmente, não deu tempo de nós fazermos o que tínhamos planejado, mas os sonhos continuam e nós precisamos continuar trabalhando e seguindo o seu exemplo.

            Se a Drª Zilda estivesse aqui, eu teria feito uma proposta a ela, que quero neste momento também propor ao Brasil, ao Governo, a todos aqueles que possam ajudar. Eu estou aqui com o meu pouco conhecimento nesta área, mas com muita solidariedade como ser humano, como mulher. Por que não fazermos um grande programa brasileiro para trazer crianças do Haiti para fazerem aqui um estágio de línguas? Tantas crianças vão para os Estados Unidos por seis meses, tantos americanos vêm para cá por seis meses, num intercâmbio cultural! Por que essas crianças não poderiam vir num intercâmbio cultural, até que seus pais pudessem se restabelecer? Qual brasileiro se negaria de receber uma criança do Haiti por seis meses até que os seus pais pudessem reconstruir parcialmente suas vidas, até que essas casas pudessem ser construídas, até que os empregos pudessem ser retomados?

            Eu tenho certeza de que a agropecuária brasileira, os produtores rurais deste País não se furtarão a colaborar. Nós precisamos do Governo brasileiro para essa aliança e esse projeto, mas estaremos à disposição, lançando não só a ideia, mas queremos ser parceiros dessa ideia. Nós estamos com as nossas casas abertas, os produtores rurais do País estão com as suas casas abertas para receberem essas crianças para esse intercâmbio cultural, onde elas pudessem sofrer um pouco menos do que sofrem agora no Haiti.

            Mas, Sr. Presidente, eu ainda preciso continuar homenageando, vou chamar de amiga, embora não tão íntima, a Drª Zilda Arns. Mas ela era amiga de todos os brasileiros, e eu também sou brasileira, graças a Deus, e eu quero chamá-la de amiga, de querida amiga do Brasil.

            Qual era a grande vantagem, o maior exemplo dessa mulher? A caridade, o voluntariado, a sensibilidade ou a continuidade? Se avaliarmos o Brasil, os programas sociais brasileiros dos últimos 20, 30, 40 anos e pode ir longe, qual é o programa social deste Brasil que conseguiu persistir, que conseguiu ter continuidade, que conseguiu sobreviver, ano após ano? Só com a liderança da Drª Zilda.

            Infelizmente, as ideias são muitas, os programas têm muitos nomes, governos vão, governos vêm, os programas se vão e os pobres continuam os mesmos. Se avaliarmos, numa pesquisa como já foi feita neste País, nos últimos 20 anos, infelizmente, os pobres do Brasil são os mesmos.

            O sonho de cada pai e cada mãe é poder deixar uma formação universitária para seu filho como herança, uma pequena casa, um pequeno lote, um pedaço de chão, um carro, um pequeno comércio, mas os pobres do Brasil estão recebendo de herança de seus pais apenas a miséria e a pobreza, sem expectativas, porque os programas sociais do Brasil, nas últimas décadas, são programas rasos, que apenas admitem a gestão da pobreza, a administração da pobreza e não o fim da pobreza.

            No Brasil, nos últimos anos, comemora-se a entrada de tantas dezenas e centenas de famílias nos programas sociais, mas não há uma comemoração, não há um evento festivo comemorando a saída dessas pessoas da pobreza.

            Não quero usar a palavra, em nenhum momento, para criticar A, B ou C. Quero apenas cumprir com meu dever, como Senadora do Brasil, como mãe, como mulher, no sentido de que precisamos acabar com esse processo contínuo de pobreza, como a Drª Zilda tanto sonhou e tanto lutou.

            Sr. Presidente, eu queria ainda aqui falar a respeito da importância da escola e da educação no Brasil. Enquanto tivermos esses índices e esses números na educação brasileira, a pobreza vai ser passada de pai para filho como herança maldita. Com esses números na educação do Brasil, vamos condenar essa geração a mais um ciclo de pobreza.

            Se pegarmos os números que todos os dias estão aí, segundo o IBGE, veremos que há sessenta milhões de pessoas pobres neste País que se sustentam apenas com a transferência de renda. Vejo que essas pessoas pobres recebem essa transferência de renda há anos, desde o Governo anterior. As mesmas pessoas, sem esperança, sem brilho nos olhos. Pergunto a elas: esse pequeno recurso que você recebe há anos e anos, há quase 20 anos, fez com que você deixasse de ser pobre?

            A pobreza não pode ser findada ou não se pode pretender que a pobreza seja findada apenas com a transferência de renda. A transferência de renda é necessária, mas não pode ser continuada, não pode ser separada, não pode ser divorciada da esperança e de projetos consistentes e profundos, para que essas pessoas possam, um dia, pegar essa transferência e repassá-la a outra pessoa que precisa, a fim de que tenha uma porta de saída.

         O Brasil, infelizmente, adotou, como política própria, a gestão da pobreza e nunca entendeu o mergulho que Drª Zilda Arns sempre propôs para esse Brasil. De forma humilde, serena, simples, prática, objetiva, como nós, mulheres, somos, ela conseguiu fazer o impossível: ela conseguiu reverter números na saúde que nenhum governo conseguiu reverter. Nem este, nem o outro. E, se Drª Zilda Arns conseguiu fazer, por que nós não podemos? Por que não podemos copiar o exemplo da Drª Zilda e fazer com que as políticas tenham continuidade, tenham consistência, tenham começo, meio e fim? Mas o fim de um programa não pode ser o fim de um governo; o fim de um programa tem que ser o fim da pobreza para aquela família. Que seja a família Silva, que seja a família Pereira, que seja a família Campos, mas que aquela família possa ser libertada e que ela possa ter a esperança de repassar para seu filho um pequeno patrimônio, ou o saber ou um patrimônio físico, porque isso não é pecado em lugar nenhum do mundo.

            Em 2009, quatro milhões de crianças entraram na primeira série do ensino fundamental; e, no mesmo ano, só 2 milhões - a metade - de jovens terminaram o ensino médio. Portanto, 1,8 milhão de jovens não tinham esperança. Herdaram apenas a possibilidade da pobreza, da miséria, da falta de otimismo e da falta de esperança.

            Precisamos não só mais do discurso. Todos os Senadores e Senadoras têm lutado, têm feito um grande trabalho aqui com relação à educação, mas precisamos ir mais longe; precisamos ir mais fundo em tudo isso.

            Estamos tentando também, no campo brasileiro, implementar um tipo de escola que possa fazer a diferença. Estamos chamando de Escola Viva, o Farol da Cidadania. Estamos tentando conseguir isso no campo brasileiro, e vocês verão, em poucos dias, os índices da escola rural brasileira, que nunca foi medida pelo Ideb, que nunca foi medida pela Prova Brasil. Mas estamos terminando o estudo e vamos mostrar ao Brasil como está a escola rural brasileira. Quanta tragédia, quanto abandono há décadas! Há décadas!

            A escola rural brasileira se concretizou e se resumiu no transporte escolar. Apenas isso! Sem conteúdo, sem aparelho, sem equipamento, sem treinamento e com péssimo pagamento aos professores.

            Com a Escola Viva, o Farol da Cidadania, estamos tentando um novo modelo, para que uma educação integral possa ser implementada em um grande mutirão de alunos, de pais, da comunidade, dos professores, dos produtores rurais, que se interessam por tudo o que acontece no campo. E estamos tentando um mutirão pela vida, por meio da educação, para que essas pessoas que estão abandonadas sejam, de verdade, libertadas.

            Como disse nosso poeta Guimarães Rosa, “a vida é um mutirão de todos”. E a Drª Zilda Arns representava muito bem o trecho de um poema de Cecília Meireles, que diz que “a esperança é um dom”. Ela exercia esse dom, que é a esperança. E fez de sua vida uma missão. A vida é uma missão de todos nós, não só da Drª Zilda Arns, não só dos militares, que faleceram no Haiti em combate, em ação, em trabalho. A vida é uma missão de todos nós.

            Encerro, conclamando o Brasil a fazer programas de continuidade que tragam, de verdade, a superação da pobreza. Que Drª Zilda seja uma mártir, lembrada por várias gerações como exemplo de superação, de continuidade, de determinação e de coragem.

            Vamos usar esse exemplo para o bem, não só apenas para palavras vãs, mas que ela possa ser exemplo para cada brasileiro, para cada um de nós, que somos voluntários. Cento e noventa milhões de pessoas podem, de alguma forma, ser voluntárias, de forma mais arrojada, de forma mais abrangente ou de uma pequeníssima forma, mas todos nós, nesse grande mutirão pela vida, através desse exemplo, podemos mudar os rumos do Brasil e fazer com que a herança maldita da pobreza seja findada para as nossas gerações.

            Muito obrigada, Sr. Presidente. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2010 - Página 3989