Discurso durante a 41ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao projeto do Executivo, em exame na Câmara dos Deputados, que autoriza o fiscal da Fazenda a confiscar bens do contribuinte em débito.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Críticas ao projeto do Executivo, em exame na Câmara dos Deputados, que autoriza o fiscal da Fazenda a confiscar bens do contribuinte em débito.
Aparteantes
Roberto Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2010 - Página 10355
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • REPUDIO, PROJETO DE LEI, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMBATE, SONEGAÇÃO FISCAL, CONCESSÃO, PRERROGATIVA, AUTORIDADE FISCAL, QUEBRA DE SIGILO, PENHORA, BENS, INDEPENDENCIA, AUTORIZAÇÃO, JUDICIARIO, JUSTIFICAÇÃO, EXECUTIVO, DEMORA, CONCLUSÃO, PROCESSO, COBRANÇA JUDICIAL, ATUALIDADE.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, PROPOSTA, EXECUTIVO, ALTERAÇÃO, COBRANÇA, TRIBUTOS, PREJUIZO, DIREITOS, CONTRIBUINTE, COMENTARIO, PARECER, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ENCAMINHAMENTO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, JUSTIFICAÇÃO, INCONSTITUCIONALIDADE, PROJETO DE LEI, DESRESPEITO, DIVISÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, INVERSÃO, PRESUNÇÃO, INOCENCIA.
  • CRITICA, ARBITRARIEDADE, GOVERNO FEDERAL, AGILIZAÇÃO, COBRANÇA, DEBITO FISCAL, CONTRIBUINTE, SIMULTANEIDADE, AUSENCIA, ANTECIPAÇÃO, PAGAMENTO, PRECATORIO, EXPECTATIVA, REJEIÇÃO, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, CONCLAMAÇÃO, SENADO, MOBILIZAÇÃO, RECUSA, PROPOSTA.
  • ESCLARECIMENTOS, ACUSAÇÃO, VEREADOR, MUNICIPIO, MACAPA (AP), ESTADO DO AMAPA (AP), RESPONSABILIDADE, ORADOR, APROVAÇÃO, IMPEDIMENTO, REAJUSTE, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO, NEGAÇÃO, OCORRENCIA, VOTAÇÃO, PROPOSTA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, ontem, eu falei sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos. É muito importante que nós todos, brasileiros, procuremos saber o que significa esse Programa Nacional de Direitos Humanos, porque é um Programa que realmente restringe a liberdade do ser humano, pois tira uma cláusula pétrea da Constituição, que é exatamente o livre arbítrio do cidadão e, por conseguinte, tira-lhe a liberdade.

            Hoje, vou falar sobre um projeto do Governo também. Talvez a gente vá passando desapercebido de muitas questões, mas, se juntarmos essas peças, chegaremos a uma conclusão de que realmente nosso processo democrático está em jogo. Refiro-me a projeto que tramita na Câmara dos Deputados, que é justamente o pacote tributário, encaminhado em abril do ano passado pelo Poder Executivo que, a título de combater a sonegação, promove uma verdadeira agressão ao nosso arcabouço jurídico, concede às autoridades fazendárias prerrogativa do Poder Judiciário e condena o contribuinte a uma situação de absoluta insegurança e vulnerabilidade.

            Não é de se estranhar que tantas vozes, repercutindo instituições sérias e respeitáveis dos meios jurídicos, se tenham levantado contra esse pacote que institui a execução administrativa.

            Embora tenha sido encaminhado há quase um ano, somente agora nossos colegas Parlamentares da Câmara dos Deputados se dispõem a discutir o chamado pacote tributário, consubstanciado no Projeto de Lei Complementar nº 469, de 2009, e nos Projetos de Lei nºs 5.080, 5.081 e 5.082, todos também de 2009.

            Esses projetos, Sr. Presidente, promovem um verdadeiro cerco ao contribuinte. Ocorre que, nessa sanha arrecadatória, ao propor a criação de novos mecanismos de cobrança das dívidas, o Governo pretende dar aos fiscais poderes para quebrar sigilos, penhorar bens e até arrombar casas e empresas, independentemente de autorização judicial.

            Não quero generalizar, mas quero lembrar que, quando a gente ouve falar em fiscal, a gente já começa a pensar mal. Quando o fiscal vai fiscalizar uma obra na casa da gente, a gente já começa a pensar que ele está querendo propina. Quando o fiscal vai chamar atenção de alguma falha na contabilidade da empresa, o dono da empresa já fica pensando que ele quer resolver o problema através de propina.

            Então, vou repetir o que o projeto do Governo faz - vejam bem -: dá poderes aos fiscais para quebrar sigilos - quebra sigilo bancário de qualquer um -, penhorar bens e até arrombar casas e empresas, independentemente de autorização judicial.

            Para justificar as modificações previstas no pacote, o Poder Executivo cita a lentidão do modelo vigente, regido pela Lei nº 6.830, de 1980, a Lei de Execução Fiscal.

            “Todo processo, desde o seu início, com a citação do contribuinte, até a sua conclusão, com a arrematação dos bens e satisfação do crédito, é judicial, ou seja, conduzido por um juiz”, assinala o Poder Executivo na Justificação do PL nº 5.080, acrescentando: “Tal sistemática, pela alta dose de formalidade de que se reveste o processo judicial, apresenta-se como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência”.

            Então, a justificativa do Senhor Presidente da República, a justificativa do Executivo, em alterar a lei é dizer que, quando o processo é conduzido por um juiz, demora muito para ser concluído, e que, no caso do fiscal, ele vai lá, prende, arromba, quebra sigilo e resolve a questão para o Estado.

            O argumento até comporta certo grau de verdade, Sr. Presidente, embora uma análise mais aprofundada nos pudesse revelar outros fatores que contribuem igualmente para o desempenho insatisfatório das cobranças judiciais. Entretanto, para atingir seu objetivo, o Poder Executivo não hesita em afrontar a Constituição e o aparato infraconstitucional - da mesma forma que não hesita em investir contra os direitos do contribuinte, o mesmo contribuinte que mantém a máquina administrativa e, portanto, garante o funcionamento do Fisco.

            O Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Ophir Cavalcante, foi enfático ao afirmar que o pacote tributário “tem viés autoritário e joga no lixo a presunção da inocência que vale para todo cidadão, tenha ou não problemas com a Receita”.

            De fato, Srªs e Srs. Senadores, nas novas regras, todo contribuinte passa a ser culpado até prova em contrário, o que contraria não apenas a Constituição Federal - fato, por si, absolutamente grave e inadmissível -, mas, também, o mais rudimentar bom senso.

            Entre tantos que se insurgiram contra a pretensão do Executivo está a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, que encaminhou ao Presidente da Câmara, Michel Temer, um parecer contestando o conjunto de proposições que visam a transferir ao Fisco o patrimônio de particulares e da Fazenda Pública sem o devido processo legal.

            O jornal O Estado de S. Paulo, ao noticiar o fato, em recente edição, esclarece que a sistemática de cobrança proposta pelo Governo valeria tanto para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão responsável pela gestão da dívida ativa da União, quanto para instituições similares de Estados e Municípios:

No limite [observa o periódico] a penhora poderá ser aplicada contra uma grande empresa ou contra um contribuinte pessoa física que tenha deixado de pagar o IPTU ou o IPVA, [por exemplo]. Na prática, um oficial da Fazenda [federal, estadual ou municipal], mesmo sem autorização de um juiz, poderá arrestar uma casa ou um carro para quitar uma dívida tributária com o Município.

            Isso é um verdadeiro absurdo, Senador Paim. Mas voltemos por um instante, meus nobres colegas, ao parecer encaminhado ao Presidente da Câmara dos Deputados pela OAB de São Paulo. O documento é assinado pelos especialistas e professores Ives Gandra da Silva Martins, da Universidade Mackenzie; André Ramos Tavares, da PUC de São Paulo; Luis Eduardo Schoueri e Roque Antônio Carranza, , ambos da Universidade de São Paulo, USP. Tem ainda o endosso do Presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges d’Urso, e do Presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da entidade, Carlos Cardoso Henrique.

            Não há, Sr. Presidente, como questionar o consenso de especialistas desse quilate - e aí nos referimos a questões de ordem técnica e jurídica, pois o mérito das proposições encaminhadas pelo Poder Executivo afronta o senso comum.

            O documento da OAB-São Paulo chama atenção, inicialmente, para o Projeto de Lei Complementar nº 469/2009, que inverte a presunção de inocência consagrada no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal. “Chega a ser caricata” - dizem os signatários - “a modificação do art. 134 que se pretende fazer incorporar ao Código Tributário Nacional”. Os tributaristas condenam também “a pretendida desnecessidade de intervenção do Poder Judiciário para a solução de conflitos envolvendo a cobrança de valores tributários pelos Entes Políticos, nos termos do PL nº 5.080/2009”.

            As críticas se concentram no PLP nº 469 e no PL nº 5.080, especialmente quando este último, a pretexto de modernizar a Lei de Execuções Fiscais, estabelece o rito de cobrança administrativa. “Esse novo rito” - assinalam os especialistas - “alija dos cidadãos a intervenção prévia do Poder Judiciário, quando figurar como credor real ou credor provável Administração Pública, mantendo-a apenas quando o credor for o Administrado.

            O Sr. Roberto Cavalcanti (Bloco/PRB - PB) - Senador.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Pois não, Senador Roberto Cavalcanti.

            O Sr. Roberto Cavalcanti (Bloco/PRB - PB) - Eu gostaria de parabenizar o nobre Senador pela abordagem. É um tema que preocupa todo o País no sentido da celeridade das execuções, porém não podemos, em contraponto a isso, criar instrumentos que vão de encontro aos princípios básicos da lei, as presunções de inocência. Ao tentar fazer o bem, ao tentar dar celeridade, não se pode atropelar a lei. Então parabenizo V. Exª pela oportunidade. Acho que deve haver essa preocupação quanto a esse tema. E que possamos, nas comissões, nos dedicar a ele com o maior empenho, para que no futuro não sejamos punidos por uma legislação que, em busca do benefício, crie malefício. Parabéns a V. Exª.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Muito obrigado, Senador Roberto Cavalcanti. Realmente, esse é um assunto que deve preocupar a todos nós, independentemente se somos oposição ou se somos base do Governo, independentemente de cor partidária. Essa é uma questão que é um direito do cidadão. Nós aqui, como representantes dos Estados, temos não só o direito, mas também o dever e a obrigação de defender o direito do cidadão, a nossa Constituição. Muito obrigado a V. Exª. Incorporo suas palavras ao meu pronunciamento.

            Em outros termos - concluindo o que eu já falei -, o Poder Público requer celeridade e eficiência para cobrar e executar o contribuinte, mas não demonstra a mesma presteza e o mesmo empenho quando ele é o credor. No caso dos precatórios, quantos brasileiros com direitos ganhos na Justiça contra o Governo Federal, ou estadual, ou municipal, receberam esses precatórios?

            Eu tive uma causa, Senador Roberto Cavalcanti, em que levei - eu e outros colegas lá do Governo do Estado do Amapá, do ex-Território - doze anos para receber nossos direitos! Doze anos! Então, como é que pode o Governo ter moral para dizer que paga a quem ele deve com dez, doze anos e vai cobrar um cidadão que deve ao Fisco de maneira arbitrária, através de um fiscal da Fazenda, que pode fazer o quem bem entende? Pode arrombar a casa do cidadão; se achar que tem que levar uma televisão lá de dentro, ele pega e leva; se achar que tem que levar um carro, ele pega e leva; enfim, uma verdadeira arbitrariedade o que pretende o Governo Lula fazer quanto à questão tributária.

            A situação de desequilíbrio e inconstitucionalidade é patente, Sr. Presidente, e quem conclui isso são os tributaristas. Entre outras agressões ao nosso estatuto jurídico, eles destacam ainda a ofensa à cláusula que garante a tripartição de poderes, a reserva de jurisdição e a submissão do Estado aos limites constitucionais.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito ter elencado alguns dos principais motivos pelos quais o conjunto das proposições de natureza tributária encaminhado pelo Poder Executivo deve ser enfaticamente rejeitado.

            Espero, sinceramente, que nossos colegas Parlamentares da Câmara dos Deputados, onde tramitam esses projetos, o façam o quanto antes. Caso isso não ocorra, conclamo desde já os ilustres Senadores para que o façamos aqui, nesta Casa. Agindo assim, estaremos, convictamente, contribuindo para resguardar os princípios constitucionais e para evitar uma desnecessária agressão ao contribuinte brasileiro, já submetido a uma carga tributária opressiva e a uma desigual e por vezes impiedosa relação de forças na sua convivência com os poderes públicos.

            Sr. Presidente, é esta a mensagem que trago à tribuna para colaborar com um chamado de atenção de nossas autoridades do Legislativo no sentido de não deixar passar essa arbitrariedade que, tenho certeza absoluta, nunca aconteceu no País. Nem no tempo da chamada ditadura nós tivemos em nosso País o confisco por conta de fiscais.

            Então, fica aqui este registro. Peço a todos Srs. Senadores que olhem com muita responsabilidade e atenção para este projeto do Governo.

            Encerrei o meu pronunciamento, mas quero fazer um registro aqui, Sr. Presidente.

            Hoje de manhã, parece que na Câmara... Lá no meu Estado, tenho relacionamento muito bom com todos os políticos; seja lá de que partido for, me relaciono muito bem.

            Mas, hoje de manhã, fui surpreendido - e não gosto de ficar calado quando acho que é injustiça - e tentei falar com o vereador chamado Luisinho, que é do PT. Senador Mão Santa, V. Exª está até no meio dessa.

            Luisinho, do PT. Eu o conheço bem, tenho ótimo respeito por ele, mas por telefone um radialista tentou me entrevistar para ver se tinha ocorrido o que ele falou na tribuna: que o Senador Papaléo e o Senador Mão Santa - V. Exª está no meio e vai ter que se defender - votaram pelo congelamento do ordenado dos funcionários públicos durante dez anos. Eu não me lembro de que nada disso tenha passado por aqui. Nem discussão houve disso aqui.

            Então, ele foi afirmar isso. Tentei falar com ele para dizer: “Olha, rapaz, eu sou funcionário público. Eu sou funcionário público e sempre defendi os funcionários públicos, seja ele federal ou estadual, legislativo ou executivo. Como é que eu vou votar...?”. Isso seria uma imbecilidade que eu quero repassar para a análise do Sr. Vereador Luizinho, do PT, de Macapá, uma imbecilidade da minha parte. E eu tenho certeza de que não sou. Que ele analise essa questão e veja se isso se enquadra na cabeça de alguém.

            Então, quero deixar bem claro, Senador Romeu Tuma, que jamais faria isso. E ainda meteram o Senador Mão Santa no meio, para tentar reforçar essa situação.

            Mas, da mesma forma, eu era da base do Governo. Era do PMDB, quando vieram votar a reforma da previdência aqui. E quando foi constatado, por uma análise técnica que foi feita, que o Estado do Amapá perderia 5% do que para lá ia através dos salários dos aposentados e dos pensionistas, eu e V. Exª, Senador Mão Santa, votamos tudo “não”, tudo contra. V. Exª também era da base. Nós votamos contra, ou seja, contra o absurdo que o Governo fez aprovar aqui dentro, votamos a favor do povo, dos nossos aposentados e dos nossos pensionistas.

            Então, só para justificar. Acho que é um assunto que precisa ser falado aqui.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado, Srs. Senadores.


Modelo1 5/8/2412:35



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2010 - Página 10355