Discurso no Congresso Nacional

Comemoração dos 15 anos da implantação do Plano Real.

Autor
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Comemoração dos 15 anos da implantação do Plano Real.
Publicação
Publicação no DCN de 08/07/2009 - Página 2526
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PLANO, REAL, DEPOIMENTO, VIDA PUBLICA, ORADOR, EX SENADOR, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REGISTRO, HISTORIA, ESTABILIZAÇÃO, MOEDA, IMPORTANCIA, INSTITUCIONALIZAÇÃO, BRASIL, BENEFICIO, DEMOCRACIA, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, CONTROLE, INFLAÇÃO, AGRADECIMENTO, COLABORAÇÃO, GRUPO, ECONOMISTA, AUTORIDADE, PROCESSO, IMPLANTAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, REFORMA BANCARIA.
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, CULTURA, CONDUTA, ETICA, BRASILEIROS, AMPLIAÇÃO, INTERESSE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DEFESA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, PRIORIDADE, MODERNIZAÇÃO, METODO, ENSINO, GARANTIA, ASSIDUIDADE, ALUNO, IMPORTANCIA, FORMAÇÃO, POUPANÇA, INVESTIMENTO PUBLICO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

     O SR. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - Muito obrigado.

     Sr. Presidente do Senado e do Congresso Nacional, Srs. Governadores aqui presentes, Srs. Líderes de vários partidos, de Governo e de Oposição, Srs. Senadores, Deputados, senhores e senhoras que aqui se encontram, eu devo confessar que é com emoção que venho a esta tribuna.

     A primeira vez que subi a esta tribuna foi já há muito tempo, em 1983. Nela falei então como Senador de Oposição. Naquela época, o Senador Sarney lembrar-se-á, nós mal jurávamos a Constituição e dizíamos, em seguida, que faríamos tudo para mudá-la, porque não a respeitávamos porque ela tinha sido imposta. Era dessa forma que os oposicionistas começavam

a sua fala em um momento em que a esperança de mudança ainda era escassa.

     Assumi esta tribuna mais tarde como Líder. Fui Líder indicado pelo Presidente Tancredo Neves e mantido pelo Presidente José Sarney. Fui Líder do Governo aqui nesta Casa. Fui Líder do PMDB, partido ao qual, então, estava filiado. Fui Líder do PSDB. E a última vez que aqui falei foi para me despedir do Senado, porque eu havia sido eleito Presidente da República. De modo

que, para mim, não é fácil voltar a esta tribuna sem sentir emoção, sem me recordar de momentos importantes na luta pela Diretas, que aqui foi travada, de momentos nos quais nós todos nos emocionamos, quando assistimos ao então Senador Tancredo Neves se despedir

do Senado, sem ter, infelizmente, podido ser efetivamente Presidente da República, mas tendo, naquele momento, aberto um horizonte de esperanças.

     Foi aqui também - e mais apropriadamente no plenário da Câmara dos Deputados - que pude seguir e participar da formação desta nova mentalidade no Brasil, que está consubstanciada na nossa Constituição.

     Eu tenho pouco a acrescentar - se é que há alguma coisa - a tudo que já foi dito aqui. Mas eu creio que nós devemos começar sempre reconhecendo que o novo Brasil começou a ser construído naquele período e que a Constituição de 1988, seja qual seja o pormenor do qual possamos discordar, é um marco, porque é um marco não só de fortalecimento da democracia, como é também um marco de aspiração de um Brasil melhor.

     Quantas vezes muitos de nós nos lastimamos pela incongruência entre os propósitos dados ao País pela Constituição e a falta de meios para realizá-los? Não obstante, não fossem aqueles propósitos, possivelmente nós não teríamos assistido à possibilidade de uma mobilização da sociedade civil, como nós a assistimos, já nos anos 80, mas, sobretudo, durante a elaboração da Constituição, com a presença ativa de vários setores, quando foi tomada uma decisão que permitia emendas feitas por pessoas que não tinham mandato parlamentar. Isso foi uma pequena revolução, e, certamente, aqui no Prodasen, nós teremos arquivado as aspirações dos brasileiros, as mais desencontradas, as mais generosas, as mais limitadas, mas o Brasil todo sonhou com um novo momento. Na verdade, o que nós discutimos hoje foi uma parte da construção deste novo momento.

     Há alguns anos, eu li um livro que me impressionou profundamente. O livro era nada mais, nada menos que de José Bonifácio de Andrada e Silva. Os azares da vida me tornaram membro da Academia de Ciências de Lisboa. José Bonifácio foi secretário perpétuo da Academia de Ciências de Lisboa. E, quando fui fazer o meu discurso - de improviso, na verdade, porque eu nem sabia que era para receber essa honraria lá em Portugal -, eu fui reler alguma coisa de José Bonifácio. E o livro dele chama-se Projetos para o Brasil. Basta lê-lo para que nós possamos sentir a responsabilidade histórica da construção de uma nação.

     Na verdade, o que nós conversamos nesta manhã,

aqui, foi sobre um momento de construção da nação. A nação não se constrói em um governo. Não é uma pessoa que faz a nação. É uma história, é uma memória, é uma aspiração, é um futuro que se delineia. Quem for ler o livro de José Bonifácio verá que ele ainda tem atualidade. Ele lutava pela abolição da escravatura, acabar com o analfabetismo. Nós ainda hoje lutamos. E uma das coisas que me deu prazer, satisfação, quando fui Presidente, foi que, pela primeira

vez, foi possível, realmente, abrir as escolas para todas as crianças em idade escolar - quando se diz todas, são 97% ou 98%; é assim no mundo todo. Mas essa é uma luta que vem lá de trás.

     Foi dentro dessa perspectiva que eu vim, nesta manhã muito agradável, muito emocionado, ouvi-los e, junto com vocês, com os senhores, com V. Exªs - não sei qual tratamento preferem -, junto com todos aqui presentes, rememorar o que foi um desses momentos de fortalecimento do País, da Nação.

     O Governador Aécio Neves disse com propriedade: possivelmente, o ator fundamental do processo pelo qual nós logramos a estabilização foi o povo brasileiro. Era visível, naquela altura, o cansaço com a inflação. Era tão visível, que oito planos foram tentados para segurar o processo inflacionário, para destruir os mecanismos de reposição da inflação. O País aspirava

por alguma coisa, de modo que, não fosse essa compreensão e, digo mais, não fosse também - e isso não é para, simplesmente, gabar - o fato de que mídia brasileira entendeu o momento e o processo, teria sido quase impossível que um invento brilhante, mas extremadamente complexo, como era a URV (Unidade Real de Valor), fosse aceito e entendido e praticado pelo povo brasileiro.

     Foi muito importante que houvesse essa mobilização da sociedade em função da necessidade de que nós alcançássemos para o País um outro patamar. Mas também é de justiça dizer que, se não tivesse havido a determinação firme do Presidente Itamar Franco de me manter como Ministro, não teria sido possível a existência do Plano Real.

     O Presidente Itamar Franco tomou a decisão de me transformar de Ministro do Exterior, para o que eu tinha talvez alguma capacitação, em Ministro da Fazenda, para o que eu tinha muito pouca capacitação. Tomou essa decisão contra a minha opinião, porque eu queria a manutenção do então Ministro - que está aqui presente, com muita honra para todos nós -, que acreditei que já estava fazendo um esforço importante.

     O Presidente Itamar tomou a decisão, sabe Deus movido por quê. Eu lá fora, feliz da vida, Ministro do Exterior, volto ao Brasil e, como se fazem as coisas no Brasil, no mesmo dia em que cheguei aqui, assumi o Ministério e tive que fazer um discurso à tarde dizendo o que ia fazer. Eu disse que ia tentar resolver três problemas no Brasil: o primeiro era a inflação, o segundo era a inflação, o terceiro era a inflação. E eu não sabia como resolvê-la.

     Para resolver, foi necessário juntar esse grupo de economistas então jovens, apesar dos cabelos brancos de alguns já naquela época, mas então jovens, muitos dos quais aqui presentes - não preciso citá-los uma vez mais -, e devo citar alguns outros que não puderam estar aqui, o André Lara Resende, o Pérsio Arida, o Pedro Malan, e outros que não eram economistas, mas que trabalharam muito e com muito afinco para que fosse possível criar um clima que permitiu a realização daquela operação de transformação da economia brasileira, como Clóvis Carvalho, que era uma espécie de mestre-escola que obrigava todos a trabalharem - não a trabalharem, mas a não mudarem de ideia.

     Os economistas que se juntaram para fazer o Plano Real, como toda gente sabe e reconhece, são brilhantes, mas são inconstantes, e a cada momento tinham novas ideias. Também, digamos a verdade, qual de nós não tinha medo das ideias que nós próprios propúnhamos? Havia um certo receio que levava a mudar de novo de ideia e que levava sempre a postergar a decisão. É nesse ponto que a ação do Presidente Itamar Franco e a minha puderam ser de alguma valia, para que os planos pudessem funcionar.

     Isso tudo, Sr. Presidente José Sarney - V. Exª se lembrará bem -, foi feito no âmbito da democracia, para a qual V. Exª contribuiu no seu período de tolerância como Presidente da República, aqui nesta Casa e lá no Palácio do Planalto.

     Tudo isso foi feito claramente, debatido, explicado, brigado aqui no Congresso Nacional. Foi um Plano que é fruto da democracia. Por isso, comecei pela Constituição e pela luta democrática.

     Eu me recordo muito bem que, em uma reunião no gabinete do Ministro da Fazenda, em São Paulo, eu creio que o Persio Arida sugeriu que poderíamos fazer algo com mais clareza e simplicidade. Eu o apoiei imediatamente e assumi a bandeira de que era preciso explicar tudo. Não era fácil, porque a tradição que havia até então era a de que os planos eram feitos na calada da noite e depois publicados no Diário Oficial, informando que no Brasil havia mudado tudo. E a população não sabia o que, nem pra que, nem por quê.

     O Plano foi feito com certa reserva, como todo plano. Mas, a partir de determinado momento, houve uma pregação para explicar o que nós faríamos. Quais seriam os passos e quais seriam as consequências. Por que era necessário? Por que a inflação corroía a possibilidade de os pobres sobreviverem e acumulava riqueza na mão daqueles que já são ricos? Mobilizar a sociedade foi um processo democrático de envolvimento da sociedade e de luta no Congresso. Não importa que alguns - muitos, talvez - tenham discordado, que se tenham enganado, que tenham proposto slogans absolutamente insensatos. Mas foi bom que houvesse isso. Houve o contraditório.

     Eu chamei cada dirigente sindical ao meu gabinete, cada um deles, e expliquei o que iria acontecer. Alguns se surpreendiam porque a URV corrigiria os salários no dia a dia. Essa era uma velha aspiração dos trabalhadores. Mas não podiam concordar por razões políticas. Embora, na conversa comigo, não tivessem argumentos para dizer que realmente o Plano

era contra os trabalhadores, davam as declarações dizendo que o Plano era contra os trabalhadores. Isso passa. O que não passa é o resultado. E os trabalhadores perceberam logo que houve uma melhoria na condição de vida. Assim como houve no caso do Plano Cruzado, quando a redução da proporção de população que estava abaixo da linha de pobreza caiu. Voltou

depois, porque voltou a inflação. Com o Real, ela caiu e continuou caindo. Caiu persistentemente. Digamos, de 38% para, atualmente, deve ser coisa de vinte e poucos por cento. Continuou caindo. Mas, no primeiro momento, deu a sensação de alívio para a população, que apoiou, obviamente, o Plano, e não é por outra razão que fui eleito Presidente da República, sem ter uma carreira política de expressão que justificasse uma eleição tão rapidamente.

     Em seguida, é preciso também deixar bem claro que não apenas aquela equipe de técnicos teve um papel bastante fundamental, mas eu devo reconhecer também, e de público o faço, que quando eu saí do Governo para ser candidato a Presidente da República, e só o aceitei porque me convenci de que se eu ficasse no Ministério não haveria o Plano, porque não haveria

candidatura apoiada pelo Presidente da República, e o candidato opositor na época era contrário - talvez ele mudasse já naquela época, não sei, mas era contrário -, eu então me decidi ser candidato a Presidente da República. O Presidente Itamar Franco teve o sentido que ele tem com frequência, intuitivo, de escolher um bom sucessor, o Ministro Ricupero, que foi aquele que

realmente continuou na pregação e que permitiu que houvesse, realmente, a inculcação, se posso dizer assim, o contágio na sociedade daquelas ideias que nós queríamos propagar.

     É de justiça também dizer que o Ministro Ricupero foi substituído pelo então Governador Ciro Gomes. Da mesma maneira, foi uma intuição do Presidente Itamar Franco. Ciro Gomes, naquele momento, como estávamos em eleição, tinha um significado político. De modo que não se trata apenas de alguém, uma pessoa no momento; é um conjunto de pessoas, em vários momentos.

     Uma coisa é o que se fez no ano de 1993, 1994 e 1995. Em 1993 porque, para fazer o Plano Real, nós fomos preparando, de antemão, como toda gente sabe, a renegociação da dívida externa. Foi um trabalho enorme. Isso se deveu ao Pedro Malan, a André Lara Resende e, antes dele, a Sérgio Amaral e a tantos outros mais que negociaram a dívida. Mas, em outubro de 1993, fui a Toronto, no Canadá, para assinar uma negociação com setecentos bancos. O Ministro Eliseu Resende deve se lembrar muito bem disso, porque ele fez algo semelhante, ainda no Governo Itamar Franco, como Deputado: a renegociação da dívida do setor elétrico no Brasil. São processos complexos, são processos difíceis, mas que são necessários, são pressupostos

para possibilidade de se organizar o País. Fizemos as negociações em 1993. Já em 1993, começamos a renegociação da dívida dos Estados. O que o Ministro Dornelles, o Senador Dornelles disse aqui - e eu agradeço as palavras dele -, com muita precisão, é que nós vivíamos numa época em que os governos estaduais tinham bancos emissores de dívida, portanto, inflacionários, e não havia como frear isso. Renegociamos as dividas de cada Estado, de cerca de 150 Municípios.

     Tudo isso, e o Congresso Nacional? Quantas vezes foi necessário mudar a Constituição? Não fosse o Congresso Nacional ter entendido, e talvez não fosse o fato de eu, na época, ser Senador e, portanto, poder falar com muita clareza e liberdade diretamente com os Congressistas, talvez não tivesse sido possível fazer as transformações. Foram feitas. Isso é o

passado. Não vou seguir passo a passo porque seria completamente descabido. Já muitos o fizeram. Isso é o passado. Não é o suficiente.

     A estabilização da moeda é uma coisa. Há outros processos a serem avançados. O crescimento da economia requer estabilidade. Não é suficieAnte. Aqui, eu acho que alguém já mencionou também o fato de que, durante os oito anos em que governei, apenas em dois anos não houve crise. Todas elas, como se diz hoje, vieram do exterior. Todas elas. Mas todas elas atrapalharam o crescimento da economia, como atrapalham agora. No ano passado, conseguimos crescer 5%, coisa que nos entusiasmou. Este ano, estamos felizes com zero. Caímos 5%. Por quê? Porque o Brasil errou ou o Governo do Presidente Lula se equivocou? Não. É porque houve uma crise externa. Então, o crescimento da economia não depende apenas da estabilidade nem depende exclusivamente de decisões que são tomadas pelos governos. Depende dos ciclos econômicos, depende da situação internacional. Há uma série de variáveis que interferem no processo de crescimento da economia. Mas, sem dúvida alguma, é ambição legítima do povo brasileiro não só ter estabilidade como ter crescimento e ter distribuição de renda.

     É verdade o que se disse aqui: o processo de estancar a inflação em si mesmo já ajuda na questão de melhorar o nível de vida da população, mas não é suficiente, porque nossas desigualdades são muito grandes e são necessárias medidas de proteção, uma rede de proteção social, como as bolsas - agora, o Bolsa Família, que engloba todas essas bolsas. E os resultados aí estão. Os benefícios sociais que o Brasil hoje pode oferecer e sua população desfrutar derivam

de um conjunto de políticas. Algumas são antigas, como, por exemplo, a aposentadoria dos trabalhadores rurais; por exemplo, a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas); por exemplo, o aumento continuado do salário mínimo, como aqui foi dito pelo Senador Mercadante, e é verdade, que começou no Governo Itamar Franco. Começou antes, mas, depois da estabilidade, no Governo Itamar Franco, aumento real do salário mínimo, continuado nesses anos todos. Varia: ora aumenta mais, ora aumenta menos. Depende das circunstâncias. Mas isso tem um impacto muito grande sobre o nível de vida da população. Não são só as bolsas, é o aumento do salário mínimo, é a aposentadoria rural. Enfim, o Brasil foi criando instituições.

     E volto a José Bonifácio: O fundamental para a construção de uma nação é a criação de instituições. O crescimento econômico é necessário, mas é preciso mais do que isso. É preciso criar instituições. E se alguma coisa teve significado que pode ser mais duradouro,

espero que a moeda também, foi o fato de nós termos começado um processo de reformas que gerou novas instituições. Não quero enumerar, mas a imensa quantidade de siglas, algumas aqui já mencionadas - Proer, Copom, Proes, Pronaf, Indep, Indeb, enfim, por aí vai -, é todo um conjunto de siglas que expressam a criação de instituições, ou seja, de práticas que são estabelecidas, rotinizadas, e que têm uma certa perdurabilidade. Também é uma maneira como o Copom, o Banco Central, a autonomia operacional do Banco Central acabam se institucionalizando. Ainda que a lei não diga de forma clara que é uma instituição autônoma, ela tem uma institucionalidade ganha e, por isso, pode exercer a sua ação fiscalizadora e a sua ação corretora, a criação de instituições. Portanto, junto com a reforma monetária, a criação de instituições.

     A reforma do Estado é fundamental. São questões básicas que já foram aludidas por vários aqui presentes que já assomaram a esta tribuna. Além disso, um país, uma nação, para se formar requer certos consensos, certas convergências. Não me refiro a acordos partidários.

     Acordos partidários se fazem e se desfazem, as brigas eleitorais são parte do jogo democrático.

     Refiro-me a alguma coisa que vai além disso. E isso se está fazendo no Brasil. Queiramos ou não, o fato de que todos nós hoje beijamos a cruz, concordamos com a necessidade de certas instituições, de certas práticas, de certas políticas permite-nos olhar para o futuro com mais confiança.

     Um devaneio, Governador; nós somos contrários, mas um sozinho, um apenas, aqui, desvio do curso principal. Um momento muito difícil, 1998, momento extremamente difícil, estávamos ainda em processo eleitoral. Perdão, 2002, agosto de 2002, a situação era muito delicada, porque havia a pressuposição de que o Governo eventualmente a vir a ser eleito, que seria do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, não iria seguir o rumo que tínhamos marcado. Foi necessária uma conversa do Ministro da Fazenda comigo, o Ministro Malan, que me disse: “Do jeito em que vão as coisas, caminhamos para o risco de outra vez uma moratória. É preciso fazer alguma coisa”. Pediu autorização, para enviar alguém, para conversar com o Fundo Monetário Internacional.

     Na hora da decisão, o então chefe do Fundo Monetário Internacional, Sr. Köhler, que hoje é Presidente da Alemanha e com quem mantinha relações - ajudei na eleição dele a pedido do Schroeder, que era o Primeiro-Ministro da Alemanha -, telefonou-me e disse: “Esta semana [foi em agosto, o Fundo Monetário entrava em férias; infelizmente, no mundo do norte é assim: eles entram em férias, não importa a crise] vamos entrar em férias. É preciso decidir esta semana, e estou disposto a pedir ao Conselho do Fundo que autorize a concessão de um empréstimo”. Não me lembro de quanto - trinta bilhões ou algo assim. Esperávamos quinze. Ele disse: “Bom, mas só posso dar esse empréstimo, se o senhor [eu] garantir que seu sucessor vai cumpri-lo [cumprir o acordo]”. Eu disse: “Eu não posso dizer, não posso responder. São vários candidatos. Não posso responder por eles. Agora, posso dizer uma coisa: confio nas instituições brasileiras. Acho que, seja qual venha a ser a ideia de um ou de outro, as forças organizadas do Brasil não vão permitir um comportamento estapafúrdio”. Essa foi a razão pela qual depois pedi a cada um dos candidatos que viesse ao meu gabinete. Mostrei o de que se tratava o acordo; que o acordo não era para 2002; que era para 2003, para garantir a governabilidade do Governo seguinte. E pedi que cada um se manifestasse de público, dizendo que estava conforme aquele pedido.

     Assim foi feito, e o que aconteceu? Veio o Presidente Lula, que cumpre; mais que cumpre, paga com antecipação a dívida que havia sido contraída no Fundo Monetário. Estava eu errado? Não, não creio. Não estava pensando se fulano ou beltrano pensam isso ou aquilo. Estava dizendo: “Olha, o Brasil está se organizando. Há instituições”.

     Então, essa construção de instituições é fundamental para a construção de um país. Esse processo que hoje estamos aqui celebrando é a continuidade. É a continuidade não só do Real, mas das instituições: a primeira, a democracia e suas regras. Em seguida, criar regras dentro do aparelho de Estado; modificar o aparelho de Estado, para que possamos divisar um horizonte.

     Bem, não me quero alongar. Quero dizer, entretanto, poucas palavras na direção do que chamei outro dia de pós-Real. Dado por aceite que a estabilidade está aí e que os governos - e que o Governo do Presidente Lula cumpriu, foi competente em manter as condições para funcionamento da economia brasileira, dentro das regras; dado que está aí, o que falta? E como criar - aí sim - esse consenso a que me referi e que não era acordo político, para que possamos, com firmeza, avançar?

     Hoje, aqui foi dito pelo Senador Mercadante, é verdade, o Brasil é respeitado. O Brasil sempre foi mais ou menos respeitado pelo seu tamanho etc. etc. Mas agora ele é respeitado porque é um país que sabe para onde vai, sabe o que quer e sabe expressar o que quer: está institucionalizado isso.

     Muito bem, o que falta fazer? Falta bastante. Vou falar pouco, mas com sinceridade, como brasileiro, nem mesmo como presidente de partido, de honra que seja, ou Presidente da República, mas como brasileiro: acho que ainda estamos precisando entender-nos um pouco mais sobre que futuro queremos para nós. Eu acho que o futuro que precisamos divisar para o Brasil, como sociedade, é um futuro de mais - vou usar uma palavra talvez não muito adequada - decência, frugalidade, simplicidade.

     O mundo mudou muito. Não podemos continuar com tantos vaivéns, com tanta ostentação, com tanto desperdício, com tanta miudeza. Precisamos de mais frugalidade e decência. São coisas simples, mas difíceis de serem alcançadas e que dependem, basicamente, de comportamento. É cultural, não é institucional só. É cultural, porque a instituição pode estar e não ser respeitada. Tem de haver formas de comportamento que se orientem por valores, e os valores nos estão faltando na firmeza necessária para controlar a conduta e para que possamos produzir uma sociedade mais decente. Nessa mais decente, vai mais igualdade, obviamente.

     Mais do que isso, temos que pensar também sobre que tipo de crescimento queremos, que tipo de desenvolvimento queremos. Talvez eu esteja um tanto influenciado pelas minhas participações na agenda global, mas não estamos dando a devida atenção à questão ambiental; não estamos. Fazemos como em espanhol se diz “Saludo a la bandera” - menciona-se o fato para saudar a bandeira, mas não se toma, no dia a dia, a sério. E o Brasil tem enormes oportunidades, sobretudo na área da energia, sobretudo na área das energias limpas, na área do meio ambiente, de tomar uma posição de vanguarda e fazer o simples que é necessário, porque não há nenhuma contradição no nosso caso - poderá haver em outros países - entre a nossa industrialização e o respeito ao meio ambiente. A nossa indústria moderna trata de respeitar o meio ambiente. Queimamos árvores, isso é inaceitável; isso é passado, é arcaico. Não vale a pena crescer, destruindo dessa maneira; temos que crescer com uma outra visão do que é desenvolvimento, do que é crescimento.

     É difícil? É, mas é uma questão, digamos - assim como foi feito com o Real - de pedagogia. Precisa-se de uma pedagogia a respeito da nova sociedade. Uma nova sociedade, as coisas mais simples, em que, além de toda a arquitetura formal da democracia, tenhamos uma coisa simples: o respeito à lei; em que sejamos iguais, pelo menos no que diz respeito à lei - a lei vale para todos, não há bom e mau [palmas!], não há gente mais poderosa ou menos poderosa, é a lei -; e que se cumpra a lei, com todas as consequências disso. É simples, mas difícil, porque isso é comportamental, e nós precisamos mudar o comportamento.

     Há outras coisas mais que, acho, precisamos e podemos começar a conversar sobre o futuro. Acho - e aqui não é o momento - que nós nunca fizemos, efetivamente, uma revolução educacional. Há locais: há em Minas, há em São Paulo, há no Rio Grande do Sul, há em algumas zonas de Pernambuco, há, em toda parte, movimentos nessa direção. Mas talvez precisássemos, agora, juntarmo-nos todos - e insisto: todos!

     No que consiste essa revolução educacional? Também são coisas simples. Não dá para haver criança... Eu disse aqui, com alegria: todas as crianças estão na escola. Mas ficam três horas, quatro horas... Não dá! No Brasil, as crianças estão na escola, muitas vezes, pela primeira vez: os pais não foram à escola. No mundo oriental, na Coreia, que seja, qualquer deles, a cultura tradicional é doméstica, a família manteve a cultura. Não aqui! São migrantes - vêm para cá, vão lá, no Brasil - que não tinham condições mínimas no passado. Então, a escola precisa dar muito mais que naqueles países, para sermos iguais a eles, porque nossa escola não dá condições efetivas.

     Mas é mais do que isso! Uma das razões de evasão escolar, hoje, sabe qual é? É o desinteresse que uma criança tem pelo que está aprendendo lá. Não está aprendendo nada... Estão repetindo coisas que não têm mais importância... O mundo mudou... Muito! As crianças aprendem depressa entre elas mesmas e através dos meios de comunicação, da Internet... Superam os professores, e a escola se torna desinteressante.

     Bem, não sou especialista em educação. Mas me parece que clamam aos céus - clamam aos céus! - que nós precisamos concentrar-nos nisso. Como também clamam aos céus - e todos sabem - que, no futuro - o futuro que digo é no próximo Governo -, a questão fundamental será, efetivamente, a de fazermos investimentos em infraestrutura. Não é fazer PAC - por mais importante que seja o PAC. É muito mais do que isso; é muito mais do que isso. Quando se veem os números do esforço público para o investimento produtivo, é muito pequeno! E isso não vai existir se não houver poupança, e nós não trabalhamos a formação da poupança. Nós estamos sempre trabalhando o lado da demanda - consumam mais - e cadê o investimento? Para que o investimento possa existir é preciso que haja uma poupança, e poupança não é do pobre. Pobre não tem o que poupar. Poupança é do rico, que não deve gastar tanto e tão mal ou não tem a vocação para transformação empresarial do investimento.

     Disse dois, três, quatro rumos que me parece que precisamos coincidir neles. Vamos brigar nas eleições. Não há como não. Eu não, que estou fora, mas os que puderem vão brigar nas eleições; mas o que nós não podemos é, nessa briga, esquecer do fundamental, que é a formação da Nação.

     Para mim, Sr. Presidente José Sarney - e agradeço as palavras tão generosas que proferiu a meu respeito -, o importante do Real é que ele foi um momento de consolidação da Nação brasileira. E nada me interessa mais do que isto, do que a consolidação da Nação brasileira, criando instituições dignas que permitam uma transparência e que façam com que as pessoas se sintam iguais umas às outras e que possam viver uma vida decente.

     O Real não foi suficiente para isso. As mudanças havidas, e que continuam a haver - eu não sou dos críticos que não reconhecem o que os Governos fazem; seria ridículo de minha parte, seria ridículo; jamais eu pensaria isto - com tudo isto, ainda falta muito. E talvez, Senador Mercadante, as suas palavras tenham sentido. Não devem ser ditas a mim, devem ser ditas a quem pode, e quem pode não sou eu. Quem pode, quem pode dizer “vamos juntos” não sou eu - eu estou por baixo - é quem está por cima. Eu sempre que estive por cima tentei e não consegui.

     Irmos juntos é irmos juntos pelo Brasil, criarmos um clima em que nós, em conjunto, eliminemos as mazelas que ainda estão por aqui - não vou me referir a elas; em conjunto, para que nós possamos, aí sim, levar adiante as transformações com o mesmo espírito de crença - porque eu creio no País -, com o mesmo espírito de luta e com o mesmo espírito aberto e democrático com o que foi possível fazer, graças a todos que fizeram juntos o Plano Real.

     Muito obrigado. Agradeço, realmente, de todo o coração e emocionadamente esta homenagem. (Palmas.)


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