Discurso durante a 47ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a série de debates promovida pelo Supremo Tribunal Federal, acerca da instituição do sistema de cotas raciais nas universidades.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Reflexões sobre a série de debates promovida pelo Supremo Tribunal Federal, acerca da instituição do sistema de cotas raciais nas universidades.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2010 - Página 13314
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, ENCERRAMENTO, DIVERSIDADE, DEBATE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), LEGALIDADE, CRIAÇÃO, SISTEMA, COTA, GRUPO ETNICO, UNIVERSIDADE, POSSIBILIDADE, ESTADO, CLASSIFICAÇÃO, RAÇA, CIDADÃO, INCLUSÃO, LEGISLAÇÃO, ORDEM JURIDICA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PRIORIDADE, MELHORIA, PADRÃO, ENSINO, CRIAÇÃO, POLITICA, AMPLIAÇÃO, PARCELA, JUVENTUDE, POPULAÇÃO CARENTE, CONCLUSÃO, ENSINO MEDIO, GARANTIA, DEMOCRACIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Supremo Tribunal Federal encerrou no dia 5 último a série de debates sobre a instituição do sistema de cotas raciais nas universidades, preparatórias ao julgamento de duas ações contrárias a tal política. Trata-se de uma decisão importante, que determinará se o Estado brasileiro pode classificar racialmente seus cidadãos, e se leis de cunho racial poderão fazer parte das normas jurídicas do País. Ou seja, se desprezaremos as descobertas da ciência genética, os estudos de antropólogos e a nossa própria realidade, em favor de uma visão que mistura perversidade e romantismo, e que poderá ter resultados negativos.

           Em primeiro lugar, quem acredita em raça, como é o caso dos defensores do sistema de cotas, é racista. Há quase meio século, o líder negro norte-americano Martin Luther King, num discurso que se tornou um marco da luta contra o racismo nos Estados Unidos, disse: “Eu tenho o sonho de que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”.

           Martin Luther King defendia o princípio da igualdade de todos perante a lei. Esse princípio elimina qualquer possibilidade de se estabelecer legislação baseada no conceito de raça. Nossa própria Constituição Federal determina, em seu artigo 19, que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O artigo 208, que trata do dever do Estado com a educação, diz que este será efetivado “mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.

           O Brasil é um país de imensas desigualdades, mas não será com uma iniciativa que contraria as mais recentes descobertas da ciência que iremos combatê-las. Não existem raças humanas. De acordo com a genética, as diferenças que costumamos usar para definir uma “raça” resultam de um número insignificante dos 25 mil genes que compõem o genoma humano. É o caso da cor da pele, que depende de menos de 10 genes, e que não passa de uma adaptação evolutiva ao clima em regiões diversas do planeta.

           No Brasil, para se ter uma idéia da confusão em torno do conceito de raça, é só recorrer a um estudo de marcadores de DNA, realizado no ano 2000. De acordo com ele, existiam cerca de 28 milhões de afro-descendentes entre os 90 milhões e 600 mil brasileiros que, na época, se declaravam “brancos”, e entre os 76 milhões e 400 mil que se consideravam “pretos” ou “pardos”, 20 por cento não tinham ancestrais africanos.

           Na prática, essa confusão resultou em situações absurdas, como a de irmãos gêmeos idênticos serem considerados de “raças” diferentes, por “comissões de certificação racial” de universidades, em Brasília e no Maranhão. Candidatos que recorreram ao sistema de cotas foram classificados como “brancos” por uma universidade e “negros” por outra, em várias cidades brasileiras.

           Uma lei instituiu o ensino da história da África nas escolas públicas e privadas do ensino básico, em 2003. A iniciativa é meritória, pois a cultura africana está impregnada na cultura brasileira. O problema reside na sua regulamentação, por uma diretriz curricular. Nela, revela-se o propósito de fazer com que os alunos aprendam que a democracia racial é um mito, e os brasileiros não são cidadãos iguais, mas diferenciados pela raça. Há brancos opressores e negros oprimidos. Se queriam incitar o ódio racial onde ele não existe, os autores da diretriz atingiram seu objetivo. Eles ensinam que a existência de uma identidade humana universal é um equívoco.

           Políticas educacionais ancoradas em critérios raciais foram julgadas inconstitucionais pela Suprema Corte dos Estados Unidos. No julgamento, o juiz John Roberts Junior escreveu em seus argumentos que “o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é acabar com a discriminação baseada na raça”.

           Exatamente o oposto do que dizem os defensores do sistema de cotas - o que eles querem é, sob a alegação de que o racismo produz desigualdade, instituir rótulos raciais, oficializando a discriminação.

           Poucas coisas se igualam, em termos de absurdo, à pretensão de instituir a separação entre raças num país marcado por uma ampla miscigenação entre europeus, africanos e indígenas. Mistura que se difunde a cada dia, como comprova a detecção, pelos últimos censos, do aumento do número de casamentos mistos.

           Um manifesto entregue em 2008 ao então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que recebeu mais de 4 mil assinaturas, entre as quais as de intelectuais e artistas, vai ao fundo da questão, numa frase curta e simples: A pobreza no Brasil tem todas as cores. Brancos, negros, mulatos, índios, todos estão entre os pobres deste país. Seus filhos estudam em escolas das periferias urbanas, das favelas e do campo, todos em condições igualmente precárias. Os índices de repetência são altos, e a qualificação dos professores está longe, bem longe do ideal.

           Não passa pela cabeça dos apologistas das cotas que a prioridade deveria ser elevar o padrão do ensino, criar políticas adequadas para que não seja tão pequena a parcela de jovens pobres que conclui o ensino médio. Para melhorar e democratizar a educação não é preciso que ninguém se defina pela cor da sua pele.

           Muito obrigado.

           Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2010 - Página 13314