Discurso durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento de Pedro Yamaguchi Ferreira, vítima de afogamento no Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento de Pedro Yamaguchi Ferreira, vítima de afogamento no Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2010 - Página 26563
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ADVOGADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, VIDA PUBLICA, TRABALHO, DIOCESE, MUNICIPIO, SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), LEITURA, TRECHO, CARTA, DEPOIMENTO, EXPERIENCIA, CONTRIBUIÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, BUSCA, RECUPERAÇÃO, DETENTO.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para encaminhar. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Papaléo Paes, prezado e agora Presidente da sessão, Senador Paulo Paim, prezados Senadores, Senador Cristovam Buarque, queridos estudantes da Escola Vila Nova, eu vou aqui lhes falar a respeito de um jovem que certamente constitui um exemplo para todos os jovens, meninos e meninas do Brasil.

            Pedro Yamaguchi Ferreira, nascido em 11 de abril de 1983, era graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2007. Nos últimos três anos, ele havia participado ativamente da Pastoral Carcerária. Em fevereiro passado, Pedro resolveu dedicar um tempo de sua vida para um trabalho em São Gabriel da Cachoeira, no norte da Amazônia, com 109.185 quilômetros quadrados, onde moram 41.885 pessoas, segundo o IBGE de 2009.

            Lembro que São Gabriel da Cachoeira é o terceiro Município de maior área no Brasil. O primeiro é Altamira, no Pará, com 159.696 quilômetros quadrados; o segundo é Barcelos, na Amazônia, com 122.476 quilômetros quadrados, e em terceiro é São Gabriel da Cachoeira, com 109.185 quilômetros quadrados. Desses quase 42 mil habitantes de São Gabriel da Cachoeira, de cada dez habitantes, nove são indígenas. É o Município brasileiro com maior número de indígenas e foi o primeiro município a escolher prefeito e vice-prefeito indígenas nas últimas eleições, em 2008, Pedro Garcia e André Baniwa.

            Ao se despedir de seus familiares e amigos em São Paulo, em fevereiro último, Pedro Ferreira escreveu a seguinte carta:

Como alguns sabem, estou indo no final do mês morar na Amazônia, para trabalhar como advogado numa experiência missionária com a diocese de São Gabriel de Cachoeira, cidade localizada na região conhecida como Cabeça do Cachorro, Estado do Amazonas.

Essa decisão é fruto de um antigo desejo de viver mais profundamente na realidade social de nosso País, de sentir na pele o que as pessoas mais simples e esquecidas sentem. A partir dessa partilha, colaborar para a transformação da realidade.

Um pouco dessa verdade nua e crua eu percebi nos três anos em que estive na Pastoral Carcerária. Ali pude sentir que o Brasil do papel e dos direitos da Constituição ainda está léguas do que acontece para o cidadão pobre e miserável, mesmo no Estado mais rico do País, que é São Paulo. Nossa riqueza ainda é pouquíssima distribuída. E os efeitos que disso decorrem são tristemente sentidos. Gandhi diz: “Temos de nos tornar na mudança que queremos ver”. Ou, você deve ser para o mundo aquilo que você quer que o mundo seja. Acho que esse sentimento resume minha decisão. Enfim, gostaria de dividir com vocês esse momento em poder renovar a amizade e a esperança.

E aqui fecho aspas dessa primeira carta de Pedro Yamaguchi Ferreira.

            Conforme relato do Bispo D. Edson Damian, da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, logo que chegou, Pedro percorreu as ruas da cidade, todas elas. Ao final da tarde, viu rapazes jogando futebol e pediu para entrar no time. Como jogava muito bem, Presidente Paulo Paim, convidaram-no para ser o camisa dez e o capitão do time Boa Esperança. Começaram a tratá-lo de doutor, mas logo pediu que o chamassem de você, de Pedro. Quis logo conhecer a cadeia. Ficou impressionado com a história de cinco jovens que estavam presos há quatro ou cinco anos, por pequenos crimes, sem julgamento, e foi conversar com a juíza. Ponderou ao Bispo da Diocese e à juíza que, como a Diocese estava construindo uma casa e precisava de operários, eles poderiam ser contratados para realizar a construção. A juíza concordou. Ele então transmitiu aos jovens que era importante que não cometessem qualquer crime.

            Na Rádio Comunitária de São Gabriel, Pedro resolveu organizar um programa de samba, pois gostava muito de música brasileira.

            Ali ele selecionou as músicas mais diversas, desde o samba até o rap. Foram músicas desde Mano Brown, Racionais MCs, as músicas cantadas por Elis Regina, por alguns dos maiores cantores de compositores brasileiros.

            Em 21 de abril passado, Pedro descreveu da seguinte maneira esses episódios numa carta a sua família:

Ontem, livramos cinco moleques presos por furto. Fui com o oficial cumprir os mandatos na delegacia, trouxe os cinco pra falar com a juíza e eu, levei cada um na sua casa, falei com cada família. Todos terão emprego na Diocese, farão tratamento de álcool e drogas. Disse a eles que, se em última instância, precisarem de dinheiro pra comprar drogas, que nos procurassem, mas não cometam crimes. Aqui vejo eles sem aquela malícia da malandragem dos grandes centros. São moleques ainda, de bom coração, de boas famílias, mas que as drogas e o álcool desestabilizaram, que mal faz isso aqui. E ainda são contra a legalização da maconha, antes um cigarro para tranquilizar que uma latinha e uma cachaça para deixar muito louco. Faço pastoral toda quarta-feira, visito os familiares dos presos na casa, tenho passado nos supermercados pedindo ajuda pra doarem alimentos pra essas famílias, eles estão doando. Existe pobreza aqui, falta comida apesar que ainda o índio sabe viver com pouco é menos forte do que pro branco, pro cara da cidade. (sic)

O futebol continua, o rio está cheio, acabou-se a praia. O programa na rádio tá firme. D. Edson tá para as comunidades do interior. Tem cada mulher bonita aqui, mas vou só no sapatinho, devagar. Ainda desejo viver um tempo numa comunidade, algo mais profundo. Falar só a língua deles, na roça, tomar banho no rio. Aqui é cidade e nada disso fazemos. Um dia ainda farei pra me sentir mais próximo.(sic)

            Pedro Yamaguchi Ferreira estava efetivamente aprendendo a língua dos índios.

            Pedro era um jovem alegre, desprendido, com altos valores morais e éticos. Colocava em prática o que aprendera com seus pais, sacerdotes e bispos, e com seus amigos.

            Na última terça-feira, Senador Cristovam Buarque, Pedro foi tomar banho no rio Negro, que, nesta época, por causa da chuva, é muito cheio, com corredeiras fortíssimas. Embora nadasse muito bem, infelizmente a correnteza o pegou, e só foi achado morto ao meio-dia da quinta-feira passada, a 40 quilômetros de onde havia entrado no rio, após buscas realizadas por seu pai, o Deputado Paulo Teixeira, com ajuda de barcos do Exército brasileiro, comandados pelo Coronel Caminha, e do Corpo de Bombeiros da Amazônia, da Marinha e da FAB.

            Na sexta-feira, a Catedral da Sé lotou de amigos, de admiradores, para assistir as missas de despedida, celebradas por D. Odilo Scherer, Cardeal de São Paulo; os Bispos D. Edson Damian, D. Angélico Sândalo, D. Fernando Legal; o Pe. Júlio Lancelotti, o Pe. Rosalvino, o Pe. Valdir, da Pastoral Carcerária, e outros 20 sacerdotes. Cada um desses bispos e sacerdotes deram o seu depoimento sobre o que haviam conhecido desse rapaz. E foi também dada a palavra a Alice, sua mãe, que disse a todos: “Pedro estava muito feliz. Ele viveu 100 anos em 27”.

            Em sua última mensagem a seus pais, conforme contou o Deputado Paulo Teixeira, já na missa de sábado... Senador Cristovam Buarque, aconteceu que, como haviam achado o corpo ao meio-dia de quinta-feira, então, o Deputado Paulo Teixeira - que contou com a cooperação das autoridades do Governo, inclusive para que pudesse transportar o corpo de seu filho - e o Bispo Edson Damian, da Amazônia, de São Gabriel da Cachoeira, que veio para São Paulo acompanhar os serviços de homenagem a Pedro Ferreira, relataram que foi realizada uma missa de corpo presente em São Gabriel da Cachoeira, que reuniu todos os amigos que Pedro havia tido, inclusive todos aqueles do seu time de futebol. Todos foram à missa dele se despedir. Entregaram ao pai, o Deputado Paulo Teixeira, a camisa número dez, assinada por todos eles. Prestaram uma bonita homenagem todos os seus companheiros da Pastoral Carcerária lá de São Gabriel da Cachoeira, assim como todos os seus colegas e amigos da Pastoral Carcerária de São Paulo estavam presentes, tanto na missa de sexta-feira, pois se esperava que pudesse chegar o Deputado Paulo Teixeira, acompanhado de Pedro, infelizmente, já falecido. Mas, como só pôde chegar muito tarde, à noite, então, no sábado pela manhã, às oito horas, houve nova missa na Catedral da Sé, celebrada por D. Odilo Scherer, o Cardeal Arcebispo de São Paulo, com todos esses sacerdotes e bispos que mencionei. Todos ficaram extremamente comovidos e solidários àquela família.

            Em sua última mensagem a seus pais, conforme contou o Deputado Paulo Teixeira na missa da Catedral da Sé, no sábado, ele escreveu no Twitter: “Estou com muitas saudades. Mas estou feliz.”

            A vida de Pedro, a sua peregrinação em busca da justiça e da paz é um belo exemplo, uma luz que poderá ser seguida por tantos outros jovens no Brasil.

            Hoje, na Catedral da Sé, às 18h, será realizada missa de 7º dia em memória de Pedro. Que as orações de todos nós contribuam para confortar os seus familiares: seu pai, o Deputado Paulo Teixeira; sua mãe, Alice; seu irmão, suas irmãs e a sua legião de amigos.

            Meu grande abraço ao Paulo, à Alice, à Ana Maria, ao Caio, à Laís, à Manuela, à Júlia Yamaguchi Ferreira e a todos os amigos de Paulo Teixeira.

            Eu expliquei ao Paulo que eu, que já estive nas missas de sexta e sábado, hoje estaria aqui, na tribuna do Senado, falando sobre Pedro, porque, na minha avaliação, ele constitui um exemplo formidável para os jovens de todo o Brasil.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2010 - Página 26563