Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de implementação, em âmbito global, de um programa de transferência de renda condicionado, no qual os beneficiários realizassem atividades que contribuíssem para a melhora de suas próprias condições de vida, registrando a participação de S.Exa., como palestrante, em seminário da Associação Mundial em Defesa da Renda Básica da Cidadania, no qual sustentou a mesma tese.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Defesa de implementação, em âmbito global, de um programa de transferência de renda condicionado, no qual os beneficiários realizassem atividades que contribuíssem para a melhora de suas próprias condições de vida, registrando a participação de S.Exa., como palestrante, em seminário da Associação Mundial em Defesa da Renda Básica da Cidadania, no qual sustentou a mesma tese.
Aparteantes
José Nery.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2010 - Página 32373
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CONFIRMAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, SEMINARIO, ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL, RENDA MINIMA, CIDADANIA, DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, PROGRAMA, TRANSFERENCIA, RENDA, CONDICIONAMENTO, EXIGENCIA, CIDADÃO, REALIZAÇÃO, ATIVIDADE, CONTRIBUIÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • ANALISE, CRISE, NATUREZA FINANCEIRA, NATUREZA ECONOMICA, NATUREZA SOCIAL, IDEOLOGIA, MEIO AMBIENTE, MUNDO, DEBATE, PROPOSTA, INTEGRAÇÃO, SOLUÇÃO.
  • CRITICA, FALTA, QUALIDADE, ENSINO, BRASIL, PRECARIEDADE, INFRAESTRUTURA, ESCOLA PUBLICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente Mão Santa, eu venho aqui, dando continuidade a uma fala do Senador Suplicy, para lembrar um seminário que está sendo realizado em São Paulo, da Associação Mundial em Defesa da Renda Básica da Cidadania, como chama o Senador Suplicy, ou Associação Mundial da Renda Mínima Garantida a Todos, ou ainda - eu prefiro chamar, embora não seja o nome, mas a intenção da entidade - de Associação Mundial das Transferências de Renda com Finalidades Sociais.

            Amanhã à tarde, eu vou estar nesse seminário - não pude estar presente hoje - para apresentar a ideia que venho debatendo em alguns lugares, Senador Mão Santa, de que esta crise que nós vivemos - na verdade, são cinco crises, como eu coloco - tem como um dos caminhos para ser resolvida um intenso programa mundial de transferência de renda, mas com um detalhe: transferência de renda condicionada a exigir de quem recebe a renda um trabalho que produza o de que essa própria pessoa pobre precisa.

            Uma coisa é a transferência de renda pura e simples; outra coisa é a transferência de renda condicionada. Por exemplo, uma coisa é pagar a uma família uma renda mensal; a outra é pagar exigindo que ela tenha seus filhos na escola. Uma coisa é transferir uma renda para as famílias, como a própria previdência rural faz. Isso é uma transferência de renda positiva, socialmente, do ponto de vista assistencial; a outra é transferir a renda, exigindo que a família que recebe pinte sua casa, melhore sua casa, ajude a colocar água, esgoto, que colete o lixo. 

            Há diversas formas de fazer a renda ser transferida de maneira condicionada. Eu prefiro chamar de maneira produtiva: a renda não servir apenas para o consumo, para comprar comida. A renda serve para comprar comida, mas a renda serve para que a pessoa produza alguma coisa.

            A minha ideia é que essa grande crise em que, como eu disse, há cinco crises nela pode ser resolvida, em nível mundial, por um grande programa de transferência de renda condicionada. Da mesma maneira, nos anos 30 do século passado, saímos da crise através do papel do Estado transferindo renda, por conta dessa ideia do keynesianismo social, para que as pessoas pudessem comprar no mercado, como fez Getúlio Vargas, café e queimar café. Não era produtivo, porque se era para queimar, não era produtivo.

            Da mesma maneira que deu certo, naquela época, comprar café para queimar, hoje, pode dar certo pagar para criança estudar. Hoje, pode dar certo pagar para que haja água e esgoto na casa, pagar para que sejam suas casas bem cuidadas, pintadas, reformadas. Isso é o que eu venho chamando, Senador Nery, de keynesianismo produtivo, social e ecológico. Porque uma das transferências de renda seria transferir renda exigindo, por exemplo, a plantação de árvores, ou o tratamento dos resíduos para que não caiam no rio. A ideia é, por exemplo, contratar as famílias que moram na beira do rio para que elas não deixem que o rio seja sujo. Eu estou defendendo isso e vou levar amanhã para esse seminário de que o Senador Suplicy é o grande patrono no Brasil, da Associação Mundial de Renda da Cidadania, analisando as cinco crises que a gente vive aqui hoje.

            Todo mundo fala de uma crise, que é a financeira. A crise financeira é a simples manifestação de outras crises, como a econômica. A economia começa a não vender seus produtos, aí os compradores começam a receber financiamentos fáceis, endividam-se para comprar os produtos. Retoma-se a economia, mas as finanças quebram. E o Senador Mão Santa tem sido aqui, ao longo de quatro, cinco anos, um dos que falam no endividamento do brasileiro. E critica e denuncia que um dia isso vai explodir. Mas essa crise financeira, ela está agarrada à economia. As pessoas pedem emprestado para comprar os produtos. E se não fosse o empréstimo, não comprariam o produto. As fábricas de automóvel no Brasil estariam com seus estoques inundados de carros se não fosse o empréstimo de 100 meses para que se comprem carro. Mas, ao pedir um empréstimo de 100 meses para comprar um carro, o comprador fica vinculado por uma parte considerável da sua vida para pagar aquele empréstimo.

            Ao resolver a crise econômica, cria-se a financeira. Ao resolver a financeira, cria-se a crise econômica. É o que acontece hoje na Europa, na Grécia, Portugal, Espanha. Na última reunião do G20, decidiram reduzir os gastos públicos. Isso vai pôr ordem nas finanças, mas vai pôr desordem na economia.

            Agora, vejam que há outras duas crises antes da terceira. Há uma outra crise, que é a social. Quando a economia diminui, a sociedade entra em crise pelo desemprego. Para resolver, portanto, o problema dos bancos, gera-se desemprego. Para resolver o problema do desemprego, geram-se problemas nos bancos. Elas estão imbricadas, e nós não temos estudado dessa maneira. Aqui a gente fala em crise financeira, aqui a gente fala em crise econômica, aqui a gente fala em crise social. Não fala que elas três são elementos de uma mesma e que há uma quarta, a ecológica. Quando aumenta a produção, aumenta a poluição, aumenta a degradação ambiental. Não tem como, na característica tecnológica de hoje, fazer a economia crescer e fazer o meio ambiente ficar equilibrado. Cada vez que a gente aumenta a produção dos bens que caracterizam a nossa economia, a gente degrada o meio ambiente.

            Pois nós vivemos nessa realidade quatro crises que se sucedem como se fosse uma dança em que todos são inimigos uns dos outros. E as pessoas não estão vendo as quatro conjuntamente. E aí entra a quinta.

            Aí entra uma quinta crise: é a crise ideológica, é a crise no mundo das ideias, é a crise das propostas. Porque a gente propõe como resolver os bancos, e aí cria-se problema econômico. Quando se cria problema econômico, cria-se problema social. Aí a gente, para resolver, cria uma saída para a economia, e aí gera-se crise financeira e crise ecológica. Falta um conjunto de ideias, uma proposta.

            Até pouco tempo atrás, a gente dizia, pura e simplesmente: o socialismo resolve isso. Não basta mais dizer isso. Não basta, primeiro, porque a ecologia não estava incluída no pensamento socialista tradicional do século XIX. Não basta porque o mundo ficou global, e o socialismo era tratado como solução nacional, embora um dia pudesse chegar a todo o mundo.

            Não há uma proposta clara. Dentro do capitalismo tradicional, nós não temos como resolver as quatro crises. Ao resolver uma, agravamos a outra. E o socialismo deixou de ter uma proposta nítida, clara, que as pessoas entendam o que é. Aí entramos nesta quinta crise: a crise de ideias, de para onde conduzir o processo social; a crise de propostas de como mudar o mundo, e não apenas crescer a economia; como mudar o mundo, e não apenas como proteger a floresta; mudar o mundo, e não apenas salvar os bancos; mudar o mundo, e não apenas ter uma transferência de renda para manter as pessoas comendo, como a gente consegue no Brasil.

            Pois bem, uma saída momentânea, não para construir utopia, mas para retomar um crescimento com equilíbrio fiscal, resolvendo os problemas sociais imediatos e, ao mesmo tempo, protegendo o meio ambiente, a meu ver, seria um programa grande, com diversas medidas necessárias para fazer transferência de renda condicionada à produção, pelas pessoas pobres e desempregadas, dos bens que as pessoas pobres e desempregadas precisam, bens públicos, como, por exemplo, as florestas; como, por exemplo, água e esgoto; como, por exemplo, um grande programa cultural.

            É isto que amanhã, Senador Mão Santa, eu terei o prazer de apresentar no seminário que o Senador Suplicy coordena no Brasil: a ideia de uma proposta de um tipo de keynesianismo produtivo, de um tipo de transferência de renda produtiva, visando empregar as pessoas desempregadas para que produzam o de que elas precisam. Entre aquilo de que elas precisam, está o que diretamente lhes interessa pessoalmente, como a comida por meio da renda, mas o que lhes interessa socialmente, pelos bens públicos de que este País tanto precisa.

            Nossas cidades são sujas e as pessoas estão desempregadas. Por que não casar esses dois problemas, fazendo com que os dois sejam solucionados? Costumo dizer que, quando duas pessoas solitárias se encontram, acaba a solidão das duas. Claro que é preciso que sejam as pessoas certas, porque se não forem certas, em vez de acabar a solidão, a gente vai acabar é com a vida delas, talvez.

            Quando você identifica os dois problemas certos e faz com que eles casem, eles se anulam. Você tem desempregado e lixo. Contrata os desempregados, e o lixo desaparece. Você tem quase desertos e tem desempregados, contrata para plantar árvores. Você tem mães desempregadas e meninos sem ir à escola, contrata a mãe para que o filho vá à escola. Essa foi a grande sacada, como dizem os jovens, da Bolsa Escola, de que a Bolsa Família é uma versão posterior, embora menos comprometida com a educação do que deveria, primeiro porque manteve escrito nas condições a frequência, mas ela não é controlada rigidamente, e, segundo, porque as escolas que estão aí, não adianta muito frequentá-las.

            A gente tem que dizer “frequentar escola”, e não as quase escolas que temos, porque, Senador Nery, pelo menos 50% das escolas brasileiras não são escolas, são quase escolas, parecem escolas, têm nome de escolas, mas não são escolas, porque escola tem que ser uma coisa muito característica, com algumas condições: um professor feliz, satisfeito, trabalhando duro, mas contente e, portanto, ganhando bem e bem preparado, em prédios bonitos, confortáveis e bem equipados - incluindo nos equipados tanto as quadras de esporte, as piscinas, como os equipamentos.

            E há gente rindo quando ouve isso, porque não acredita que o Brasil consegue!

            Qualquer pessoa acredita que um shopping center possa ter ar- condicionado; mas ninguém acredita que possa haver ar-condicionado numa escola para crianças. Nós nos acostumamos a isso!

            É a quinta crise de ideologia, que obscurece a maneira como a gente vê o mundo, porque a gente pensa que vê o mundo pelos olhos. Não! A gente vê o mundo pelos olhos e por uma ideologia que está por trás, que faz com que o que a gente vê seja daquele jeito.

            Quando digo que isto aqui é marrom, é porque meu olho mostrou, mas é porque aprendi que o nome desta cor é “marrom”. Até o nome da cor tem um dado ideológico. Você pode até dizer o nome da cor por uma questão de ciência física, do ponto de vista das ondas, mas, do ponto de vista do nome da cor, é ideologia. Além de que um daltônico vê cores que a gente chama de um nome, e eles, de outro. Eles veem de outra maneira.

            Vemos o mundo como daltônicos. O nosso daltonismo é a ideologia, que perturba, que deforma. Por exemplo: no caso de uma pessoa com fome, com três filhos, que estiver na porta de um supermercado cheio de comida, a ideologia nos diz que, se essa pessoa, com fome, entrar no supermercado e pegar a comida, é roubo! É uma ideologia que definiu isso. Não é a ética que define isso, não são os valores fundamentais do ser humano que definem isso. Os valores fundamentais deveriam dizer que seria um direito pegar a comida, quando não se tem dinheiro para comprar e quando há crianças para criar. A ideologia nos faz chamar de ladrão o pai que rouba um remédio na farmácia.

            Essa é a ideologia. Estamos numa grande crise da ideologia. É a quinta crise - são quatro e mais uma. São as crises econômica, financeira, social, ecológica e a de ideias, de propostas.

            Lamentavelmente, debatemos pouco isso. Espero, amanhã, poder provocar um pouco, Senador Mão Santa, o debate sobre isso. Temo até que meus colegas que vão estar lá estejam tão agarrados à ideia de renda mínima e de renda básica de cidadania do Suplicy que nem queiram aprofundar o debate a esse nível da ideologia e das ideias. Mas vou tentar provocar, apresentando a ideia que ajudaria a resolver, hoje, os quatro problemas - os quatro! -, com a proposta da transferência de renda condicionada à produção, por parte de quem recebe a renda, dos bens que essa pessoa precisa. O Bolsa Escola é um exemplo; o Bolsa-Alfa, que fizemos aqui, no Distrito Federal, em que pagávamos um analfabeto para ele aprender a ler. Ele ganhava sua renda, comprava sua comida e produzia um bem público: o de saber ler.

            Quando uma pessoa aprende a ler, em geral se acredita que ela se beneficiou. Quando uma pessoa aprende a ler, quem se beneficia é o mundo inteiro, é a humanidade inteira, pelo fato de uma pessoa ter aprendido a ler.

            Tenho a impressão de que é possível que essa proposta não seja muito debatida, até porque vai ser difícil conseguir debater uma ideia dessa depois do jogo. Se o Brasil perder, ninguém vai querer debater; se o Brasil ganhar, vão querer debater ainda menos.

            De qualquer maneira, é uma ideia, e agradeço ao Senador Suplicy pela oportunidade que me deu de ir debater, porque o convite que me foi feito pela associação internacional me chegou graças a uma indicação do Senador Suplicy.

            Mas, Senador Nery, fico feliz que o senhor tenha pedido um aparte.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª aborda, de maneira muito pertinente, a crise por que passa a humanidade, porque não é um problema do Brasil. Essas diversas crises que V. Exª aborda, na verdade, tenho a compreensão de que constituem fundamentalmente a crise do sistema capitalista. Abordar cada uma dessas crises de forma segmentada, creio, impõe-nos uma tarefa e um desafio extraordinários, que é, a meu ver, encontrar - e V. Exª o aponta - um caminho para a discussão dessas diversas crises, que, penso, são uma crise única: a do sistema e da forma como ele se estrutura, da forma como o modo de produção capitalista se realiza no mundo de hoje, com total dominação econômica pelos grandes monopólios, seja da indústria, dos produtos industrializados, seja do ponto de vista da questão energética, seja dos bancos, que mantêm hoje o controle da economia no mundo. Nessa fase por que passa o sistema capitalista, o sistema financeiro tem o mais completo domínio e consegue colocar as economias dos países em desenvolvimento a seu serviço e dele dependentes, inclusive sob a forma violenta, criminosa das dívidas externas dos países pobres e em desenvolvimento. Desse modo, considero oportuno que o senhor leve esses elementos para o debate desse seminário, que trata do Renda Mínima e das possibilidades de afirmação da cidadania através dos programas de distribuição de renda vinculados a políticas sociais e a compromissos do cidadão com a execução, a aplicação e a participação dessas políticas. E V. Exª dava um exemplo especial: como vencer a crise ecológica e a crise social com a participação direta dos cidadãos empobrecidos, miseráveis, beneficiados pelos programas de transferência de renda, com atitudes, com compromissos bem elementares, até de como lidar com o meio ambiente, com a ecologia, cotidianamente. Mas creio que esse seminário, inclusive pela perspectiva das questões que o senhor aqui mencionou e que abordará no seminário, promovido, pelo que entendi, pelo Senador Eduardo Suplicy, vai nos colocar diante da questão fundamental: há condições de se resolver a crise do sistema, que se manifesta do ponto de vista econômico, do ponto de vista social, do ponto de vista ecológico, do ponto de vista cultural, sem que a gente consiga elaborar uma resposta global, contundente, a partir da visão do interesse dos trabalhadores, dos empobrecidos, dos miseráveis, dos sem-carro, dos sem-terra, dos sem-nada, para que tenhamos a coragem efetiva de afirmar que não há salvação dentro desse sistema? Porque a lógica da acumulação é algo inerente a um sistema que jamais permitirá a felicidade humana; jamais permitirá que a garantia de todas as condições de trabalho, de renda, de educação, de saúde sejam efetivamente distribuídas a todos os cidadãos - falo de todas as partes do mundo - se a gente não conseguir enfrentar e derrotar um tipo de sistema econômico e político que é especializado no lucro, na acumulação para poucos. Portanto, creio que a avaliação que V. Exª tão bem e profundamente apresenta tem que nos levar a uma conclusão, a uma reorientação, a uma busca, a uma recondução à busca pela utopia da transformação radical de estruturas econômicas e sociais presentes no mundo de hoje, sob pena de a gente não conseguir avançar para aquilo que sonhamos efetivamente e queremos construir, que é uma sociedade democrática, igual e livre de todas as formas de exploração e dominação do homem pelo homem. Portanto, creio que a resposta a essas indagações de V. Exª, tão profundamente aqui apresentadas, nos levará... E, como um desdobramento desse seminário: por que não discutirmos, também, a crise do sistema capitalista? Quais serão, efetivamente, as alternativas que vamos construir para estabelecer um novo modo de convivência social e política no qual todos os seres humanos e, trazendo para o Brasil, todos os brasileiros e brasileiras tenham seus direitos fundamentais garantidos: alimentação, trabalho, renda, educação, lazer, políticas sociais? Esse é o sonho de todos, mas, nesse sistema que está aí, jamais isso será possível, porque, no máximo, o sistema admite políticas compensatórias que, na verdade, não resolvem a essência do nosso problema. Portanto, creio que o senhor nos traz um conjunto de questões que podem indicar, de fato, a necessidade de um aprofundamento e da busca de respostas, porque um outro caminho terá de ser, efetivamente, construído para que esses nossos sonhos sejam realizados. Parabéns a V. Exª por sempre trazer temas da mais alta relevância para o debate nesta Casa. Para onde V. Exª é convidado a debater, como no seminário promovido pelo Senador Suplicy, esperamos... Quero propor a V. Exª que, depois, com Suplicy e outros que tenham essa indagação e essa inquietação pela construção de um projeto de mudanças efetivas para o País e para o mundo, nós possamos discutir qual o verdadeiro caminho que devemos trilhar para que isso possa se realizar. Parabéns e meus cumprimentos a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem. Senador Nery, o senhor agregou muito, o que permitiria que esse debate se alongasse, se a gente pudesse fazer isso. Quando o senhor falou da crise das estruturas sociais e econômicas, eu estava totalmente de acordo, mas eu já pensava em dizer: “Só que, Senador, a gente não está tendo propostas alternativas”, mas o senhor mesmo disse: “Nós precisamos discutir quais são as propostas alternativas”.

            A quinta crise, a crise ideológica, é exatamente a falta de clareza das propostas alternativas, que hoje a gente não tem. Até há um tempo atrás, ser socialista era ter uma proposta nova, diferente do capitalismo. Hoje, ser socialista é ter uma proposta contra o capitalismo. Não é uma proposta afirmativa, porque eu não acredito que alguém considere que a estatização dos meios de produção, hoje, resolveria o problema. Não. Como é que a gente vai estatizar a indústria automobilística e quer continuar vendendo automóvel sem concentrar a renda? Não tem jeito de vender automóvel, a não ser concentrando a renda, para que uma parte de cima compre. Não dá para todos comprarem. Ou como a gente quer proteger o meio ambiente vendendo automóveis em quantidade? Não vai.

            Ou seja, o socialismo da estatização dos meios de produção se opõe a resolver o problema social, se opõe a resolver o problema ecológico; distribui melhor as rendas entre os que estão dentro daquela indústria, mas não entre a totalidade da população, especialmente os excluídos. A gente precisa de uma proposta nova. Aí, o senhor falou e levantou essa ideia.

            Eu creio que esse é o grande desafio. Eu confesso que não tenho ideia de como será essa utopia no futuro, mas eu tenho ideia do que a gente pode fazer hoje, se aproximado: primeiro, criar uma grande rede de proteção social, para que ninguém fique abaixo do mínimo de sobrevivência. Segundo, usar essa rede de proteção social, que virá de uma transferência de renda para as populações pobres - como, por exemplo, o Bolsa Família tenta fazer -, mas fazer isso condicionado a que essas pessoas que saem daqui, da pobreza, e caem aqui em cima, no limite anterior à não pobreza, produzam o que elas precisam para elas subirem na vida.

            Nós precisamos de uma rede de proteção social, de uma escada de ascensão social e de um teto, definido pelo meio ambiente, acima do qual nem os ricos poderão consumir. Deve haver um limite ecológico ao consumo, deve haver um limite social, embaixo - a exclusão - e deve haver uma escada de ascensão. Eu acho que essa escada é a educação. Por isso, eu digo que, hoje - e daqui a 20 anos, 50 anos, 100 anos haverá outra coisa -, socialismo é escola igual para todos.

            O senhor disse, aqui, que o Plínio Arruda Sampaio está defendendo escola pública de alta qualidade para todos. Eu só diria que sem proibir as particulares, que ficam como luxo para aqueles que quiserem, mas escola pública de qualidade para todos.

            Para mim, esse é o nome do socialismo hoje, que, por isso, prefiro chamar de educacionismo, para não confundir com socialismo, até que surja um outro nome que misture socialismo com ecologismo, com educacionismo, com libertarismo. Aí, a gente vai ter outra bandeira, mas, aí, a gente já saiu da quinta crise, que é a ideológica.

            Amanhã, como estamos no ano de 2010 e não demos esse passo ainda, Senador Mão Santa, vou falar sobre as cinco crises e sobre como um bom programa de transferência de renda, condicionada à produção dos bens sociais, dos bens públicos, dos bens de proteção ecológica, pode nos ajudar a caminhar, nos próximos anos, sem a crise, ainda que sem utopia também, porque uma coisa é a crise, outra coisa é o período sem crise, outra coisa é a utopia. O estágio sem crise não indica a utopia ainda. Estou longe de imaginar qual será a utopia do futuro, mas creio que não é difícil imaginar o que é a “sem crise” nos próximos anos. E esse seminário pode nos ajudar não apenas a debater entre nós, que pensamos isso, como também a divulgar essas idéias, como estou fazendo aqui, graças, em grande parte, ao seu aparte, pelo que agradeço.

            Senador Mão Santa, agradeço, também, a sua tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2010 - Página 32373