Discurso durante a 123ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com o estado de abandono dos serviços públicos no garimpo de Serra Pelada, em Curionópolis/PA. Apelo para que o Governo brasileiro reconheça a existência da República do Saara Ocidental. Abordagem da reunião realizada hoje pela Frente Parlamentar e Frente Nacional de Entidades para a erradicação do trabalho escravo no Brasil.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA MINERAL. POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Preocupação com o estado de abandono dos serviços públicos no garimpo de Serra Pelada, em Curionópolis/PA. Apelo para que o Governo brasileiro reconheça a existência da República do Saara Ocidental. Abordagem da reunião realizada hoje pela Frente Parlamentar e Frente Nacional de Entidades para a erradicação do trabalho escravo no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2010 - Página 34853
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA MINERAL. POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, SERRA PELADA, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), ESTADO DO PARA (PA), APREENSÃO, INEXISTENCIA, PODER PUBLICO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PRECARIEDADE, EDUCAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, RODOVIA, MANIFESTAÇÃO, EXPECTATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, AUSENCIA, PROFESSOR, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ENSINO MEDIO, ENSINO FUNDAMENTAL.
  • REGISTRO, ATENDIMENTO, COMANDANTE, POLICIA MILITAR, PEDIDO, COMUNIDADE, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), ESTADO DO PARA (PA), SUBSTITUIÇÃO, REMANEJAMENTO, POLICIAL, ACUSADO, ABUSO DE AUTORIDADE, VIOLENCIA, VITIMA, CRIANÇA, IDOSO.
  • COBRANÇA, PODER PUBLICO, ACOMPANHAMENTO, CONFLITO, EMPRESA MULTINACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, CANADA, DIVERSIDADE, COOPERATIVA, GARIMPEIRO, RELAÇÃO, EXPLORAÇÃO, MINERIO, SERRA PELADA, IMPORTANCIA, IMPEDIMENTO, VIOLENCIA, REGIÃO.
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, GABINETE, ORADOR, EMBAIXADOR, REGIÃO, TERRITORIO, PAIS ESTRANGEIRO, MARROCOS, DEFESA, RECONHECIMENTO, GOVERNO BRASILEIRO, INDEPENDENCIA, PAIS, PROCESSO, POSIÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), APREENSÃO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS.
  • REGISTRO, REUNIÃO, FRENTE DE TRABALHO, CONGRESSISTA, REPRESENTANTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ASSOCIAÇÃO NACIONAL, MAGISTRADO, PROCURADOR DO TRABALHO, COORDENADOR, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), IMPORTANCIA, DECISÃO, ORIENTAÇÃO, DIVERSIDADE, ENTIDADE, COBRANÇA, CANDIDATO, ELEIÇÕES, ASSINATURA, DOCUMENTO, COMPROMISSO, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, BRASIL, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, LUTA, PRIORIDADE, VOTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, EXTINÇÃO, PROBLEMA, ESCRAVATURA.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero registrar, com muita preocupação, a situação que encontrei em Serra Pelada, garimpo localizado no Município de Curionópolis, no Estado do Pará.

            Estive lá em Curionópolis, em Serra Pelada, por ocasião da realização do Seminário “Serra Pelada, Estado e Mineração”, há pouco mais de vinte dias, Senadora Serys.

            A minha preocupação, primeiro, é com o absoluto estado de abandono em que se encontram os serviços públicos naquela região. Encontrei escolas fechadas, estradas sem condições de trafegabilidade, saneamento básico inexistente, dentre outras dezenas de problemas que evidenciam a ausência do Estado naquela região.

            Após realizar, no mês de maio, audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado com o objetivo de discutir os conflitos na região, comprometi-me a visitar novamente a região do garimpo de Serra Pelada, desta vez para avaliar a situação de milhares de pessoas que lá vivem, atraídas pela promessa de um futuro digno por meio da exploração mineral no garimpo de Serra Pelada. Contudo, deparei-me com uma situação de descaso que afronta as nossas mais elementares aspirações de justiça e dignidade.

            A partir de então, procurei os responsáveis pelas diversas áreas do serviço público no Estado do Pará, mas até agora pouco foi feito pelas autoridades do meu Estado para reverter aquela situação de profunda calamidade que assola o tão rico e, paradoxalmente, tão abandonado garimpo de Serra Pelada.

            Para se ter uma ideia, Presidente Serys, a escola de ensino médio e ensino fundamental maior, de 5ª à 8ª série, está sem aula há quase 60 dias, porque os professores eram temporários, foram demitidos, e novos professores não foram contratados. Assim, a juventude de Serra Pelada - as crianças e os adolescentes - é punida pela ausência de educação escolar, que lhes está sendo negada pelo Estado há mais de 60 dias.

            Diante dessa questão, realizei audiência com o Secretário de Educação do Estado do Pará, professor Luís Cavalcante, e aguardo, como aguarda a população de Serra Pelada, medidas efetivas, imediatas e urgentes que garantam o retorno e o pleno funcionamento da escola de ensino médio e ensino fundamental daquela localidade.

            Ao mesmo tempo, verificando a situação de profunda insegurança e a violência com que se comportava um dos membros da Polícia Militar destacado naquela localidade, pleiteamos junto ao comando da corporação a imediata substituição e remanejamento de um soldado denunciado por vários setores daquela comunidade como envolvido em atos de violência e de abuso de autoridade contra as pessoas, crianças e idosos que ali residem.

            Esse pleito, imediatamente acatado pelo comandante da Polícia Militar na região de Parauapebas, onde se encontra o Município de Curionópolis, esse pleito da comunidade, encaminhado por nós, foi absolutamente atendido, de modo que a população já não tem a cuidar do serviço de segurança pública um policial que, em vez de proteger, acolher e oferecer as condições mínimas de segurança às pessoas, era justamente um patrocinador de violência contra essas pessoas.

            Um outro registro, Sr. Presidente, que quero fazer está relacionado ao clima de tensão que toma conta de Serra Pelada. Diante da iminência da retomada da exploração do garimpo e a partir de um obscuro contrato entre uma das várias cooperativas de garimpeiros e a multinacional canadense Colossus, semanas atrás, os garimpeiros e moradores impediram os trabalhos da sonda que fazia pesquisa na área.

            Segundo fontes presentes ao local, o tumulto teve início na quinta-feira, dia 17 último, quando chegaram à vila alguns funcionários com máquinas da empresa e começaram a construir o alojamento para os futuros trabalhadores que deveriam chegar àquela área de prospecção.

            Os moradores e garimpeiros da Vila de Serra Pelada não aceitaram a presença dos mesmos, pois a empresa não teria feito qualquer contato com a comunidade para discutir o início das obras. Sabe-se que a empresa tenta a qualquer preço construir condições para alojar seus funcionários que deverão trabalhar na implantação do projeto; contudo, não considera o grande impacto que isso causará na vida daquela comunidade, que, até o presente momento, não sabe o que irá acontecer com os cerca de 6 mil pessoas que residem naquela vila, uma vez que está localizada exatamente no projeto de Serra Pelada e o projeto de Serra Leste, da Companhia Vale do Rio Doce daquela região.

            Todas essas questões culminaram em mais de uma ação daquela comunidade, que resolveu se juntar e parar todas as ações da Colossus na área de Serra Pelada. Cerca de mil moradores e garimpeiros ocuparam as áreas de pesquisa no trabalho realizado pela empresa Colossus, impedindo o seu funcionamento, tomaram também o controle das máquinas que estavam na Vila de Serra Pelada. Após uma intensa negociação, os moradores encerraram a manifestação, prometendo manter o estado de vigilância até que existam respostas para as suas demandas mais imediatas.

            Assim, registro a minha preocupação com esse tema e peço aos poderes competentes do Estado e da União que acompanhem atentamente a situação de Serra Pelada, não apenas para corrigir eventuais injustiças quanto ao direito de exploração daquela área, e o Judiciário, que se manifestará tão logo sejam analisados os diversos processos que versam sobre esse tema, mas também, Sr. Presidente, para evitar qualquer tipo de violência que torne cada vez mais insuportáveis as condições de vida daquela população.

            Esse é o nosso posicionamento sobre a dramática situação dos moradores e garimpeiros de Serra Pelada, que querem ver seus direitos assegurados para, assim, garantir condições mais dignas de sobrevivência para eles, garimpeiros e garimpeiras, e suas famílias.

            Sr. Presidente, Senador Jorge Yanai, gostaria de abordar uma segunda questão que considero importante. Hoje pela manhã, recebi em meu gabinete a visita do novo Embaixador da República Democrática do Saara Ocidental no Brasil, dirigente da Frente Polisário, Handy Bueha.

            A Frente Polisário é um movimento político-revolucionário que luta pela separação do Saara Ocidental, antigo Saara Espanhol ou Rio de Oro, atualmente sob o domínio do reino do Marrocos visando instituir ali uma república independente.

            Quando, em 1975, a Espanha abandonou a sua antiga colônia, deixou para trás um país sem qualquer infraestrutura, com uma população completamente analfabeta e desprovida de tudo. O vazio criado pela Espanha foi aproveitado pela Mauritânia e pelo Marrocos, que, invocando direitos históricos, invadiram aquele território.

            O Governo no exílio do Saara Ocidental tem o nome de República Árabe Saariana Democrática (RASD) e foi proclamado pela Frente Polisário em 27 de fevereiro de 1976. O primeiro governo da República Árabe Saariana Democrática formou-se em 4 de março desse mesmo ano.

            Em 1979, a Frente Polisário expulsa bravamente do sul o pequeno exército da Mauritânia, forçando o país a abdicar seus direitos sobre o território em 1979. Desde então, ficaram frente a frente, nas areias do deserto, os guerrilheiros da Frente Polisário e as forças marroquinas. O exército marroquino retirou-se para uma zona restrita do deserto, onde a engenharia militar construiu um imenso muro de concreto armado, por trás do qual os soldados marroquinos vivem entrincheirados, protegendo a extração do fosfato, abundante na região.

            Em 1987, uma missão da ONU visitou a região para averiguar a possibilidade de realização de um referendo sobre o futuro do território. Uma iniciativa difícil, dado que grande parte da população é nômade. Até 1993, foi impossível realizar o referendo.

            Em 2001, a África do Sul torna-se o sexagésimo país a reconhecer a independência do Saara Ocidental. O Marrocos protestou. Em 2007, Marrocos e a Frente Polisário reiniciaram conversações com o patrocínio da ONU, para debater o estatuto do território.

            Em 2003, o enviado especial da ONU para o território, James Baker, apresentou o Plano Baker, conhecido como Baker II, que teria dado ao Saara Ocidental imediata autonomia durante um período transitório de cinco anos para se preparar para um referendo, oferecendo aos habitantes do território a possibilidade de escolher entre a independência, a autonomia no seio do reino de Marrocos, ou a completa integração com o Marrocos. A Frente Polisário aceitou o plano, mas o Marrocos rejeitou-o.

            Neste momento, as negociações encontram-se estagnadas. Centenas de presos políticos ocupam as masmorras marroquinas, algo absolutamente inaceitável. Enquanto isso, o reino do Marrocos segue criando mais e mais assentamentos na região, tentando convencer a população a rejeitar sua própria independência política.

            A ONU já expressou sua preocupação diante dos crimes aos direitos humanos cometidos pelo reino do Marrocos. Já são mais de 60 países reconhecendo a independência da República do Saara Ocidental. Enquanto isso, o Governo brasileiro ainda não o fez, negando ao governo da Frente Polisário a instalação de uma embaixada no Brasil.

            Por isso, registro aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o meu apelo para que o Governo brasileiro, para que o Itamaraty, de acordo com os princípios da liberdade e da autodeterminação dos povos, possam assumir a causa do povo do Saara Ocidental, como já o fez em relação à criação do Estado Palestino, por exemplo, e reconheça, de uma vez por todas, a existência do Saara Ocidental e exija a imediata retirada das tropas marroquinas do seu território.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um terceiro e último assunto que quero abordar trata da reunião, realizada no dia de hoje, da Frente Parlamentar e da Frente Nacional de entidades pela erradicação do trabalho escravo no Brasil.

            Essa reunião contou com a representação de várias entidades: da Ordem dos Advogados do Brasil; da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho; da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho; do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região; Dr. Luiz Machado, representante da OIT no Brasil, e Leonardo Sakamoto, Coordenador da ONG Repórter Brasil; da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, e representação do gabinete do Senador Eduardo Suplicy, bem como da Senadora Serys Slhessarenko e da Senadora Fátima Cleide, e ali tomamos três deliberações para orientar os membros da Frente Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e da Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo, no sentido de que três iniciativas sejam levadas a cabo durante o processo eleitoral de 2010, em todos os Estados brasileiros.

            Primeiro, a todos os candidatos às eleições de 2010 - seja para a Assembleia Legislativa, para a Câmara dos Deputados, para o Senado Federal, seja para os governos estaduais ou para a Presidência da República -, apresentaremos uma carta compromisso, pedindo a assinatura dos candidatos dos diversos partidos, em todos os Estados da Federação, para que assumam o compromisso de que, uma vez eleitos para os cargos que disputam, possam apoiar as medidas legislativas e os programas que podem ser executados em âmbito do Poder Executivo, tanto estadual quanto da União, no sentido de um trabalho muito articulado e veemente em relação à erradicação do trabalho escravo em nosso País, que foi reconhecido ainda em 1995, Senador Arthur Virgílio, aí no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que reconheceu perante às Nações Unidas, especialmente em relação à OIT, junto à OIT, Organização Internacional do Trabalho, a existência do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. E desde então, diversos esforços vêm sendo feitos pelo Estado brasileiro, mas precisamos avançar para efetivamente erradicar o trabalho escravo contemporâneo no Brasil.

            E é importante, Sr. Presidente, que todos os parlamentares, todos os candidatos às eleições possam assumir esses compromissos em relação à eliminação de uma chaga social que ainda envergonha o nosso País em pleno Século XXI.

            Também decidimos dar continuidade à coleta de assinaturas em um abaixo-assinado que solicita à Câmara dos Deputados a imediata votação e prioridade na votação da Proposta de Emenda à Constituição, a PEC nº 431, de 2001, já aprovada pelo Senado, em 2001, aprovada em primeiro turno na Câmara em agosto de 2004, e que até hoje, há seis anos, aguarda a votação em segundo turno na Câmara dos Deputados. A Câmara dos Deputados precisa assumir com o País e com a sua luta em defesa dos direitos humanos o compromisso de aprovar esta PEC, a chamada PEC Contra o Trabalho Escravo ainda no ano de 2010.

            São essas, Sr. Presidente, as questões que trago ao Plenário e ao País, sobretudo trabalhando na perspectiva de que as questões aqui apresentadas aquelas que são de responsabilidade do Estado ou da União e aquelas que são de responsabilidade de toda a sociedade, especialmente a luta contra o trabalho escravo, possam fazer parte dos debates neste processo eleitoral e, sobretudo, da efetivação de compromissos para que possamos erradicar o trabalho escravo contemporâneo em nosso País.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2010 - Página 34853