Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Referências ao projeto de lei enviado pelo Presidente Lula ao Congresso Nacional que visa a proteger as crianças de maus-tratos, e que deveria, segundo S.Exa., garantir educação de qualidade a todas as crianças e jovens do Brasil, e à Emenda Constitucional que simplifica o processo de divórcio. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. CODIGO CIVIL. EDUCAÇÃO.:
  • Referências ao projeto de lei enviado pelo Presidente Lula ao Congresso Nacional que visa a proteger as crianças de maus-tratos, e que deveria, segundo S.Exa., garantir educação de qualidade a todas as crianças e jovens do Brasil, e à Emenda Constitucional que simplifica o processo de divórcio. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/2010 - Página 36382
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. CODIGO CIVIL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, PROJETO DE LEI, ORIGEM, EXECUTIVO, COMBATE, IMPUNIDADE, MAUS-TRATOS, CRIANÇA, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, AUTORIA, PAES.
  • ELOGIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, FACILITAÇÃO, PROCESSO, DIVORCIO.
  • CRITICA, NEGLIGENCIA, PODER PUBLICO, DEFESA, INTERESSE, CRIANÇA, NECESSIDADE, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu aproveito esta tarde para tocar em dois pontos, duas leis, que, a meu ver, fazem avançar o nosso marco jurídico do ponto de vista social. Mas ambas as leis fazem avançar de uma maneira tímida, incompleta.

            Primeiro, refiro-me ao projeto de lei que o Presidente Lula envia ao Congresso para que possamos zelar melhor por nossas crianças em um aspecto: evitar os maus-tratos às crianças. Inclusive é um projeto que tem origem na sociedade.

            É preciso lembrar que a principal líder desse movimento é esta grande artista e animadora de televisão, voltada para as crianças, que é a Xuxa Meneghel. Há anos ela luta por uma lei que restrinja o sofrimento das crianças, os maus-tratos às crianças.

            E o Presidente Lula, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, tomou a iniciativa de promover essa lei. Para alguns, tem sido ridicularizada a lei, com a ideia de que é a lei que proíbe os pais quase que de tocarem nos seus filhos. Dizem que é a lei das palmadas, a lei dos beliscões, em que tudo fica proibido.

            O Presidente Lula foi muito feliz na hora em que lançou o projeto ontem - eu estive presente -, pois ele deixa claro que não se trata de punir pais que, em momentos necessários, chegam a ter alguma relação física de insistir com as crianças, seja com suas pequenas palmadas, seja com seus pequenos beliscões, que, às vezes, ficam até quase como uma forma de carinho forte. Não, não se trata disso. Trata-se de sinalizar com clareza que maus-tratos não podem ser tolerados nem mesmo por parte de pais. Isso, sim, é importante. Porque alguns acham que, de repente, maus-tratos de pai, maus-tratos de mãe, não são maus-tratos. São maus-tratos, sim!

            E nós vimos, não faz muito tempo, pais assassinando filhos. Se não no plural, pelo menos no singular: o caso da Isabella. Entre o assassinato e a palmadinha, nós vimos há pouco uma servidora da Justiça que maltratou brutalmente uma filha. Não matou, mas maltratou brutalmente. Isso não pode ficar impune nem pode ser punido apenas pelas leis normais.

            É nesse sentido que essa lei é bem-vinda. Ela trata de resgatar aquilo que as crianças têm, que é um direito a sua integridade plena. E serve também para alertar aqueles que, às vezes, por uma situação incômoda, às vezes por um desconforto pessoal, terminam descarregando nas suas crianças a violência que não devem ter o direito de descarregar.

            Não podemos permitir que aconteça violência sobre as crianças. Eu sou francamente favorável e acho que aos poucos as pessoas vão entender que não se trata da lei contra a palmada, mas se trata da lei contra a violência de parte de qualquer pessoa, inclusive dos próprios pais.

            Mas eu disse que são leis incompletas, porque, embora seja um avanço, este é um País que continua tendo uma violência permanente contra as crianças. A violência da criança abandonada não é pior do que a violência da criança maltratada. O mau trato de uma criança não se dá apenas fisicamente, se dá também pelo abandono de uma criança. E isso a gente não está conseguindo vencer.

            Existe o mau trato da criança a quem é sonegado o futuro, de quem é roubado o futuro, impedido o futuro, ao não dar direito à criança a uma boa escola.

            Essa violência não tem lei ainda que proíba, porque nós não temos ainda uma lei de responsabilidade educacional neste País. O pai, a partir dessa lei, poderá ser punido se maltratar o filho fisicamente, mas o prefeito não é punido se nega a escola às crianças da sua cidade; o governador não é punido se nega a escola aos meninos e meninas do seu Estado; nem são punidos aqueles que dizem que dão escola, mas dão apenas um prédio ruim, como se fosse escola; professores mal remunerados, como se a gente pudesse dizer que eles estão exercendo a atividade de magistério, e não estão. Nós precisamos fazer avançar, avançar do puro, simples e grave maltrato de crianças fisicamente para o grave, complexo maltrato de crianças pelo abandono, seja explícito abandono de crianças que ficam nas ruas, em geral, sujeitas à droga, ou o abandono de crianças que até não estão na rua, até vão a uma coisa chamada escola, mas que não é escola. Por isso, as leis precisam avançar.

            Ontem, também, nós vimos uma lei que é um avanço: a lei que simplifica o processo de divórcio entre um casal que não quer mais conviver. É positivo, não tem por que criar empecilhos ao afastamento de duas pessoas que não querem conviver; tem que ser simplificado esse processo. Agora, o que é estranho é que neste País, hoje, no nosso Brasil, é mais fácil os pais se separarem do que eles encontrarem escola boa para os seus filhos. Nós demos um avanço, facilitando o divórcio, mas a gente não dá um avanço para os pais que querem ficar juntos conseguirem matricular os seus filhos.

            Há filas para matricular crianças na escola; há filas que, depois de enfrentá-la durante horas, chega na hora do portão, e a escola diz: “Não tem mais vaga”. Aí, você diz: “Mas encontra vaga em outra escola com qualidades diferentes”.

            A gente deveria, ao mesmo tempo em que se preocupa corretamente em simplificar separação de casais, de pessoas que não querem viver juntas, facilitar a matrícula dos filhos desses casais nas escolas de qualidade onde essas crianças devem estudar.

            Eu venho aqui comemorar dois projetos de lei, ou leis, que já estão prontas: a que facilita o divórcio e a que dificulta os maus-tratos de crianças. Mas deixo o meu registro de que, mais uma vez, o Brasil faz as coisas de maneira incompleta: impede os maus-tratos e tolera maus-tratos por todos os lados contra as crianças brasileiras abandonadas e sem educação; facilita a separação entre casais, entre pessoas de um casal, e não facilita que os casais que querem ficar juntos encontrem escolas para seus filhos com a qualidade que o futuro exige.

            Vamos continuar fazendo esses avanços. É ótimo que o Brasil avance! Mas não vamos comemorar aquilo que ainda é um passo muito pequeno. Vamos ficar sempre alertas para os passos pequenos que o Brasil dá. Se esse alerta existisse em 1822, quando proclamamos a independência incompleta, a gente talvez tivesse dado o passo mais rapidamente de fazer este País, de fato, independente; se esse alerta existisse em 1889, quando fizemos a República, e uma República incompleta, talvez nós tivéssemos dado um passo mais rápido para completar a República; se esse alerta existisse, em 1888, quando fizemos a Abolição da Escravatura, incompletamente, talvez tivéssemos completado a abolição antes desses 122 anos que até hoje não completamos.

            Vamos comemorar os avanços, mas vamos ter a clareza, a lucidez e a honestidade de dizer a todos que são avanços pequenos, incompletos que exigem muito mais - e esse muito mais está, queiram ou não, chamem de nota só ou não, na educação de qualidade igual para todos no Brasil.

            Parabéns aos que fizeram essas duas leis. A cobrança também para todos nós para completarmos o que está faltando.

            Era, Sr. Presidente, o que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/2010 - Página 36382