Discurso durante a 155ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração dos quarenta e cinco anos de criação da profissão de Administrador.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos quarenta e cinco anos de criação da profissão de Administrador.
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/2010 - Página 45162
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, AUTORIDADE, PRESENÇA, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CRIAÇÃO, BRASIL, PROFISSÃO, ADMINISTRADOR, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ELOGIO, COMPETENCIA, COBRANÇA, CATEGORIA PROFISSIONAL, AMPLIAÇÃO, COMPROMETIMENTO, CIDADANIA, APOIO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, PAIS, MELHORIA, GESTÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srs. Presidentes, porque são dois neste momento, Acir Gurgacz e Senador Adelmir Santana, meu amigo e colega do Distrito Federal; Sr. Presidente do Conselho Federal de Administração, Roberto Carvalho Cardoso; Sr. Presidente do Conselho Regional de Administração do Distrito Federal, Carlos Alberto Ferreira Júnior; Sr. Presidente do Congresso Nacional de Administração, Samuel Albernaz; senhoras e senhores membros dos Conselhos Federais de Administração; Presidentes e demais membros dos Conselhos Regionais; alunos do curso de Administração da Faculdade Fortium, acompanhados pelo Professor Jurandi da Silva Arruda Junior; senhoras e senhores, apesar do dia a dia enlouquecedor para o Senador Adelmir e eu, fizemos questão de vir aqui, inclusive graças ao convite muito especial do Presidente, porque eu queria manifestar a minha satisfação de ver a comemoração dos 45 anos de uma profissão, lembrando que ainda há outras que faltam ser regulamentadas. Mas a de vocês, neste curto tempo, 45 anos, deu um salto de uma área que ainda estava entre trabalho de amadores e de profissionais para o trabalho de superprofissionais.

            Não faz muito, eu jantava com o presidente, dono de um grande conglomerado, Senador Adelmir, e ele me dizia, entristecido, que não tinha herdeiro. E eu, surpreso, perguntei se ele se esquecia dos cinco filhos que tem, entre homens e mulheres. Ele disse: “São filhos, mas não são herdeiros para os meus negócios, porque, para os meus negócios, eu preciso de pessoas com vocação e com capacidade de gestão, e os meus filhos escolheram outros caminhos. E eu não vou deixar para eles a direção.”

            Isso é algo completamente novo, porque, até há algumas décadas, o herdeiro da propriedade era o herdeiro da gestão da empresa. Isso mudou. Agora, o que a gente vê é que o herdeiro da propriedade fica como acionista, e o herdeiro da gestão é um executivo, preparado, formado. Não é uma questão de sangue, de DNA, nem de parentesco.

            Há pouco, um grande conglomerado, diferente do que eu citei, que eu não vou dizer qual, mas um conglomerado de escolas, uma grande rede de escolas de nível de educação de base a superior, simplesmente passou todos os negócios, a direção, para um grupo de executivos, que radicalizou tanto que proibiu os herdeiros sanguíneos dos donos de participarem de qualquer coisa relacionada com o empreendimento. A tarefa deles é receber os lucros, quando existirem, e cumprirem suas carreiras brilhantes, mas diferentes da de gestão.

            Daqui para frente, o gestor é um profissional. O proprietário pode ser outra coisa, e, ao mesmo tempo, se juntam um pouco.

            Eu estive vendo, há pouco tempo, a lista dos dez homens mais ricos do mundo - creio que havia uma mulher...

            O SR. PRESIDENTE (Adelmir Santana. DEM - DF) - Senador Cristovam, eu queria só registrar que estão saindo - desculpe interromper o discurso de V. Exª - os quarenta alunos do primeiro ano e do segundo ano do ensino fundamental da Escola Classe 56, da Ceilândia, aqui no Distrito Federal.

            Muito obrigado pela presença de vocês, parabéns pela visita ao Congresso, para que os futuros senadores que aqui estão tenham uma visão de como funciona o Congresso Nacional. Um grande abraço.

            Desculpe, Senador Cristovam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Futuros senadores e administradores, provavelmente, também.

            Eu estava vendo a lista dos homens mais ricos do mundo. Nenhum tinha tido fortuna herdada. Todas as fortunas vieram de três razões juntas: uma boa ideia, a capacidade de transformar a ideia num produto e o empreendedorismo de levar adiante esse produto para o mercado - e o Senador Adelmir falou há pouco sobre o empreendedorismo.

            O empreendedorismo não é mais apenas um instinto. Não. É uma competência, é uma capacidade.

            Essas grandes fortunas vêm, por exemplo, de um Bill Gates, que teve uma ideia de que você poderia usar computador sem necessidade de conhecer as linguagens específicas do computador. Jogava a linguagem dentro do computador e, diferente do meu tempo, em que tive que estudar Fortran e outras coisas, simplesmente, através dos ícones, você puxa os programas prontos. Uma ideia que ele transformou num produto e fez uma empresa.

            É isso que faz com que esses 45 anos de regulamentação da profissão mostrem como foi certo regulamentar, como foi correto deixar claro que a tarefa do administrador é a tarefa de profissionais.

            Mas isso é para administrar no Brasil. E eu quero falar de administrar o Brasil. Administrar no Brasil é pegar uma escola e fazê-la bem administrada, com boa gestão, coisa que falta muito no Brasil. Mas não basta administrar no Brasil uma escola. Eu quero cobrar de vocês o lado cidadão e cidadã de administrar o Brasil. Administrar o Brasil é fazer com que toda criança vá à escola.

            Administrar um hospital é fazer com que um hospital tenha uma boa gestão, mas administrar o Brasil é fazer com que ninguém morra na porta de um hospital. E, às vezes, nem precisa de hospital, pelas formas de prevenção.

            Como profissional, está correta a regulamentação da profissão e o trabalho de cada um de vocês como profissional. Mas, como cidadão, como cidadã, não basta ser um bom gestor de uma unidade produtiva. É preciso agir para fazer com que o País inteiro tenha um bom funcionamento. E aí não é uma questão apenas técnica; e aí não é apenas uma questão de uma profissão regulamentada. Aí é uma questão de opção e participação política.

            Se quiser ser apenas um administrador no Brasil, basta ter o diploma, resultado de um bom estudo. Mas, se quiser ser um administrador do Brasil, é preciso incorporar na alma desse administrador profissional o sentimento de Nação, o compromisso com o coletivo, e a militância para que esse coletivo seja atendido corretamente.

            Eu temo que, em muitas das profissões regulamentadas que temos hoje, estamos conseguindo excelentes profissionais e afastando-os da cidadania, como se eles não tivessem responsabilidade com o que acontece fora do muro da fábrica que eles gerenciam; fora do muro do hospital que eles gerenciam; fora da escola que eles gerenciam; fora da loja que eles gerenciam. Como se o profissional se bastasse, sem a necessidade do ser mais completo, que é o ser cidadão.

            Eu faço aqui um apelo para que o cidadão apareça por debaixo da pele do administrador.

            Claro que faço um apelo também para que o administrador entenda que não basta ter o diploma; que a cada dia, a cada mês, a cada ano, as técnicas mudam, e quem não se reciclar permanentemente fica para trás, fica obsoleto. A obsolescência profissional hoje é tão rápida ou mais rápida do que a obsolescência das máquinas. O profissional hoje fica obsoleto em cinco anos, alguns em menos tempo ainda, dependendo da área de especialização. É preciso se especializar como profissional, esse é um apelo que faço, mas é sobretudo preciso fazer aflorar, além da pele do profissional, o ser cidadão, comprometido com tudo que vai além de sua função específica de profissional e que toque no conjunto da comunidade onde se situa, que é inicialmente a cidade, que é o país e que, hoje, é o mundo inteiro e toda a humanidade.

            Esse é o apelo.

            Finalmente, não se esqueçam de que, além disso, de cidadão, de profissional, cada um de vocês é um ser humano, com todo o direito e obrigação de procurar o sucesso, com todo o direito e obrigação de dedicar-se, o máximo possível, à própria família, independentemente do resto do mundo. Quando a gente consegue combinar esses três lados dos seres, ou de cada ser do mundo moderno, a gente começa a ter a plenitude do ser: o ser profissional, o ser familiar, humano, e o ser cidadão.

            Eu desejo que, daqui a mais 55 anos, quando formos comemorar o centenário da profissão - o Senador Adelmir deve estar aqui ainda, eu provavelmente não estarei; alguns que estão nos ouvindo, como aqueles meninos que estavam ali em cima, certamente vão estar por aí -, a gente esteja perto do ser cidadão. É impossível a gente imaginar como vai ser o mundo, como vai ser a profissão, quanto da profissão será substituída pelas próprias máquinas, que vão dispor de sistemas gerenciais próprios, automáticos, ninguém sabe como vai ser. Mas espero que, nesses próximos anos, sejamos capazes de fazer aquilo que, ultimamente, a gente vem rompendo, que é transformar cada pessoa em só um pedaço da pessoa; só o profissional, só o indivíduo, com seus interesses específicos, que posso até dizer do bom egoísmo... Existe um egoísmo bom, existencial, e também do ser cidadão; que a gente possa completar. E o lugar de completar isso não é na faculdade de administração, é na educação de base. É aí que a gente forma o cidadão, é aí que a gente forma o ser humano, e é aí que a gente forma o profissional. Não adianta continuar investindo tanto em universidade se abandonarmos a educação de base nos níveis deprimentes em que está hoje o ensino básico. Não adianta. As universidades fracassarão como um prédio que é construído sem pilares consistentes embaixo dele.

            Por isso, fica meu apelo de que, como cidadão, procurem lutar por uma revolução que este País precisa fazer: a revolução da educação de base, a revolução pela qual o Brasil se transforme num campeão mundial de educação. Mas mais do que isso: que a educação seja igual para qualquer criança, independentemente da renda dos pais, independentemente da cidade onde ela viva.

            Eu vi hoje algumas autoridades justificarem o índice de analfabetismo, dizendo que deve ser entendido de certa maneira porque está concentrado em cidades pequenas e no Nordeste. Isso não pode ser justificativa. A educação tem que ser igual em qualquer lugar, tem que ser igual para qualquer renda.

            A democracia convive e quase que exige desigualdade. A igualdade plena é incompatível com a democracia, Senador Acir. A igualdade plena é autoritária, salvo em duas coisas: saúde e educação. É um insulto haver educação desigual conforme a renda. É um insulto existir saúde desigual conforme a renda. É um insulto a gente deixar a pessoa não aproveitar plenamente seu cérebro porque não tem dinheiro para pagar uma boa escola. E é insulto uma pessoa morrer porque não pode pagar um bom atendimento médico. Temos que acabar com esse insulto que nós brasileiros cometemos com nós brasileiros, que nós cometemos com o Brasil.

            Se, por um lado, é preciso igualar a saúde, mais importante ainda é igualar a educação, que é a base de tudo mais.

            Ficam aqui meus cumprimentos, meu respeito e minha cobrança para que sejam cidadãos e tentem ajudar este País a acabar com a desigualdade que nós temos, vergonhosa, e o atraso de todos, inclusive, dos que têm educação - somos atrasados em relação ao resto do mundo -, para que consigamos ser campeões mundiais em educação, e que esta seja igual para todos.

            Nunca vamos ter todas as pessoas igualmente educadas, porque umas têm talento e outras não têm; umas têm persistência e outras não têm; umas têm vocação e outras não têm. Mas o acesso tem que ser igual, e que cada um cresça conforme sua vocação, sua persistência e seu talento.

            Eu parabenizo a todos, principalmente aos líderes da categoria, e desejo uma boa eleição, que vocês vão ter no dia 20 - não é isso? -, e peço desculpas, mas não desculpas por erro; desculpas, na verdade, como uma explicação: esta Casa hoje está vazia, não por menosprezo a vocês, não porque não estamos trabalhando; ao contrário, cada Senador hoje está trabalhando enlouquecidamente pela sua própria eleição ou pela eleição de outros, que eles apoiam. Considerem que aqui a Casa está cheia de Senadores, porque eles estão cada um no seu lugar, trabalhando duro, cada um conforme a sua orientação, para ser administrador do Brasil, enquanto vocês são administradores no Brasil e também do Brasil, graças ao voto e graças à militância.

            Parabéns, e muito obrigado por terem escolhido uma profissão de que este País tanto necessita. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/2010 - Página 45162