Discurso durante a 175ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da apropriação de agenda legislativa pela Administração Pública, tendo por referência estudo dos Consultores Legislativos Rafael Siqueira e Silva, do Senado Federal, e Suely Mara Vaz Guimarães Araújo, da Câmara dos Deputados.

Autor
João Durval (PDT - Partido Democrático Trabalhista/BA)
Nome completo: João Durval Carneiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Considerações acerca da apropriação de agenda legislativa pela Administração Pública, tendo por referência estudo dos Consultores Legislativos Rafael Siqueira e Silva, do Senado Federal, e Suely Mara Vaz Guimarães Araújo, da Câmara dos Deputados.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2010 - Página 48869
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, PROCESSO, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, CRITICA, EXCESSO, APROPRIAÇÃO, EXECUTIVO, COMPETENCIA, LEGISLATIVO, OCORRENCIA, PREJUIZO, ATUAÇÃO, CONGRESSISTA, ANALISE, ELOGIO, ESTUDO, AUTORIA, CONSULTOR, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ELABORAÇÃO, INDICE, FREQUENCIA, INTERFERENCIA, DIVERSIDADE, SITUAÇÃO, DETALHAMENTO, DIRETRIZ, PESQUISA, SUGESTÃO, FUNDAMENTAÇÃO, DISCUSSÃO, OPORTUNIDADE, RENOVAÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CONGRESSO NACIONAL, NECESSIDADE, PROMOÇÃO, DEBATE, INDEPENDENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • ESPECIFICAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REPRODUÇÃO, TEXTO, PROJETO DE LEI, PREJUIZO, PROCESSO LEGISLATIVO.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Gilvam Borges, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o modelo clássico da democracia moderna fundamenta-se no princípio da separação e da independência dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Ao formular esse modelo, Montesquieu anunciava o esgotamento do Ancien Régime, estruturado a partir da noção do direito divino dos monarcas, e projetava a futura organização dos Estados nacionais democráticos da nova era que se iniciava.

            Esse foi o modelo que se foi consolidando até prevalecer nas democracias ocidentais, ao longo dos séculos XIX e XX, e serviu de base, pelo menos em nível formal, para nações de desenvolvimento técnico e institucional mais atrasado, como os países da América Latina, inclusive o Brasil. De fato, embora nossas constituições tenham - quase sempre - consagrado o princípio, a verdade é que a realidade social e política contradizem a letra da lei. A herança autoritária da colonização e da tradição paternalista de nossa organização social prevaleceram sobre os ideais expressos em nossas leis. É fenômeno muito mais profundo do que a reincidência dos períodos de autocracia ou autoritarismo atravessados no século passado.

            A consolidação da democracia em nosso País, de fato, ainda está em processo. Entretanto, o progresso da tecnologia, tornado vertiginoso nas décadas recentes, faz surgir diante dos homens e das instituições novos desafios. As mudanças da realidade, proporcionadas pelas novas tecnologias, exigem dos Estados a formulação de legislações específicas, em velocidade nem sempre possível pelo processo clássico. Não deixa de ser natural, portanto, que no mundo todo o Poder Executivo seja instado a se intrometer na função legislativa para atender a demandas específicas da sociedade em transformação.

            Contudo, para cada objeto há medidas. No Brasil, um tema tem sido objeto frequente de controvérsia e debate nos meios acadêmicos, mas também no ambiente político. Trata-se da apropriação da agenda do Poder Legislativo pelos outros Poderes. Tanto acontece o fenômeno chamado “judicialização” do processo legislativo - quando os tribunais, em especial o Supremo Tribunal Federal, tomam a iniciativa do estabelecimento de normas de caráter legislativo - quanto a apropriação de agenda legislativa pela Administração Federal.

            É precisamente sobre esse último ponto que os Consultores Legislativos Rafael Siqueira e Silva, do Senado Federal, e Suely Mara Vaz Guimarães Araújo, da Câmara dos Deputados, realizaram um estudo publicado na série “Textos para Discussão”, do Centro de Estudos da Consultoria do Senado. Cabe mencionar que a série, iniciada há poucos anos e tendo atingindo a marca de 76 documentos, já se tornou referencia para parlamentares em busca de fundamentação para suas iniciativas legislativas, e também para comentaristas e cientistas políticos.

            Ocorre, Sr. Presidente, que, como mostram os autores, o Executivo dispõe de mais de um mecanismo de interferência no trabalho do Legislativo. Ele pode, por exemplo, enviar medidas provisórias ou projetos de lei de sua pura iniciativa, atropelando as pautas das Casas do Congresso. Pode, inclusive, tomar projetos de lei de iniciativa parlamentar que tramitem nas Casas do Congresso, reformulá-los a sua feição e transformá-los em projetos ou medidas provisórias de sua iniciativa a serem enviados ao Congresso. Por considerarem que cada uma dessas formas de apropriação da agenda legislativa apresenta um grau diferente de interferência ou intromissão, os dois consultores, em seu trabalho, enunciaram um índice de medida ou aferição dessa apropriação de agenda.

            Esse índice compreende a avaliação de três etapas do que pode constituir a apropriação de proposta legislativa pelo Poder Executivo: primeiro, o grau de participação de parlamentares na proposição da novidade legislativa; segundo, a abordagem do Executivo na proposição; e, em terceiro lugar, o tipo de proposição encaminhada. O primeiro indicador dá conta da possibilidade de o parlamentar, ou mais de um, que, tendo sido autor da proposta original que foi apropriada, relator em uma comissão temática, ou que tenha produzido parecer sobre ela, ter sido ouvido pelo Executivo antes do envio da proposta do Palácio do Planalto.

            Quanto ao quesito abordagem, os autores consideram uma escala de semelhança entre a proposição original e a enviada pelo Palácio do Planalto. Essa escala inclui as seguintes possibilidades: proposta semelhante, semelhante com acréscimos, diversa e conflitante. A cada uma dessas possibilidades é arbitrado um valor de zero a um, que depende também do valor obtido no primeiro critério, por razões da lógica do índice.

            O terceiro e último quesito ou critério para a avaliação do grau de interferência ou apropriação da agenda legislativa pelo Poder Executivo, segundo o índice elaborado pelos consultores legislativos, diz respeito ao tipo de proposição enviada ao Congresso.

Elas podem ser medidas provisórias, projetos de lei com tramitação independente - a que não podem ser anexadas ou apensadas outras matérias -, projetos de lei apensados e, finalmente, regulamentações. Os autores atribuem a cada tipo de proposição um valor entre zero e um.

            Rafael Silveira e Suely Araújo, para exemplificação e validação de seu instrumento de aferição, aplicaram o índice que elaboraram a 20 casos pinçados das pautas de trabalho do ano passado, nas mais diversas áreas de legislação.

            O primeiro exemplo apresentado pelos autores é o da legislação sobre política urbana e habitacional e regularização fundiária, tema que vinha, desde longo tempo, sendo discutido no Congresso. A apresentação, em março de 2009, da MPV nº 459, relativa ao programa Minha Casa, Minha Vida, embora tenha apenas diferenças pontuais em relação ao PL nº 3.057/2000 e seus apensados, atropelou a agenda da Câmara dos Deputados.

            Outro exemplo é a legislação sobre gestão de resíduos sólidos, no contexto da política de meio ambiente. Segundo os autores, não houve participação de parlamentares que trabalhavam no tema, a abordagem do Executivo foi diversa da que era negociada no Congresso, e a proposição tinha projeto de lei apensado.

            Sr. Presidente, faltam-me apenas duas páginas.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - V. Exª terá o tempo que achar conveniente para usar da palavra.

            O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            A título de exemplo de cooperação máxima entre o Executivo e o Legislativo em casos de apropriação de agenda, cito o caso da política agrária. A MP 422/2008 reproduziu na íntegra o PL 2.278/2007, de autoria do Deputado Asdrúbal Bentes, do Pará. No exemplo, ocorreu, segundo os autores, apropriação com participação do autor, e o texto da medida provisória era idêntico ao original.

            Neste momento, com renovação na Presidência da República e nas duas Casas do Congresso - além dos cargos de Governador e de Deputado Estadual nas Unidades Federadas -, é conveniente voltarmos a propor um debate sobre questões que se encontram, no mínimo, mal resolvidas atualmente, como a do pacto federativo e a da independência e separação dos Poderes. O trabalho de Rafael Silveira e Suely Araújo pode ser útil para a discussão sobre a interferência do Executivo na tarefa da elaboração das leis, em princípio exclusiva do Poder Legislativo.

            Eu gostaria de expressar um elogio e um agradecimento aos autores do estudo que acabo de abordar e, mais amplamente, à Consultoria Legislativa do Senado Federal, pela iniciativa de produzir e divulgar essas análises sobre as mais diversas questões de relevância para o trabalho do Senado.

            Sr. Presidente, muito obrigado pela atenção que me dispensou.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2010 - Página 48869