Discurso durante a 177ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a violência contra a criança e o adolescente no Brasil.

Autor
Níura Demarchi (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SC)
Nome completo: Níura Sandra Demarchi dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com a violência contra a criança e o adolescente no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2010 - Página 49050
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, VITIMA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BRASIL, LEITURA, TRECHO, ESTUDO, COMENTARIO, NOTICIARIO, APRESENTAÇÃO, DADOS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), MINISTERIO DA SAUDE (MS), MORTE, AGRESSÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, NEGLIGENCIA, PAES, DETALHAMENTO, DANOS, ABUSO, VIDA, MENOR, IMPORTANCIA, SENADO, DISCUSSÃO, ASSUNTO, ELOGIO, TRABALHO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS).
  • COMENTARIO, DEPOIMENTO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), CRIMINOSO, PAES, ELOGIO, INICIATIVA, PROFESSOR, REALIZAÇÃO, DENUNCIA, OCORRENCIA, AGRESSÃO, CRIANÇA, CRECHE, ESTADO DE RONDONIA (RO), DENUNCIANTE, COORDENADOR, ATENÇÃO, RESPONSABILIDADE, ESCOLA PUBLICA, ESCOLA PARTICULAR, APOIO, COMBATE, CRIME.
  • COBRANÇA, ESTADO, FAMILIA, RESPONSABILIDADE, COMBATE, AGRESSÃO, GARANTIA, RESPEITO, DIGNIDADE, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, NECESSIDADE, APLICAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, CONCLAMAÇÃO, ENGAJAMENTO, SOCIEDADE, CLASSE POLITICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª NÍURA DEMARCHI (PSDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srª Senadora Fátima Cleide, aqui presente, Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna tratar de um assunto que muito me entristece, porque acontece no nosso dia a dia.

            Como professora que fui, aos 16 anos, estando em sala de aula provavelmente como a Senadora Fátima Cleide, grande Presidente da Comissão de Educação, o assunto de que trato aqui hoje me deixa bastante constrangida, primeiramente por ser mulher brasileira e mãe: em todos os locais deste País, vê-se o tamanho da violência contra nossos pequenos, mas grandes cidadãos brasileiros, que são a criança e o adolescente.

            Inicio meu pronunciamento com as palavras de Maria Cecília de Souza Minayo, que tem um título, divulgado em 2001 - “Violência contra crianças e adolescentes: questão social, questão de saúde”:

A história mostra que, desde os tempos primitivos até o momento presente, a violência contra a criança se apresenta como um fenômeno social e cultural de grande relevância. Em diferentes sociedades, as formas, as mais cruéis e as mais sutis, se diferenciam. No Brasil pode-se distinguir uma violência estrutural, cujas expressões mais fortes são o trabalho infantil, a existência de crianças vivendo nas ruas e em instituições fechadas; uma violência social, cujas mais vivas expressões se configuram na violência doméstica; uma violência delinquencial, na qual as crianças são vítimas e atores.

            Eu vou citar algumas partes de alguns relatos feitos pela imprensa brasileira em vários jornais brasileiros, tomando os últimos anos como princípio.

            Apenas em 2004, 19,5 mil casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes foram registrados no Brasil. Através do Unicef Brazil - Imprensa, em 2006, soubemos que as internações de crianças menores de um ano chegaram a 50,92%, vítimas da negligência dos adultos. Ainda segundo dados de 2009 da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância, 12% dos 55 milhões de crianças brasileiras menores de 14 anos são vítimas, anualmente, de alguma forma de violência. As violências e os acidentes, juntos, constituem a segunda causa de óbitos no quadro geral da mortalidade brasileira. Na faixa etária entre 1 e 9 anos, 25% das mortes são decorrentes da violência.

            Entre 5 e 19 anos, a violência é a primeira causa entre todas as mortes ocorridas nessa faixa etária, segundo dados do Ministério da Saúde, ou seja, a gravidade do problema atinge significativamente a infância e a adolescência. O Senador Mozarildo Cavalcanti também já tratou desse assunto nesta Casa. Aliás, Sr. Presidente, há 35 discursos relativos ao assunto feitos por Parlamentares deste Senado, incluídos: Fátima Cleide, Geraldo Mesquita, Marco Maciel, Lúcia Vânia, Magno Malta, Patrícia Saboya, Paulo Paim, V. Exª, Alvaro Dias e muitos outros. Cito isso apenas para que vejam a importância desse assunto que nos aflige no dia a dia, nos aflige como cidadãos, nos aflige como parlamentares, nos aflige como gente.

            Souza, Florio e Kawamoto, em 2001, também afirmaram que a criança abusada é considerada uma vítima em potencial devido às suas características peculiares, como a inocência, a confiança nos adultos, a fragilidade física e a incapacidade de decidir se deve ou não consentir o ato.

            Os autores apontam ainda as consequências que afetam crianças e adolescentes em decorrência do abuso sexual. A curto prazo, pode ocasionar distúrbio do sono, problemas escolares, interesse sexual precoce, alteração do humor, ansiedade, dor psicossomática, e, a longo prazo, é comum a criança se prostituir, apresentar distúrbios psicológicos, usar drogas, ter depressão, baixa autoestima, tentativas de suicídio, dificuldades para o ato sexual.

            São Paulo, 7 de maio de 2009, também em uma campanha de combate à violência contra crianças e adolescentes, revela dados assustadores. Em Santa Catarina também, no Jornal do Médio Vale, em 17 de maio de 2010, os conselhos tutelares daquela região registram números elevados de ocorrências contra menores, e principalmente os maus tratos e a violência psicológica ocupam mais de 80% das ocorrências registradas pelos conselhos tutelares.

            O Portal do Ministério Público de Goiás, recentemente também, em 28 de dezembro de 2009, denuncia crime sexual em alta também aqui no Distrito Federal.

            A cada dia, pelo menos oitenta casos de crianças vítimas de violência sexual no País chegam ao disque-denúncia, o DD-100, criado também recentemente, sendo que a maioria das vítimas é do sexo feminino. Nos seis anos de existência, são cerca de dois milhões de denúncias no disque-denúncia. A violência sexual aparece como maioria, com 80% dos casos, contra 56% de negligência e 55% de violência física e psicológica. Às vezes, há situações, Sr. Presidente, em que os três crimes são praticados contra uma ou várias crianças ao mesmo tempo.

            Violência sexual é responsabilidade também da escola na proteção de crianças e adolescentes. A partir do advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, o art. 245 determina que o professor e demais profissionais das redes públicas e particulares de ensino têm a responsabilidade de comunicar às autoridades competentes qualquer caso suspeito de violência ou maus tratos contra estudantes com menos de 18 anos.

            Na verdade, na prática, a consequência disso não se verifica na maioria das escolas brasileiras, por falta de envolvimento também dos profissionais com o tema ou por falta de capacitação, prevalecendo, assim, a omissão.

            Mas, graças a Deus, o discernimento, o bem-querer e a proteção prevaleceram para as professoras e diretoras de uma escola municipal do meu Estado. E tenho certeza, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que isso vem prevalecendo também no Brasil. E nas duas pontas: não só da violência dentro de casa, como da violência dentro da escola, da violência na rua, da violência da fila do posto de saúde, que a nossa criança sofre, e de várias violências. Mais especificamente hoje a violência sexual praticada pelas pessoas mais próximas e de quem a criança deveria ter maior proteção, ou seja, seu pai e sua mãe.

            No meu Estado, recentemente, nos últimos três dias, um fato causou comoção popular, e essa professora e essa diretora e toda a escola conseguiram prender e mandar à punição os pais de uma menina de 12 anos com sua irmã de 6 anos, que sofriam o horror de um pai e da mãe. Ao ser preso, o casal explicou assim a violência que praticava contra as duas filhas: a mulher disse que não queria ter relações com o marido e, há pelo menos quatro anos, consentia que ele abusasse das meninas. Vejam, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a tristeza que deve abater-se sobre os educadores, sobre os parlamentares, sobre todos os que governam, sobre todos os que cuidam, ao saberem que aquele que deveria ter, cada vez mais, o dever do cuidado se presta a esse papel horroroso, a um papel indigno de ser humano. Mas, ainda assim, graças a Deus, a coordenadora pedagógica de uma creche denunciou o fato - e a ela quero levar aqui toda a minha gratidão de mãe e de parlamentar. Também agradeço àquela profissional de Goiânia que denunciou a diretora que praticava solavancos, beliscões, sufocamentos, tapas, ameaças, dentro de uma creche que dirigia. Imagine, Sr. Presidente, que a diretora da creche era o algoz de todas aquelas vinte crianças. Pelo menos vinte crianças estariam sendo vítimas de maus-tratos e agressões verbais, muitas vezes chegando à tortura física e psicológica, num berçário. E agora o caso está sendo investigado pela polícia.

            O Conselho Nacional, a OAB e outros órgãos nacionais e internacionais reuniram-se de 3 a 5 de novembro, num debate sobre o depoimento especial de crianças e adolescentes, importante instrumento na punibilidade de agressores.

            Veja, Sr. Presidente, o que causou essa professora que abriu um diálogo para aquela menina de 12 anos que pôde dizer que seus pais eram seus algozes. Veja o que isso significa no mundo jurídico, a importância que teve ela poder dizer o sofrimento que ela havia passado durante quatro anos. E o casal estava de malas prontas para ir embora, Sr. Presidente, quando descobriram que a escola começou a investigar mais de perto.

            Que bom que se tem essa coragem. Que bom que possamos todos denunciar. Que bom que a coordenadora, orientadora dessa creche teve a coragem de denunciar.

            Mas eu quero ir mais além, senhores, daquilo que tenho observado e sentido. E partilho meus sentimentos aqui com os nobres Senadores, como a Senadora Patrícia Saboya, em incansável luta pela valorização da criança brasileira, como os demais Senadores que se debruçaram sobre essa matéria tão relevante. Quero fazer voz e força. E compartilho da necessidade de libertação urgente de nossas crianças.

            Parece-me óbvio que os algozes são os que devem proteger. E nós, como Estado, representantes legítimos do Parlamento nacional, a Alta Câmara deste País, devemos reconhecer, Sr. Presidente, que há algozes diversos espalhados pelo nosso Brasil, tão próximos aos nossos olhos. E refiro-me às várias formas de violência social, porque hoje às nossas crianças são dadas responsabilidades que não são delas.

            Senador Mozarildo Cavalcanti, quando nós tratamos das responsabilidades que não são delas, está muito claro que a primeira responsabilidade é do Estado e que a segunda responsabilidade é da família, por instituto civil democrático de direito e constitucional e, por fim, de toda a sociedade, daquele que diz, daquele que olha, daquele que não diz, daquele que vê, daquele que omite.

            Há várias formas sociais de violência, e expor uma criança à publicidade para lucro também é uma violência e é responsabilidade de todos. Os pais que deixam seus filhos menores de 18 anos serem produtos ou subprodutos da mídia cometem uma violência absurda todos os dias.

            A sociedade exige da criança proteção ao meio ambiente. É evidente que a formação educa, mas o exemplo não é delas, mas nosso. A sociedade brasileira, a família e o Estado mais uma vez se omitem no seu devido papel de proteger. Como podemos imaginar, Srs. Senadores, uma criança hoje de seis anos ter que tratar do meio ambiente como se ela fosse responsável por toda a degradação ambiental? É uma violência à sua inteligência, à sua imaturidade, mas principalmente à sua dignidade.

            Srs. Senadores, percebemos que todos os dias as nossas escolas são invadidas com todos os tipos de campanhas. Senador Paulo Paim, de todos os tipos de campanhas é a criança que tem que dar conta.

            A campanha de educação para o trânsito é uma das campeãs. A criança não dirige, mas a ela cabe a responsabilidade, parece-me, de cuidar do trânsito. Mais uma vez se afronta a dignidade de uma criança, porque nós a ensinamos e queremos que ela respeite o sinal, que ela atravesse devidamente a rua; ensinamos que ela não deve beber ao dirigir, que ela não deve ultrapassar os limites da velocidade, e isso ela também deve dizer aos seus pais. Ora, que triste é uma vida infantil quando os pais, que são os verdadeiros exemplos dessa criança, não respeitam as regras!

            Quero usar ainda, Sr. Presidente, a força de minha voz, com o coração extremamente entristecido não só pelo que vejo, mas pelo que acompanho, pois me parece muitas vezes que somos muito impotentes diante das graves cenas que vemos todos os dias. Quero usar a força de minha voz junto aos demais que aqui já fizeram a força da sua voz.

            Aqui, no Senado Federal, só nos últimos dois anos, com relação à violência infantojuvenil, foram pelo menos 35 pronunciamentos. Muito se tem feito no âmbito das Comissões de Educação, Assuntos Sociais, Constituição e Justiça, mas, certamente, Srs. Senadores, muito mais há por fazermos.

            Estamos assistindo a mais casos no dia a dia, além do caso de Isabela, do das irmãs de Santa Catarina, além do caso dessa creche onde crianças de zero a quatro anos de idade eram violadas por sua própria diretora, além dos trotes absurdos nas faculdades e muito além das mortes de mães e filhos juntos - vítimas do autoritarismo, da posse, das drogas e do álcool -, muito além de filhos que matam pais. Estamos coniventes com o esfacelamento da dignidade humana. Estamos permitindo, inclusive, que o Estado erre no trato à cidadania da criança, nos valores, na construção dos verdadeiros anseios de futuro de toda a Nação.

            Não podemos permitir erros do Estado, da sociedade e da família! O respeito urge, Sr. Presidente! Haveremos de erguer vozes contra fraudes, inclusive nos concursos, na condição de estudantes, como alguns casos que temos acompanhado nos últimos tempos.

            O respeito urge, e é tempo de darmos um presente digno às nossas crianças e adolescentes, pelo combate incansável em favor delas, como fizeram as professoras de Santa Catarina; como fez a coordenadora da creche em Goiânia. Combate incansável este que também deverá ser da nossa Polícia Rodoviária Federal, em todos os Estados brasileiros.

            E aqui quero me retratar e me colocar junto ao Estado de Santa Catarina, onde a 8ª Superintendência da Polícia Federal, pela sua última estatística, elencou 70 pontos de exploração sexual de crianças no Estado de Santa Catarina, especialmente nas rodovias federais, assim como também ocorre em outros Estados.

            Como disse aqui o Senador Cristovam Buarque, que presente digno queremos dar a essas nossas crianças? Que presente digno é esse para o futuro, se nós, pelas estatísticas, parecemos estar mais errando que acertando? Ora, nós temos os números nas mãos, as denúncias estão sendo feitas, e todos os dias as coisas acontecem sob nossos olhos, sob nossas mentes e sob o nosso papel de Parlamentar.

            É chegada a hora do basta! Como princípio, não vou mais tolerar os pontos de prostituição infantil em meu Estado; não vou tolerar escolas ineficientes; não vou tolerar agentes de governo surdos. A todo custo, estarei presente não apenas no debate, na apresentação de denúncia ou em números estatísticos. Presente estarei, Sr. Presidente, no combate, porque devemos combater esse combate, que é muito forte. Se não combatermos, a sociedade brasileira permanecerá indigna na forma como se apresenta.

            Cabe, por fim, ressaltar que coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente a norma de natureza infraconstitucional. Vamos obedecer ao Estatuto da Criança e do Adolescente e não vamos calar as nossas vozes.

            Sr. Presidente, trago a esta tribuna este tema que considero sempre atual, sempre oportuno, mas sempre muito triste para as características do que já é o nosso povo brasileiro. Representando hoje a oitava economia mundial, nós não podemos aceitar números tão indignos relativos às nossas crianças brasileiras.

            Quero agradecer a V. Exª pelo espaço que me concedeu e deixar registrada aqui a minha indignação, mas, certamente, o meu combate muito maior, pelo estudo que pude fazer aqui no Senado, aprofundando-me, como também todos os demais Senadores, naquilo que já pôde ser feito pelo meu País. Mas nós devemos avançar e realmente enaltecer as pessoas que têm essa coragem, não só de denunciar, mas de realmente remexer nas coisas que muitas pessoas muitas vezes não querem ou não se agradam de fazer.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2010 - Página 49050